Açao Clínica Do Psicologo Junto a Familia de Presidiario

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    A AÇÃO CLÍNICA DO PSICÓLOGO JUNTO ÀFAMÍLIA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO1 

     Autora: Letícia Maria Costa de Sousa2 

    Orientadora: Maria da Conceição de Oliveira Teixeira3 

     Resumo:  Este estudo refere-se à ação clínica do psicólogo junto à  família do parente recluso inserido no sistema penitenciário. Aborda a família

    contemporânea, a reintegração social e tece algumas reflexões sobre a ação

    clínica do psicólogo no acolhimento a estas famílias. Os recursos utilizados para

    a elaboração desta pesquisa tomam como base o elenco bibliográfico,

    relacionada a situações advindas do cotidiano junto aos reeducandos e seus

     familiares. A referência teórica desta produção  diz respeito à atuação do psicólogo jurídico, especificamente no sistema penitenciário.

    Palavras-chave: família contemporânea; reintegração social;acolhimento.

    INTRODUÇÃOO interesse pelo acolhimento à família do parente inserido

    no sistema penitenciário emergiu da minha prática como psicólogada Secretaria Executiva de Ressocialização, atualmente vinculada aSecretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, ao

    1 Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação da FACHO para obtençãodo título de Especialista em Intervenção Psicossocial Jurídica (2009) e revisada

     para publicação de artigo.2  Mestranda em Psicologia Organizacional e Social (UNISLA/Portugal);

    Especialista em Intervenção Psicossocial Jurídica (FACHO); Especialista emPsicologia Clínica (FACHO), Psicóloga (FACHO). Psicóloga da Unidade deGestão de Pessoas da Fundação de Atendimento Sócioeducativo  –  FUNASE/PE;Psicóloga do Sistema Penitenciário no período compreendido entre Abril de 2006a Abril de 2010. Email: [email protected] 3 Mestra em Psicologia Clínica (UNICAP/PE); Especialista em Psicologia Clínica(UNICAP/PE); Psicóloga Clínica (UNICAP/PE); Supervisora de estágiocurricular em Psicologia Clínica (FACHO); Psicóloga do Centro de AtençãoPsicossocial Álcool e outras Drogas  –   CAPSad  –   CPTRA. Email:

    [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]

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     perceber lacunas que se revelaram na pesquisa realizada paraobtenção do título de especialista em Psicologia Clínica, a qual seintitulou: A Família como Referencial de Bem-estar do Reeducando

    Inserido no Sistema Prisional (2008). Na escuta disponibilizada aos reeducandos ficavaevidente que os seus discursos, na maioria das vezes,apontava para a falta de uma vivência em família

     baseada nas relações de trocas de afeto e diálogos.Para muitos, a mãe, além de exercer os cuidadosdomésticos, também atuou como provedorafinanceira da família, pois o pai geralmente nãoconvivia no mesmo ambiente ou nunca mantevealgum contato com o filho.

    De acordo com Bernardino (2006:27):no seio da estrutura familiar ele receberá atransmissão de uma língua, das tradições e costumesde sua comunidade, das leis que a regulam, além das

     particularidades específicas do desejo da família,inconsciente a seu respeito. Desta combinatóriaresultara um produto: sua subjetividade, seu desejo

     próprio.Assim, perseverei no seguinte questionamento: A prática

    de delitos iniciados na infância e/ou adolescência poderia estarrelacionada à ausência de uma vinculação ou convivência com osfamiliares? Maia (s/d) destaca:

    independente da configuração familiar e das formasde relacionamento e funcionamento da família, é

    importante existir uma boa vinculação familiar, queconstrua uma estrutura segura capaz de proporcionarapoio e proteção aos seus membros. É precisolembrar que a família tem papel fundamental naconstrução de valores, crenças e projetos de vida dascrianças e adolescentes.

    O desamparo familiar sofrido pelo indivíduo em suaexistência pode levá-lo a uma busca desenfreada por sua família,inclusive para re-encontrá-la, no sistema penitenciário. Este

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     pressuposto advém da escuta aos reeducandos quando nas conversasterapêuticas deixavam claro o quão significativa é a família paraeles, e nesta condição de recluso, elas retomam a sua função de elo

    entre eles e o mundo exterior, dando-lhes apoio moral, material eemocional. Vejamos trechos de alguns depoimentos dosreeducandos citados por Sousa (2008: 33):

    A importância da família é fundamental para o presidiário porque a gente passa por um momentomuito difícil que é você estar aqui preso [...] a minhador é menor pela minha família vir meacompanhando, dando apoio tanto psicológico como

    financeiro, então eu acho que a família é fundamental para o presidiário (depoimento de Antônio).

    Então a família é tudo, principalmente aqui noSistema, numa cadeia de segurança máxima é sempreimportante a família tá ao seu lado lhe ajudando,

     procurando sempre estar presente nas visitas... afamília é de extrema importância mesmo, ter afamília dentro do sistema, saber que a família podenos apoiar (depoimento de Pedro).

    “[...] Acho importante porque sempre os conselhos é só

     para o bem. Eles só me aconselham para eu me reconciliar cada vezmais [...]” (depoimento de João).

