ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS: NECESSIDADE DO CÓDIGO DE ... · 2013....

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Daniel Angelo Passaia* ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS: NECESSIDADE DO CÓDIGO DE PROCESSO COLETIVO JUSTICE ACCESS TROUGH THE TUTELAGE OF COLLECTIVES RIGHTS: A NEED OF A COLLECTIVE CODE PROCEDURE ACCESO A LA JUSTICIA POR MEDIO DE LA TUTELA DE LOS DERECHOS COLECTIVOS: LA NECESIDAD DEL CÓDIGO DE PROCESO COLECTIVO Resumo: Opúsculo que objetiva descrever o acesso à prestação jurisdi- cional dos direitos que atingem a coletividade, conhecidos como coletivos lato sensu. Promover-se-á cognição acurada sobre os institutos do sistema processual, buscando solver a problemática quanto à (não) necessidade de legislação especial ao desiderato da efetivação das tutelas coletivas. Assim, dentro dos multive- tores que são verificáveis, se faz imprescindível a edição de um código de processo civil coletivo? Imbui-se, este artigo, em de- bater os pontos substanciais e aproximar-se de uma solução que, ao menos, indique ser a mais efetiva e viável, qual seja, a satisfação das necessidades dos participantes da democracia, que, sem qualquer dúvida, sempre são atingidos nas violações dos direitos albergados pela tutela coletiva. Abstract: This article has the purpose of describing the access to judicial constriction of rights of the collectivity, known as collectives lato sensu. An accurate study will be made about the institutes of the procedural system, to try to solve the question of a need (or not) of a specific legislation to desirability of effecting the collective tutelage. This way, considering the vectors studied in case, do a * Bacharel em Ciências jurídicas 2010/B. Pós-graduando na Uniderp-Anhanguera em Processo Civil Moderno e Direito Previdenciário. Advogado. 237

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Daniel Angelo Passaia*

ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA TUTELA COLETIVA DE DIREITOS: NECESSIDADE

DO CÓDIGO DE PROCESSO COLETIVO

JUSTICE ACCESS TROUGH THE TUTELAGE OF COLLECTIVES RIGHTS: A NEED OF A COLLECTIVE CODE PROCEDURE

ACCESO A LA JUSTICIA POR MEDIO DE LA TUTELA DE LOS DERECHOS COLECTIVOS:

LA NECESIDAD DEL CÓDIGO DE PROCESO COLECTIVO

Resumo:

Opúsculo que objetiva descrever o acesso à prestação jurisdi-cional dos direitos que atingem a coletividade, conhecidos comocoletivos lato sensu. Promover-se-á cognição acurada sobre osinstitutos do sistema processual, buscando solver a problemáticaquanto à (não) necessidade de legislação especial ao desideratoda efetivação das tutelas coletivas. Assim, dentro dos multive-tores que são verificáveis, se faz imprescindível a edição de umcódigo de processo civil coletivo? Imbui-se, este artigo, em de-bater os pontos substanciais e aproximar-se de uma soluçãoque, ao menos, indique ser a mais efetiva e viável, qual seja, asatisfação das necessidades dos participantes da democracia,que, sem qualquer dúvida, sempre são atingidos nas violaçõesdos direitos albergados pela tutela coletiva.

Abstract:

This article has the purpose of describing the access to judicialconstriction of rights of the collectivity, known as collectives latosensu. An accurate study will be made about the institutes of theprocedural system, to try to solve the question of a need (or not)of a specific legislation to desirability of effecting the collectivetutelage. This way, considering the vectors studied in case, do a

* Bacharel em Ciências jurídicas 2010/B. Pós-graduando na Uniderp-Anhangueraem Processo Civil Moderno e Direito Previdenciário. Advogado.

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creation of a collective civil code procedure become indispensa-ble? This arcticle intends to discuss the most important points,moving closer to a solution that, at least, will appear to be themost effective and viable to satisfy the needs of participants ofdemocracy, people who, undoubtedly, have a lot of collectivesrights violated.

Resumen:

Folleto que pretende describir el acceso a la prestación jurisdi-cional de los derechos que afectan a la colectividad, amplia-mente conocidos como colectivos lato sensu. Se promoverá lacognición correcta sobre los institutos del sistema procesal, bus-cando solucionar problemas relativos a la (no) necesidad de unalegislación especial para conveniencia de la efectivación de lastutelas colectivas. Por lo tanto, dentro de los multivetores quesean verificables, ¿es indispensable la edición de un código deprocedimiento civil colectivo? Se quiere, con este artículo, dis-cutir los puntos sustantivos y acercarse a una solución que, almenos, indica ser la más eficaz y viable, cual sea, la satisfacciónde las necesidades de los participantes de la democracia, que,sin lugar a dudas, siempre son golpeados en las violaciones delos derechos organizados por la protección colectiva.

Palavras-chaves: Acesso à justiça, tutela, direitos coletivos, pro-cesso coletivo.

Keywords: Justice access, tutelage, collectives rights, collectiveprocedure.

