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Afro-Ásia, 37 (2008), 291-301 291 RESPOSTA A SIDNEY CHALHOUB E À SUA RESENHA “OS CONSERVADORES NO BRASIL IMPÉRIO” Jeffrey D. Needell, The Party of Order: the Conservatives, the State, and Slavery in the Brazilian Monarchy, 1831-1871, Stanford, Stanford University Press, 2006, 460 pp. No número 35 de Afro-Ásia, meu li- vro, The Party of Order, recebeu uma resenha de Sidney Chalhoub. Escre- vo resenhas e, muitas vezes, já fui severo; aceito a idéia de que outros também possam ser assim comigo. Quando feita de uma maneira infor- mada e construtiva, a crítica pode ser útil ao autor e ao leitor também. Mas há pouco de útil nesta resenha – é mais uma distorção do livro e um ata- que pessoal ao autor. Hesitei em res- ponder; o próprio livro faz melhor a sua defesa. Mas, como o livro não pode ser acessível a muitos leitores brasileiros por algum tempo ainda, aceitei a oferta gentil de Afro-Ásia para escrever uma réplica. Percebo nove itens na denúncia de Chalhoub. Primeiro, que não dou o contexto social da história política. Em vez disto, sou acusado de fazer só a história familiar dos chefes con- servadores no primeiro capítulo, de descartar a importância de ação su- balterna, e de depender completamen- te das fontes historiográficas secun- dárias. De fato, no primeiro capítulo faço um estudo geral da história so- cioeconômica fluminense na época c.1750-1831. Também misturo este tipo de história socioeconômica, mui- tas vezes, nas análises políticas dos capítulos seguintes; sempre tento contextualizar assim a história polí- tica no livro. As histórias de família, no capítulo primeiro, mostram os vín- culos entre a elite de comerciantes/ fazendeiros e os chefes conservado- res, seguindo os modelos de João Fragoso e Manolo Florentino. Tam- pouco a ação subalterna é descartada no livro, nem depende completamen- te dos trabalhos de outros. Escrevo sobre sua importância muitas vezes, especialmente na análise das décadas de 1830 e 1840. Trabalho com a his- toriografia secundária sobre as revol- tas da época, obras brasileiras em boa parte, mas também realizei pesquisa, res jeffrey.pmd 11/10/2008, 14:55 291

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    RESPOSTA A SIDNEY CHALHOUB E SUA RESENHAOS CONSERVADORES NO BRASIL IMPRIO

    Jeffrey D. Needell, The Party of Order: the Conservatives, the State,and Slavery in the Brazilian Monarchy, 1831-1871, Stanford, StanfordUniversity Press, 2006, 460 pp.

    No nmero 35 de Afro-sia, meu li-vro, The Party of Order, recebeu umaresenha de Sidney Chalhoub. Escre-vo resenhas e, muitas vezes, j fuisevero; aceito a idia de que outrostambm possam ser assim comigo.Quando feita de uma maneira infor-mada e construtiva, a crtica pode sertil ao autor e ao leitor tambm. Mash pouco de til nesta resenha mais uma distoro do livro e um ata-que pessoal ao autor. Hesitei em res-ponder; o prprio livro faz melhor asua defesa. Mas, como o livro nopode ser acessvel a muitos leitoresbrasileiros por algum tempo ainda,aceitei a oferta gentil de Afro-siapara escrever uma rplica.Percebo nove itens na denncia deChalhoub. Primeiro, que no dou ocontexto social da histria poltica.Em vez disto, sou acusado de fazers a histria familiar dos chefes con-servadores no primeiro captulo, dedescartar a importncia de ao su-

    balterna, e de depender completamen-te das fontes historiogrficas secun-drias. De fato, no primeiro captulofao um estudo geral da histria so-cioeconmica fluminense na pocac.1750-1831. Tambm misturo estetipo de histria socioeconmica, mui-tas vezes, nas anlises polticas doscaptulos seguintes; sempre tentocontextualizar assim a histria pol-tica no livro. As histrias de famlia,no captulo primeiro, mostram os vn-culos entre a elite de comerciantes/fazendeiros e os chefes conservado-res, seguindo os modelos de JooFragoso e Manolo Florentino. Tam-pouco a ao subalterna descartadano livro, nem depende completamen-te dos trabalhos de outros. Escrevosobre sua importncia muitas vezes,especialmente na anlise das dcadasde 1830 e 1840. Trabalho com a his-toriografia secundria sobre as revol-tas da poca, obras brasileiras em boaparte, mas tambm realizei pesquisa,