    “[...], a família é toda essa força pra gente é nossos filhos é

    todos os nossos familiares em geral, então pra mim é isso, é tudo. Afamília é tudo, não só pra mim, mas como eu acho de todo preso, éisso” (depoimento de André). 

     Nesta perspectiva, ressaltamos a dimensão sócio-políticadas visitas familiares ao parente recluso inserido no sistema penitenciário, o que contribui para se repensar o acolhimentorealizado a estas famílias.

    Para este estudo foram utilizados materiais já publicados,livros e artigos científicos de autores como: Burity (2005),Roudinesco (2003), Sá (2007), Sousa (2008), entre outros, além da

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    nossa prática clínica enquanto psicóloga da Instituição PenitenciáriaDr. Ênio Pessoa Guerra.

    A temática se desdobra em três itens. O item I apresentaum breve estudo acerca da família contemporânea. O item II abordaa família como mediadora da reintegração social do reeducando. Oitem III disserta sobre a ação clínica do psicólogo no sistema penitenciário pondo em destaque o serviço de acolhimento.

    Por fim, apresento as considerações finais e as referênciasconsultadas.

    I - FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA: UM BREVEESTUDO

    O que gostaria de conservar na família no terceiro milêniosão seus aspectos mais positivos; a solidariedade, a fraternidade, aajuda mútua (Michelle Perrot).

    Vários estudos sobre a família apontam as mudançastípicas na sua constituição em função da contemporaneidade. Tais

    mudanças passam a justificar a possibilidade de novos padrões decomportamento entre os membros da família. Para Roudinesco(2003), a família contemporânea ou pós-moderna surge a partir dosanos 1960. Nesta instância, a família contemporânea, segundo Sarti(2003:43),  perde o “sentido da tradição” e adquire uma novaroupagem diante do contexto social.

    De acordo com Farias (s/d) faz-se necessário compreendera família considerando a interdisciplinaridade, “máxime da

    sociedade contemporânea marcada por relações plurais, aberta emultifacetárias”.

    O capitalismo seguido do avanço tecnológico, eclodidoapós a segunda guerra mundial, também exerceu forte influêncianeste novo modelo de família, pois quebra o cristal do modelo patriarcal outrora evidenciado.

    Com o desenvolvimento de tal avanço, intensificado pelo

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    advento da Revolução Industrial e comercial, a sociedade passou autilizar-se do trabalho das mulheres tendo como objetivo a ânsia deacúmulo de capital, bem como do pagamento de mão de obra

    inferior, se comparado ao valor conferido ao sexo masculinodaquela época. Porém, mesmo diante de diversas dificuldades asmulheres passaram a ser cada vez mais convocadas ao mercado detrabalho, contribuindo para uma reorganização de valores ecostumes diante da sociedade.

    Tal fato culminou com a revolução feminista, quando asmulheres passaram a lutar por equidade de direitos em relação a

    vários seguimentos, como: o econômico, o educacional, o político,o social, entre outros.

    Acerca da pós-modernidade, Maldonado (2000:258, 259)aponta como características deste momento a

    [...] multiplicidade, a fragmentação, a enormediversidade de maneiras de viver. A disseminação daTV com imagens via satélite, o avião, oscomputadores ligados em rede, o fax são exemplos

    de desenvolvimento tecnológico que resultaram noencurtamento das distâncias e na possibilidade deconexão imediata entre vários pontos do planeta. Issoleva a uma exposição constante a outros modos devida, a diferentes culturas, crenças e tradições.

    E a mídia insere-se como fator importante na veiculação dacomunicação influenciando diretamente o comportamento social.

    Diante disso, o que parece estar em jogo na atualidade é a

    representação do ter e não do  ser , como nos mostra Santos (2000: 10,11): “O homem pós-moderno já sabe que não existe céu nemsentido para a história, e assim se entrega ao prazer, ao consumo eao individualismo”. 

    O consumismo e o individualismo são fatores marcantes, pois a partir da proposta adotada pelo capitalismo, demarcado nas propagandas, induzem o indivíduo a consumir sem nenhuma

    criticidade sobre tal ato.

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    Vale salientar que cada família possui uma forma deorganizar-se e desenvolver-se. Segundo Arcoverde (2002:29) afamília é percebida como um “espaço de produção, reprodução,

    consumo e distribuição de lucros”, além de constituir -se a partir denovos arranjos corroborando “com perdas, ganhos, mas tambémcom transferência de papéis e lideranças” (ibid:29). 

     Nestes termos, a família necessita acompanhar os desafiose mudanças da sua evolução, considerando também que a“transmissão da autoridade vai se tornando cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e recomposições

    conjugais aumentam” (ROUDINESCO, 2003: 19). Adotandotambém as contribuições de Poponoe citado por Rigonatti (2003)que envereda por esta temática, atribui tais mudanças a era daindividualidade que passa a ser responsável pelo não investimentodas pessoas no compromisso e nas obrigações do casamento paraviver intensamente, satisfação e puro prazer. Além destemovimento, vale salientar que as modificações no que se refere aohomem e a mulher sofrem modificações neste contexto social.