Palabras clave: Acceso a la justicia, tutela, derechos colectivos,proceso colectivo.

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INTRODUÇÃO

Nos últimos períodos legislativos, diante de uma nova visãosobre a constitucionalização do processo, sucessivas e diversasmodificações nos ditames do processo civil de nosso ordenamentojurídico foram realizadas, passando à, inclusive, ecoarem vozespela inovação total na legislação adjetiva, mormente no que tangeà tutela dos direitos de massa (coletivos, difusos, homogêneos).

Partindo-se diretamente ao assunto atinente à questão pro-posta, tem-se a ideia de que um código de processo coletivo ouviria por necessidade, pois o que se tem atualmente de legislaçãonão permite alcançar o devido processo legal dentro do processocivil para a defesa de direitos coletivos, logo, faltando instrumentosà efetividade, ou então serviria para organizar as matérias que seencontram esparsas pelos vários sistemas jurídicos. No primeirocaso, como bradam os mais aguerridos, de forma inexorável, de-veria ser editada uma codificação específica para os “direitos nãoindividuais”1. No segundo, serviria apenas para conjugar, em ummesmo local, a legislação já existente, no mínimo remissivamente.

Porém, não se verifica fácil a situação. Apreensivamenteespera-se pelo trâmite do projeto de lei do novo código de pro-cesso, o qual englobaria algumas situações sobre as tutelas nãoindividuais, mas que certamente não reduziriam as confusões le-gislativas. Se, contudo, o projeto de código que independe de maio-res divagações, até porque como boa parte da doutrina imputa, nãoforam incluídas modificações drásticas, se caracteriza moroso, quese dirá de um código de processo para direitos coletivos lato sensu,em suas espécies, que depende de muitos estudos.

Mas, qual a premência de um código de processo coletivo?Após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Cons-tituição Cidadã, houve um acentuado crescimento de ações judi-ciais em todos os juízos, por meio da não menor publicização e

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1 [n.a] Expressão do autor, uma vez que são variadas as nomenclaturas dos di-reitos não individuais, citando-se, por lembrança sumária, três: coletivos, difusos,individuais homogêneos. Assim, criou-se uma nova nomenclatura, de forma in-vertida, passando a proclamar os direitos individuais e os ‘não individuais’.

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democratização da justiça como um dos três pilares do Estado De-mocrático. A partir da década de 1990, a população brasileira teveacesso a uma gama de informações sobre seus direitos em con-junto com a abertura das portas do Poder Judiciário, o que, inicial-mente, diante do contexto social e político da época, mostrou-sesatisfatório.

Passados alguns anos, os reclamos já não eram mais aten-didos, eis que a inafastabilidade da prestação jurisdicional, previstano art. 5º, inc. XXXV da CF de 05.10.1988 não era mais suficiente.As tutelas de urgência (liminares) passaram a desencadear as novasproblemáticas do judiciário, ainda não resolvidas. Sobrevieram asações de massa, as quais atingem um gigantesco contingente depessoas, que, por complexidades variadas, são (e eram) resolvidasindividualmente, mesmo se afigurando idênticas a milhares de ou-tras. As mazelas do Poder Judicante tornaram-se avultantes.

A modernidade e a dinâmica da vida modificaram o conceitode processo. Transformaram-se as essencialidades dos indivíduos,o que tornou inevitável o debate sobre as novas alocações e técni-cas processuais. Luiz G. Marinoni (2000, p. 68) menciona que “oprocesso civil clássico, na tutela das situações de massa, seria umobstáculo ao acesso à justiça”. Logo, o que hoje se distingue é anecessidade da sistematização, por meio de código, dos processosque atingem direito coletivos lato sensu. Necessidade ou simplesorganização? Onde estão às carências e, principalmente, comosaná-las?

O Prof. Marinoni (2000, p. 68) ainda coloca que “a socie-dade moderna abre oportunidade para o surgimento de atividadesque podem trazer prejuízos a direitos transindividuais”, e nisso jaz apremência de regular ou ao menos reorganizar as matérias proces-suais afeitas, para que possam estas pessoas atingidas, tanto indi-vidual como coletivamente por algum dano, ingressaremconjuntamente em juízo, ou, melhor ainda, representadas por umterceiro coadjuvante.

Transpassando por algumas fases de acessibilidade ao ju-diciário, estanca o processo civil pátrio na controversa matéria re-lativa ao processo coletivo. A doutrina imerge cada vez mais,pesquisando, opinando, buscando diagnosticar soluções em prolda efetividade da tutela coletiva de direitos, uma vez que sente e

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sabe da relevância de uma uniformização procedimental, que, to-davia, ainda lhe falta.

Esmiuçando-se a matéria, doravante, o prognóstico é deminimamente articular as premissas postas, com fins de deduzir anecessidade de ter-se, no sistema processual pátrio, um código deprocesso coletivo.