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    focalizando a violncia urbana doperodo e a relao entre a polticaformal e a violncia popular.A segunda acusao que purgo ahistoriografia, tratando outros histo-riadores como pecadores. O meulivro uma obra de sntese e reviso;assim, a crtica da historiografia ine-vitvel. Escrevo sobre assuntos e po-cas complicados, nos quais outrostm trabalhado; meus colegas voquerer saber onde no concordo comos pioneiros e por qu. Nesta anlisehistoriogrfica, quando entendi queuma obra era problemtica, expliqueipor que, analisando a evidncia e ainterpretao. Os adjetivos foram usa-dos para descrever a obra, no o au-tor a sugesto de Chalhoub de quedescarto um autor como forte par-vo ou outro como fortssimo asno infmia enganosa. Eu no confun-do a capacidade geral de um colegacom um erro ocasional dele. De fato,o leitor ver que cito as proezas dosmesmos colegas que, outras vezes,tenho que criticar.A terceira acusao que a minhaexplicao das origens do partidoconservador falha cronologicamentee que feita para diminuir o impactodas revoltas de 1835, em favor deuma insistncia pretensa de que asfiligranas polticas tm uma auto-nomia com respeito ao processo so-cial e a uma multicausalidade hist-rica. De fato, o que Chalhoub descre-ve como um processo cronolgico

    seqencial em trs estgios seria maisbem descrito como trs processosinter-relacionados, acontecedo entre1834 e 1837. Ainda mais, depois dedescrever estes processos, dou nfa-se ao amplo contexto social no qualeles se desenvolveram, incluindo asrevoltas de 1835 (pp. 59-63). Em TheParty of Order, a histria poltica notem autonomia, nem assumida, nemadiantada, e o contexto social maisamplo e a multicausalidade esto cla-ramente integrados na anlise comodevem.A quarta acusao que descarto afebre amarela como um dos fatoresprincipais na deciso para acabar como trfico de escravos com a frica. verdade; descarto, sim. Chalhoub ar-ticulou um argumento mais forte so-bre este fator em duas obras, e eu tiveque fazer crtica sua posio (e posio semelhante de outros), quan-do tentei entender o fim do trfico emuma anlise que fiz em 2001.1 Estaanlise, que no recebeu nenhumaresposta, formal ou informal, que eusaiba, essencialmente a mesma queest presente no meu livro novo. Sagora que Chalhoub responde, po-rm sem enfrentar a crtica antiga di-retamente. Ele no demonstra comoa febre amarela figurou nas delibera-

    1 Jeffrey D. Needell, Abolition of theBrazilian Slave Trade in 1850:Historiography, Slave Agency, andStatesmanship, Journal of Latin AmericanStudies, vol. 33, no 4 (2001), pp. 689-711.

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    es ou nos debates dos estadistas quetomaram a deciso de acabar com otrfico.O que faz, em vez disto, tentar de-molir algumas das minhas explica-es alternativas. Chalhoub escreveque eu presumo que simplesmentepor causa da presso inglesa e docompromisso pblico de Eusbio deQueirs, em janeiro de 1850, outrosfatores, como a febre amarela ou asrepercusses de recentes revoltas es-cravas, no foram relevantes. De-pois, adiciona que eu tenho uma es-tratgia de subestimar a gravidade daepidemia, e ele tenta mostrar que apreocupao com a febre esteve aci-ma das posies partidrias. Escrevetambm que eu no noto o fato de queuma conexo explcita entre a epide-mia e o trfico j era conhecida napoca. Chalhoub diz que, com tudoisto, h evidncia demais para acei-tar que a febre amarela no foi umfator que contribuiu para a deciso: afebre deve ter ajudado a fazer emer-gir o tipo de firmeza poltica neces-sria para ir adiante [...]. E conclui,dizendo que perdi a oportunidade deintegrar a presso inglesa, o poder dossaquaremas no gabinete, a epidemia,e a insegurana nascida por revoltasescravas, numa explicao do fim dotrfico. O leitor ver que h muitacoisa aqui; de fato, das dez pginasda resenha, duas e meia tm a ver coma defesa feita por Chalhoub da febreamarela. No final, o outro foco da

