A Velha Arte de Governar - o Conselho de Estado No Brasil Imperial

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TOPOI, v. 7, n. 12, jan.-jun. 2006, pp. 178-221. A velha arte de governar: o Conselho de Estado no Brasil Imperial The old art of governing: The Brazilian Imperial State Council Maria Fernanda Vieira Martins A instituição era admirável, e quando tudo (exceto a dinastia) se tinha vulgarizado, o Conselho de Estado, antes de vulgarizar-se, também, guardou por muito tempo o sabor, o prestígio de um velho Conselho áulico conservado no meio da nova estrutura democrática, depositário dos antigos segredos de estado, da velha arte de governar, preciosa herança do regime colonial, que se devia gastar pouco a pouco. Joaquim Nabuco Indiscutivelmente os princípios norteadores do Estado imperial bra- sileiro eram, na feliz expressão de Francisco de Paula Sousa, monarquia e liberdade. Esse era o caminho da civilização. Se monarquia sem liberdade era escravidão, o caminho da liberdade para a monarquia em um país escravista era a Lei. Impregnados do sentimento de repulsa ao modelo das monarquias absolutistas que se generalizara entre letrados após as revoltas liberais européias — que parecia ameaçar também o trono brasileiro na figura de Dom Pedro I — a elite dirigente no país abraçou avidamente a causa da monarquia constitucional 1 . No Brasil adotou-se um ideário europeu pós-revolucionário que ha- via se esmerado em marcar a ruptura com o Antigo Regime, identificando o absolutismo ao despotismo e negando qualquer continuidade entre es- tes e o novo modelo político-administrativo que então se instalava. Mas nem a monarquia absolutista européia foi necessariamente despótica, nem a monarquia constitucional reviveria no século XIX totalmente livre dos

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    A velha arte de governar: o Conselhode Estado no Brasil Imperial

    The old art of governing:The Brazilian Imperial State Council

    Maria Fernanda Vieira Martins

    A instituio era admirvel, e quando tudo (exceto adinastia) se tinha vulgarizado, o Conselho de Estado, antes

    de vulgarizar-se, tambm, guardou por muito tempo osabor, o prestgio de um velho Conselho ulico conservado nomeio da nova estrutura democrtica, depositrio dos antigos

    segredos de estado, da velha arte de governar, preciosaherana do regime colonial, que se devia gastar pouco a

    pouco.

    Joaquim Nabuco

    Indiscutivelmente os princpios norteadores do Estado imperial bra-sileiro eram, na feliz expresso de Francisco de Paula Sousa, monarquia eliberdade. Esse era o caminho da civilizao. Se monarquia sem liberdadeera escravido, o caminho da liberdade para a monarquia em um pasescravista era a Lei. Impregnados do sentimento de repulsa ao modelo dasmonarquias absolutistas que se generalizara entre letrados aps as revoltasliberais europias que parecia ameaar tambm o trono brasileiro nafigura de Dom Pedro I a elite dirigente no pas abraou avidamente acausa da monarquia constitucional1.

    No Brasil adotou-se um iderio europeu ps-revolucionrio que ha-via se esmerado em marcar a ruptura com o Antigo Regime, identificandoo absolutismo ao despotismo e negando qualquer continuidade entre es-tes e o novo modelo poltico-administrativo que ento se instalava. Masnem a monarquia absolutista europia foi necessariamente desptica, nema monarquia constitucional reviveria no sculo XIX totalmente livre dos

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    resqucios do Antigo Regime. A experincia brasileira demonstraria a for-a dessa tradio ao seguir, em grande medida, a forma como se organizoue se consolidou a monarquia portuguesa e seu modelo de administrao.

    Tanto a transferncia da Corte portuguesa quanto o processo de In-dependncia de 1822, acompanhado da opo pelo constitucionalismo,representaram marcos irrefutveis na histria poltica brasileira, no senti-do de que nesse momento se iniciou a formalizao das instituies queintegraram a monarquia no pas e que, entre avanos e recuos, seguiria omodelo europeu do estado-nao. Mas no se tratava da simples importa-o de um modelo. A compreenso dessa histria no deve excluir a din-mica da vida poltico-administrativa colonial, suas relaes com a metr-pole portuguesa e as prticas e ideais da elite que vivenciou e deu forma aesse processo.

    Na construo da identidade do Estado Imperial brasileiro, o Conse-lho de Estado assumiu um papel central. A instituio havia sido criadaoficialmente logo aps a Independncia e confirmada pela Carta consti-tucional de 1824. Seguia o modelo dos velhos conselhos ulicos euro-peus, com membros vitalcios, sofrendo a influncia de uma prtica pol-tico-administrativa tradicionalmente associada ao regime monrquico novelho continente. O primeiro Conselho atuou junto ao imperador PedroI desde 1823, sobrevivendo sua abdicao em 1831. Extinto no conjun-to das medidas de carter liberal presentes na reforma constitucional de1834, foi restabelecido em 1841 como expresso dos esforos de reformae pacificao do pas e manuteno da ordem pblica aps os conturba-dos anos das regncias.

    A idia de trazer de volta o Conselho de Estado cena poltica surgiuem 1840. Em princpio, o momento no poderia ser mais propcio, umavez que, aps o perodo regencial, vivia-se o retorno do imperador com aMaioridade, retorno este que ainda trazia consigo o Poder Moderador uma prerrogativa constitucional na vigncia da Carta de 1824 e a pr-pria responsabilidade de se reconstruir a estrutura poltica e administrati-va do Estado brasileiro. Ao longo de todo o II Reinado, o Conselho resistiu,juntamente com o Senado, como a mais estvel e slida das instituiesmonrquicas. Sua atuao poltica sempre excedeu suas atribuies origi-nais e foi suprimido apenas com o desaparecimento da prpria monarquia,cuja existncia acompanhou e cuja ao procurou regular e controlar.

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    Embora o Poder Moderador houvesse sido mantido pelo mesmo AtoAdicional que extinguira o primeiro Conselho de Estado, ambos se mantive-ram unidos um ao outro. Indiretamente, o Conselho sempre esteve ligado idia de que representava uma sada conciliatria aceitao do poderpessoal do monarca em uma sociedade poltica que, mesmo que modera-damente, no ousava desprezar os preceitos liberais que imperavam nocenrio internacional.

    Nesse contexto a ao empreendida pelas elites, baseada na necessi-dade de adequao do pas ao sistema monrquico constitucional, im-plicava a superao de antigas prticas herdadas do perodo colonial. Taisesforos de conciliao no puderam prescindir da existncia de instituiescomo o Poder Moderador cuja atuao se materializava no Conselho deEstado , que no Brasil assumiu a funo arbitral reservada ao Estadopela cultura poltica do Antigo Regime, ou seja, um modelo que se preten-dia liberal, que adotou o princpio montesquiano do equilbrio entre ospoderes, mas que esbarrou nos entraves representados pela tradio polti-co-administrativa portuguesa2 .

    Tratava-se, assim, da vertente do pensamento liberal europeu que,entre outros aspectos, centrava na lei o limite da liberdade poltica. Combase na filosofia de Montesquieu, esta vertente encontrou seu desenvolvi-mento nas teses de Benjamin Constant o principal mentor da geraode polticos brasileiros que ento chegava ao poder , que acrescentouainda teoria dos Poderes a idia da neutralidade do poder da monarquiaconstitucional, justificando a criao do que no Brasil se denominou Po-der Moderador.

    Assim, o estudo sobre o Conselho, como instncia de relacionamen-to entre o Estado e as elites, assume inegvel importncia, uma vez que orgo traduziu, por um lado, o pensamento do Governo, por outro, suaadequao aos interesses dos grupos dirigentes e das elites ali presentes,permitindo observar como se davam as relaes entre os grupos dominan-tes e compreender os espaos e os limites que se colocavam para a execu-o de seus princpios e projetos para o pas3.

    Em geral, as assemblias de notveis, e mesmo a idia de conselhospolticos e administrativos, j bastante antigas em diversos pases da velhaEuropa, foram organismos constitudos exatamente com a funo de au-xiliar a monarquia a exercer o papel de rbitro de conflitos e conciliao

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    de interesses, funcionando como estruturas que facilitavam o exerccio dopoder ao negociar e intermediar as relaes da Coroa com os diversosgrupos polticos, particularmente com as autoridades regionais/locais.Assim, devem ser entendidas como instituies ligadas diretamente aopoder central, em geral com ampla autonomia poltica e extensa ao re-guladora e normativa e como lcus por excelncia de redes polticas e so-ciais que concediam representatividade ao Estado e legitimavam suas aes4.

    Fundamental ao entendimento desse processo, portanto, torna-se aidentificao das redes de sociabilidade e parentesco que se pode observara partir das elites reunidas no Conselho de Estado e suas relaes de con-tinuidade no que se refere aos principais grupos econmicos do pas osgrandes negociantes e proprietrios de terras e escravos e s oligarquiasregionais, as antigas famlias que, desde o perodo colonial, controlavamos poderes locais e estendiam sua esfera de influncia no s para alm dosprprios limites provinciais, como em direo ao poder central5 .

    Nesse contexto o capital e poder poltico de um indivduo correspon-diam no apenas ao seu status, mas ainda sua capacidade de oferecer eretribuir benefcios, em um amplo esquema de trocas cuja funo estrutu-rante, no entanto, verificava-se em um nvel mais cotidiano das relaes depoder. Na prtica consistiam em aspectos informais a conviver com as estru-turas formais de ordenao poltica e social, como as instituies ou a pr-pria Justia, transformando-se progressivamente em prticas marginais naproporo em que se complexificava o aparelho de controle e administraodo Estado6.

