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Andressa LOLI BAZO INCLUSÃO Social CÁRCERE Leis do e uma análise institucional do discurso de uma facção

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Andressa LOLI BAZO

INCLUSÃOSocial

CÁRCERELeis do

e ANDRESSALoli Bazo

INCLUSÃOSocial

CÁRCERELeis do

e

u m a a n á l i s e i n s t i t u c i o n a ldo discurso de uma facção

Professora de Direito Penal na Universidade Presbi-teriana Mackenzie (CCT). Doutoranda e Mestra em

Criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de

São Paulo (FDUSP), com pes-quisa financiada pela Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto

de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Bacharela

em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

No cenário das práticas prisionais institucionali-zadas, a coexistência de mecanismos repressivos

emanados das instâncias oficiais de controle e de dispositivos disciplinares manipulados pelas

facções tem sido amplamente discutida na litera-tura acadêmica. A maioria dos autores sustenta

que, apesar de haver uma relação de cooperação entre esses dois polos normativos, a facção seria

formada por uma complexa rede de solidarie-dade. A partir desse panorama, o objetivo dessa pesquisa é compreender as representações das relações de pertencimento para os membros de uma facção. Desde a formulação de seus objeti-

vos, a pesquisa vale-se da estratégia metodológi-ca da análise institucional do discurso. Esse mé-todo permitiu configurar os lugares assumidos e atribuídos pelos faccionados nas relações tecidas

entre esses atores institucionais. O processo analítico evidenciou cinco categorias temáticas

centrais. Nestas, atentou-se às regularidades e às singularidades produzidas na construção da

cena discursiva e aos efeitos de reconhecimento e de desconhecimento da relatividade das práticas institucionais. Observou-se como a subjetividade

se produz na constante tensão entre o assujei-tamento à ordem institucional e a resistência

a essa mesma ordem. O estudo aponta para os jogos de força, poder e verdade negociados entre

o pertencimento e o aprisionamento.

Este livro é resultado da pes-quisa desenvolvida no curso de Mestrado em Criminologia do Programa de Pós-Gradu-ação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, realizada sob a orientação do Professor Alvino Augusto de Sá e defendida em 18 de agosto de 2017 perante banca composta pelos Professores Drs. Sérgio Salomão Shecaira, Bruno Shi-mizu e Marlene Guirado. Nesta versão revista da dissertação, que foi financiada pela Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o leitor é convidado a conhecer as repre-sentações do lugar do facciona-do nas relações instituídas pela facção no ambiente prisional sob o olhar de uma análise institucional do discurso. A pes-quisa apresenta a análise de seis entrevistas realizadas na Penitenciária Regional de São Luís, no Estado do Maranhão, e discorre sobre a conotação do sentimento de pertencimento para o preso que integra uma facção prisional.

ISBN 978-65-80444-74-8

Andressa LOLI BAZO

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Leis do Cárcere e Inc lusão Socia l :

uma aná l i se i n s t i tuc iona l do d i scu r s o de uma facção

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Leis do Cárcere e Inc lusão Socia l :

uma aná l i se i n s t i tuc iona l do d i scu r s o de uma facção

Andressa Lol i Bazo

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Copyright © 2019, D’Plácido Editora.Copyright © 2019, Andressa Loli Bazo.

Editor ChefePlácido Arraes

EditorTales Leon de Marco

Produtora EditorialBárbara Rodrigues

Capa, projeto gráficoNathalia Torres

DiagramaçãoBárbara Rodrigues

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,

por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R

Catalogação na Publicação (CIP)Ficha catalográfica

BAZO, Andressa Loli.Leis do Cárcere e Inclusão Social: uma análise institucional do discurso de

uma facção-- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.176 p.

ISBN: 978-65-80444-74-8

1. Direito. 2. Direito Penal. I. Título.

CDD341.5 CDU343

Editora D’PlácidoAv. Brasil, 1843, Savassi

Belo Horizonte – MGTel.: 31 3261 2801

CEP 30140-007

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“O sentido é, em si mesmo, inacessível ao conhecimento, uma vez que a condição de todo conhecimento é uma análise,

seja qual for sua natureza.”

(Louis Hjelmslev, 1961)

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Ao professor Alvino Augusto de Sá.

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Agradecimentos

Este livro é produto de uma sorte de encontros com pessoas especiais. A elas, nominadas ou não, eu dedico toda a minha a gratidão. Em primeiro lugar, agradeço ao meu orien-tador, professor Alvino Augusto de Sá, figura cuja luz não se apaga. A ele, que timidamente conheci em 2013, quando ainda terminava o curso de graduação em Direito na Uni-versidade Estadual de Maringá, agradeço pelo acolhimento no Largo de São Francisco e pelo exemplo de coerência no desenvolvimento de um trabalho teórico e prático. Sua energia e criatividade são, sem dúvidas, fontes de inspiração que se renovam nas lembranças.