     Na mesma linha de pensamento, Vaistman, citado porLellis (2004), nos diz que

    as separações e os novos casamentos aumentaram onúmero de pessoas que viviam com parceiros quenão eram os pais ou as mães de seus próprios filhos.Paralelamente, crescia o número de crianças que nãoviviam com o pai e a mãe e coabitavam ouconviviam durante determinados períodos com

    crianças que eram suas irmãs ou meio irmãs.Os valores outrora respeitados por nossa sociedade estão

    sendo abandonados e as relações familiares já não são maisimportantes, pois há um rompimento definitivo com a famíliatradicional.

    Desse modo, torna-se cada vez mais vulnerável o lugar queo homem e a mulher vêm ocupando na família nos tempos atuais. A

    mulher, que se destinava ao cuidado da casa e dos filhos enquanto o

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    homem era o único responsável pelo sustento da família, passou aser vista dentro de um conflito de gerações, pois a nova leituradestes significados encontra-se pautada em direitos universais e

    igualitários entre os sexos.À medida que a mulher ganha evidência nesta luta

    igualitária, a concepção de família modifica-se, pois muitas delasdesempenham também a função de provedora e cuidadora da casa edos filhos.

    Ainda acompanhando a evolução dos tempos, a ciênciatambém oferece poder às mulheres, no momento em que um ato

    sexual passa a ser trocado por uma atitude puramente médica.Atrelada a tais condições “a contracepção permitira as mulheres

    conhecerem o prazer sem risco de procriarem; graças àmedicalização dessa procriação, podiam fabricar livremente filhossem prazer, até mesmo sem desejo” (ROUDINESCO, 2003: 162).

    A partir de tais inovações, o homem por si só não maisdecide na procriação de filhos, este poder passa a ser então

    exclusivamente das mulheres, pois o aperfeiçoamento de técnicasde contracepção científica ganha evidência a cada momento.

    Para a família contemporânea outro ponto a ser destacadoem sua constituição são os casamentos em constantes desarranjos,teorizando tal temática Louis Roussel apud Roudinesco (Ibid: 153)quando nos afirma que:

    a família contemporânea se pretendeu frágil,neurótica, consciente de sua desordem, mas

     preocupada em recriar entre os homens e mulheresum equilíbrio que não podia ser proporcionado pelavida social. Assim, fez brotar de seu próprioenfraquecimento um vigor inesperado. Construída,desconstruída, reconstruída, recuperou sua alma na

     busca dolorosa de uma soberania alquebrada ouincerta.

    Diante destas transformações fala-se no declínio da função

     paterna e do efeito disso na subjetividade dos indivíduos.

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    A família do futuro pontuada por Roudinesco (2003),composta por casais homoafetivos, também aparece para mostrar asua força no contexto contemporâneo. Surge em busca de luta

    igualitária pelo processo de filiação na criação de filhos,acreditando poder oferecer uma representação real da diferençasexual.

     Neste novo modelo de família, sabemos que o preconceitona sociedade ainda é bem presente no que concerne à aceitação daadoção ou da “criação” de crianças por casais homoafetivos, porémalgumas vitórias foram alcançadas, mas demasiadamente

    sacrificadas.Contudo, tomo como essenciais às palavras de Roudinesco

    (ibid) quando nos coloca que a família do futuro “deve ser mais

    uma vez reinventada” (p.199). Pois, muitas das açõesdesempenhadas pela família de hoje já não mais condizem com aconstituição de família que tivemos um dia.

     Neste mesmo curso de pensamento, Bilac (2003: 36)

    disserta que as mudanças na organização da família estão sedando fundamentalmente, a partir das mudanças nacondição feminina, que terminam por afetar, também,os papéis masculinos. Assim, é preciso um reexamedos papéis sexuais na família que incorpore, também,sentimentos, vivências e percepções masculinas.

    Partindo deste pressuposto, as famílias inseridas no sistema

     penitenciário que visitam seus parentes reclusos também sãoafetadas por todas essas mudanças. Vivenciar as transformaçõessociais faz parte do cotidiano delas, as quais apontam característicasdistintas ligadas ao processo evolutivo de família citado por váriasconcepções teóricas acima descritas.

    Algumas mulheres que visitam seus filhos nunca tiveramum companheiro que fizesse a função de pai ou mesmo que asajudasse nos proventos da família. Estas necessitam trabalhar para

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    manter a casa e os demais filhos e muitas vezes até os netos. Eainda, se têm um companheiro, por vezes este também se envolveuou se encontra envolvido em delitos, ou faziam/fazem uso de drogas

    como o álcool e/ou outros tipos, demandando dificuldades deintervirem na família como pais no exercício de suas funções.

     Na maior parte das famílias o próprio reeducando era afigura firmada como provedor financeiro, repentinamente osfamiliares se vêem precisando enfrentar todas as situações na faltadeste: cuidar dos filhos, da casa, do trabalho e do próprioreeducando que também passa a depender parcialmente da ajuda da

    família em diversos aspectos, por exemplo, no depoimento da mãede um reeducando quando diz: “Olha é muita despesa se a gente forver! Ele vivia em casa, trabalhava de pedreiro para sustentar ofilhinho, a mulher e eu. Agora, quem tá trabalhando pra sustentar acasa é a mulher dele”. (BURITY, 2005: 72). 