    Dessa forma, as prticas clientelares e as redes que estas alimentaramexerceram papel fundamental no prprio processo de centralizao. Comopoderes paralelos, poderiam funcionar como obstculos expanso dopoder real mas, paradoxalmente, uma vez controlados, abriam caminhopara um maior domnio da poltica e para o prprio reforo da unidadecentral. Em Portugal as redes familiares e institucionais comearam a per-der sua fora a partir da legislao pombalina em fins do sculo XVIII,basicamente ao transformar-se o carter patrimonial das mercs em sim-ples graa honorfica. Entretanto, embora deixassem de ser a norma, tantoem Portugal quanto no Brasil tais prticas no desapareceram instantane-amente, mas adaptaram-se s novas estruturas da poltica e do prprioEstado considerando-se o aprimoramento dos processos eleitorais, a

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    especializao institucional, a proliferao de cargos etc. , mantendo-se ain-da por tempo considervel no universo cultural da poltica luso-brasileira7.

    Tratava-se de uma persistente cultura poltica que seguia ignorandoas fronteiras regionais e reforava uma prtica de governo e dominaoque resistia propaganda e ao iderio liberais. As relaes que essas redesretratam mostram uma realidade heterognea, ambgua e dinmica,espelhando as tenses caractersticas dos grupos e indivduos nela envolvi-dos, considerando-se uma estrutura social na qual a prpria identidadeindividual ainda se encontrava fortemente vinculada a relaes familiarese redes sociais s quais estavam associados, o que fazia com que, com fre-qncia, antes de homens pblicos, fossem representantes dos interesses enegcios dos grupos e famlias que os aproximaram do poder. A noo derede complementa a compreenso do sentido que assume o termo elitepela considerao de que formam grupos com identidades construdas apartir de suas relaes, crenas e prticas polticas8 .

    Portanto, para que o Conselho de Estado seja considerado como ins-trumento para a anlise da ao e do comportamento das elites, trazendoum novo entendimento sobre o seu papel na poltica e na prpria forma-o do Estado brasileiro, preciso ampliar a abordagem no sentido deentender essas elites no como a representao de um grupo isolado, a partirde suas caractersticas internas de formao e composio, mas consideran-do ainda suas relaes com a sociedade, atravs das redes de alianas e inte-resses que se constrem e se refazem permanentemente ao seu redor.

    Um pouco de homens, outro pouco de instituio: composio,trajetrias e redes

    primeira vista os conselheiros de Estado no Segundo Reinado for-mavam um conjunto ecltico, mas com diversos elementos unificadores.Em um primeiro panorama verifica-se que foram ministros, deputados,senadores, fazendeiros, negociantes, capitalistas, militares, militantes, jor-nalistas, homens de cincia, magistrados... Eram, em geral, descendentesde antigas famlias que controlavam a poltica, os cargos administrativos eas atividades econmicas no pas j no perodo colonial, netos e bisnetosda antiga nobreza da terra ou de portugueses que aqui se uniram a famliasde origens paulistas, baianas e fluminenses, que na maior parte dos casos

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    se deslocaram para Minas Gerais nos ureos tempos do ouro. Unia-os, in-discutivelmente, um passado de elite, uma experincia comum, e de seusantepassados pareciam haver herdado a velha arte de governar. Uniu-os ain-da sua formao e ao poltica, de forma que at alcanarem o Conselho deEstado e os altos postos da administrao imperial seguiram uma trajetriatumultuada, acompanhando cotidianamente os destinos do pas.

    A nomeao para o Conselho de Estado levava em conta o poder e ainfluncia poltica, social e econmica desses atores, denunciada por suasprprias origens e trajetrias pessoais e por suas relaes sociais e polticas.No que se refere s suas origens, nota-se a concentrao nas regies tradi-cionalmente reconhecidas como as mais dinmicas do pas Rio de Ja-neiro, Bahia, Minas Gerais, So Paulo e Pernambuco , em funo dopoderio econmico, social, demogrfico e poltico, dada a importnciadas famlias oriundas dessas provncias.

    A anlise da composio do Conselho de Estado demonstra que ogrupo manteve-se fortemente vinculado s bases locais que sediavam suasredes familiares e clientelares, o que denota uma conexo permanentecom a prpria poltica provincial, relaes estas que ajudaram a ampliar ereproduzir na medida em que estabeleciam novos laos ou reforavamantigas alianas estratgicas em outras regies. Pode-se observar algumacirculao em cargos jurdicos no incio de suas carreiras, mas em cargoseletivos, aqueles em que era necessria uma base eleitoral local, como oSenado e a Cmara de Deputados, quase sempre representaram suas prpri-as provncias ou suas provncias de atuao, aquelas onde encontravam oapoio de suas redes de relacionamentos. Assim, atravs de suas trajetrias,seguindo conjunturas especficas, alimentavam e refaziam as complexas li-gaes parentais, sociais e clientelares que mantinham e reproduziam o po-derio de suas famlias.

    Nesse sentido, observa-se que, no que concerne aos 54 conselheirosque eram tambm senadores, 43 ou 80% elegeram-se por suas provnciasde nascimento ou de atuao; dos 11 conselheiros que haviam representa-do outras provncias, trs eram militares de carreira e dois tinham nacio-nalidade portuguesa. O mesmo se pode afirmar em relao aos 62 conse-lheiros que foram deputados, dos quais 47 ou 75% representaram suasprovncias. Nesses casos, freqentemente j possuam uma carreira slidana regio, como vereadores ou deputados provinciais, vice-presidentes,juzes, inspetores do Tesouro etc.9

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    A nomeao para o Conselho parecia extremamente cuidadosa, poisse tornava bvia a preocupao em manter um equilbrio, mesmo queprecrio, entre os principais grupos que atuavam no cenrio poltico. Oelevado nmero de polticos para os quais no se pode identificar a filiao,aliado queles que publicamente assumiram uma posio apartidria e aoseternos adeptos da idia da Conciliao, que sempre evitaram assumir po-sies radicais, fossem conservadores ou liberais, corroborava a tendnciamoderada no interior da instituio10 . Mesmo considerando-se a institui-o ao longo de sua existncia, observa-se que, na prtica, a poltica parti-dria no interior do Conselho no diferia da forma como ela se desenvol-via fora dele, de modo que seus membros, em geral, eram designados paraocupar o cargo de acordo com a conjuntura11 .

    Assim, em diversos sentidos confirmava-se o discurso da necessidadeda busca do equilbrio, fundamental ao bom desenvolvimento da poltica,bem como a idia de que a instituio monrquica na figura do impe-rador e os rgos supremos da organizao poltica governamental deve-riam manter-se acima das paixes. Essa postura, teoricamente, reforava aidia da imparcialidade que deveria ser inerente monarquia, um antigoideal que j vinha caracterizando o pensamento poltico brasileiro desde osprimrdios do regime constitucional, do qual era testemunho a prpriaadoo do Poder Moderador, e que patrocinaria o esprito da Conciliao,perseguido to habilmente pelo Marqus de Paran na dcada de 185012 .

    Quanto principal rea de atuao dos conselheiros, pode-se obser-var que o Conselho de Estado configurava-se indiscutivelmente como umainstituio que priorizava a ao poltica. Quase todos os conselheirospossuam uma trajetria ligada mquina administrativa do Estado, quercomo conseqncia de uma formao de nvel superior em Direito, comoa ocupao dos cargos de juzes e magistrados, quer simplesmente devido auma vida profissional que lhes permitiu chegar Corte como membros doSenado, da Assemblia ou do Conselho de Ministros, passando muitas ve-zes por funes administrativas e legislativas locais, como deputados oupresidentes de provncias. Considerando-se a importncia deliberativa des-sas instituies, pode-se afirmar que o Conselho de Estado reuniu os maisimportantes representantes da poltica imperial, aqueles que possuam opoder da tomada de decises como membros do alto escalo da adminis-trao pblica.

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    A ocupao de cargos tcnicos ligados diretamente s atividades daFazenda Nacional e provincial e rea financeira tambm era freqente edemonstra que o controle que possuam da vida poltica estendia-se am-plamente tambm pela rea econmica. Na esfera privada pode-se citar aparticipao dos conselheiros em algumas empresas e empreendimentosdesde os primrdios de suas carreiras, participaes essas que, em diversoscasos, se manteriam e multiplicariam nos anos seguintes. Acumulandosimultaneamente cargos e funes, suas trajetrias traduzem as intrincadasinter-relaes entre o poltico e o econmico, entre o pblico e o privado,demonstrando seu poder de interferncia, controle e deciso sobre os des-tinos do pas para alm da poltica de Estado.

    As experincias acumuladas e as trajetrias compartilhadas, algumasvezes na mesma tribuna, outras em campos opostos, assinalaram encon-tros e desencontros e indiretamente os prepararam para o exerccio dopoder. Nesse sentido, a tendncia moderada que se verifica tanto na com-posio quanto nas prprias aes da instituio solidamente embasadasno discurso da imparcialidade da administrao imperial quanto aos par-tidos no reflete o distanciamento do grupo em relao aos conflitosou s principais questes que ameaavam a sociedade imperial brasileira.Ao contrrio, traduz os embates e esforos de controle do ritmo das refor-mas e da manuteno da ordem hierrquica e governabilidade. Seus meca-nismos de ao extrapolavam a questo partidria, ligando-se a filiaesque os relacionavam diretamente aos interesses que representavam, parti-cularmente os laos histricos com suas provncias e suas redes.

    De fato, quando se considera os membros do Conselho de Estadoverifica-se que integravam diferentes redes de relacionamentos que se per-petuavam e reconstruam no pas desde o sculo XVIII. Evidencia-se tam-bm a extenso do controle por elas exercido a partir das atividades eco-nmicas e do aparato poltico-administrativo colonial, que inclua cargosmilitares-administrativos tanto quanto cargos jurdicos, cuja posse j eraum indicativo da importncia de seus detentores como capites-mo-res, ouvidores, senadores, magistrados, negociantes e proprietrios de la-vras aurferas, terras e engenhos. Essa cultura, essa forma de atuar da elitecolonial perpetuou-se no perodo imperial, com a reconstruo, manu-teno e reorientao das estratgias de alianas, conforme as diferentes

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    conjunturas. Essas estreitas relaes so ainda reveladas na continuidadedos laos matrimoniais e relaes de parentesco e compadrio, que uniamo grupo a diversos setores dominantes, seja no nvel local ou em uma redemais ampla.