BREVE HISTÓRICO DAS TUTELAS E DOS PROCESSOS CO-LETIVOS NO BRASIL

As legislações sobre a matéria são relativamente novas noBrasil, surgindo em 1965 pela lei da ação popular (Lei 4.717/65),abrindo as portas para a Lei de ação civil pública e o código de de-fesa do consumidor, respectivamente, leis 7.347/1985 e8.078/1990.

Em especial, o último diploma retro citado conferiu conexãoentre as normas pré-existentes, o que gerou enorme avanço noprocedimento coletivo judicial, como em seu art. 84. Nesse segui-mento, Didier e Zaneti Jr. (2008) referendam que passou a existirum micro sistema de processo coletivo com a entrada em vigor docódigo do consumidor, bem como com sua interatividade com a leida ação civil pública, notadamente na situação da legitimidade, dacoisa julgada e de seus limites.

O CDC disciplinou, em seu art. 83, que todas as espéciesde ação serão suscetíveis de uso para a defesa dos direitos cole-tivos do consumidor. Leia-se sua literalidade: “Art. 83. Para a defesados direitos e interesses protegidos por este código são admissíveistodas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada eefetiva tutela”2.

Ademais, esse mesmo ordenamento fez surgir a defesa dosdireitos individuais homogêneos, ou seja, a proteção de milhares decasos individuais que tinham feridos um determinado e idêntico

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2 BRASIL, 2011, texto digital. Acesso no site oficial de legislações, disponível,sob pesquisa, no sítio <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2012.

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direito. Pode-se, sem mais controvérsias, afirmar que o CDC é umadas mais modernas legislações brasileiras, transformando e conec-tando-se com outros conjuntos normativos, o que torna o acessoao judiciário ainda mais democrático. Citada descrição proveio doart. 90 do código, frisando que “aplicam-se às ações previstas nestetítulo as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, na-quilo que não contrariar suas disposições”3.

Para Teori A. Zavascki (2011, p. 31), Ministro do STJ, foiessa lei “que assentou o marco principal do intenso e significativomovimento em busca de instrumentos processuais para a tutela doschamados direitos e interesses difusos e coletivos”, inaugurando,nas palavras do jurisconsulto “um autêntico subsistema de pro-cesso”. Afora, há recursos na ação de improbidade administrativa(Lei 8.429/1992) e nas ações de controle constitucional lato sensu.

Por fim, para não fugir da temática, inesquecível as deter-minações legais do mandado de segurança coletivo, que albergadireitos não individuais, por meio de um processo de idêntica natu-reza. Sinteticamente estabelecidas as regras jurídicas de processoscoletivos, urge, nesse momento, adentrar no campo referente àclassificação dos termos até o momento lançados, como processocoletivo, direitos transindividuais, direito coletivo stricto sensu, di-fuso, individual homogêneo, entre outros, fator que viabilizará a de-monstração do eixo temático do esboço.

DAS QUALIFICAÇÕES TERMINOLÓGICAS CONEXAS AO PRO-CESSO COLETIVO

O surgimento dos novos conflitos da sociedade modernadeu azo ao surgimento de preceitos que exigiram da doutrina nãoapenas nomenclatura, mas estudos e classificações. Diretamenteadunadas ao processo civil coletivo estão várias delas, cuja

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3 Literalidade do CDC., op. cit.

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estrutura nuclear será ministrada em seguida. Esses novos direitose conflitos, a seguir esmiuçados, não pertencem a alguém deter-minado; por outra borda, pertencem à coletividade, a várias pes-soas determinadas ou até mesmo a inúmeras indetermináveis4.

Todas essas estruturas, nas palavras de Luiz G. Marinoni,sofreram uma “molecularização” (2000, p. 69), passando de cate-gorias do processo clássico para uma adaptabilidade aos “conflitosemergentes”, quais sejam, os ligados ao processo coletivo.

A natureza, então, desses “conflitos emergentes” constitui aessência da discussão para um código de processo civil coletivo. Essaessencialidade deve ser entendida, compreendendo-se, antes dequalquer coisa, a própria situação fática que precede a discussão.

A atualidade coloca os indivíduos no círculo do consumo, enada mais natural do que consumir. Esse consumo é desmedido ealcança indetermináveis pessoas, que, quando lesadas, por vezes,individualmente, não demonstram interesse na tutela contra o danosofrido5. Coletivamente, o respaldo e a quantificação do dano se-riam facilitados, entretanto, faltam (ou ao menos faltavam) instru-mentos para chamar todos os lesados do judiciário. Diz-se que‘faltam’ instrumentos justamente pela inexistência de um códigoprocedimental coletivo.