    Por meio da visita há contato direto entre família e sistema penitenciário. A partir deste contato, passamos a acolher a família eescutar suas histórias de vida que são as mais diversas e que noslevam a reconhecer a importância do serviço de acolhimento a estasfamílias.

    São mães, esposas, filhos(as), irmãos(as) que têm comofunção, acolher, dar apoio, acompanhá-los no cumprimento da pena.São as mães e esposas que passam por infindáveis situações dehumilhação, discriminação, preconceitos e julgamento queemergem do contexto social.

    Independente da visão tradicional dos papéis familiares e perseverando as contribuições advindas da família, Burity (2005)nos diz que a família é entendida como a principal fonte de apoiomaterial e psicológico para o reeducando e também fonte de apoio para o processo de reintegração social. Contudo, todo esse processotorna-se bastante precário diante da nossa sociedade competitiva, preconceituosa e hostil, agravando, assim, os problemas sociais,

    como a violência e a criminalidade.

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    Diante das condições e mutações da instituição família,entendemos que seus papéis sociais necessitam ser revistos, pois,mesmo com as inúmeras modificações, ela continua sendo a

    unidade básica no processo de socialização, integração, comotambém na reintegração do ser humano ao mundo,independentemente de sua origem ou desenvolvimento.

    II  –   A FAMÍLIA COMO MEDIADORA DAREINTEGRAÇÃO SOCIAL DO REEDUCANDO

    Faz-se oportuno iniciar este item definindo o termoreintegração social   segundo o Departamento Penitenciário Nacional –  DEPEN, órgão devidamente vinculado ao Ministério daJustiça:

    conjunto de intervenções técnicas, políticas egerenciais levadas a efeito durante e após ocumprimento de penas ou medidas de segurança, nointuito de criar interfaces de aproximação entreEstado, Comunidade e as pessoas beneficiárias, comoforma de lhes ampliar a resiliência e reduzir a

    vulnerabilidade frente ao sistema penal.Contudo, reintegração social é um termo eminentemente

    novo, pois passa a tomar rumo a partir do desuso da palavraressocialização - que ainda em determinadas situações é utilizado para designar o mesmo significado. Dessa forma, vale ressaltar quea Lei de Execução Penal  LEP  não apresenta em sua constituiçãoo termo reintegração social, mas em seu Art. 10 assegura que “a

    assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.Portanto, podemos entender também que a assistência aqui pontuada é o processo pelo qual o preso retorna ao convívio socialdo qual fora excluído.

    De acordo com Ferreira (2001:593), reintegrar significa“ser novamente investido”, reinvestir em determinada situação.

    Remetendo-nos ao tema deste tópico, percebemos a importância da

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    atuação direta da família no processo de reintegração social de seu parente que esteve inserido no sistema prisional.

    Ainda, sobre esta nova nomenclatura, Baratta citado por Sá(2007:60) define a reintegração social:

    um processo de abertura do cárcere para a sociedadee da abertura da sociedade para o cárcere, de tornar ocárcere cada vez menos cárcere, processo no qual asociedade tem um compromisso, um papel ativo efundamental

     Nestes termos, aponta para uma proposta de melhoria noque diz respeito ao reeducando na sua relação com o social e dasociedade para com o reeducando. Pois, as expressões “tratamento”,“reabilitação”, “ressocialização”, entre outras, estariam apenas

    ligadas à pessoa em cumprimento de pena, mas não ao processo deabertura do cárcere para a sociedade.

    Em Pernambuco, o sistema penitenciário está vinculado àSecretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos  –  SDSDH  e a efetivação de suas ações cabe à Secretaria Executiva

    de Ressocialização –  SERES. Porém, as ações não condizem com arealidade dos estudos mais recentes sobre reintegração, pois o olharnão se dirige ao sujeito e sim à prática do delito. Ficando oreeducando estigmatizado como ex-presidiário, isso que gera, paraalguns, uma preocupação, considerando-se comum no contextosocial o agir ladeado de preconceitos, o que dificulta seu convíviosocial. Afirma um reeducando: “quando o preso sai daqui, assim da

    Unidade, ele não é olhado como era anteriormente e na sociedadehá aquela rejeição, neh?” (SOUSA, 2008: 41).

     Nesta linha de pensamento, Goffman (1988) cita três tiposde estigmas notadamente diferentes: o primeiro está ligado àsabominações do corpo ou deformidades físicas. O segundoencontra-se intimamente ligado às culpas de caráter individual,como desonestidade, vícios, prisão, alcoolismo, homossexualismo,dentre outros. O terceiro está diretamente ligado aos estigmas tribais

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    de raça, nação ou religião.

    Para os reeducandos inseridos no sistema penitenciário, osegundo tipo de estigma se faz muito presente. Portanto, de acordocom Goffman (ibid), o estigma –  contextualmente - passa a apontaruma característica diferente da idealizada pelo social.