    As instituies formais e informais da elite brasileira reforavam essasrelaes, servindo como espaos privilegiados de debate e produo inte-lectual. A convivncia nos sales da moda, nos grandes eventos sociais,nos bancos escolares, nos rgos da administrao, nas diretorias de em-presas pblicas e privadas aproximava naturalmente o grupo. Tal processode integrao tinha continuidade nas Faculdades de Direito de Olinda,So Paulo ou Coimbra, uma formao acadmica comum que lhes haviaproporcionado uma identidade intelectual e cultural que complementavaas relaes provenientes de uma origem ou convvio cada vez mais estrei-tos, intensificando os laos de amizade e parentesco que se desenvolveri-am na vida profissional.

    Portanto, a convivncia social torna-se o ponto de partida para a anli-se dos diferentes laos que uniam o grupo. Quem tivesse a oportunidade defreqentar a manso do conselheiro Marqus de Abrantes no Flamengo, emuma das famosas ocasies em que abria seus elegantes sales alta sociedadeda Corte, teria certamente a chance de conhecer diversos personagens e deali inteirar-se de suas histrias e relaes pessoais. Se dispusesse de maistempo e se a fortuna lhe sorrisse, graas a algum nvel de indiscrio quesempre se apresenta em ocasies informais, poderia ainda obter informa-es realmente teis, ao ouvir algo sobre os novos projetos do governo,sobre as aes do Banco do Brasil, sobre o afastamento de um desembargadorda Relao, sobre o ltimo pronunciamento do presidente do Conselho,sobre a falncia de uma afamada Casa Comercial ou sobre detalhes da que-da do ministrio.

    Certamente ali no lhe faltariam personagens para dar conta de tudoisso. Nos belos e iluminados sales dos Abrantes, capitalistas, fazendeirose homens de negcios, como o futuro Visconde de Mau, encontrariam,para trocar idias e impresses, diversos nomes do Conselho de Estado,como seu amigo pessoal, o Visconde do Rio Branco, Jos Maria da SilvaParanhos. O mesmo salo contava ainda com a presena do conselheiroBaro do Bom Retiro, Luiz P. do Couto Ferraz, um dos mais caros amigos

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    de Sua Majestade, o Imperador Pedro II, mas que talvez preferisse evitarencontrar o Baro de Mesquita, Jernimo Jos de Mesquita, a quem deviacerca de trinta e dois contos de ris. Mesquita, grande capitalista, proprie-trio e negociante, tinha larga intimidade com o meio financeiro, vocaoe fortuna que herdara de seu pai, Jos Francisco de Mesquita, Conde deBonfim. Apesar da dvida, no entanto, Bom Retiro e os Mesquita deviamser antigos amigos, j que o Conde de Bonfim lhe deixara em testamentoalgumas de suas comendas. Bom Retiro parecia ainda particularmenteligado a outros importantes capitalistas, como o Visconde de Tocantins.

    Nos intervalos dos jantares oferecidos aos amigos, em nome de sualonga amizade com o Baro do Rio Branco, Mesquita deixava de lado seusvultosos negcios, que faziam dele um dos homens mais ricos do pas,para tratar pessoalmente dos parcos recursos que compunham o patrimnioda viva do conselheiro Visconde do Rio Branco, aconselhando-a sobre amelhor forma de aplicar seus 28 contos de ris. Mas, em seu testamento,Mesquita contemplou apenas seus mais caros e prximos amigos, entre osquais o conselheiro Bom Retiro, o Visconde do Rio Bonito, vice-presi-dente do Banco do Brasil, e o j mencionado Tocantins, Jos Joaquim deLima e Silva, irmo do conselheiro Duque de Caxias, ambos sobrinhos deoutro conselheiro, o Visconde de Mag.

    A famlia Lima e Silva estava ligada por casamento a outras grandesfamlias da Corte, com origens em Minas Gerais e na prpria provncia doRio de Janeiro. Caxias era casado com uma neta do negociante Braz Car-neiro Leo e era sogro de Francisco Carneiro Nogueira da Gama, Barode Santa Mnica, proprietrio na regio de Vassouras em cuja fazendafaleceria anos depois. Seu irmo, Tocantins, casara-se primeiro com umaprima, filha do Marqus da Gvea, e depois com uma Souza Breves, fam-lia que inclua alguns dos mais importantes produtores de caf no valefluminense e que reuniria vultosas fortunas individuais.

    Tanto os Carneiro Leo quanto os Nogueira da Gama, cuja famliatinha como patriarca o Marqus de Baependi, ligavam-se a dois outrosconselheiros, Honrio Carneiro Leo, Marqus de Paran, e seu genro esobrinho Jernimo Teixeira Jnior, Visconde do Cruzeiro, respectivamentesobrinho e neto do comerciante e capitalista Nicolau Netto Carneiro Leme.Companheiro de Paran nos idos tempos de Coimbra e seu correligion-rio nas bancadas do Partido Conservador, o Marqus de Olinda pertencia

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    linhagem dos Cavalcanti de Pernambuco, assim como o conselheiroVisconde de Albuquerque. O filho de Olinda casou-se com Laura de Faro,filha de Antnio Pereira de Faro e Francisca Clemente Pinto, casamentoque proporcionou a aproximao com a famlia dos bares de Rio Bonito,com os paulistas Campos Vergueiro e com os Clemente Pinto, cujo patri-arca era o abastado fazendeiro e capitalista Baro de Nova Friburgo.

    O Conde de So Clemente, filho de Nova Friburgo, era amigo pes-soal e antigo colega do Visconde do Cruzeiro na academia paulista. Cru-zeiro, cujo pai havia sido scio do Baro de Mau, era capitalista e homemde vastos negcios. Como membro da comisso fiscal do Banco Rural eHipotecrio do Rio de Janeiro, conviveu diretamente com o poderosocapitalista Jos Machado Coelho de Castro, sogro de Mariano ProcpioFerreira Lage, primo-irmo do conselheiro Conde de Prados.

    Uma das filhas de Cruzeiro tornou-se esposa do conselheiro PaulinoSoares de Sousa, que no Conselho de Estado conviveria com seu primoFrancisco Belisrio, respectivamente filho e sobrinho do conselheiro Vis-conde de Uruguai, por sua vez amigo pessoal e concunhado de Jos J. Ro-drigues Torres, Visconde de Itabora, que trabalhara no Tribunal do Tesourocom o conselheiro Jos Antnio da Silva Maia, responsvel pelo testamentodo conselheiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, e de quem era testamentei-ro o Baro de Uruguaiana, conselheiro Silva Ferraz. O irmo de Itabora,Baro de Itambi, que se encontrava na diretoria das principais companhiase instituies financeiras, casara sua filha com um Carneiro Leo, filho doMarqus de Paran.

    O Conde de Prados era cunhado de Jos Ribeiro de Rezende, Barode Juiz de Fora, sobrinho de um membro do primeiro Conselho de Esta-do, Marqus de Valena, ligado por casamento a uma nobre famlia deSo Paulo, os Souza Queiroz, parentes diretos do abastado fazendeiro,poltico e negociante paulista Rafael Tobias de Aguiar e de seus rebeldesde 1842, que mesmo em meio s intempries da revoluo havia encon-trado tempo para legalizar sua ligao extra-conjugal com a marquesa deSantos, que j durava mais de dez anos e da qual havia j seis filhos, legiti-mados com o casamento dos pais. mesma famlia pertencia o conselhei-ro Francisco de Paula Sousa e Melo, tio e sogro do Baro de Limeira,tambm Sousa Queiroz, cuja me se casara com um antigo regente, oconselheiro baiano Marqus de Monte Alegre, Jos da Costa Carvalho.

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    Alm do salo do Marqus de Abrantes, Monte Alegre era assduofreqentador do Cassino Fluminense, onde gostava de perder alguns tos-tes que por certo no lhe fariam falta, possivelmente parte daqueles queganhara em sua sociedade em So Paulo com o Baro de Mau, que aindainclua o conselheiro Pimenta Bueno, Marqus de So Vicente. L encon-trava ainda o Baro de Rio Bonito e o conselheiro Abrantes, que partici-pavam ainda de outro animado salo, sustentado pelo conselheiro JosThomaz Nabuco de Arajo, onde deparava-se com o crculo de polticospernambucanos que se reuniam em torno do anfitrio, especialmente otambm conselheiro Visconde de Sinimbu membro de uma famlia desenhores de engenho em Alagoas e Pernambuco e presidente do BancoNacional de Depsitos e Descontos, amigo pessoal de Nabuco desde ostempos em que haviam estudado juntos em Recife. Encontrava ainda oBaro de Mau, os conselheiros Manoel Pinto de Souza Dantas, o Viscon-de de Abaet cuja filha casara-se com o filho de outro conselheiro, omarechal Joo Paulo dos Santos Barreto , Olinda, Caxias, Rio Branco,Sapuca, Bom Retiro, Torres Homem e Bernardo de Sousa Franco.

    Sinimbu era amigo do Visconde de Figueiredo, por sua vez amigo epea fundamental no saneamento das finanas empreendido pelo conse-lheiro Visconde de Ouro Preto, Affonso Celso de Assis Figueiredo; eratambm membro do chamado ministrio dos velhos, do qual ele, con-tando cinqenta anos de idade, era o mais moo, e do qual tambm faziaparte o Marqus de Abrantes, retornando ao j mencionado proprietriode um dos mais elegantes sales freqentados pela elite carioca13 .

    Essa teia de relacionamentos variados qual deve-se acrescentarainda o convvio, ao longo de suas trajetrias, nos quadros diretores de di-versas instituies cientficas, irmandades religiosas, sociedades literrias ergos da imprensa era ainda alimentada pela convivncia nas diretoriase conselhos tanto dos rgos da administrao pblica quanto dos bancos eempresas privadas. Entretanto, nesse ponto a anlise deve extrapolar o sen-tido puramente social que lhe inerente, de reiterao de laos de amizade,para abarcar ainda o sentido que apresentava a relao entre os homens deEstado e aqueles que detinham o poder econmico, entre as esferas pblicae privada, entre a autoridade central e as diferentes provncias.