Seguindo, portanto, descreve-se o gênero ‘direito coletivolato sensu’. Como o próprio nome define, atingem não à individua-lidade, e sim a coletividade, seja ela determinada, determinável ounão. Numa caracterização abrangente “denominam-se direitos co-letivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero”(DIDIER JR.; ZANETI JR., 2008, p. 75, v. 4). Apesar de algumasdiferenças que possam aparecer na doutrina, pode-se classificar atutela coletiva sob um aspecto transindividual, pois ultrapassa a in-dividualidade. Sempre catedrática Ada Pellegrini Grinover, AluisioMendes e Kazuo Watanabe (2007, p. 11) prescrevem que “a

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4 Marinoni (2000, p. 86), explica, quanto às novas categorias de direitos, queestes são decorrentes de lesões que “afetam simultaneamente inúmeros indi-víduos ou categorias inteiras de pessoas”.5 Cf. Marinoni (2000, p. 87), ao citar Mauro Cappelletti: “Se vivemos em umasociedade de produção e de consumo de massa, é natural que passem a surgirconflitos de massa e que os processualistas estejam cada vez mais preocupa-dos em configurar um adequado processo de massa”.

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Constituição de 1988 veio a universalizar a proteção coletiva dosinteresses ou direitos transindividuais”.

O Ministro Teori Zavascki (2011, p. 31) ensina que os direi-tos transindividuais são os “caracterizados por se situarem em do-mínio jurídico não de uma pessoa ou de pessoas determinadas,mas sim de uma coletividade”.

Em linha convergente, se pode asseverar que “os direitosdifusos e coletivos são transindividuais, de natureza indivisível”(MARINONI, 2000, p. 88), prendendo-se nesse ponto sua classe,qual seja, a indivisibilidade do direito. Outra característica, arroladaagora da doutrina de Zavaski (2011, p. 34) é que não há “titular in-dividualmente determinado e materialmente são indivisíveis”. Emepítome, imiscuem-se os institutos para fins do relatado neste tra-balho, sabendo-se das críticas que poderão ser traçadas; porém,didaticamente, se torna não menos aceitável.

Deve-se ter a compreensão de quebra dogmática da orde-nação dos direitos quando se pensa no direito transindividual, eisque ele “rompe com a noção de que o direito ou é próprio ou éalheio”, até pelo fato de que “Se o direito é da comunidade ou dacoletividade, não é possível falar em direito alheio [...]” (MARINONI,2000, p. 89). Essa é a nova faceta do Direito e é compromisso dosjuristas a promulgarem.

Estes direitos transindividuais, traçados anteriormente, pos-suem subdivisão, classificando-se em difusos e coletivos6. Os di-reitos coletivizados, por sua vez, ainda se estendem aos individuaishomogêneos. Em que pese não se afigurarem como protagonistasneste opúsculo, possuem relevância para a teoria do processo co-letivo, não se permitindo deixá-los sem mínima descrição. Dita di-ferenciação, como bem ressalvam Didier Jr. e Zaneti Jr. (2008),causou sérias dificuldades para a doutrina no que tange a suas de-finições. Logo, furtar-se ao tema é permanecer em campo obscuro,o que não se mostra eficaz em qualquer trabalho.

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6 Vide obra anterior de Zavascki (2011, p. 34), que bem aclara a situação dasmodalidades de direito transindividual como sendo os difusos e os coletivosstricto sensu.

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DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS STRICTO SENSU

Os direitos difusos “são os pertencentes a pessoas indeter-minadas e ligadas por circunstâncias de fato, enquanto os coletivossão pertencentes a grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si,ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base” (MARI-NONI, 2000, p. 88). Perfunctoriamente, as fronteiras entre os doissão estas, já que ambos se aproximam por estarem classificadosno grupo dos direitos transindividuais, afastando-se, por lógica, dosindividuais homogêneos. Todos, entretanto, situam-se no campodos direitos coletivos lato sensu.

Ambos são indivisíveis, porém, no caso dos difusos, não hácomo determinar qualquer indivíduo de forma precisa, já que todossão atingidos pela ofensa. Noutro viés, os coletivos stricto tambémingressam no espectro da indeterminação, porém, determináveispor um conjunto de indivíduos enquanto grupo. Pode-se descrevera espécie “difusos” como indeterminável subjetivamente, indivisí-veis, com ligação por circunstâncias fáticas, sem vínculo jurídicocomum, portanto, sem base em relação jurídica entre as vítimas(DIDIER JR.; ZANETI JR., 2008, p. 76).

Como explicado, os coletivos stricto sensu

foram classificados como transindividuais [...] de natureza indi-visível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas(indeterminadas, mas determináveis, frise-se, enquanto grupo,categoria ou classe determinável) ligadas entre si, ou com aparte contrária, por uma relação jurídica base. (DIDIER JR.; ZA-NETI JR., 2008, p. 76)

A conotação básica que provém dessas qualificações éque as diferenças entre os dois institutos estão na possibilidadede determinar as vítimas (mesmo que conjuntamente, não se po-dendo individualizá-los) e a existência de uma relação jurídicabase entre ofensor e ofendido que se mostra diversa, nos termosdo que ensinam Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti Jr. (2008, p. 76):

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Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à lesão(caráter de anterioridade). No caso da publicidade enganosa, a“ligação” com a parte contrária também ocorre, só que em razãoda lesão e não de vínculo precedente, o que a configura comodireito difuso e não coletivo stricto sensu [...].