    resenha o assunto de revoltas es-cravas e a deciso de 1850 deinterroper o trfico atlntico ocupaquase quatro pginas (escrevo sobreeste tema separadamente, paraconform-lo com a organizao deChalhoub).Considero os pontos principais naordem do resenhista. Em relao acusao de que eu tenho uma posi-o a priori sobre as causas do fimdo trfico e sobre a febre amarela,Chalhoub se engana a respeito domeu mtodo (que explico ao leitor naspp. 142-55). Comeo com as novasanlises de Chalhoub e de outros so-bre as revoltas escravas e a febreamarela; descrevo e analiso as evi-dncias usadas em apoio delas commuito cuidado e detalhe e, somentedepois disto, concluo que estes fato-res no tiveram relevncia na deci-so de pr fim ao trfico. Com res-peito ao meu pretenso interesse emsubestimar o impacto da febre ama-rela, de fato, descrevo o choque e ohorror da epidemia e acabo aceitan-do que compreensvel que os no-vos historiadores tenham achado quea febre teve alguma coisa a ver coma legislao que acabou com o trfi-co. No entanto, o que precisa ser de-monstrado, com evidncia, que afebre foi um fator crucial na decisoe provas disto simplesmente no exis-tem. Este o ponto principal: a coin-cidncia entre a data da febre e a datada deciso no constitui evidncia de

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    que uma coisa causou a outra. Devodizer, tambm, que a maior parte dosmeus dados sobre a febre e seus hor-rores (incluindo o nmero dos mor-tos, nmero que Chalhoub critica)vm de Chalhoub mesmo. O ponto arespeito da falta de posio partid-ria sobre a febre no tem nada a vercom meu argumento. O que eu criti-quei foi a idia de que alguns discur-sos, feitos por deputados da oposiosobre a febre, tivessem algum impac-to sobre a posio tomada pelo gabi-nete a respeito do trfico. Primeiro,porque o gabinete j tomara sua po-sio publicamente antes e, segundo,porque a idia nega a realidade pol-tica da poca, presumindo que umgabinete com maioria segura na C-mara prestaria ateno a estes discur-sos da oposio. Tambm, devo indi-car que este ponto de Chalhoub pre-sume que a legislao sobre o trficoteve alguma coisa a ver com a febre exatamente o ponto em dvida.Com respeito acusao de que euno noto a ligao feita na poca en-tre o trfico e a epidemia, isto no verdade, como no verdade que eusubestime o impacto da febre: escre-vo explicitamente sobre os dois (p.150). Nos dois casos, at fao refe-rncia a Chalhoub. O ponto final deChalhoub, de que h coisa demaisaqui para negar o fator da febre nadeciso, simplesmente repete a con-cluso especulativa do trabalho delee de outros. Quero dizer, a presuno