    Portanto, alm das relaes que se estabeleciam na Corte, onde sedestacam as estreitas ligaes que uniam os conselheiros aos grandes co-merciantes e capitalistas e ao que se poderia considerar uma incipiente

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    elite empresarial, evidencia-se ainda como a alta cpula do poder imperialreunida no Conselho de Estado encontrava-se prxima s oligarquias re-gionais, fosse por linhagem direta ou por uma eficiente poltica de casa-mentos. Na verdade, era nas principais provncias do Imprio brasileiroque muitas vezes se originavam e ramificavam as relaes pessoais e fami-liares verificadas na Corte, alimentadas pelas prticas clientelares e de po-der e dependncia pessoal, que davam sustentao eleitoral e poltica aogoverno central. Assim, essas redes apresentavam-se multifacetadas e mul-tidirecionadas, integrando indivduos e representaes de interesses diver-sos ao longo do II Reinado e espelhando diferentes e mutveis estratgiasde negociao para perpetuao do poder e manuteno do status.

    O depositrio das tradies: a ao poltico-administrativado Conselho de Estado

    A instituio era acionada mediante avisos emitidos pelo Ministriodos Negcios do Imprio, referindo-se a consultas canalizadas pelos mi-nistros e secretrios de Estado, provenientes do prprio Executivo ou deoutras instncias administrativas, em especial dos presidentes das provn-cias ou de autoridades jurdicas locais. Estas eram, em princpio, direcio-nadas a uma das quatro sees organizadas no Conselho: Justia e Estran-geiros, Imprio, Fazenda e Marinha e Guerra. As sees eram compostaspor trs conselheiros e presididas pelo ministro titular da pasta correspon-dente. Os membros das sees deveriam analisar a consulta e emitir umparecer que seria submetido pelo Executivo ao imperador para as devidasprovidncias.

    A grande maioria das consultas encaminhadas ao Conselho era deci-dida no mbito da prpria Seo, entretanto, aquelas que chegavam reunio geral do conselho, com a presena da totalidade dos conselheirosem exerccio, denominado Conselho Pleno, traziam a indicao seja ouvi-do o Conselho de Estado como resoluo do imperador, de onde se deduzque diante da complexidade de determinados casos Pedro II e seus minis-tros preferiam submeter o parecer ao conjunto da instituio.

    As reunies do Conselho Pleno eram convocadas por orientao diretado monarca sem uma periodicidade pr-estabelecida, sempre que este jul-gasse necessrio apelar aos conhecimentos e ao apoio poltico que lhe pode-

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    riam conceder seus conselheiros. Por outro lado, geralmente em funo daurgncia que demandavam, diversas consultas eram submetidas diretamen-te ao Conselho de Estado Pleno sem que antes tivessem sido analisadas pelassees, em especial quando se tratavam de questes de carter sigiloso, quan-do se referiam implementao de projetos e reformas propostos pelo pr-prio governo, crises e conflitos emergenciais entre os poderes etc. Aps ouviro Conselho, imperador e ministros, conforme o caso, reencaminhavam oparecer Seo para sua adequao e incorporao das observaes surgidasno debate ou tomavam sua deciso e davam ao assunto o encaminhamentocabvel, em geral a partir da publicao de um decreto ou de uma resoluoimperial.

    Entre maro de 1842 e agosto de 1889 o Conselho de Estado Plenorealizou 270 conferncias. A freqncia varivel das conferncias era ex-plicvel por fatores diversos e de naturezas variadas. As razes para essecomportamento devem considerar aspectos como a conjuntura poltica eeconmica geral do pas, a necessidade premente de discusso de temasespecficos, a composio partidria do gabinete ministerial e da Cmarados Deputados e seu relacionamento com o Conselho.

    Quanto aos primeiros anos, particularmente a primeira metade dadcada de 1840, a maior freqncia das reunies pode ser entendida emrazo da necessidade de definio de competncias e esclarecimentos ge-rais diante do caos gerado pelo amplo programa de reformas de teor jur-dico-administrativo inerente ao prprio processo de fortalecimento daautoridade do Estado. De fato, tal processo vinha acompanhado de ummpeto legislativo fundamental organizao administrativa, com suces-sivas reformas que se sobrepunham umas s outras e que vinham se reali-zando desde a poca regencial. Nesse momento, o Conselho comeava aassumir o papel de rgo responsvel pela inteligncia da lei. Assumia, noentanto, extra-oficialmente, uma vez que tal atribuio no constava expli-citamente em sua lei de criao, nem em seu regimento interno, elabora-do em 1842.

    Em geral, tratava-se de consultas que identificavam indefinies, omis-ses e a necessidade de esclarecimento de funes e competncias admi-nistrativas, nos conflitos entre as autoridades provinciais e as prerrogativasdo poder central em nomeaes diversas, decises judiciais, legislao pro-vincial etc., decorrentes do empenho em se retirar das provncias o mxi-

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    mo de poder, objetivando a consolidao do centralismo almejado pelosidealizadores do novo Imprio e defensores ardorosos da autoridade cen-tral. No que se referia a dvidas quanto ao procedimento legal, encami-nhadas por instncias diversas da administrao ou por juzes locais, emgeral as sees identificavam falhas na legislao, apresentando em parecera sugesto de elaborao de novas leis ou leis complementares. Nessescasos era comum a formao de comisses especficas, organizadas no m-bito do prprio Conselho, que se dedicariam, assim, elaborao de proje-tos de lei ou regulamentao, a serem encaminhados Assemblia Geral.

    De fato, antecipando-se em oito anos extino do trfico negreiro es suas conseqncias sobre a questo da mo-de-obra e organizao dotrabalho, j em 1842 a Seo do Imprio apresentava um projeto de regu-lamentao de uma poltica de sesmarias e colonizao estrangeira queresultaria na lei de terras aprovada em 1850. Aps as discusses relativas aseu prprio regimento, portanto, o Conselho iniciava seus trabalhos dis-cutindo duas importantes reformas, a questo da mo-de-obra e o regimede terras, e a legislao eleitoral, com proposta de reforma tambm elabo-rada na Seo do Imprio.

    Outros exemplos quanto a reformas legislativas seriam, em 1851, oprojeto para a execuo e regulamentao da lei de terras; em 1856 o decasamentos mistos, que regularizava a unio entre catlicos e protestantes,medida ento vista como essencial diante do afluxo de imigrantes ao pas;em 1859, o de emisso bancria, que obrigava o Banco do Brasil e demaisinstituies financeiras autorizadas emisso pelo Poder Executivo a rea-lizar suas notas em ouro no prazo mximo de dois anos; em 1867 iniciouos trabalhos relativos ao projeto para abolio gradual da escravido, aomesmo tempo em que discutia projeto de criao de conselhos para aspresidncias das provncias; em 1874 elaborou projeto de regulamentaodas concesses para construo de estradas de ferro acerca da garantia dejuros e outros favores a empresas de viao frrea no Imprio, junto comoutro de reforma eleitoral, e em 1880, a reforma da Lei de Terras.

    Por outro lado, o Conselho apresentaria uma atividade profcua naprpria organizao e regulamentao da estrutura governamental e deservios pblicos. Ainda quanto a essa atividade reguladora, entre diversosassuntos, podem ser citados a proposta de reforma dos correios, em 1842;

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    regulamento da polcia naval nos portos do Imprio, em 1842; projetosobre aposentadorias, 1843; regulamento da alfndega, 1844; das missesde catequese e civilizao dos ndios, 1845; do registro geral de hipotecas,1850; da lei sobre o servio do exrcito e armada, 1875; projeto de lei parareviso e classificao das rendas gerais, provinciais e municipais do Imp-rio, 1883.

    Quanto origem das consultas que chegavam ao Conselho Pleno,cabe registrar que cerca de 33% das solicitaes foram encaminhadas dire-tamente pelo Poder Executivo. Entre estas destacam-se os pedidos de dis-soluo da Cmara dos Deputados, originados de conflitos inegociveis,ou que se diziam inegociveis, entre o Gabinete e o Legislativo no que sereferia aprovao de projetos de lei, decretos e regulamentaes, incluin-do problemas estruturais, como reformas eleitorais, a questo servil e aquesto de terras; conflitos internacionais, majoritariamente relativos questo do trfico de escravos e os embates com o governo britnico, asdisputas na regio do Prata na dcada de 1840, alm da prpria guerra doParaguai, e questes de Fazenda, especialmente ligadas poltica emissio-nria e crise de 1864.

    Dentre as consultas submetidas ao Conselho Pleno cerca de 15%referiram-se s prerrogativas do poder pessoal do monarca. Tal quadropode ainda ser visto como uma amostra de como a poltica imperial utili-zou-se do Moderador, destacando-se a nfase em duas questes-chave parao cenrio nacional ao longo do Imprio, ou seja, o controle do PoderLegislativo, atravs da possibilidade de prorrogao, adiamento e dissoluoda Cmara dos Deputados, e o controle da autonomia das provncias, quese refletia na possibilidade de questionar as leis das assemblias regionais.

    Inquestionavelmente era no trabalho das sees do Conselho de Es-tado que se verificava com maior clareza a real atuao da instituio, umavez que a maior parte das consultas encaminhadas instituio encontra-va sua soluo nessa instncia14. A Seo de Justia poderia ser considera-da a verdadeira responsvel pela construo de uma unidade administrati-va e jurdica no pas. Funcionando, na prtica, como uma instncia superior,fixou os limites legais, definiu a compreenso da legislao, reformou-aquando julgou necessrio, props novas leis e regulamentaes. A Seotambm serviu como rbitro em questes jurdico-administrativas que fre-qentemente opunham as autoridades centrais s provinciais ou, como

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    parecia mais comum, na administrao dos conflitos entre as prpriasautoridades provinciais. Tal atuao mostrou-se fundamental no que sereferiu aos freqentes impasses que envolveram o Legislativo, Judicirio eExecutivo regionais diante da disputa permanente de poder, ao menos emmeados do sculo, quando era maior a resistncia de antigos poderes lo-cais influncia reguladora e centralizadora dos presidentes de provncia echefes de polcia nomeados pelo governo central. Juntamente com a Se-o do Imprio, procurou fixar as atribuies dos cargos e autoridadesprovinciais e municipais, muitas vezes chocando-se frontalmente com osantigos Tribunais de Relao, onde se encastelavam os magistrados repre-sentantes dos poderes locais15 .