Agradeço a todas as professoras e professores que ins-piraram a minha formação e desenvolvimento acadêmico. À Marlene Guirado, por questionar minhas certezas, pelo imprescindível suporte na reconfiguração do olhar de pes-quisadora e por toda a supervisão na estruturação do roteiro de entrevista e de sua análise. Com ela, aprendi o significado de honestidade intelectual, que se revela na escrita do texto. À Ana Gabriela Mendes Braga, pelas valiosas contribuições em meu exame de qualificação. Ao professor Sérgio Salomão Shecaira e ao Bruno Shimizu, pela criteriosa avaliação e por todas as sugestões durante a banca de defesa. Não poderia deixar de agradecer também ao professor Alexandre Ribas

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de Paulo, que despertou, ainda durante a graduação, meu interesse pela carreira acadêmica, constituindo a maior fonte de estímulo ao meu ingresso na Pós-Graduação, bem como às professoras Érika Mendes de Carvalho e Gisele Mendes de Carvalho, minhas primeiras referências na pesquisa.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do processo 2015/19562-4 e aos seus pareceristas que, embora anônimos, fizeram preciosas observações, permitindo que este trabalho fosse aperfeiçoado desde o projeto até o relatório final.

Agradeço aos membros do Grupo de Investigação so-bre a Punição, pelas profícuas e instigadoras reflexões. Às coordenadoras adjuntas do Grupo de Diálogo Universidade--Cárcere-Comunidade, pelo companheirismo. Em especial, à Tássia Tavares, que me acolheu em terras paulistanas e me ensinou o caminho até a faculdade, com todo seu cuidado e amor, e à Natália Sanzovo, pelo carinho e tranquilidade, pelos elogios gratuitos e otimismo peculiar. Ao grupo de orientação de Marlene Guirado, pela cuidadosa leitura e discussão. À Giovanna Scarpari e ao José Tiago Cardoso, por compartilharem comigo os desafios de pensar com a estratégia da análise institucional do discurso. Ao Gustavo Higa, pelas indicações de textos e seminários. Ao André Luiz Rabelo Melo, por me apresentar a uma linguagem mais virtuosa na redação de uma peça, que inevitavelmente repercutiu na redação da pesquisa. Agradeço também à Dalva e à Marcela, pela sensibilidade e doçura com que sempre me atenderam na secretaria do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia.

Esta pesquisa não teria sido possível, ainda, sem a autori-zação da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado do Maranhão e a colaboração genuína de toda sua equipe, à qual eu agradeço nas pessoas de Murilo Andrade de Oliveira e de Odaíza Moura Gadelha Neta, por todo o supor-te na exploração do campo, pela generosidade e desmedida

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atenção na minha recepção em São Luís. Agradeço a todos os diretores, técnicos e agentes de segurança, em especial ao Marcos Robson Travassos do Nascimento, pela paciência e solicitude. Suas contribuições foram determinantes para os rumos do trabalho. Agradeço sobretudo aos entrevistados, por cederem seu tempo e pela confiança no meu trabalho. Ainda em terras ludovicenses, agradeço ao Hélder Furtado, pelo apoio, e ao Ariston, pela atenção.

Aos meus pais, eu agradeço pelo suporte emocional e financeiro. Desfrutar do amor que me dedicam é um verda-deiro privilégio. Ao meu irmão, por todo cuidado, e à Renata, pelas conversas e pelo incentivo. Aos meus avós, pelas orações e pela ternura. A eles, devoto o que há de melhor em mim. À minha família, agradeço pelo apoio e carinho. Ao Felipe, pela segurança que me permitiu cruzar tempestades com calma-ria. Às minhas amigas de Maringá, Andressa Andrade, Valine Castaldelli e Fernanda Bertoco, pela leveza e por toda força.

Por fim, este trabalho não seria publicado sem o cons-tante incentivo da minha querida amiga Flávia Siqueira, o apoio de Thiago Colnago e a confiança de Plácido Arraes, aos quais eu estendo a minha profunda gratidão.