    de causalidade baseada somente emuma conjuntura circunstancial entreuma epidemia ligada ao trfico e umalei que acabou com este trfico. Noh dvida de que a febre foi horrvele que a idia de que ela veio com umnavio negreiro era conhecida. Mas,aqui, como no trabalho publicado,Chalhoub no mostra, com evidn-cia das fontes mais bvias (correspon-dncia particular dos estadistas, dis-cursos parlamentares, o jornal do par-tido, as atas secretas do Conselho deEstado todos acessveis e que estu-dei com cuidado), que a febre teve,de fato, qualquer peso nas decisestomadas pelos estadistas que partici-param das deliberaes decisivas.Com respeito minha pretensa falhaao no integrar todas as causas emminha explicao do fim do trfico, isto mesmo que tentei fazer (pp.151-55). Mostro que o perigo de umbloqueio ingls e o de uma guerracom a Inglaterra (os dois, devo dizer,mal integrados nas explicaespublicadas do mesmo Chalhoub)eram uma ameaa de interveno in-glesa que comeou em 1849 e quedurou at setembro de 1850. Mostrocomo esta ameaa se combinava coma capacidade do gabinete saquarema,o apoio do monarca e as relaes for-tes com os elementos-chave da elitesocioeconmica, no contexto da imi-nncia de uma guerra com a Argenti-na. Tudo isto ajuda a entender por quea poltica de acabar com o trfico foi

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    inicialmente promovida, depois sus-tada e, finalmente, foi feita lei. Nestecontexto, a febre amarela no foi ne-cessria e, repetindo, no h evidn-cia de que, de fato, fosse um fator nadeciso.A quinta acusao que acho a resis-tncia escrava em geral, e as revoltasescravas em particular (a revolta de1835 e as do final dos anos 1840,ou quaisquer outras), sem relevn-cia para o processo histrico e quefao isto porque ignoro uma vastabibliografia brasileira. Todavia, se-gundo Chalhoub, a minha explicaobsica para esta pretensa irrelevnciaseria a falta de uma comunidade es-crava organizada e consciente de si.Ele tambm diz que descrevo a re-volta em Vassouras, em 1838, comoirrelevante porque, entre outras ra-zes, menos de 300 escravos se re-voltaram, numa regio em que o donotinha 500.Seria generoso demais dizer que tudoisto meramente um engano. Na par-te do livro atacada, escrevo, comobem nota Chalhoub na resenha, quea bibliografia sobre estes assuntos extensa demais para citar. Mesmoassim, menciono, entre colegas ame-ricanos e britnicos, os brasileirosJoo Jos Reis, Murilo de Carvalho,Manolo Florentino, Eduardo Silva,Flvio dos Santos Gomes, o prprioChalhoub, Marcus Carvalho e EmiliaViotti da Costa (cabe notar que, nasquinze pginas da bibliografia de

    Party of Order, trs so de fontes pri-mrias e doze, de bibliografia secun-dria, a maior parte, brasileira). Valenotar, tambm, que as citaes feitaspor Chalhoub do meu livro so par-ciais, cortadas para convirem acu-sao dele. O leitor pode julgar porsi mesmo (as palavras em letra itlicaforam omitidas por Chalhoub):

    H evidncia tambm de que algunspoucos fazendeiros temiam um le-vante coordenado na maneira haiti-ana na dcada de 1840. A evidnciadeste levante, no entanto, muitoproblemtica. Consiste em boatos emensagens da polcia para investi-gar estes boatos. At hoje, no hevidncia clara para mostrar quequalquer coisa fosse descoberta nes-tas investigaes. Ao todo, ento,menos de vinte compls de levanteou boatos de compl entre escravosfluminenses tm sido encontrados.Nenhum terminou em qualquer coi-sa mostram, em vez disso, as ra-zes por que os cativos escolheramoutras maneiras para resistir bru-talidade da sua opresso. Como olevante de 1838 mostrou, os cativosque tentaram a resistncia violentaenfrentaram os senhores locais, ho-mens muitas vezes capazes de ma-nipular a violncia medida do regi-me [da escravido brasileira]; tam-bm enfrentaram a organizadaGuarda Nacional da provncia, euma populao rural dependente ehostil a estes levantes. Finalmente,tambm enfrentaram dificuldadespara se organizar, devido a suas ori-