     Neste sentido, a sociedade também necessita ser reeducada,a fim de assumir a sua parcela de responsabilidade na inclusão doreeducando no convívio social.

    Pontuamos, no início deste item, a reintegração socialcomo uma das ações que consta na assistência ao reeducando nasdiversas esferas: jurídica, material, de saúde, educacional, religiosa,social e da assistência ao egresso. Tal assistência toma uma bifurcação posta em duas ações: a primeira, voltada para o períodode cumprimento da pena (reeducandos sob a responsabilidade parcial do Estado) e a segunda voltada para o período pós prisão,denominados de egressos prisionais (responsabilidade da família econtexto social)

    O período em que o preso está cumprindo pena aindanecessita de muito investimento. Apesar da determinação imposta pela LEP em seu Art. 10, sabemos que o sistema carcerário nãooferece condições satisfatórias nem tratamento adequado. Acarência perpassa pelos recursos ambientais, pelas condições físicase chega até ás condições de atendimento aos reeducandos nos seusdiversos segmentos.

    Diante disso, torna-se mais difícil retornar à sociedade pessoas que foram segregadas em cubículos e ainda tendo quedividi-lo com onze, doze ou mais pessoas, fato devidamente pontuado por um reeducando quando nos diz: “Aqui a genteaprende com a realidade, quer dizer, nós vivemos a realidade,convivemos com todo o tipo de pessoas de vários níveis de pensamento, inclusive de questão de quando sair daqui, o que é quese faz, a expectativa para o futuro [...]”. (SOUSA, 2008: 25). Neste

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    sentido, sabemos que a probabilidade de repetirem lá fora os maustratos sofridos durante o tempo em que estiveram presos é bem altae constitui, como tal, um dado bastante significativo.

    Assim, torna-se um desafio reapresentar o mundo àquelereeducando que já internalizou o processo de despersonalização, proposto por Goffman (1988) como uma alteração da sensação derealidade do mundo exterior. Portanto, a rotina de portas fechadas, proibições, encarceramento e segregação, além de impossibilitaremo recluso de conviver com o social, também eleva a impossibilidadede experimentação de sua individualidade,

     Na assistência prisional, poderiam estar presentesinvestimentos ligados à profissionalização dos reeducandos, pois poucos são contemplados com as atividades oferecidas pelo Setorde Laborterapia4  que inclui os serviços de marcenaria, padaria,confecção de bolas de futebol e limpeza e conservação da unidade prisional (serviço hidráulico, elétrico entre outros). Tais serviçosvisam o trabalho com remuneração e constituição de pecúlio5,atividades de alfabetização e culturais também são evidenciadas. Nessa assistência, também poderia estar presente o aumento doquadro de profissionais ligados ao setor de assistência social dasunidades prisionais.

    Pelo fato da sociedade ainda não estar preparada parareceber esta pessoa que descumpriu regras e leis, a família necessitaintervir na reconstrução e sustentação psicológica do seu parente.Portanto, há necessidade de abertura e de compromisso por parte da

    sociedade e do Estado para realizarem um trabalho mútuo, seaproximando e traçando metas de atuação em relação aoreeducando, sem preconceitos, estigmas e discriminação.

     Nesta etapa, a família possui um papel ativo e fundamental.

    4 Setor responsável pelas atividades de trabalho realizado pelos reeducandos daPenitenciária Dr. Ênio Pessoa Guerra5 Dinheiro acumulado por trabalho ou economia.

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    Atua como elo entre eles e o mundo externo. O processo dereconhecimento das potencialidades e credulidade ao parente queesteve recluso necessita partir da família, tendo em vista ser esta

    considerada a base para o processo de reintegração social comoaponta Sousa (2008:33) na fala dos reeducandos Antônio e Pedro aoremeterem-se a suas famílias. Vejamos:

    A importância da família é fundamental ao presidiário porque a gente passa por um momento muito difícil [...] (Antônio).

    Então, a família é tudo [...] saber que a família pode nosapoiar (Pedro).

    As vantagens de reintegrar o reeducando a partir doacompanhamento familiar é de grande proporção, apesar desabermos que a passagem de um indivíduo no sistema penitenciáriocomo “preso” deixa marcas que às vezes, acompanhadas de

    estigmas, chegam a deteriorar o seu processo de retorno ao convíviosocial. Portanto, a família em sua função primordial necessita participar e se envolver diretamente nesse processo.

    A reconstrução da dignidade vigora a partir de doisâmbitos: família e ex-presidiário. Sendo assim, família e parentesdevem lutar para reverter a rejeição e desconfiança por parte dosocial, situação esta que pode repercutir a longo prazo. O apoioentre família e ex-presidiário deve ser mútuo e envolto de elementosmotivadores advindos do social. No entanto, na maioria dos casos, afalta de proteção social aumenta os riscos de reincidência.