Ademais, acentua-se a natureza transindividual desses di-reitos, em especial quando materialmente tratados. Nesse ínterim,suas delimitações ficam na esfera da subjetividade coletiva propria-mente dita. Deflagram uma tutela de direito coletivo, como nomeiaTeori A. Zavascki.

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Aparecem no cenário jurídico como direitos subjetivamenteindividuais, comumente vistos nos balcões do judiciário (famosasações repetitivas). Partindo dessa premissa, tem-se que, quandoa violação aos direitos dos indivíduos ultrapassa limites territoriais,despertam o interesse coletivo em sua remediação; assim, surgea tutela coletiva de direitos - estes quais individuais. Escreve o Mi-nistro do STJ Teori Zavascki (apud GRINOVER; MENDES, 2007,p. 34), com distinção própria, que estes direitos

são, simplesmente, direitos subjetivos individuais (= com titulardeterminado) e, portanto, materialmente divisíveis (= podem serlesados ou satisfeitos por unidades isoladas), o que propicia asua tutela jurisdicional tanto de modo coletivo (por regime desubstituição processual) como individual (por regime de repre-sentação).

Esses novos direitos surgem das padronizações das rela-ções e das consequências de massa que exprimem. Se um indivíduoé lesado, não se duvide que outros tantos indiferentemente o foram.A partir das lições de Luiz G. Marinoni antes expostas encontram-seas massificações das relações de consumo e de produção, que estão

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na ponta da cadeia de padronização. O autor retro, com exatidão cer-tifica que “esse ponto de homogeneidade está na origem comum dosdireitos”, justificando serem albergados de forma coletiva.

Sua acepção jurídica, então, foge a transindividualidade pelaindeterminabilidade dos sujeitos, mas, ao reverso, fundamentalmentepela individuação de cada um (que poderá ter ou não interesse).Conforme Antonio Gidi (1995, p. 20), se trata dum dimensionamentocoletivo de direito individuais, eis que “tal categoria de direitos repre-senta uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finali-dade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular)de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa)”.

Nessa espécie, é sempre possível a tutela individual dos di-reitos, sem embargo, contudo, da distribuição de uma ação coletivaque atingirá a todos, em concordância aos regramentos do Códigode Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Mas, recordando-se,essa categoria sempre estará no âmbito do direito individual tute-lado coletivamente, ao contrário dos antes vistos, que são direitoscoletivos propriamente ditos e, por esse fato, assim tutelados.

A referência dessa tutela coletiva lato sensu é que qualquerdireito individual pode ser tutelável em massa, desde que, levadosem consideração o alcance das lesões em níveis subjetivos e ter-ritoriais, ultrapasse um número determinado de pessoas em suaesfera jurídica própria.

DIGRESSÃO QUANTO À DIFERENÇA DE TUTELA COLETIVAE DIREITOS COLETIVOS PELA DOUTRINA ZAVASCKIANA

A sintética diferença entre as conceituações subcapituladas an-termente, cuja premência em qualificar-se causou conflitos sensíveisnessa área nova de direitos, tem como grande difusor o Ministro Za-vascki. Como cita o eminente doutrinador (2011, p. 32), a confusão re-side exatamente na mistura de conceitos:

uma das principais causas, senão a principal, dos equívocos

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nesse novo domínio processual foi a de confundir direito coletivocom defesa coletiva de direitos, que trouxe a consequência, atoda evidência distorcida, de se imaginar possível conferir aosdireitos subjetivos individuais, quando tutelados coletivamente,o mesmo tratamento que se dá aos direitos de natureza transin-dividual.

Perceptível, somente observando-se a nomeação dos ins-titutos, que preservam diferenças entre si, com consequências pro-cessuais, da mesma forma, diferentes. Um, tem em sua própriaessência a coletividade do direito (direito coletivo); o outro é natu-ralmente individual, mas tutelado coletivamente (defesa coletiva dedireitos). Ora, se o próprio direito substancial é coletivo, não diver-samente poderia ser ele prestado judicialmente. Não separandoplenamente a questão, se o direito substancial se mostrar indivi-dualizado, ainda que, atingindo incontável número de pessoas, me-rece, sem distinção, tratamento coletivizado, como já especificado.

Direito coletivo, destarte, “é direito que não pertence à ad-ministração pública nem a indivíduos particularmente determinados.Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma cate-goria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo”(ZAVASCKI, 2011, p. 34). Com dessemelhança notável, os direitosindividuais atingem a esfera jurídica de apenas uma pessoa, por-tanto, determinável; torna-se, com suas razões, coletivamente al-bergado, quando esse globo de pessoas foge à conta, por assimdizer, ou seja, possui grande escala de ações repetidas. Faz nascer,consequentemente, a tutela coletiva de direitos individuais por seremestes homogêneos.