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    gens tnicas distintas, diviso b-sica entre os crioulos e os africanos,e falta de preparao para a lutaarmada. No havia, afinal, uma co-munidade escrava, no sentido deuma classe ou grupo organizado comautoconscincia e percepo de umsofrimento comum decorrente de suaraa ou condio. Em vez disso, ha-via uma multido de pessoas opri-midas de ascendncia africana va-riada, dividida por divergncias im-portantes em status, oportunidades,origens, e experincia, uma multi-do explorada por uma variedade decamadas sociais que, ao contrrio,tinham um interesse comum naopresso daquela e um potencialmuito evidente para a violncia. Nolevante de 1838, em Vassouras, ins-trutivo notar, primeiro, que LacerdaWerneck [o oficial da Guarda Naci-onal que fez o relatrio da represso]tratou-a como resultado frustrante dam administrao incomum de umsenhor de escravos; segundo, quemenos do que 300 escravos se insur-giram, em uma zona em que o senhordeles tinha 500 e os senhores da vizi-nhana mais de 1.200; e, terceiro, queas autoridades locais e provinciais fi-zeram pouco caso do incidente. Elescompreenderam o que estava em pe-rigo, sabiam o que fazer, e o fizeram(p. 145).

    Como se v, no descarto a resistn-cia escrava nem a revolta escrava; emvez disto, analiso as duas e tento ex-plicar por que, enfrentando uma re-presso violenta e muito eficiente, os

    escravos em geral escolheram a re-sistncia no-violenta. A relevnciada revolta escrava, em Vassouras,mostra isto mesmo. Ali, em um gru-po de escravos muito maior, s umaminoria decidiu revoltar-se, e decidiufaz-lo por razes incomuns; tam-bm, o incidente foi percebido destemodo pela elite, quer dizer, como umacasualidade inesperada. Assim, a re-volta foi reprimida com eficincia esem preocupao persistente. Enfim,o seu resultado mostra tambm porque, em geral, os escravos escolhe-ram fugir, em vez de se revoltar. Fi-zeram isto porque era a opo maisinteligente e bem-sucedida nas suascircunstncias.Chalhoub continua: A principal di-ficuldade de Needell entender comocombinar uma historiografia queenfatiza a resistncia escrava e os re-ceios que ela provocava com o fatode os proprietrios de escravos [...]continuarem a importar milhares emilhares de africanos [...] A pergunta bvia e merece ponderao, masNeedell a faz por pura retrica. A suaresposta de que governantes e pro-prietrios jamais experimentaram in-segurana ou medo algum em rela-o s aes escravas. A contradi-o entre o medo e a insegurana per-sistentes gerada pelos escravos e aimportao de milhares deles , cer-tamente, uma dificuldade, mas nopara mim, pois eu mesmo j ressalteiesta contradio bvia em 2001.

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    Que pena que Chalhoub no tenharespondido a esta pergunta bvianos seus trabalhos anteriores a 2001,ou depois que eu indiquei o proble-ma. Em vez disso, ele e outros decla-raram (e Chalhoub ainda no escre-veu outra coisa) que as revoltas de1835 e 1838 e os compls alegadosde 1840 foram fatores muito signifi-cativos na deciso de acabar com otrfico em 1850. Eles nem mencio-naram a bvia contradio. Eu amencionei, sim, depois de enfrentaro argumento deles sobre o medo ge-ral e persistente. Respondi a este ar-gumento em 2001, como respondo nolivro em questo. Examinei as evi-dncias que Chalhoub e os outrosdesenvolveram, item por item, e mos-trei que a teoria do medo de revoltaescrava como um fator principal nadeciso de acabar com o trfico notem suficiente apoio para ser aceita.Ao concluir a minha anlise dos su-postos medos e inseguranas que su-cederam revolta de 1835, por exem-plo, escrevo que at hoje, as pesqui-sas no s no apresentam provas detais compls, mas tambm no che-gam a mostrar o medo persistente egeral de tais levantes no perodo sub-seqente a 1835, quando as preocu-paes imediatas da revolta foramacalmadas (p. 148). Como no casoda febre amarela, Chalhoub no ofe-rece qualquer evidncia nova. Ele safirma a existncia da bibliografia daresistncia e das revoltas e escreve