    Nos pareceres torna-se mais fcil observar os caminhos que seguiamos processos at alcanarem a Seo de Justia que, em geral, funcionavacomo um ltimo estgio para julgamento de recursos. Em princpio, oque deslocaria um determinado processo dos trmites tradicionais do Ju-dicirio para o mbito do Conselho de Estado era sua caracterizao comoconflito de jurisdio. De fato, de acordo com o captulo III do Regimentodo Conselho, ficava estabelecido que era responsabilidade dos presidentesde provncia ou do procurador da Coroa no Rio de Janeiro investigar aatuao de autoridades judicirias sobre objetos de teor administrativo e,no caso de se confirmar a improcedncia, enviar a questo secretaria deJustia do Ministrio da Justia, caminho pelo qual chegaria ao Conselho.

    Dessa forma o governo dava plena execuo prtica s prerrogativascentralizadoras da Justia e administrao pblica concedidas por duasleis polmicas, a prpria lei de criao do Conselho de Estado, em 1841,e a reforma do cdigo de processo criminal, em dezembro do mesmo ano,elaborada por um futuro conselheiro de Estado, Paulino J. Soares de Sousa,Visconde de Uruguai. Conhecida como Lei de Centralizao da Justia eda Polcia, vinha reformular o Cdigo de Processo Criminal de 1832,votado no contexto das reformas de carter descentralizador que marca-ram o incio do perodo regencial, uma legislao que concedia amplospoderes s autoridades locais. A nova lei, entre diversas determinaes, cria-va ou transformava em cargos nomeados pelo Poder Executivo antigos pos-tos at ento eletivos, alm de esvaziar consideravelmente o papel e os pode-res concedidos aos juzes de paz, que se mantinham como cargos eleitos.

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    Assim, em funo do destaque que concediam ao controle do quechamavam conflitos de jurisdio, o governo demonstrava todo seu mpetoem manter sob rgida observao a mquina administrativa do Estado.Nesse processo, o Conselho de Estado, trabalhando sempre prximo aoMinistrio da Justia, assumia funo fundamental para assegurar ao po-der central o controle das instncias locais, quando se considera ainda suasprerrogativas de anlise da legislao provincial.

    Quanto Seo dos Negcios do Imprio, configurou-se como ins-tncia responsvel pela organizao, planejamento e desenvolvimento dasaes polticas e econmicas do governo ao longo do perodo, em especialno que se referiu s discusses de regulamentao e fiscalizao dos pro-cessos eleitorais e de reforma da legislao concernente a esse tema e que-las relativas aos principais problemas enfrentados pela agricultura nacio-nal. Por outro lado, as consultas que trazia ainda representaram umfundamental papel regulador das relaes entre o poder central e as pro-vncias, papel este que, em geral, dividiu com a Seo de Justia16 .

    Segundo o relatrio do Ministrio dos Negcios da Agricultura, Co-mrcio e Obras Pblicas de 1864, a Seo do Imprio registrou, em 20 anosde funcionamento, entre 1842 e 1864, 831 consultas apenas no que serefere s questes que estariam sob a responsabilidade desse ministrio aps1860, quando foi criado. Assim, esse total exclui todos os demais temasdiscutidos na Seo, particularmente as questes eleitorais e as leis provinci-ais, que ocupavam uma parcela considervel dos debates. A ao reguladorado Conselho inclua ainda o controle da concesso de patentes e privilgiosindustriais, comerciais e de servios, que se referiam a 28% do total de con-sultas submetidas. Entretanto, tal nmero seria infinitamente superior sefossem consideradas as concesses de privilgios e servios especficos, queencontram-se ainda dispersas nos itens navegao, estradas de ferro, coloni-zao, minerao e obras pblicas, nos quais as consultas versavam majori-tariamente sobre esse objeto. Tambm o item relativo ao comrcio e socie-dades annimas registra um nmero elevado (28,5%), onde predominavamas solicitaes para aprovao e reforma de estatutos de companhias17.

    Cabe ressaltar que a possibilidade de anlise dessas consultas em par-ticular permitia de forma mais direta o favorecimento de grupos especfi-cos ou elementos integrantes das redes das quais faziam parte os conse-lheiros que, em uma atividade mais cotidiana, estariam mais livres para

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    agir de acordo com seus interesses. Na prtica, avaliavam as atividades deseus pares e, com freqncia, de seus prprios scios, amigos e familiares.

    O que se destaca na observao e anlise das consultas submetidas ,em primeiro lugar, o volume e a amplitude dos temas ali debatidos. Algu-mas sees, ao menos em determinados perodos, chegaram a manter reu-nies semanais e, freqentemente, emitiram um nmero considervel depareceres dirios, em contraste com o ritmo dos trabalhos no Conselhopleno. Um outro aspecto refere-se repercusso e aplicabilidade dassolues indicadas nos pareceres, um primeiro sinal indicativo do papelda instituio na conduo geral da poltica e administrao imperial. Nessesentido, ao menos quando se verifica o volume de decretos que se basea-ram em decises do Conselho, considerado em conjunto com a freqn-cia com que o imperador registrava o Como Parece nos livros de pareceresdas sees, parecem realmente indicar que, em geral, as solues fornecidaspela instituio foram efetivamente seguidas pelo Poder Executivo18.

    Entretanto, se os pareceres das sees eram usualmente aceitos a pontode se transformarem em atos legislativos oficiais, cabe ressaltar que noera nessa instncia que se decidiam as questes mais emblemticas e ostemas mais polmicos. Embora as consultas nas sees gerassem pareceresdiscordantes, as divergncias surgiam mais claras nos votos emitidos noConselho Pleno, onde as atas efetivamente registram o debate e onde severifica que a votao dificilmente alcanava a unanimidade dos conse-lheiros presentes.

    Assim, embora seja fundamental a anlise da aceitao e a confirmaodas deliberaes emitidas pela instituio, a avaliao do papel desempe-nhado pelo Conselho na poltica imperial deve ainda considerar a prpriaausncia de consenso expressa tanto nos pareceres das sees quanto nasvotaes do Conselho Pleno. Naturalmente, questes polmicas como usual-mente foram, por exemplo, a questo servil e os pedidos de dissoluo daCmara dos Deputados, sempre geraram discusses acaloradas e a diviso dosvotos na instituio, e as decises tomadas a partir dessas consultas privilegia-ram um ou outro dos argumentos ali presentes, de acordo com as conjuntu-ras. Nesse sentido, o ato da consulta e o debate so mais significativos para acompreenso do papel da instituio do que a resoluo final do monarca.

    De fato, a poltica partidria, os debates, os conflitos, ali no estavamausentes; ao contrrio, davam ao Conselho o movimento e dinamismo

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    que se esperaria de um organismo dessa natureza, que se encontrava nocentro das decises governamentais. Tais aspectos demonstravam sua legi-timidade na representao de interesses tanto quanto seu profundo envolvi-mento com os temas mais caros poltica, reafirmando ainda seu papelcomo espao de negociao e administrao de conflitos.

    Nesse contexto, a questo administrativa configurava-se em um ele-mento fundamental. Como havia declarado Paulino Soares de Sousa, enun-ciando o discurso recorrente tanto entre liberais quanto conservadores, apoltica era o lugar das paixes e a racionalidade ali ausente deveria serobtida com a sua mais eficiente auxiliar. Nesse sentido, o Conselho deEstado se utilizou de suas prerrogativas legais e regimentais de forma agarantir a uniformidade da marcha administrativa no meio dos vaivns dapoltica19. A administrao deveria ser, ento, o lugar da razo, porquerepresentava ainda o imprio da lei. E efetivamente, malgrado as tendn-cias partidrias e a filiao a interesses especficos, a instituio preocupa-va-se em manter e demonstrar essa face, procurando embasar os pareceresna legislao, fosse o Ato Adicional, os diversos cdigos legais ou, princi-palmente, a Constituio.

    Esse era, na verdade, um importante componente no iderio polticoimperial e talvez ele seja o principal responsvel pela longevidade do Conse-lho de Estado, garantindo seu prestgio e impedindo sua vulgarizao, mes-mo quando se generalizava o clamor por uma feio mais democrtica aogoverno imperial, aps a dcada de 1870. No discurso que poderia ser con-siderado o discurso oficial, a velha arte de governar identificava-se com apreciosa herana colonial, nas palavras de Joaquim Nabuco, com a idia daimportncia de um corpo de sbios letrados dedicados ao conhecimento dalei. Identificava-se, assim, com o desejo de manter a administrao pblicaindependente e autnoma, fazendo dela a responsvel pela diluio dos con-flitos, to inerentes ao fazer poltica. Em diversos sentidos, a arte de bem go-vernar relacionava-se ao controle das atividades normativas e regulamentares,da prtica e dos ritos administrativos, e era esse controle que garantiria osucesso da poltica imperial.

    Entretanto, cabe reafirmar que, malgrado o discurso em prol da im-parcialidade e da neutralidade, as elites representadas no Conselho, atra-vs da instituio, faziam cumprir as leis que elas mesmas elaboravam,interpretavam e defendiam. Os prprios princpios de sua ao encontra-

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    vam sustentao em bases autoritrias, assim entendidas pelo seu carterinibidor da representao, da autonomia provincial e da liberdade dospoderes constitudos. Essas bases eram principalmente as prerrogativas doPoder Moderador e as leis de criao do Conselho e de Reforma do Cdi-go Criminal, cujo carter centralizador e autoritrio no havia escapado oposio, especialmente aos rebeldes de 1842. Com esses instrumentosdavam execuo a um projeto de organizao poltico-administrativa quese mantinha excludente e que seguia adiando as reformas essenciais suamodernizao.