A tutela coletiva de direitos, não pode jamais ser confundidacom o direito coletivo. Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2008,p. 78) explanam que “O fato de ser possível determinar individual-mente os lesados não altera a possibilidade e pertinência da açãocoletiva”. Encontra-se, tranquilamente, a separação dos conceitos.Ademais, a tutela coletiva de direitos é usada tanto para os indivi-duais homogeneizados, como para os difusos e coletivos strictosensu. A fórmula que se cogita é o modo coletivo de proteção daslesões, e não simplesmente a subjetividade do ilícito cometido.

Plausível raciocinar, desse estilo, que um ilícito ambiental

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(direito difuso, por lógica) pode causar dano efetivo a somente umapessoa (hipótese difícil, porém não impossível), entretanto, sua pro-teção, se levada aos legitimados, será pela tutela coletiva de direi-tos, e não pela tutela individual, cuja faculdade não é descartável.Interpretando conjuntamente toda a matéria, não se pode descartara tutela individual dos direitos individuais homogêneos, porém,estes não se mostram como direito coletivo propriamente dito, massim, de maneira distinta, se titulam como tuteláveis coletivamente.Justifica-se, de antemão, a relevância da tutela coletiva (mesmoque de direitos individuais), pois, “evita a proliferação de causas“atômicas”, “molecularizando a solução do conflito e impedindo aprolação de decisões divergentes” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2008,p. 81), conferindo, portanto, a tão proclamada (e reclamada) cele-ridade, efetividade e segurança jurídica a prestação jurisdicional.

O CÓDIGO COLETIVO: NECESSIDADE OU SIMPLES ORGANI-ZAÇÃO DO EXISTENTE

Chega-se, após a declaração das matérias atinentes aos di-reitos coletivos lato sensu, ao eixo central do trabalho: o código pro-cessual coletivo. A perspectiva de elucidar o tema é audaciosa,jamais, porém, se olvidando de trazer à baila o melhor que se possafazer (ALVES FILHO, 1999, p. 15)7. Para a compreensão, entretanto,deve-se acautelar para toda a matéria anteriormente retratada.

No ordenamento jurídico pátrio, salvo algumas exceções,a tutela processual dos direitos é praticada de modo igual8. Elege

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7 Alves Filho (1999, p. 15) delineia trecho da Carta de Pero Vaz de Caminhacontando sobre a recente descoberta [o Brasil]: “[...] Posto que o Capitão-mordesta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a novado achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou,não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor queeu puder, ainda que – para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos”.8 [n.a] uma das ressalvas que se verificam é o trâmite especial para a execuçãocontra a Fazenda Pública, e a execução desta contra seus devedores. Remontaessa distinção pela qualidade pública dos direitos e do envolvimento subjetivo

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a doutrina esse vértice como um fundamento da necessidade deadequação para a tutela coletiva de direitos, sejam estes coletivoslato sensu ou individuais.

Tratando desse assunto, Kazuo Watanabe (2006, p. 29 ess.) impõe problemática nas processualísticas dos direitos coletivoslato sensu:

Muitos erros tem sido cometidos na práxis forense pela desa-tenção dos operadores do direito [...] como a inadmissível frag-mentação de um conflito coletivo em múltiplas demandascoletivas, quando seria admissível uma só, ou senão a proposi-tura de demandas pesudoindividuais fundadas em relação jurí-dica substancial de natureza incindível.

Cita, na sequência, exemplo de entraves judiciários porforça das ações relativas às tarifas telefônicas:

Num só Juizado Especial Cível da capital de São Paulo foramdistribuídas mais de 30.000 demandas individuais dessa espécie[...] Pela natureza unitária e incindível e pelas peculiaridades jámencionadas do contrato de concessão, qualquer modificaçãona estrutura de tarifas, inclusive por decisão do Judiciário, so-mente poderá ser feita de modo global e uniforme para todos osusuários. Jamais, de forma individual e diversificada, com exclu-são de uma tarifa em relação apenas a alguns usuários e suamanutenção em relação aos demais. (WATANABE, 2006, p. 33)

A correção dessas imperfeições no sistema só viria com auniformização e com regras claras para o processo que tutela essasespécies jurídicas – seria uma única forma de tutela coletiva de di-reitos coletivos lato sensu. Essas prescrições seriam condensadaspara reger diversos pontos que se distanciam de sua finalidadequando transportados do processo comum para o coletivo9. A favorda necessidade de uma codificação específica para o processo

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do Estado lato sensu (Pontes de Miranda, em Comentários ao código de pro-cesso civil (1996, tomo I, p. 35) desenvolve mais sobre o “pleito cível lato sensu”).9 Vide Didier Jr.; Zaneti Jr. (2011, p. 111). Declinam os autores que “os princípiosda tutela jurisdicional coletiva, que se distinguem na aplicação dos seus corre-latos na tutela individual [...]”.

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coletivo são iniciais essas regências, todavia não as únicas.De mesma linhagem, arbitra-se que o processo civil é ex-

cessivamente dogmático e pregado a um alicerce formalista, o quedificulta o transpasse de suas regras – salvo algumas – para umatutela coletiva. Dificultosa se apresenta a ‘interpretação conforme’a tutela coletiva, se compreendida em comparação com a publica-ção de um estatuto que, prontamente à sua vigência, resolveriatudo imediatamente.

