ABR | 2013 andrea lucchesini · PDF fileBerio: Brin e Leaf Scarlatti: Sonata K.454 em Sol...
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14 ABR | 2013
andrea lucchesini piano18:00 SALA SUGGIA
mecenas cIcLO PIanO mecenas PRIncIPaLcasa Da mÚsIca
mecenas casa Da mÚsIca aPOIO InsTITUcIOnaLmecenas PROGRamas De saLa
1ª Parte [c.35min.]
Domenico Scarlatti: Sonatas [c.1730-50] e Luciano Berio: 6 Encores [1965-1990]
Scarlatti: Sonata K.491 em Ré maiorBerio: Brin e Leaf Scarlatti: Sonata K.454 em Sol maiorBerio: Erdenklavier e WasserklavierScarlatti: Sonata K.239 em Fá maiorBerio: LuftklavierScarlatti: Sonata K.342 em Lá maiorBerio: FeuerklavierScarlatti: Sonata K.146 em Sol maior
2ª Parte
Ludwig van BeethovenSonata para piano nº 30 em Mi maior, op.109 [1820; c.18min.]
1. Vivace, ma non troppo – Adagio espressivo – Tempo I2. Prestissimo3. Andante molto cantabile e espressivo
Var.I – Molto espressivoVar.II – LeggiermenteVar.III – Allegro VivaceVar.IV – Un poco meno andante, cioè, un poco più adagio del temaVar.V – Allegro ma non troppoVar.VI – Tempo I del tema (Cantabile)
Sonata nº 31 em Lá bemol maior, op.110 [1821; c.18min.]
1. Moderato cantabile, molto espressivo2. Allegro molto –3. Adagio, ma non troppo – Fuga: Allegro ma non troppo
Notas ao programa disponíveis em www.casadamusica.com, na página do concerto ou no separador downloads.
ciclo piano edp
itália 2013
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Andrea Lucchesini piano
Orientado por Maria Tipo, Andrea Lucchesini conquistou o reconhecimento internacional ainda muito jovem, quando ganhou o Concurso Internacional “Dino Ciani” no Teatro alla Scala em Milão. Desde então apresentouse em todo o mundo com as orquestras mais importantes, trabalhando com maestros como Claudio Abbado, Semyon Bychkov, Roberto Abbado, Riccardo Chailly, Dennis Russell Davies, Charles Dutoit, Daniele Gatti, Gabriele Ferro, Gianluigi Gelmetti, Daniel Harding, Vladimir Jurowski, Gianandrea Noseda e Giuseppe Sinopoli.
A sua carreira multifacetada reflecte se em programas que abrangem o repertório desde o Classicismo à actualidade. Em 1994 foi distinguido pelos musicólogos europeus, que lhe atribuíram o Prémio Internacional da Accademia Chigiana (o único italiano homenageado em 30 anos). No ano seguinte ganhou o Prémio F. Abbiati, confirmando o reconhecimento pela crítica italiana.
Lucchesini fez várias gravações, as primeiras nos anos 80 para a emi (Sonata em Si menor de Liszt, Sonata op.106 “Hammerklavier” de Beethoven e Sonata op.58 de Chopin). Gravou depois o Pierrot Lunaire de Schönberg e o Concerto de Câmara de Berg para a Teldec com a Dresden Staatskapelle dirigida por Giuseppe Sinopoli. Para a BMG, registou o Concerto “Echoing Curves” de Luciano Berio, dirigido pelo próprio compositor. Este foi um dos pontos altos da forte colaboração com Berio, tendo o pia
nista testemunhado a criação da última e desafiante obra para piano solo, a Sonata. Lucchesini fez em 2001 a estreia mundial desta obra, que juntamente com outras peças para piano de Berio fez parte de um cd para a Avie Records, unanimemente aplaudido pela crítica internacional. Igualmente aclamada foi a gravação ao vivo da integral das 32 Sonatas de Beethoven para a Stradivarius – “cd do Mês” da prestigiada revista alemã Fonoforum em Agosto de 2004. A sua gravação mais recente, os Improvi-sos de Schubert para a avie Records, foi recebida com entusiasmo pela crítica internacional.