    Faz-se necessário que o sistema penitenciário ofereçaassistência ao reeducando e os auxiliem a “adquirir habilidades dedesenvolver a capacidade de ganhar a vida e sustentar uma família”

    (COYLE: s/d: 102). Nesse sentido, é imprescindível acolher oindivíduo que esteve inserido no sistema penitenciário como uma pessoa de direitos enquanto cidadão. Portanto, família e sociedadetambém devem ser assistidas pelo Estado nesta preparação. Paraobter sucesso, a responsabilidade deve ser compartilhada.

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    III  –  A AÇÃO CLÍNICA DO PSICÓLOGO JUNTO ÀFAMÍLIA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

    Para o sistema penitenciário, a coisa mais importanteé a participação da família. Ela vai desde minorar astensões, reduzir a violência, até como importantecolaboradora da administração penitenciária. Ela é oelemento mais importante no fator da formação, sejada segurança ou não, do sistema penitenciário.

    (BURITY, 2005: 111)

    Desde que a Psicologia estabeleceu diálogo com outrossaberes, muitas áreas a ela concernentes foram surgindo, dentre elasa Psicologia Jurídica. Para muitos estudiosos, esse campo deatuação é uma das áreas que mais cresceu nos últimos tempos.

    De acordo com Leal (2008:171), a relação entre a psicologia e a justiça vem se propagando desde o século XIX naFrança,

    quando os médicos foram chamados pelos juízes daépoca para desvendarem o “enigma” que certos

    crimes apresentavam; passando pelo surgimento da psicologia criminal, em 1868; pelo nascimento dacriminologia, em 1875; e finalizando com aintrodução do termo psicologia jurídica por Mira yLopez em 1950. Em seguida, apresenta as definiçõesde psicologia jurídica, psicologia forense, psicologiacriminal e psicologia judiciária e as áreas de atuaçãoda psicologia jurídica.

     No Brasil, o termo Psicologia Jurídica é o mais adotado para estudos ligados ao judiciário. O termo Forense, para Ferreira(2001: 328), diz respeito apenas a assuntos ligados ao “foro judicial”.

     No entanto, a Psicologia Jurídica surge também danecessidade de avaliar as pessoas que haviam cometido algum atodelituoso e assim poder respaldar o poder judiciário a tomardecisões a respeito. Para Kolker (2004: 158): a prisão é uma

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    instituição que emergiu a partir do capitalismo, e desde então, “vem

    sendo utilizada para administrar, seja pela via da correção, seja pelavia da neutralização, as classes tidas como perigosas”. Atualmente a

     prisão, além de resguardar o contexto social, deve primordialmente procurar meios que possam reintegrar o reeducando na sociedade.

    Com a sanção da Lei de Execução Penal nº. 7.210 –  LEP  em 11 de julho de 1984, o trabalho do psicólogo ganhou pilares desustentação, como nos mostram os Art. 5º e 7º, dissertandorespectivamente:

    “Os condenados serão classificados segundo os seus

    antecedentes e personalidade, para orientar a individualização daexecução penal”. 

    A comissão técnica de classificação existente emcada estabelecimento será presidida pelo diretor ecomposta no mínimo por 2 (dois) chefes de serviço, 1(um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistentesocial, quando se tratar de condenado a pena

     privativa de liberdade.

    Diante disso, a lei respalda o estudo sobre o modo de serdo indivíduo recluso, sendo um trabalho interdisciplinar queviabiliza diferentes vertentes ligadas à percepção técnica profissional sobre cada caso, como enfatiza Stankowich (2008),ressaltando que “o Direito necessita do suporte e das definições psicológicas a fim de enriquecer e ratificar suas diretrizes e seuencaminhamento na tarefa de melhor regular as condutas emsociedade”. 

    Tal procedimento requer um estudo intensificado para cadacaso. Segundo a psicóloga e psicanalista Ibrahim (s/d), existe uma preocupação nesta parceria, pois

    infelizmente a justiça continua esperando um parecertécnico que possa apontar para a previsibilidade decomportamento do apenado, e assim ter o respaldoseguro de uma ciência. Parece-nos que a busca da

    determinação e da previsibilidade é própria do

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    Direito Criminal.

    Apesar de inúmeras deficiências, entendemos que aPsicologia e o Direito formam uma interface produtiva, podendo

    assim haver possibilidade de se entender, prevenir e indicarresoluções acerca de alguns encaminhamentos no interior dasunidades prisionais.

    Ainda descrevendo sobre a inserção do profissional da psicologia no âmbito judicial, segundo informações contidas nasDiretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro (2007), o seu ingresso no sistema penal deu-se

    na década de 1960 no Estado do Rio de Janeiro. A partir daí, emnosso país, a psicologia ligada ao campo jurídico vem sendoevidenciada com descompasso de crescimento, apesar de não haverclaramente fragmentos históricos mais detalhados a respeito.

    A partir de 2005, o Conselho Federal de Psicologia  –  CFP  abre portas para reflexões e estudos acerca da psicologia noâmbito prisional juntamente com o Departamento Penitenciário

     Nacional  –   DEPEN e o Ministério da Justiça  –   MJ. A partir demuitas ações e fóruns de debates, a psicologia passa a tersignificados no enfrentamento da injustiça e da exclusão social.