Ilustram a profundidade da questão os autores retro men-cionados, ao assentarem que

o problema em relação aos direitos coletivos se coloca no con-fronto entre a posição de tratamento atomizado (tratar o conflitocomo se fosse um átomo), disposta no artigo 6º do CPC como“técnica de fragmentação dos conflitos” e os textos integrados doCDC e da LACP que impõem um tratamento “molecular” aos con-flitos coletivos lato sensu. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2008, p. 35)

A sistemática procedimental, logicamente, se distingue emprejuízo à molecularidade da tutela coletiva, inclinando-se, parte dadoutrina, com fortes argumentos, que existe a necessidade de umcódigo processual de tutela coletiva. Os obstáculos que desafiama matéria processual coletiva, nos quais se apega para a necessi-dade de codificação, respeitam a situação de quem é o titular dodireito, como será a representação ou legitimidade, as relativas àcoisa julgada, seus efeitos e alcance, bem como as fases recursaise sobrestamento das ações individualizadas.

Além disso, “as ações coletivas têm, em geral, duas justifi-cativas atuais de ordem sociológica e política: a primeira, maisabrangente, revela-se no princípio do acesso à justiça; a segunda,de política judiciária, no princípio da economia processual” (DIDIERJR.; ZANETI JR., 2008, p. 36). Deveras é acertada essa posição,entretanto, a mesma encontra percalços frente à dificuldade de apli-cação da tutela coletiva com respeito aos princípios destacados.

Logo, admitem-se as críticas quanto ao sistema coletivo detutelas albergados nestes itens, como faz Márcio M. Leal. Se essesprincípios fundamentam a ação coletiva sob o enfoque político-so-cial não representam, por outro lado, razões para explicar o seu

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modelo processual (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2008, p. 37, nota derodapé n. 34) – um código, portanto.

Porém, há que se lembrar do item deste opúsculo em quese firma conexão entre as normas processuais do CDC e da LACP,que militaria aprioristicamente contra a constituição de um estatutoprocessual de tutela coletiva de direitos. Isso vem a corroborar aideia anterior, inegavelmente. Permite asseverar, que estando liga-das as normas, mesmo em sistemas jurídicos espalhados, essa re-lação possibilita a utilização conjunta das mesmas, o que dispensaa necessidade de regulamentação específica e una. Boa dose deprecedentes e interpretações doutrinárias, certamente o estatutoseria necessário simplesmente para organizar as regras jurídicasjá existentes.

A jurisprudência vem se direcionando nesse sentido, comose verifica em parte do acórdão do Recurso Especial n. 474.475 doSTJ (2008, texto digital):

[...] Aliás, o atual microssistema constitucional de tutela dos inte-resses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, aLei da Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Có-digo de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Ado-lescente, revela normas que se interpenetram, nada justificandoque a moralidade administrativa não possa ser veiculada pormeio de Ação Popular [...]

Pensando assim, notoriamente não se mostra necessárioum código de processo para regular a tutela coletiva civil. Por outrolado, este viria bem a calhar, como dito, para uma forma de orga-nizar as normas existentes, no que tange a suas peculiaridades,formas de integração, fontes básicas do direito coletivo, dentre ou-tras matérias, como as legitimações, a forma da prova, e a coisajulgada e seus efeitos, para obter, de certo modo, uma equidadeentre as várias ‘formas’ hodiernas de processo coletivo.

O principal efeito de referida organização seria a desneces-sidade de, em cada decisão, os juízes explicarem porque decidemde tal forma, em prol – ou contra – a coletividade, por força dosprincípios e da integração entre as normas, visto que tudo estariaconjugado (ou seja, mais que interligado) num mesmo estatuto

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jurídico organizacional. Todavia, vejam bem que, nessa forma or-ganizacional, não seriam definidos os itens arrolados anteriormente,eis que continuariam como hoje se encontram, apenas concentra-dos numa codificação.

Nessa enseada de simples organização das legislações, ter-se-iam que estudá-las para definir como e qual seria a mais ade-quada para determinado processo coletivo e, por isso, mantendo-sea doutrina como fomentadora das normas, o que não mostra segu-rança jurídica para área tão abrangente e com efeitos que atingem,em regra, incontáveis pessoas. Não seriam escassos os estudosnecessários, visto que o ordenamento jurídico pátrio é abastado deleis que, de certa forma, protegem o direito da coletividade (BRASIL,2011, art. 81, texto digital).