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Sumário

Prefácio 15

Introdução 19

1. A facção como objeto dos discursos acadêmicos 23

1.1. Formas e contornos de um fenômeno em mutação 241.2. A identidade do preso nas trincheiras da facção 34

2. Método 592.1. Análise Institucional Do Discurso 622.2. A Pesquisa sob o crivo da Análise

Institucional do Discurso 84

3. Corpus discursivo e sua análise 893.1. Vida, Crime e Prisão: ocasião para o fortuito 1023.2. Linguagem e Separação 1103.3. Sujeito-facção: a questão do pertencimento 1193.4. O lugar da (in)justiça 1333.5. A facção como prisão 1463.6. Manoel: retrato de uma metamorfose 153

Conclusão 165

Referências 171

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Prefác io

Não sou eu quem deveria escrever o prefácio desta obra, fruto da brilhante pesquisa de Andressa Loli Bazo. O trabalho que o leitor tem em mãos, fruto da pesquisa da autora em nível de Mestrado pela Faculdade de Direito da USP, foi orientado pelo professor Alvino Augusto de Sá, que nos deixou recentemente. A influência do pensamento do professor Alvino sobre a forma como Andressa olha para o campo prisional é evidente.

A pesquisa ora publicada é fruto de um trabalho essen-cial para compreender o fenômeno das facções prisionais no Brasil. A autora realizou entrevistas com presos faccionados no Estado do Maranhão, prosseguindo na compreensão das falas colhidas a partir do método da análise institucional do discurso, conforme proposto por Marlene Guirado.

O sistema prisional maranhense tem sido palco de cons-tantes massacres. A visão de corpos decapitados no complexo prisional de Pedrinhas, em imagens divulgadas pela imprensa em 2014, chamou a atenção não tanto pela novidade do que se via, mas pelo caráter ostensivo com que imagens nos atingem de forma mais visceral que os sucessivos relatórios de mortos no sistema prisional.

As prisões, no Brasil, são instituições que corporificam a política de extermínio levada a cabo pelo sistema penal.

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A letalidade provocada por todas as suas agências – desde as execuções policiais até a atuação judiciária e a consequente mortalidade provocada pelo encarceramento em massa – atribui um caráter de genocídio às nossas práticas penais.

É nesse contexto que Andressa escolhe ir ao “olho do furacão” para tentar compreender qual o papel desempenhado pelas facções prisionais. Em locais como São Paulo, a simbiose entre o PCC e as instâncias formais de controle penal propicia um equilíbrio – tênue, é verdade – que retira o fenômeno das facções das vistas do público, apesar da expansão de seu efeito normalizador nas cadeias e nas “quebradas”. No Ma-ranhão, contudo, onde a pesquisa foi feita, naquele momento, detectou-se um desequilíbrio político entre o que Sykes chama de “a sociedade dos cativos” e as instâncias formais de controle, desencadeando disputas entre grupos e rebeliões. Andressa, assim, optou por voltar seus olhos ao fenômeno em sua forma “aguda”, ouvindo os discursos dos faccionados que se produzem em um momento de desequilíbrio entre as instituições facção e prisão.

Mesmo nesses momentos de disputa, contudo, An-dressa identifica a manutenção do caráter simbiótico entre as facções e o sistema penal, soterrando a hipótese de que a facção seria um “estado paralelo”. A facção depende da prisão para sua existência enquanto instituição. A prisão depende da facção como forma de capilarização do controle sobre os corpos presos.

A riqueza com que esses postulados teóricos, já pre-sentes nas pesquisas anteriores sobre o tema das facções, aparece na fala dos presos faccionados é digna de nota. Nesse sentido, a autora transcreve a fala do preso que ela nomeou como Francisco:

Se acostumar assim é... com a rotina da cadeia, entendeu? É... com o fato de a gente, é... tá, tá, se encontrar, é, preso, entendeu, no meio de um convívio onde é dominado

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pelo uma facção, você tem que, é... se habituar, é, andar na regra ali, porque apesar de ter a disciplina, é... da, do, da, da casa, né, dos regente da casa, que no caso é o Estado, tem a disciplina ainda da facção que você tem que andar na linha e se acostumar ali memo que você é... num é integrante, mas tem que andar na linha ali, seguir reto o mesmo sistema de cada um componente daquela, daquela facção, senão você sabe como é que é né!? Aí tem que se acostumar, isso daí é um dos...