     No combate à exclusão social, e por considerar a famíliauma instituição salutar para o reeducando inserido no sistema penitenciário, a Lei de Execução Penal  –  LEP  de 11 de julho de1984, em seu Art. 41, aborda os direitos do reeducando eespecificamente no inciso X, referindo-se ao direito da “visita docônjuge, da companheira, de parentes e amigos em diasdeterminados”. A visita familiar é entendida como uma situação de

    fundamental importância, pois funciona como antídoto para oenvolvimento dos reeducandos em atos de indisciplina ou mesmoem possíveis rebeliões.

     Na Penitenciária Dr. Ênio Pessoa Guerra existe umatentativa de controle de visitantes, atualmente restrito apenas aos

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     parentes de primeiro grau. Caso o reeducando não tenha parenteneste grau, há possibilidade de concessão de visitas a parentes desegundo, terceiro grau ou mesmo aderentes que possam

    acompanhá-lo durante o cumprimento de sua pena. Pois, a família éconsiderada como a ponte de encontro entre o reeducando e omundo exterior. Para Burity (2005:108) a família colabora a partirde duas vertentes: por meio da “presença física” e também

    colaborando com o “funcionamento” da unidade prisional. 

     Neste contexto, o psicólogo desenvolve atividadesrelacionadas ao acolhimento e valorização das famílias, a partir do

     processo de admissão à família.A entrevista inicial com a família é considerada, na

    Penitenciária Dr. Ênio Pessoa Guerra, um procedimento muitoimportante, pois a partir deste momento os laços começam a serconstruídos com os visitantes e a referência do reeducando emrelação à família se estabelece junto ao setor psicossocial daunidade. Aqui, são informados sobre a conduta a adotarem duranteas visitas, os dias, horários, vestimentas.

    Quando realizamos o atendimento familiar percebemos ademanda em relação ao parente recluso e várias solicitações paraintervirmos junto a ele. Às vezes, por fazerem uso de drogas ilícitas,encontram-se envolvidos em dívidas, dificultando a família demantê-lo financeiramente. Por vezes, também solicitam atransferência do parente para uma unidade prisional mais próximade sua residência, diminuindo, assim, o gasto com passagens para

    realizarem a visita, o que evidencia a vulnerabilidade financeira dafamília.

    Dessa maneira, as entrevistas acontecem em duasmodalidades: para concessão de encontros conjugais e/ou pernoitese para progressão de regime. Os encontros conjugais são realizadosnum único dia da semana, trata-se de um momento exclusivo para ocasal. Não é permitida entrada de crianças e de adolescentes.

    Avaliamos junto ao reeducando a sua relação com o cônjuge e

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     perspectivas de futuro. Os pernoites acontecem com intervalosquinzenais. Esposa e filhos podem entrar até as 12h00min dosábado com a saída programada para o domingo a partir das

    13h00min.Com relação às entrevistas que objetivam a progressão de

    regime, as informações colhidas se referem ao retorno doreeducando para o convívio familiar, também é questionado sobre a possibilidade do mesmo voltar a residir naquela comunidade onde praticou o ato delituoso, além de outras informações. Estas sãorealizadas na própria unidade prisional e/ou na residência da

    família.A visita domiciliar acontece para a entrevista de progressão

    ou para buscar a família, resgatando os laços familiares orarompidos ou interrompidos por inúmeras questões.

    Os pareceres em relação à família são emitidos de duasformas: para concessão do encontro conjugal e pernoites e para aentrada de adolescentes esposas e/ou companheiras de reeducandos.

    O parecer favorável para os encontros conjugais e pernoites sãoexpedidos quando há coerência nos discursos relatados pelo casalsobre o relacionamento ou mesmo quando comprovam uniãoestável (certidão de casamento, certidão de nascimento de filhos,etc.).

     No que se refere à permissão para entrada de adolescentes,esposas e/ou companheiras de reeducandos, a emissão de parecerdessa clientela requer certa cautela. Geralmente, orientamos que aadolescente solicite uma autorização, assinada pelo juiz da infânciae da adolescência do seu município, enfatizando a permissão paravisitar o companheiro. Ao apresentar tal documento, realizamos asentrevistas junto ao casal e posteriormente emitimos o parecer com base nas ressalvas pontuadas pelo juiz. Na maioria das vezes, omagistrado autoriza que a adolescente o visite apenas aos domingos,inviabilizando assim a sua entrada para os encontros conjugais e

     pernoites oferecidos pela unidade prisional até alcançar a

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    maioridade.

    O contato telefônico com famílias é uma outra ação clínicaque desenvolvemos, pois a Lei nº 11.466 de 28 de março de 2007 proíbe aos reeducandos realizar ligações para a família. Os contatosrealizados pelo psicólogo com famílias objetivam saber o motivo dosignificativo intervalo de tempo entre as visitas, bem como fornecernotícias sobre o estado de saúde de reeducandos quando acometidos por enfermidades. Assim,

     podemos dizer que o período de cumprimento da pena será marcado pela entrada de todos osfamiliares no mundo do cárcere [...] todas as pessoas,ligadas ao preso ou à família deste, contribuem ou

     participam de alguma maneira a fim de permanecerem em contato com o detento. (SANTOS,2006:599).