    Os excessos da centralizao e as relaes entre os poderes

    Uma das principais aes que envolveu as elites reunidas no Conselhode Estado dizia respeito, direta ou indiretamente, consolidao de umaautoridade central, medida ento vista como fundamental para a manuten-o do regime constitucional. Tal questo passava, naturalmente, pelo con-trole do que se poderia compreender como os poderes paralelos exercidosem instncias diversas da administrao pblica, sem, contudo, afetar ashierarquias sociais. Inclua, por conseqncia, a montagem de uma slidaestrutura administrativa, garantindo a absoro dos servios bsicos pelopoder pblico.

    A questo inclua os esforos para convencer os poderes locais dasvantagens na transferncia dessa autoridade ao Estado. Nesse processo, aestratgia fundamental foi a negociao permanente com os diversos seto-res e interesses que envolviam os poderes locais, que tambm se benefici-avam da existncia de uma autoridade central efetiva e legalmente consti-tuda. Cabe destacar que, malgrado algumas resistncias e fracassos deambos os lados, tal processo foi por ambos buscado e desejado, inclusivedada a forte presena dos representantes dessas oligarquias no poder cen-tral ao longo de todo o perodo.

    Entretanto, o governo viu-se, imediatamente aps o Regresso diantede um poderoso obstculo, representado pelo crescimento das autorida-des locais em grande parte decorrente das disposies descentralizadorasdo Ato Adicional de 1834. Assim, a primeira obra de seus negociadores,papel amplamente desempenhado pelo Conselho de Estado e a Presidn-

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    cia das provncias, foi o refreamento do poder provincial, para o qual seutilizaria, mais uma vez, da lei como instrumento de coero. Utilizou,portanto, trs armas poderosas j anteriormente mencionadas, trs leiscontroversas elaboradas entre 1840 e 1841, que concediam amplos pode-res ao governo sobre as provncias: a Lei de 12 de maio de 1840, interpre-tando e revendo alguns artigos da reforma da Constituio no que respei-tava ao poder das assemblias provinciais; a lei de 23 de novembro de1841, de criao do Conselho de Estado, que concedia a essa instituio ocontrole das leis promulgadas por essas assemblias; e a lei de 3 de dezem-bro de 1841, que dispunha sobre a organizao do poder de justia epolcia do Estado.

    Portanto, a questo da centralizao como controle dos poderes pa-ralelos passava pelas assemblias provinciais, em especial pelo controle desuas leis, tema que ocupou a maior parte do trabalho das sees do Imp-rio e da Justia. A anlise dessas leis permitiu ao Conselho reforar aindamais a ao do poder central, uma vez que a ateno maior concedida aesse exame visava garantir que as assemblias provinciais se manteriamduplamente sob controle, impedidas de legislar fora do que ento consi-deravam sua jurisdio e evitando-se que esta legislao viesse de encontroou sobrepujasse s leis gerais do pas.

    Esse ser um tema caro ao Conselho de Estado na dcada de 1840,quando se considera a freqncia com que sua anlise era submetida aoConselho Pleno. Na verdade, tal discusso envolvia um problema funda-mental, que dizia respeito ao Poder Legislativo concedido s provncias peloAto Adicional de 1834 que, dependendo dos interesses e da interpretao,poderia estar em contradio com a prerrogativa constitucional concedidaao Poder Moderador. Essa atribuio ao Conselho estava prevista no seuregimento, que definia que cada Seo examinaria as leis provinciais e todos osnegcios de que a encarregar o seu presidente. Teoricamente, a instituio seriaacionada apenas nos casos em que se colocasse algum tipo de conflito entrea assemblia e o presidente da provncia, quando este no sancionasse as leispor ela aprovadas, embora se registrem diversas ocasies em que essas leisforam analisadas mesmo obtendo a aprovao do presidente.

    Mas as dificuldades enfrentadas pelos sucessivos gabinetes em man-ter a autoridade sobre as provncias aumentavam progressivamente. A nego-

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    ciao e as estratgias de aproximao e conciliao seriam ento o verda-deiro esprito condutor da poltica regional. Nesse contexto, o presidentede provncia assumia um papel fundamental, apresentando-se como o prin-cipal intermedirio e um fundamental agente de negociao, pela ligaoque proporcionava entre poderes locais e governo central. Tal estratgiafoi amplamente utilizada, motivo pelo qual a escolha daqueles que exerce-riam essa funo jamais seria inconseqente, ao menos no que se relacio-nava s principais provncias do Imprio, obedecendo a uma rigorosa l-gica de garantir o controle da situao. Indubitavelmente, no entanto,tratava-se de uma lgica conjuntural, no sentido de que era determinadapelo contexto poltico tanto da provncia quanto da Corte, pelo partidoque se encontrava no poder e suas correlaes de fora.

    Uma lgica conjuntural mas, enfim, uma lgica. A escolha era cuida-dosa, pois a fidelidade ao projeto centralizador era essencial. Essa consta-tao justificaria, por exemplo, o envio de polticos importantes na Cortepara as provncias, particularmente em momentos de conflito. Entre di-versos casos, poderia ser citada a nomeao de Paran para a Presidnciade Pernambuco aps a Revoluo Praieira em 1849, ou a nomeao deCaxias para a provncia do Rio Grande do Sul em 1845, para consolidar avitria sobre os farrapos, alm da escolha de Monte Alegre para a provn-cia de So Paulo, no auge dos conflitos que geraram a revoluo liberal de1842. Alm do papel desempenhado nas negociaes, eram ainda os pre-sidentes que tinham a misso fundamental de canalizar as demandas pro-vinciais para o Executivo e para o prprio Conselho, denunciando os abu-sos de autoridade, os conflitos de jurisdio regional entre o Legislativo,Judicirio e Executivo, os desmandos dos poderes locais etc.

    No entanto, o que parece mais importante considerar que os pode-res provinciais, em especial as assemblias, jamais se conformaram com alei de interpretao do Ato Adicional que anulava alguns de seus disposi-tivos mais autonomistas, com as prerrogativas do Conselho de Estado emanalisar a legislao provincial e muito menos com a lei de reforma docdigo, de forma que a eterna vigilncia sobre as aes dessas cmarasgerava uma tenso permanente entre o governo e as assemblias e a polti-ca local. Essa situao impunha um enorme esforo de negociao cujosucesso parecia cada vez mais incerto, uma vez que crescia a intolernciacom as aes centralizadoras do Estado, que comeavam a interferir no

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    desenvolvimento da poltica provincial engessando seu desenvolvimento.Portanto, nem sempre a negociao e as tentativas de implementao dereformas alcanaram o xito esperado.

    J sintomtica do estado da situao que expunha progressivamenteos conflitos com as provncias foi a declarao do conselheiro pernambu-cano Caetano Maria Lopes Gama, Visconde de Maranguape, em 1855,em um debate no Conselho de Estado por ocasio da discusso de projetoque propunha a ampliao das atribuies do Conselho no que se referiaao Poder Judicirio. Comparando a instituio brasileira com o modelofrancs, afirmava:

    O Conselho de Estado tornou-se pois juiz privativo de muitas causas, etribunal de apelao para a imensidade de interesses e direitos privados quese confiaram ao julgamento dos conselhos de prefeituras, compostos dejuzes amovveis e dependentes do governo. preciso confessar que gran-des benefcios colheu ento a Frana do imenso poder do Conselho deEstado. Depois de uma completa anarquia, s a unidade de ao, em todosos ramos da pblica administrao, pode restabelecer a ordem no Estado, e por isso que as guerras civis so quase sempre precursoras de ditadura. OConselho de Estado prestou ento os mais assinalados servios Frana;mas essa necessidade de suas to desmedidas atribuies devia cessar com acessao das circunstncias, que a motivaram (...) essa jurisdio dosConselhos de Prefeitura e do Conselho de Estado da Frana, to manifesta-mente contrria ao regime monrquico representativo, adotado naquelanao depois da restaurao; essa tradicional instituio de um governoabsoluto, que o projeto nos quer dar. Vejamos se o Brasil pode toler-la, ese no provocar a mais justa oposio na Representao Nacional.20

    Maranguape viu prematuramente os riscos da continuidade da aodo Conselho no sentido da centralizao. A justa oposio j se fazia e setornaria cada vez mais contundente. Anos mais tarde, simultaneamenteao projeto de abolio gradual da escravido e ao projeto de reorganizaodo Conselho, em 1867 o conselheiro Pimenta Bueno, Marqus de SoVicente, apresentava instituio uma proposta de recriao dos conse-lhos das Presidncias das provncias. Na prtica, os trs projetos secomplementavam, representando um amplo programa de reforma, cujoalto teor centralista no escapou observao dos conselheiros, uma vezque se pretendia que o Conselho de Estado, como segunda instncia, ser-visse tambm aos conselhos provinciais.

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    A nfase centralizadora foi duramente questionada nas reunies21 .Em geral, por melhores que fossem as intenes, o projeto foi derrotadopelo que de fato representava, um recrudescimento da ao do poder cen-tral sobre a poltica provincial em um momento em que se esperava exata-mente o oposto. O Conselho de Estado havia subestimado a fora dasprovncias e as estratgias de negociao, que funcionaram to bem emmomentos de crise e instabilidade poltica como foram os primeiros anosdo Regresso, no mais pareciam suficientes para conter os anseios de mu-dana. Na prtica, tudo indicava que a eficincia na conteno do ritmodas reformas havia conduzido a uma real incapacidade de realiz-las semlanar mo de dispositivos autoritrios. O tempo comeava a contar re-gressivamente para a monarquia e no foi suficiente para que a instituiose recuperasse das crticas de uma oposio que crescia em um ritmo in-versamente proporcional, como demonstrariam as crises freqentes a par-tir de 1868.

    O Conselho procurou assumir uma face bastante diferente daquelaque caracterizou o rgo ainda no reinado de Dom Pedro I. Embora man-tivesse seu carter consultivo e no deliberativo, chamou para si a respon-sabilidade de construo da mquina administrativa do Estado imperial,esclarecendo as dvidas e definindo atribuies e funes relativas estru-tura burocrtica, administrando conflitos de competncias, remendandoos lapsos, equvocos e contradies que se colocavam pelas lacunas ounecessidade de adaptao da Constituio vigente, considerando-se aindaa sobreposio das emendas constitucionais.