De forma competente e a partir de pressupostos meto-dológicos de inspiração em Foucault, a autora não cede ao caminho fácil da tradição dos discursos clínicos, não tentando subjetivar a narrativa que se produz a partir da fala dos presos; abdica de vinculá-la a desejos secretos e reminiscências da sua história de vida. A análise do discurso aqui empregada é institucional justamente porque, a partir da fala dos faccio-nados, tenta compreender um discurso que se corporifica e que se produz englobando seu contexto e o jogo de poder que se estabelece no campo prisional, (re)produzindo, assim, a verdade da facção. Essa verdade, por certo, é relativa como toda verdade. Os discursos são esmiuçados em sua mate-rialidade corpórea, como ações que se inscrevem em uma dinâmica de poder, e não em sua intencionalidade subjetiva ou em seu conteúdo de verdade ou falsidade.

Mesmo quando os presos falam sobre sua história de vida, a partir da análise institucional do discurso, Andressa consegue identificar um achado valioso, apontando que “suas histórias de vida são atravessadas pelo conflito com a justiça”, sendo que “a prisão, na fala dos entrevistados, aparece como uma contin-gência em sua história de vida fora da lei. Isto é, a prisão não marca um rompimento. Pelo contrário, ela parece fazer parte da ordem natural das coisas”. Nesse sentido, a autora identifica que, no discurso institucional da facção, há uma naturalização do fenômeno do aprisionamento, como um percalço pelo qual o faccionado tem que passar a fim de integrar o “nós”.

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Em meio à revolta estampada de forma manifesta no discurso, portanto, encontra-se, em essência, um “corpus discursivo” que produz a legitimação da própria prisão.

A pesquisa no campo prisional, por fim, tão bem re-presentada por esse trabalho, deve enormes homenagens ao professor Alvino, nosso saudoso orientador e amigo. Ouvir o preso de forma honesta, despida dos preconceitos e das cate-gorias bipolares que dominam o senso comum sobre o crime, é uma das grandes lições que o generoso professor nos deixou. A experiência do Grupo de Diálogo Universidade Cárcere Comunidade, vinculado à Faculdade de Direito da USP e presente nesse trabalho de Andressa, é um dos grandes legados do professor Alvino para o fazer criminológico, ao lado de sua rica produção acadêmica e de seu desenvolvimento de uma “criminologia clínica de terceira geração”, incorporando o paradigma da reação social ao fazer criminológico clínico, fundado no paradigma das inter-relações sociais.

O professor Alvino certamente estaria orgulhoso com essa publicação. Nós, seus discípulos, também estamos. A pesquisa prisional ganha um reforço inestimável com a di-vulgação da dissertação de Andressa, que passa a se constituir como uma obra necessária para o pensamento criminológico sobre o fenômeno das facções prisionais no Brasil.

Bruno ShimizuDoutor e Mestre em Criminologia pela USP

Defensor Público do Estado de São PauloVice-Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências

Criminais – IBCCrim (biênio 2019/2020)

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Int rodução

A prisão ocupa o topo da hierarquia no conjunto das instituições disciplinares. Embora saibamos que a tecnologia punitiva não está encarcerada e que as técnicas e mecanismos disciplinares estão presentes intra e extra-muros, subsistindo de forma capilarizada, não podemos negar que a prisão con-centra a vigilância e o monitoramento do corpo.

No intrincado jogo de forças, poder e resistência que cruza os muros da prisão, teria sido sedimentada uma com-plexa rede social a que se pode denominar facção. As relações entre seus membros configuram o objeto dessa pesquisa. Coloca-se em foco, então, a identidade e o reconhecimento do preso na facção. A pergunta que se estabelece é: como os faccionados se percebem, como eles concebem seu lugar nas relações vividas? Como o indivíduo se vê no conjunto dessas práticas prisionais institucionalizadas? Quais expectativas lhes são endereçadas?

A facção encontra na repetição de suas práticas seu monopólio de legitimidade. É o fazer de seus atores e sua reprodução que confere às suas leis um estatuto de verdade. São as suas leis que lhes dão sustentação e tornam difícil perceber a sua relatividade, as contradições e as tensões no interjogo das relações tecidas histórica e localmente. As percepções dos sujeitos que se denominam faccionados são

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naturalizadas na medida em que suas ações são apropriadas pela facção.

Nesse cenário, o objetivo dessa pesquisa é identificar como o faccionado organiza, quanto às imagens que constrói em seu discurso, a expectativa institucional a respeito de seu lugar na facção, assim como quais as conotações das relações de pertencimento para ele. Em outras palavras, a finalidade dessa pesquisa reside em evidenciar como se fazem as relações entre os participantes de uma facção, identificando os lugares que vão sendo assumidos e atribuídos por esses atores insti-tucionais, conforme o que está reconhecido e desconhecido no/pelo discurso.