Desde 1990, Andrea Lucchesini tem também dedicado a sua atenção à música de câmara, incluindo várias formações e uma intensa colaboração (em recitais e gravações) com o violoncelista Mario Brunello.
Convencido de que a partilha do conhecimento musical com as novas gerações é um dever moral, Lucchesini dedica se apaixonadamente ao ensino. Lecciona actualmente na Scuola di Musica di Fiesole, da qual é director artístico desde 2008. É convidado frequentemente para ministrar masterclasses em grandes instituições musicais da Europa, tais como a Musik Hochschule em Hanôver, o Sommer Wasserbuger Festspiele e a Musik Hochschule em Salzburgo. Foi nomeado Accademico de Santa Cecilia em 2008.
3Luciano Berio
oneglia, 24 de outubro de 1925
roma, 27 de maio de 2003
Compostos entre 1965 e 1990, os Encores de Luciano Berio reúnem 6 curtas peças para piano, com títulos que remetem para os elementos da natureza. O ciclo evoca os quatro elementos básicos constantes de teorias pré socráticas, também presentes em culturas não europeias: a água (Wasserklavier, de 1965), a terra (Erdenklavier de 1969), o ar (Luft klavier de 1985) e o fogo (Feuerklavier de 1989). A estas, Berio acrescentou Brin e Leaf, duas peças compostas em 1990, o ano da publicação conjunta do ciclo. Também estas últimas peças poderão referir elementos da natureza: brin, francês para referir um galho ou ramo, e leaf, inglês para designar a folha de uma planta. Esta ligação a fundamentos básicos poderá ter sido um dos enfoques para a criação destas peças, que efectivamente cultivam a depuração, tanto no que diz respeito à selecção de materiais base de composição, como na própria duração individual de cada peça, que não excede os 3 minutos.
A exploração das possibilidades individuais de vários instrumentos (patente em particular nas 14 Sequenzas que compôs entre 1958 e 2003 para instrumentos solistas diferentes) é um dos aspectos mais fulcrais da obra de Berio, considerado um dos compositores mais significativos das vanguardas musicais europeias do séc. XX, nomeadamente como criador do primeiro estúdio italiano dedicado ao estudo da música electrónica, o Studio di Fonologia Musicale, em Milão, e pelo seu experimentalismo tanto a nível da combinação entre electrónica e instrumentos acústicos, como pela utilização de técnicas pós modernas como a colagem de materiais musicais e extramusicais.
Os Encores exploram, em forma de miniatura, técnicas que Berio desenvolveu de forma mais abrangente e alargada em algumas das suas obras maiores para piano solo, nomeadamente a Sequenza IV, de 1966, e a Sona-ta de 2000. Brin e Leaf, por exemplo, remetem para jogos de timbres e duração de acordes que, em Brin, resultam do uso do pedal e da combinação de notas que vão sendo acrescentadas e sustentadas pelo pianista, enquanto em Leaf a sustentação é efectuada pelo uso do pedal sostenuto. Este pedal, que apenas existe em pianos de cauda, permite que, aplicando o pedal a uma nota ou conjunto de notas que já foram premidas pelo pianista, estas fiquem a soar até este pedal ser retirado. À medida que o pianista continua a tocar, as notas sustentadas pelo pedal sos-tenuto vibram por simpatia, criando por este meio novas combinações de timbres e ressonâncias. As restantes peças do ciclo exploram também procedimentos específicos: Wasserklavier alterna entre divisão binária e ternária do tempo, sendo a peça que se aproxima mais da linguagem tonal tradicional; Erdenklavier, com o subtítulo de pastorale, apresenta se como um jogo de dinâmicas e efeitos de pedal, ao constituir planos sonoros e volumes diversos, partindo da acentuação de notas isoladas e valores diferenciados na linha melódica; Luftklavier remete para Debussy e para a técnica de sobreposição de notas
longas, combinadas em motivos, com um acompanhamento em notas rápidas e em estilo moto perpetuo; terminando com reminiscências das obras para tecla de Domenico Scarlatti em Feuerklavier.