    sobre o significado das duas; mas nooferece evidncia do impacto diretodelas na deciso de abolir o trficoatlntico. Repetir no comprovar.Como no acho certos os argumen-tos e as evidncias para o medo gerale persistente que Chalhoub e os ou-tros adiantam, no h contradioentre a importao de milhares deescravos depois das revoltas e o talmedo acho que este medo no exis-tia. O problema que enfrentei foicomo explicar por que no havia talmedo, e fao isto atravs da anliseda natureza da escravido, da resis-tncia escrava e da represso escravano Brasil. Com respeito represso,estabeleo um vnculo com a ascen-so dos saquaremas: De fato, o sig-nificado poltico do crescimento daviolncia dos cativos em Salvador eo nmero crescente de escravos emcativeiro provavelmente aumentaramo atrativo do Regresso da dcada de1830. A evidncia demonstra clara-mente que os senhores de escravos eos comerciantes quiseram manter otrfico africano; mas eles obviamen-te teriam preferido fazer isso de ummodo estvel e seguro (p. 148).Pode-se indicar tambm que a atra-o poltica de alguns regressistasprovavelmente aumentou pelo seuenvolvimento nos acontecimentosviolentos e os boatos de violnciaregistrados. Sem dvida, sua eficien-te represso da violncia escrava, ousua resposta acorde ao boato da mes-

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    ma, aumentaram sua reputao e cre-dibilidade polticas (p. 149). Depois,indico exemplos de saquaremas queganharam com esta represso: Gon-alves Martins, ao reprimir a revoltados mals e a Sabinada; RodriguesTorres, ao investigar os boatos decompls ps-mals entre os flumi-nenses; Lacerda Werneck e PaulinoJos Soares de Sousa, ao fiscalizarema represso de 1838, em Vassouras, eEusbio de Queirs, ao investigar eeliminar boatos no Rio, nas dcadasde 1830 e 1840 (ibid.). Tudo isto de-monstra como so enganosas as acu-saes de Chalhoub quando sustentaque tento, por exemplo, negar a im-portncia das revoltas para fortificara minha interpretao de 1850 e 1871,ou que tento argumentar que so sos conflitos e as alianas da elite pol-tica, e as complexidades parlamenta-res, as que explicam esses processoshistricos em sua totalidade, sem ne-cessidade de ateno aos modos diver-sos de atuao escrava ou quaisqueroutros fatores. Muito pelo contrrio.A escravido, na sua realidade e na per-cepo dela, central para entender ahistria do partido que eu estudo, emostro isto continuadamente.A sexta acusao um pouco confu-sa e implcita, mas parece querer di-zer que tenho preconceito em favordos saquaremas, especialmente deEusbio de Queirs. Chalhoub come-a por pregar sobre a represso cruelde Eusbio, dizendo que eu podia ter

    aprendido muita coisa ruim sobre estechefe, se eu tivesse lido os relatriospoliciais dele da dcada de 1830. Es-tes relatrios mostram como Eusbiofoi muito cruel, desapiedado, cuida-doso e competente em reprimir os es-cravos e os africanos em geral. ver-dade que no estudei estes relatrios.Como o mesmo Chalhoub comenta,no pude demorar neste assunto, porcausa das preocupaes principais domeu livro. Mas, num sentido geral,sobre o papel policial de Eusbio esobre o impacto deste papel, acho queno teria aprendido mais do que jcompreendo e do que comuniquei aomeu leitor. Escrevo no livro que foiexatamente por causa deste papel queEusbio ganhou muita da sua credi-bilidade entre os da elite, que se jun-taram, mais tarde, para formar o Par-tido de Ordem (i.e., veja a citao dap. 149, acima). Tambm h aspectoslgicos a serem considerados. Seriapossvel que um chefe de polcia,nessa sociedade escrava, tivesse fica-do tanto tempo no poder se ele nofosse muito cruel, desapiedado, cui-dadoso, e competente em reprimirescravos e africanos em geral? No bvio que foi em parte porque Eus-bio era assim que ele pde ser aceitoentre os lderes do Partido da Ordem?Afinal, o historiador e o leitor tm queentender que Eusbio de Queirs foirespeitado por causa de seu papelcentral em manter a ordem cruel dasua sociedade. No primeiro captulo