A estratégia de pensamento que orienta a pesquisa é a da análise institucional do discurso. A análise busca uma compreensão da rede invisível, simbólica e imaginária que sustenta o cenário das relações entre faccionados. Trata-se de um estudo do pertencimento no modo como aparece no dis-curso daqueles que fazem a facção. Miramos o pertencimento como estruturado nas representações da relação tal como veiculadas no discurso; as representações como constituídas no conjunto das relações concretamente vividas, a partir de uma ordem simbólica de lugares atribuídos e assumidos.

Desse modo, as relações entre aqueles que fazem as facções são entendidas como práticas institucionais e seus membros como atores que organizam essas práticas. A partir dessa perspectiva, buscamos identificar como, no discurso, se configuram as pertenças às práticas da facção por aqueles que as fazem.

Procede-se a uma análise do modo de organização das representações no discurso, ou melhor, das cenas legitimadas na fala daqueles que constroem o objeto dessa instituição em toda a ambiguidade de seus sentidos. Visa-se, com isso, a uma compreensão dos vínculos de pertencimento reconhecidos ou representados como possíveis nas falas daqueles que fa-zem a facção, pressupondo que efeitos de reconhecimento

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e desconhecimento se constroem no conjunto das relações instituídas. Vínculos tal como imaginados pelas que fazem a facção, no dia-a-dia dessa instituição.

Nesse horizonte, o livro é dividido em três capítu-los. O primeiro capítulo traz uma revisão bibliográfica do tema. São apresentadas pesquisas que versam sobre prisão e facção, buscando, com isso, construir o “estado da arte”. Essas pesquisas não são colocadas, entretanto, como alvo da análise do discurso. Nesta parte, nos debruçamos sobretudo sobre a teses e dissertações que trataram da manutenção de uma coesão interna pela facção e de sua atuação como polo produtor de normas.

No segundo capítulo, são apresentados os conceitos que orientam a análise institucional do discurso, ou melhor, os operadores da análise. São eles: discurso, instituição, análise e sujeito. Procuramos, nesta parte, apresentar o campo con-ceitual que sustenta a estratégia de pensamento a partir da qual a pesquisa foi pensada.

Por fim, no terceiro capítulo, são conduzidas as análises das entrevistas realizadas individualmente com seis facciona-dos, com vistas a identificar o lugar que eles se veem ocupan-do nas relações instituídas e a imagem que eles constroem da facção no/pelo discurso. A partir da análise dessas entrevistas, configuramos o nosso discurso sobre as relações produzidas e reproduzidas entre os membros de uma facção.

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de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Bacharela

em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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emanados das instâncias oficiais de controle e de dispositivos disciplinares manipulados pelas

facções tem sido amplamente discutida na litera-tura acadêmica. A maioria dos autores sustenta

que, apesar de haver uma relação de cooperação entre esses dois polos normativos, a facção seria

formada por uma complexa rede de solidarie-dade. A partir desse panorama, o objetivo dessa pesquisa é compreender as representações das relações de pertencimento para os membros de uma facção. Desde a formulação de seus objeti-

vos, a pesquisa vale-se da estratégia metodológi-ca da análise institucional do discurso. Esse mé-todo permitiu configurar os lugares assumidos e atribuídos pelos faccionados nas relações tecidas

entre esses atores institucionais. O processo analítico evidenciou cinco categorias temáticas

centrais. Nestas, atentou-se às regularidades e às singularidades produzidas na construção da

cena discursiva e aos efeitos de reconhecimento e de desconhecimento da relatividade das práticas institucionais. Observou-se como a subjetividade

se produz na constante tensão entre o assujei-tamento à ordem institucional e a resistência

a essa mesma ordem. O estudo aponta para os jogos de força, poder e verdade negociados entre

o pertencimento e o aprisionamento.

Este livro é resultado da pes-quisa desenvolvida no curso de Mestrado em Criminologia do Programa de Pós-Gradu-ação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, realizada sob a orientação do Professor Alvino Augusto de Sá e defendida em 18 de agosto de 2017 perante banca composta pelos Professores Drs. Sérgio Salomão Shecaira, Bruno Shi-mizu e Marlene Guirado. Nesta versão revista da dissertação, que foi financiada pela Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o leitor é convidado a conhecer as repre-sentações do lugar do facciona-do nas relações instituídas pela facção no ambiente prisional sob o olhar de uma análise institucional do discurso. A pes-quisa apresenta a análise de seis entrevistas realizadas na Penitenciária Regional de São Luís, no Estado do Maranhão, e discorre sobre a conotação do sentimento de pertencimento para o preso que integra uma facção prisional.

ISBN 978-65-80444-74-8

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