Domenico Scarlatti
nápoles, 26 de outubro de 1685
madrid, 23 de julho de 1757
Embora Domenico Scarlatti, à semelhança do pai Alessandro, tenha concentrado a sua actividade inicial de compositor no género operático, é hoje mais conhecido como compositor de música para tecla, sendo o autor de mais de 500 pequenas peças, normalmente designadas por sonatas, embora ocasionalmente as designações de toccata, capriccio, giga, entre outras, também se encontrem nos manuscritos. Não existem manuscritos autógrafos das sonatas de Scarlatti, o que levanta aos estudiosos alguns problemas de datação e organização deste repertório (nomeadamente no que diz respeito ao seu eventual agrupamento em pares ou suites de várias peças). A maioria das sonatas sobrevive em manuscritos de copistas, tendo sido apenas impressas em vida do compositor as 30 sonatas que integram os Essercizi per gravicembalo, publicados em Londres em 1738 e 1739, quando Scarlatti já tinha mais de 53 anos. A maioria das cópias manuscritas é ainda mais tardia, datando das décadas de 1740 e 1750.
O facto de Scarlatti apenas se ter dedicado ao género numa fase final da sua carreira está ligado ao seu percurso profissional, e também à sua conhecida ligação a Portugal e à corte portuguesa. Scarlatti terá chegado a Lisboa em finais de 1719, tendo estado ao serviço da corte de D. João V de forma algo intermitente na década que se segue (interrompida por viagens a Roma e Paris, nomeadamente). A partir de 1729, o seu país principal de residência passou a ser a Espanha, onde viria a falecer em 1757. A sua protectora e pupila em Madrid foi precisamente a filha de D. João V, Maria Bárbara, que tornou rainha de Espanha por casamento com Fernando VI.
Os anos em que serviu a corte espanhola foram anos de grande liberdade criativa, em que Scarlatti se pode concentrar no género que lhe era mais grato, enquanto intérprete brilhante de cravo (a sua virtuosidade deu mesmo azo a uma conhecida história provavelmente apócrifa sobre um duelo musical com Händel), e seguramente também por incentivo da sua real patrona. A diversidade de estilos que Scarlatti cultivou nas suas várias centenas de sonatas é extremamente abrangente, mas podemos detectar alguns pontos comuns que as distinguem. Scarlatti usava quase sempre uma estrutura binária como forma básica para as suas sonatas: isto significa que as sonatas estão divididas em duas secções principais (frequentemente repetidas). O material das duas secções é geralmente partilhado, ocorrendo uma repetição dos motivos ou temas iniciais da primeira secção no início ou sensivelmente a meio da segunda secção (neste último caso, a segunda secção abre com material diverso e contrastante). Em termos de estrutura, estas sonatas aproximam se
4pois dos formatos que virão a prevalecer no período Clássico, não obstante Scarlatti, nascido no mesmo ano que Bach e Händel, ser geralmente associado à era Barroca. A elegância das suas sonatas, como vemos no exemplo da Sonata K.146, está mais relacionada com o estilo galant, que constituirá uma das bases do período Clássico. Mas não deixamos de encontrar as marcas do Barroco em peças como a Sonata K.491, com a imitação inicial entre vozes, ao estilo da fuga barroca, e o seu carácter de dança de corte. Outra característica comum que é frequentemente apontada é o recurso à virtuosidade, e efectivamente as sonatas de Scarlatti são peças de dificuldade considerável, sobretudo em comparação com repertório que lhe era contemporâneo. Há autores que detectam também alguma influência de música popular espanhola. Embora esta apreciação seja discutível, é tentador notar em algumas obras, como a Sonata K.239, a inspiração da guitarra na utilização das notas repetidas e acordes em estilo reminiscente do rasgueado guitarrístico. A mesma influência ibérica é apontada como inspiração de base das sonatas de cariz mais sentimental e reflexivo, como a Sonata K.454, ou do contraste entre os modos maior e menor da Sonata K.342.