    Assim, o Conselho surgira em 1841 como uma forma de controle doPoder Moderador e garantia sua aceitao pelas elites representantes dosdiversos grupos que atuavam junto ao poder central, bem como nas provn-cias, e disso certamente dependia a estabilidade do regime, principalmentenos primeiros anos do Regresso, quando os nimos ainda se exaltavam e oImprio ainda se via ameaado por revoltas de vrias origens e matizes. J noregimento interno e na lei de criao do rgo aparecia como um de seusobjetivos a assessoria ao imperador, e embora o monarca no fosse obrigadopela Constituio a consult-lo, esperava-se que ele assim o fizesse.

    Esse era, na verdade, o ponto nevrlgico da discusso para os chama-dos liberais, que insistiam em sua oposio quanto vitaliciedade, quantoao perigo da perpetuao de uma determinada faco, porque j se previa

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    o poder que se lhe destinava, assim como a possibilidade de que extrapolassesuas prerrogativas regimentais, e esses limites foram efetivamente rompi-dos. Havia, sem dvida, conflitos; havia contradies e havia superposiode poderes e funes. De fato, sendo vitalcio, e estando distante das amarrasque eventualmente poderiam representar os partidos, as exigncias eleito-rais e as audincias pblicas da Assemblia Geral, para seus membros ofrum constitudo pelo Conselho possibilitava uma maior liberdade deao, assim como maior liberdade para a defesa de interesses e a proposi-o e debate de idias e projetos.

    A proposta original sempre fora resguardar o princpio liberal da inde-pendncia e equilbrio dos poderes, a partir do qual estes deveriam interagir,mas jamais serem submetidos uns aos outros. Na prtica, no entanto, pare-cia-lhes impossvel imaginar uma ordem poltica sem um poder que se so-brepujasse aos demais; nesse sentido, encontravam todas as vantagens nodiscurso jurdico, na proposio de que os atos do Poder Moderador nopoderiam ser limitados ou julgados pelo Executivo, nem serem responsabi-lidade do Conselho de Estado, porque o Moderador havia sido concebidocomo um poder sem limites, como rbitro e fiscal dos demais poderes. Essebom relacionamento entre o rgo e os gabinetes era eventualmente busca-do, mas nem sempre alcanado. Como os novos gabinetes costumavamencontrar certa resistncia nas cmaras j instaladas, ao menos quando haviamudana drstica de partido, era comum a solicitao de dissoluo da As-semblia. Assim, a organizao poltica conduzia a uma queda de braoquase permanente entre o Executivo e o Legislativo, j que ambos podiamser dissolvidos pelo Poder Moderador, com a interferncia do Conselhoque, no entanto, precisava ser oficialmente acionado pelo imperador a pedi-do do Executivo.

    O que se evidenciava progressivamente com mais clareza era uma con-tradio no prprio texto constitucional no que se referia responsabilidadepelos atos do Poder Moderador. Nesse objeto especfico a carta dava mar-gem a mltiplas interpretaes, sempre presentes nas discusses dos pro-jetos e pareceres apresentados no Conselho22 . Portanto, o vcio encontrava-se na origem e provocava controvrsias que envolviam diretamente ainstituio como agente do Moderador e em suas relaes com o Executivo.

    A interpretao da Constituio nesse aspecto, naturalmente, sempreesteve condicionada ao cenrio poltico, de forma que em diversos momen-

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    tos foi possvel advogar o poder absoluto do Moderador sem que tal atitudegerasse maiores conflitos. Entretanto, com o tempo, tais interpretaes dei-xariam o domnio das discusses jurdicas para assumir uma progressivaidentificao partidria que, embora nunca estivesse totalmente ausente, apartir de meados da dcada de 1860 comeava a assumir novas cores, quan-do as crticas aos excessos do poder pessoal do imperador e a defesa da res-ponsabilidade de seus atos pelo Executivo tornavam-se as bandeiras queauxiliavam na consolidao da identidade poltica das novas faces e movi-mentos poltico-partidrios, como o Centro Liberal e o Partido Progressista.

    Mas o aconselhamento do Poder Moderador, bem como a delimita-o de suas fronteiras em relao ao Executivo, no foi a obra poltica maisimportante do Conselho. Para alm desse papel, tambm estendeu suaatividade reguladora aos demais poderes constitucionais. Assim, em di-versos aspectos, surgia como um rgo cuja fora se alicerava tambmem seu carter legislador, um papel que se aprimorou e se alargou ao lon-go do Segundo Reinado, ao sugerir e elaborar projetos de leis, trabalhan-do diretamente com os gabinetes. O Conselho de Estado encontrava-seligado ao Parlamento atuando como uma primeira cmara, no dizer deum dos mais importantes juristas do perodo, Marqus de So Vicente.

    O exguo tempo de reunio e funcionamento do Parlamento fre-qentemente tambm serviu como argumento para justificar a incorpora-o ao Conselho de Estado de uma outra funo, a interpretao da leique, a rigor, deveria ser incumbncia do Legislativo ou, conforme o teorda consulta, do Supremo Tribunal de Justia. A Constituio de 1824manteve silncio quanto ao controle da constitucionalidade, anteriormenteuma funo da Casa da Suplicao, que atuou ainda no perodo colonialcomo tribunal supremo de uniformizao da interpretao do Direitoportugus. Em princpio, a idia era aproveitar a experincia francesa, cujaConstituio outorgava ao Poder Legislativo a atribuio de fazer leis, in-terpret-las, suspend-las e revog-las, bem como velar na guarda da Consti-tuio. Entretanto, embora esse fosse o discurso mais aceito, na prtica, aindefinio constitucional abria o caminho para a ao do Conselho, quese tornava progressivamente o rgo interpretativo da lei23 .

    Assim, indubitavelmente era quanto ao Poder Judicirio que a inge-rncia do Conselho seria mais justamente criticada. A anlise das consultassubmetidas ao rgo, tanto aquelas que se mantiveram no mbito das sees

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    quanto as que chegaram s conferncias do Conselho Pleno, demonstra queesta foi a rea onde a interferncia da instituio ocorreu de forma maisdireta, praticamente ignorando-se a competncia do Supremo Tribunal deJustia24 .

    Na prtica, o Conselho esvaziou a ao do Supremo Tribunal, atrain-do para sua esfera direta a obra de reorganizao do sistema Judicirio noconjunto de medidas ligadas centralizao e consolidao do poder cen-tral, relegando-se aquele ao nvel de uma instncia inferior. Atravs dasconsultas que lhe eram submetidas, observa-se que a instituio tornou-seuma espcie de tribunal de recursos nas causas que entendiam como ad-ministrativas, assumindo o papel de rbitro nas contendas judiciais, escla-recendo e preenchendo as lacunas da legislao, impondo limites e defi-nindo competncias, procurando ainda controlar os desmandos dosdesembargadores das Relaes. Assim, a instituio desenvolveu uma amplaatuao na rea, como j estava previsto em seu regimento interno, justifi-cando a ingerncia pela classificao de contencioso administrativo e emdiversos momentos chocando-se diretamente com o Poder Judicirio25 .

    O imprio das necessidades e a marcha da mudana: o declnioda ao do Conselho

    A obra de centralizao iniciada com o Regresso havia encontradono Conselho de Estado seu mais fiel defensor. Regulando as relaes e oslimites entre os poderes, discutindo e propondo as leis do Estado, emtodas as suas instncias, a instituio teve um papel fundamental na con-solidao do poder central e da monarquia constitucional, procurandosempre conduzir o ritmo das reformas. Como diria Bernardo P. de Vas-concelos,

    Eu conheo que nenhuma instituio, em qualquer pas, pode ser imut-vel; todas as instituies humanas esto sujeitas ao imprio das necessida-des. As idias, os sentimentos e os interesses mudam as instituies; elasdevem acomodar-se ao estado social (...) no quero um Conselho de Esta-do imutvel, mas quero se no torne to amovvel que at acorooe e insti-gue o movimento. Eis a conciliao que pretendo conseguir, cujo fim conciliar a fixura com o movimento, que natural, que no cabe ao ho-mem evitar (...) as instituies devem ser de tal maneira estabelecidas que,

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    sem obstar ao movimento, resistam s inovaes rpidas e precipitadas quepodem abismar o pas26.

    Entretanto, o poltico Tavares Bastos, eterno baluarte da causa liberal,mencionou o Conselho quando discutiu as medidas ligadas autonomiadas provncias empreendidas pelo Ato Adicional de 1834, abordando especi-ficamente o papel desta instituio como reguladora das relaes entre a pro-vncia e o poder central e seu papel como um dos principais agentes dacentralizao:

    Instituio alguma, neste Segundo Reinado, h sido mais funesta s liber-dades civis e s fraquezas provinciais. Dali Vasconcelos, Paran e outrosestadistas, alis eminentes, semearam com perseverana as mais atrevidasdoutrinas centralizadoras. Fizeram escola, e tudo o que de nobre e grandecontinham as reformas, perverteu-se ou desapareceu.27

    Se a conciliao pareceu uma ao eficiente nos primeiros anos apsa Maioridade, o discurso obviamente suplantou a prtica poltica do go-verno. Mesmo a oposio que participava da direo do pas atravs doConselho, no dizer de Nabuco, excluiu diversos setores emergentes e seamalgamou progressivamente elite que dava as diretrizes da atuao doEstado. O acordo que ento se obtinha havia priorizado muito menos osprojetos de reforma do que a necessidade de manuteno da ordem sociale poltica do pas, que procuraram coordenar e controlar atravs da atua-o decisiva do Conselho de Estado.