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    do livro, que Chalhoub trata com tan-to desdm, indico cuidadosamente oparentesco prximo de Eusbio comnegreiros e senhores de escravos. Notenho iluses bonitinhas sobre o ho-mem, e no tento imp-las ao leitor.Apesar disto, Chalhoub no cansa;volta ao tema, critica o meu uso deadjetivos positivos para com Eusbioe com outros saquaremas e reclamadas minhas avaliaes detalhadas dosestadistas saquaremas da poca: emtais momentos o texto dele regurgitaadjetivos. A sugesto de que estasavaliaes positivas refletem minhaperspectiva no muito sutil: outrasvezes, como no exemplo de Eusbio,as aspas esto ausentes, ficando a im-presso de ele os ter escolhido pormote prprio.Cartas sobre a mesa: The Party ofOrder histria poltica. Em histriapoltica, os estadistas tm importn-cia e, para entender os seus papis,suas histrias, suas capacidades e pro-ezas polticas (reais ou percebidas)tm que ser comunicadas ao leitor.Fao tudo isto, sim. Dizer que regres-sista, senhor de escravo e policial socruis e maus fcil, mas no expli-ca muito. A tentativa de compreen-der o modo por que tais homens fo-ram percebidos na poca por seus se-melhantes bsico para este tipo detrabalho. Tampouco faz sentido pre-sumir que, uma vez que um estadistaera reacionrio e tinha um passado derepresso cruel e racista, ele no ti-

    nha, tambm, capacidade, intelign-cia, coragem, etc. At a oposio po-ltica dos saquaremas entendeu isto acredito que o historiador e o lei-tor, tambm. No preciso gostar dohomem , sim, preciso compreen-d-lo. Chalhoub gosta de citar Ma-chado de Assis, talvez o leitor mepermita que faa o mesmo: Uma svez ouvi falar a Eusbio de Queirs,e a impresso que me deixou foi viva;era fluente, abundante, claro, semprejuzo do vigor e da energia [...]Eusbio de Queirs era justamenterespeitado dos seus e dos contrrios.2Aprende-se tanto nas memrias deMachado como nos romances dele.No meio desta parte da resenha,Chalhoub, de repente, faz a stimareclamao. Escreve que, ao analisara atuao escrava, eu deveria tentaruma abordagem mais nuanada e es-pecfica, e sugere que deveria apro-veitar o trabalho j realizado por ou-tros, em vez de descart-lo, porconsider-lo evidncia indireta, espe-culativa, ou pouca. De fato, escrevimuito sobre a escravido, exatamen-te fazendo snteses de trabalhos des-te tipo. Cabe tambm notar que foiprecisamente para desemaranhar asgeneralizaes sobre o medo e o p-nico persistentes ante a possibilidade

    2 Machado de Assis, O velho Senado, (emPginas Recolhidas), in idem, Obra com-pleta, Rio de Janeiro, Aguiar, [1899] 1959,vol. 2, pp. 616-17.

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    de revoltas, entre 1835 e 1850, quefiz uma anlise cuidadosa, nuanadae especfica dos argumentos e dasevidncias aqui em debate. Chalhoubconclui esta pregao com sua oita-va crtica que, desta vez, do meuentendimento profissional. Escreve obvio: o tipo de evidncia que temospara escrever a histria escrava ,muitas vezes, diferente do tipo quetemos para escrever sobre a elite po-ltica. Eu fui treinado em histria so-cial na dcada de 1970, comoChalhoub; aprendi como se escrevesobre a atuao e os interesses daspessoas que no podem deixar evi-dncia escrita por eles mesmos. pesquisa difcil, claro, mas pode serfeita e escrita de maneira persuasiva,atravs da lgica, da evidncia diretae indireta e da especulao lgica quecabe dentro de um contexto conheci-do. Sei deste tipo de pesquisa porqueo fiz.3 A minha crtica da anlise deChalhoub e de outros tem a ver com aqualidade da evidncia indireta, a suainterpretao e a falta de evidnciadireta de fontes bvias e acessveis.Um argumento de atuao subalternaimplica impacto sobre a elite, impac-to causando uma resposta dela. Preci-