Ludwig Van Beethoven
bona, 16 de dezembro de 1770
viena, 26 de março de 1827
A importância do piano na carreira de Beethoven data dos seus primeiros anos de aprendizagem musical. Esse período de formação coincidiu com a crescente popularidade do instrumento na transição do séc. XVIII para o séc. XIX, tendo Beethoven dedicado uma parte substancial da sua actividade à composição de sonatas, variações, concertos e outras peças para piano. Na era Clássica, a sonata para piano era um tipo de peça destinado sobretudo a amadores, e era portanto vista como um género de fácil abordagem, reservado para o estudo e consumo doméstico, raramente integrada em concertos públicos. Beethoven foi seguramente um dos compositores que incutiu à sonata uma nova dimensão, compondo obras de virtuosidade e complexidade invulgares e levando à integração deste formato nos programas de concerto. Esta alteração à função social e cultural do género sonata coincide com o início da era Romântica, mas não implicou a exclusão da sonata como peça pedagógica. Aliás, as 32 sonatas que Beethoven compôs para piano nem sempre permitem uma periodização coincidente com as 3 fases em que normalmente se divide a sua produção, precisamente por causa da coexistência de exemplos simples e acessíveis de sonatas para amadores (como as Sonatas op.49 ou 78) com sonatas experimentais e inovadoras que lhes são até anteriores (como as Sonatas op.27).
As Sonatas op.109 e 110 pertencem à fase final de produção de Beethoven. A sua composição foi iniciada no mesmo período, em 1819, tendo sido terminadas, respectivamente, em 1820 e 1821, e demonstram uma estética de cariz marcadamente romântico. A divisão em 3 andamentos destas sonatas pode remeter para os pa
drões contemporâneos das sonatas do Classicismo, mas os conteúdos de cada andamento são bastante diferenciados, incluindo géneros que o próprio Beethoven não costumava incluir em sonatas: o tema com variações (Sonata op.109) e a fuga (Sonata op.110).
O primeiro andamento da Sonata op.109 é baseado no princípio do contraste entre o motivo inicial, Vivace ma non troppo, leve e irrequieto, e um Adagio espressivo dramático e marcado pelos frequentes harpejos abrangendo toda a tessitura do piano. A alternância entre estes dois materiais temáticos sucede se ao longo do andamento, constituindo a sua característica mais marcante. O segundo andamento, Prestissimo, embora também apresente algumas passagens mais expressivas, é sobretudo marcado pelo arrebatamento, reforçado pela velocidade e repetição de motivos rítmicos ternários. O terceiro andamento, em forma de tema com variações, introduz um tema em tempo Andante molto cantabile ed espressivo. Beethoven reforça este carácter acrescentando, em alemão, a indicação ‘cantante, com íntimo sentimento’. A paleta de sentimentos expressa pelas 6 variações que se seguem é constantemente variada: embora a 1ª variação prolongue a expressividade do tema, já a 2ª evoca a ligeireza do tema inicial do 1º andamento; a 3ª variação, veloz e virtuosa, alterna figuração rápida entre as mãos direita e esquerda; a 4ª variação regressa a um tempo mais lento, mas sem acalmar totalmente, sendo seguida por uma 5ª variação em que Beethoven, ao utilizar pontos de imitação, se aproxima do estilo barroco da fuga coral; a última variação começa com notas lentas, mas que se desdobram sucessivamente em valores mais curtos e mais velozes, até o acompanhamento se transformar num trilo (ornamento que consiste na alternância rápida entre duas notas) obsessivo. O andamento e a Sonata terminam com a reiteração do tema das variações, num ambiente de calma e resignação pouco comum como conclusão deste género de obras.
O Moderato cantabile inicial da Sonata op.110 e a indicação con amibilità estabelecem o carácter geral da obra, que contrasta com o arrebatamento de outras sonatas deste período. A própria disposição dos andamentos é um elemento inovador, já que a ordem é invertida em relação à estrutura mais comum da altura, em que o andamento lento precederia o scherzo. O 2º andamento, Alle-gro molto, é efectivamente um scherzo em 3 partes, A B A, seguindo sem interrupção para o 3º andamento em tempo lento. Este Adagio final é um andamento complexo, constituído por secções contrastantes, mas que se sucedem sem interrupção e que vão alternando de forma cíclica. Assim, após os acordes iniciais e uma passagem em estilo recitativo de inspiração operática, segue se uma sequência arioso – fuga – arioso – fuga. As secções intituladas arioso apresentam uma melodia pungente na parte da mão direita, acompanhada por acordes na mão esquerda. As secções em estilo de fuga demonstram a influência do estilo contrapontístico do período Barroco. O próprio formato de apresentação da fuga, com o tema da 2ª fuga em forma invertida, é uma homenagem à complexidade da escrita de J. S. Bach.
helena marinho (2013)