Em outra enseada, para os autores Taise R. D. Trentin eSandro S. Trentin, o código que estaria por vir seria adequado enecessário para acompanhar os novos litígios que surgem com aevolução da sociedade. Veja-se:

Com o advento das enormes mudanças que a sociedade globalvem sofrendo, gerando tantas inovações que fazem surgir tam-bém novas formas de ações e atos que precisam ser regulamen-tados e amparados, surgem novos direitos advindos de tutelasde massa, que buscam resoluções concretas coletivas [...].Desse modo, e na medida em que se analisa a realidade da co-munidade jurídica com relação à tutela jurisdicional impõe-seuma ideia de garantir amparo aos direitos coletivos, sendo queo anteprojeto do Código de Processo Coletivo pretende cuidardos conflitos de massa para assim oficializar-se a celeridade eefetividade processual diante destes conflitos. (TRENTIN;TRENTIN, 2011)

Não seria, portanto, mera organização, mas sim, antesdisso, uma utilidade primária, e, por conseguinte, a organizaçãoseria justaposta. Nesse sentido, a doutrina impõe certo temor pelanão codificação do processo coletivizado, para assim se evitar pre-juízos maiores à sociedade, haja vista que tal processo protegeuma gama enorme de indivíduos, no mais das vezes indetermina-dos e indetermináveis. Delimita o catedrático Arenhart (2005, p.511) que “o manejo adequado do direito material não é suficiente

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para a correta atuação dos direitos coletivos. É preciso também do-minar a técnica processual. Vê-se, ainda hoje, várias decisões ju-diciais que prestam verdadeiro desserviço à tutela coletiva [...]”.

As lições seguintes destacam a necessidade da criação denovos instrumentos para a efetivação do direito processual deforma coletiva:

Desde o último quartel do século passado, foi tomando vulto ofenômeno da ‘coletivização’ dos conflitos, à medida que, parale-lamente, se foi reconhecendo a inaptidão do processo civil clás-sico para instrumentalizar essas megacontrovérsias, próprias deuma conflitiva sociedade de massas. Isso explica a proliferaçãode ações de cunho coletivo, tanto na Constituição Federal (arts.5o, XXI; LXX, ‘b’; LXXIII; 129, III) como na legislação processualextravagante, empolgando segmentos sociais de largo espectro:consumidores, infância e juventude; deficientes físicos; investido-res no mercado de capitais; idosos; torcedores de modalidadesdesportivas, etc. Logo se tornou evidente (e premente) a neces-sidade da oferta de novos instrumentos capazes de recepcionaresses conflitos assim potencializado, seja em função do númeroexpressivo (ou mesmo indeterminado) dos sujeitos concernentes,seja em função da indivisibilidade do objeto litigioso, que o tornainsuscetível de partição e fruição por um titular exclusivo. (MAN-CUSO, 2009, p. 379-380)

Na mesma linha crítica antes tracejada, a doutrina de TeoriA. Zavascki (2009) ensina que apesar dos microssistemas proces-suais coletivos, vários regramentos e conceitos do processo civilsão inadequados para o coletivo, notoriamente os que determinama legitimação e a representação, a litispendência e a coisa julgada.Mencionadas situações ainda causam embargos na efetivação doprocesso coletivo, que não extremam simplesmente a proteção pa-trimonial.

Pré-veem os especialistas, inclusive nos moldes anteriores,que a regulamentação codificada, ao menos na teoria, facilitaria talefetividade, assim como a razoabilidade temporal do processo cole-tivo, entre outros benefícios já declarados. Sinalizam assim MauroCapeletti e Bryant Garth (1998, p. 50), num dos primeiros trabalhossobre a coletivização dos direitos, ainda em 1988, que “a concepção

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tradicional do processo civil não deixa espaço para a proteção dos di-reitos difusos”.

Nítida é a questão de que, atualmente, em que pese o es-forço, em especial dos Tribunais, delimitando fatores importantessobre o processo coletivo, com uso de princípios e bases gerais doDireito (mormente consumerista), necessária se faz a publicaçãode um código adjetivo civil coletivo, dirimindo, ou ao menos dimi-nuindo (facilitando talvez) as discussões que hoje são, de certaforma, complicadas e controversas.

CONCLUSÃO

Resta evidenciada, incontroversamente, a elevada estimaque deve ser conferida à matéria debatida neste artigo; por certo,mesmo este articulista não conseguiu desempenhar um papel tãoprofundo quanto merecesse à classe, mas nunca deixa de ter vali-dade a procura incessante pelo aperfeiçoamento e pela divulgaçãode temas que atingem grande contingente de cidadãos, como esteda proteção jurisdicional coletiva de direitos.

Em que pese o trabalho manter-se estribado no estudo dasteorias e dos conceitos técnicos dos institutos afeitos ao tema, esteeixo, indiferente, torna útil sua leitura, para, ao menos, aqueles queiniciam sua caminhada no estudo do processo coletivo.

Quanto à temática, insta consignar que, ao que se inferedas razões e fundamentos esposados, a edição de um código deprocesso civil coletivo seria uma saída pontual para dirimir e facilitaras tutelas dos direitos à ela imanentes, não apenas como forma deorganização das ordens legais existentes, mas, com expressa von-tade legislativa em pontificar e conferir autonomia total ao processocoletivo, tamanha a sua relevância na sociedade contemporâneaem que estão inseridos (e cada vez mais outros surgem - emer-gentes) os direitos coletivos.

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