    sa de evidncia da atuao, evidnciado impacto e evidncia da resposta. Nacrtica que fao, mostro que a evidn-cia para mostrar um medo geral e per-sistente insuficiente, que a evidn-cia do impacto limitada e duvidosae que a evidncia da resposta (aqui, aevidncia direta de que os estadistasresponderam ao medo persistente derevolta escrava, fazendo as leis queacabaram com o trfico), simplesmen-te no existe. No entanto, existe evi-dncia forte e direta para uma expli-cao alternativa sobre a atuao dosestadistas, sim. No uma questo deevidncia diferente para uma classediferente; uma questo de usar todaa evidncia disponvel de uma manei-ra razovel.Chalhoub chega nona acusao nofim da resenha; ela tem a ver com aminha evidncia e o significado dodebate de 1871 sobre a Lei de VentreLivre. Sugere que o que eu vejo comoum debate sobre governo representa-tivo e constitucional , na realidade,um debate sobre o papel constitucio-nal do imperador. Ele afasta a idia deque o projeto abolicionista de 1871 eraum elemento dependente em questesconstitucionais mais amplas, levanta-das pelos dissidentes do partido con-servador. O tom, infelizmente, tpi-co da resenha toda: Realmente, isto levar longe demais o amor prpriaescultura. Todavia, aparece como des-fecho lgico de um livro caracteriza-do sempre pelo procedimento de in-

    3 Jeffrey D. Needell, The Revolta ContraVacina of 1904: The Revolt AgainstModernization in Belle-Epoque Rio deJaneiro, Hispanic American HistoricalReview, vol. 67, no 2 (1987), pp. 233-70;(artigo reeditado como captulo de anto-logias publicadas no Mxico e nos Esta-dos Unidos em 1996 e 2003).

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    flar a prpria perspectiva at o pontode eliminar todas as outras.Aqui, sinto mais fortemente o danofeito idia bsica de uma resenha.No mnimo, at se o resenhista in-capaz de dominar sua antipatia pes-soal, o leitor deve esperar algumanoo do assunto principal do livro.The Party of Order trata do debatede 1871 como a culminao de umprocesso histrico de quatro dcadas,analisado com um texto de mais de300 pginas, com mais de 90 notasde rodap. uma anlise que me pre-parou e que eu uso para preparar oleitor, para compreender o debate de1871 em contexto histrico. Sei queno posso esperar que cada leitor vconcordar com cada argumento quefao; mas os leitores que seguiremcom cuidado a anlise dos seis pri-meiros captulos estaro mais prepa-rados do que Chalhoub estava paracompreender o argumento feito noltimo captulo. Ao ler esta resenha,em que dois teros do contedo

    enfocam quase completamente umaseo de um captulo, parece queChalhoub nem leu os outros. O as-sunto principal do livro no a abo-lio do trfico em 1850; isto foi abor-dado en passant, como parte de umaanlise mais ampla sobre a atuaocapaz e conflituada dos gabinetesdecisivos entre 1848 e 1853. O livrotrata, antes, da natureza da monarquiae do partido que a dominou; da rela-o entre o estado e a sociedade; dopapel histrico do partido conserva-dor e sua ideologia na salvao e naredefinio da monarquia; do impac-to da autonomia crescente do impe-rador, das razes da violncia e dapatronagem crescentes e seus luga-res neste processo, da corrupo e daperda de legitimidade do parlamen-to. O livro trata da maneira pela qualas relaes essenciais entre socieda-de, estado e partido se ligavam coma escravido e eram provados por ela.Que o leitor leia o livro, e decida confio no juzo dele.

    Jeffrey D. NeedellProfessor Titular de Histria,

    Universidade de Flrida

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