    Dentre algumas ações realizadas, entendemos que muitoainda deverá ser efetivado junto às famílias, pois o sofrimentodestas é bastante significativo devido ao enfrentamento da exclusão

    moral, social e de inúmeras humilhações, discriminações econstrangimentos, por exemplo, antes mesmo do momento davisita, quando passam pela revista, revelando-nos a necessidade derepensarmos sobre esta situação provocadora de tanta angústia.

    Diante desses fatos, o psicólogo necessita realizarintervenções baseadas em políticas de cidadania e direitos humanos,refletir sobre a Lei de Execução Penal e sua aplicação, junto aosagentes de segurança penitenciário, numa tentativa de humanizarem

    e dignificarem suas atitudes para com estas pessoas. Possibilitar adesconstrução dos estigmas em relação a ser “família de preso” e,

    com isso, trabalhar com as famílias a sua auto-estima junto aocontexto social. De acordo com Burity (2005: 66), grande parte dasfamílias são “vítimas da própria conduta de seus familiares agora presos”, haja vista muitas famílias não compactuarem com os erros,

    relatando-nos sobre o desconforto em relação aos atos ilícitos

     praticados por seu parente.

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    Como psicóloga, nesse contexto, preocupo-me maisespecificamente com este serviço de acolhimento às famílias, poisnão só os adultos, mas também as crianças e adolescentes

    expressam de várias maneiras o quão significativo é este dia paratodos.

    Dessa forma, a Psicologia e o Direito são uma parceria quereacende a esperança de uma

    cidadania que queremos, para todos pressupõe quenenhum dos brasileiros possa ter sua condiçãoindividual e sua condição coletiva violada por força,

     por poderes, por instituições, por grupo, por máfias,constrangendo a possibilidade de que esses sujeitosexerçam na linha básica desse desenvolvimento dacidadania. (OLIVEIRA, 2007:35).

    CONSIDERAÇÕES FINAISO objetivo deste trabalho foi evidenciar as ações clínicas

    do psicólogo junto à família no sistema penitenciário. Abordou atemática da família contemporânea, a reintegração social e a

    importância do acolhimento realizado pelo profissional de psicologia para com as famílias.

    Dentre as inúmeras transformações que a nossa sociedadevem sofrendo no âmbito tecnológico, ecológico, econômico, etc, ainstituição família é atravessada por todos esses campos de força,levando-a a mudanças significativas na sua composição, atingindoseu funcionamento e as relações afetivas entre seus membros.

    Convivendo com famílias no sistema penitenciário, percebemos a vulnerabilidade que se encontram não só por fazerem parte destas mudanças, mas também por carregarem a marca deserem “família de preso”. 

    Mesmo frente a significativas transformações, a famíliacontinua sendo considerada a unidade social que transmite valores,sentimentos e modos de se relacionar. Enfim, é no meio familiar

    que a criança aprende as regras sociais.

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    Assim sendo, o sistema prisional também precisa acreditarque a família pode mediar o processo de reintegração social do seu parente recluso. Portanto, é fundamental o trabalho de acolhimento

    na instituição, a fim de que possamos obter uma ação conjunta entrea família, o Estado e a sociedade.

    Porém, inúmeras são as dificuldades do trabalho do psicólogo junto à família no sistema penitenciário, dentre eles,estão: a não efetivação da Lei de Execução Penal pelas autoridades,a qual pontua as regras mínimas para uma convivência digna dosreeducandos, familiares e mundo externo. Outro fator que se deve

    ressaltar é o quantitativo de profissionais da área que se mostrainoperante frente à demanda de reeducandos e familiares. Tambémencontramos obstáculos referentes aos preconceitos tatuados nasfamílias por alguns agentes de segurança penitenciária, visto que,muitos concebem que “família de   preso é igual ao preso”,incorrendo na desvalorização do trabalho com as mesmas.

     Neste âmbito, o psicólogo precisa rever junto aos demais profissionais e funcionários da instituição a concepção de “família

    de preso”, pois já sabemos que de nada adianta encarcerar centenasde pessoas se não tentarmos resgatar os vínculos familiares, o que, posteriormente, contribuirá para reintegrá-las na sociedade. Vale o psicólogo se reorganizar no intuito de fazer valer o respeito, dereivindicar o direito à cidadania, de refletir sobre a perversacondição em que se encontram ou se encontraram estas pessoas quenão têm um lugar na sociedade. Apontando, então, para uma ação

    clínica imbuída da dimensão ético-política desde o acolhimento àsfamílias, estendendo-se para a elaboração de laudos e pareceres.

    Enfim, que esta pesquisa faça eco nos psicólogos queatuam neste contexto e que buscam possibilidades de trabalho juntoàs famílias dos reeducandos.

    Este estudo renovou a esperança de resignificar a minha prática no sistema penitenciário potencializando novos

    entendimentos sobre a função da família. Constituiu-se como o

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    início de um percurso rumo a uma diversidade de compreensõesligadas ao contexto teórico-prático da Psicologia Jurídica.

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