    Na medida em que se pacificava o Imprio, essas fraturas surgiam cadavez mais ntidas. Esses impasses e a incapacidade de lidar com as novas con-junturas esvaziaram a ao poltica do Conselho a partir do terceiro quarteldo sculo. De fato, um novo debate poltico renascia no final da dcada de1860 trazendo de volta discusso a questo da representao poltica e amanuteno do poder pessoal do imperador. Do ponto de vista do podercentral, o que se observou foi a concluso do processo de centralizao eunificao da monarquia, e as instituies que haviam sido criadas e defen-didas para exercer esse papel perdiam paulatinamente sua razo de existir. OSenado vitalcio, o Conselho de Estado e o prprio Poder Moderador co-mearam a ser violentamente criticados, o que denotava que aquele proces-so havia efetivamente se esgotado. Os excessos da centralizao imobiliza-vam perigosamente a administrao provincial e os anseios de mudanas

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    ganharam nova fora com o mpeto reformista da chamada gerao de 1870,na qual se destacam Joaquim Nabuco, Andr Rebouas e Jlio de Castilhos28.

    Assim, comeavam a ser reinterpretadas as relaes polticas entre oConselho, o Poder Executivo e o Moderador, bem como seus laos dedependncia e continuidade na consecuo da administrao pblica doEstado29 . Sofrendo os efeitos dessa conjuntura, o declnio da influncia edo poder decisrio do Conselho comea a ser percebido j na dcada de1870, momento a partir do qual diminuem sensivelmente o volume dereunies e a prpria importncia e repercusso dos temas ali discutidos.Em diversos sentidos, o crescimento e a consolidao do papel do PoderExecutivo se deu diretamente em funo do enfraquecimento do Mode-rador e, conseqentemente, do prprio Conselho de Estado. Ao final,viam-se forados a reconhecer que um Executivo forte no poderia seguireternamente tolhido por instituies que naturalmente se opunham aospreceitos liberais e prpria teoria dos Poderes.

    A crise do Conselho mais nitidamente notada quando seu regi-mento comeou a ser revisto, a partir de proposta elaborada em fins de1867 pelo Marqus de So Vicente. A crtica ao projeto prendeu-se inteno que lhe era inerente de ampliao geral do espectro de atuaodo Conselho e da conseqente limitao dos poderes, tanto do Executivoe do Judicirio, quanto da j combalida autonomia provincial. A amplia-o do leque de temas a serem submetidos consulta e, particularmente,a obrigatoriedade da audincia ao Conselho, recebeu franca oposio dosconselheiros, que referiram-se progressiva transformao do rgo emexecutor, em detrimento de seu carter estritamente consultivo. Nesse sen-tido, a audincia obrigatria corresponderia a uma limitao inconstitu-cional e desnecessria do Poder Executivo, que usufrua de uma indepen-dncia que a elite representada no Conselho teoricamente sempre procuroudefender 30 .

    O Conselho realizaria apenas 32 reunies entre 1870 e 1879, boaparte das quais ligadas a questes emergenciais, como a paz com o Paraguaie a questo religiosa; o nmero ainda menor entre 1880 e 1889 e ostemas nem de longe lembram a exaustiva atividade da instituio em seuperodo ureo: embora se mantivessem as solicitaes de dissoluo daCmara dos Deputados, incluram apenas pedidos de crdito suplemen-tar para obras e controle de epidemias, reformas eleitorais e algumas ques-

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    tes internacionais de menor relevncia, como a definio de limites compases vizinhos.

    Se era o depositrio da velha arte de governar, fato que o Conselhoenvelhecia junto com a monarquia. Um outro sintoma desse envelheci-mento traduzia-se na dificuldade de renovao de seus quadros. O mto-do, a estratgia, no se modificaram e a monarquia continuava a convocara oposio moderada, mas tudo indicava que j iam longe os tempos emque a nomeao para a instituio representava uma distino irrecusvel.A partir da dcada de 1870, cinco polticos recusaram oficialmente suasnomeaes para a instituio. Esse foi o caso dos baianos Zacarias de Gese Vasconcelos, em 1870, Jos Antnio Saraiva, em 1878, e Joo MaurcioWanderley, Baro de Cotegipe, em 1882, todos presidentes do Conselhode Ministros que juntos representaram seis dos sete gabinetes no che-fiados por conselheiros ao longo do II Reinado. No mesmo ano tambmno aceitaram a nomeao o poltico e engenheiro mineiro Cristiano Ottonie o paulista Jos Bonifcio Ribeiro de Andrada, o moo. Em 1876 a nome-ao foi ainda recusada pelo Visconde de Sinimbu, que s a aceitaria seisanos depois31.

    O Conselho continuaria, entretanto, a contar com os principais no-mes da poltica imperial, ao menos quando se considera a ocupao decargos ministeriais. Assim, se o Conselho de Estado, como instituio,comeava a perder o controle da mquina poltica e administrativa doEstado, esta se mantinha solidamente nas mos das elites ali representa-das, elites que, no entanto, deslocavam sua esfera de atuao para outrasinstncias de poder32.

    Concluso

    A ao do Conselho de Estado colocou em prtica um amplo pro-grama de organizao da estrutura de governo, conduzido pela elite impe-rial, que procurou, aps o processo de Independncia, os caminhos paraadequao do Brasil nova ordem internacional. Nesse caminho, atravsda interao com os demais poderes, o Conselho contribuiu diretamentepara o fortalecimento do modelo monrquico e para a superao das he-ranas coloniais permanncias de um passado colonial que estava ain-da vivamente presente sob diversos aspectos e que permeava as relaes

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    sociais e polticas, a forma de entender o Estado e as prticas cotidianas decontrole poltico e econmico , processo para o qual inegvel a in-fluncia dos modelos tericos e prticas liberais.

    Tambm inegvel que o processo de formao do Estado assumiucaractersticas prprias, considerando-se principalmente que as elites im-periais tomavam como modelo o Estado-nao europeu. Para alcan-lo,diferentemente dos antecessores europeus, essas elites no apenas se viramforadas a reagir s necessidades prementes da poltica, mas precisaram sobre-tudo atuar diretamente na consecuo de seu objetivo principal de construoda autoridade central. Tal fato, portanto, fez com que no Brasil esse processose imbusse de um carter pragmtico e imediatista, visando consolidao deuma estrutura poltica que se aproximasse dos padres internacionais.

    Entretanto, a ao em prol da construo de uma identidade para opoder central esbarrou em entraves diversos. Malgrado a proclamada pazque se seguiu ao Regresso, aquela era uma paz relativa, j que os conflitosseguiam latentes. Nesse sentido, a proposio da conciliao pelo gabine-te Paran, em 1853, foi fundamental, e de seu sucesso dependeu a abertu-ra de espao para algumas reformas. Mas, de perto, no dia-a-dia, a polticaseguia em plena atividade, por meio de negociaes permanentes que sefaziam pela inter-relao entre o poder central e poderes locais, entre opblico e o privado e entre grupos e instituies, de modo que os sucessi-vos realinhamentos, cujo carter aparentemente conjuntural ocultava aquelaque era a verdadeira lgica do modelo, terminavam por enfraquecer omesmo modelo a longo prazo.

    Se no plano imediato a ao poltica traduzia-se em escolhas que, noentanto, nem sempre alcanavam os objetivos almejados, por outro lado,em termos gerais, a poltica imperial caracterizou-se pela negao do con-fronto e do conflito, o que impediu a execuo das mudanas estruturaisnecessrias e o enfrentamento direto dos principais problemas que afligi-am o pas. O Senado no faz poltica, dizia o conselheiro Nabuco de Ara-jo, porque ele no deve ser parcial, no deve servir a interesses particula-res, no deve interferir no caminho natural da ordem e da liberdade. Nomaculem com o p dos partidos a majestade governativa, exclamava JooManuel Pereira da Silva, acrescentando que a poltica era cincia experi-mental e, como tal, aplicava-se s necessidades, e que os estadistas podiamalterar suas opinies como os mdicos na escolha dos remdios.

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    Como cincia, ao menos no nvel da ao do Estado, acreditava-seque a poltica precisava ser pragmtica, objetiva. Tratava-se inquestiona-velmente de uma postura conservadora, no sentido da manuteno daordem escravista e de uma hierarquia social excludente. Esse foi o sentidoda ao do Conselho de Estado, que se justificava no discurso administra-tivo por excelncia, no ilimitado amparo da Lei, nos esforos de aproxi-mao das dissidncias, na prtica quase cotidiana de negociao, nas ali-anas que obedeciam a uma estratgia maior de segurana e estabilidade.

    Assim, paradoxalmente, embora alcanassem sucesso na obra de cen-tralizao, fundamental no caminho da consolidao de um Estado na-cional, este sucesso limitou-se, em geral, organizao e racionalizao daestrutura poltico-administrativa e ao controle dos poderes paralelos, trans-ferindo-se lentamente as funes administrativas para o poder central.Entretanto, a poltica imperial, pela negao do confronto, no foi capazde executar uma obra que promovesse uma efetiva publicizao das insti-tuies, no sentido de uma real ampliao da participao e representati-vidade, da superao definitiva de uma prtica poltica baseada nas rela-es pessoais, ou mesmo a abertura da mquina administrativa. Esse era,de fato, um jogo complexo, onde interesses pessoais ou de grupos molda-vam-se a interesses coletivos que se estabeleciam no desenvolvimento deuma ao pblica do Estado. A eterna negociao e administrao dos con-flitos, o permanente adiamento das reformas substanciais, como a abolioda escravido e a ampliao da representatividade, demonstravam que aspermanncias caractersticas dos tempos iniciais do regime no puderam sertotalmente superadas.

    De fato, as contradies pareciam insolveis. A idia de representa-o, mesmo entre liberais histricos, permaneceu razoavelmente inelsticaao longo de todo o perodo, de forma que o prprio Moderador, umaclara permanncia de uma viso da poltica ainda presa antiga concep-o do papel arbitral e do poder pessoal dos governantes, foi, em geral,aceito por todos, ao menos at a dcada de 1860, desde que pudesse seramparado por instncias como o Conselho de Estado. As conseqnciasdesse paradoxo traduziam-se ainda pelo predomnio das relaes pessoaisnas decises polticas. A poltica se fazia, ento, de forma a conceder espa-os ao favorecimento de interesses pessoais, entretanto, tornava-se funda-mental a conciliao entre esses espaos e os prprios interesses pblicos,

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    que comeavam a se fazer sentir na medida em que avanava o governodireto, na medida em que o Estado seguia se constituindo como tal, comoinstncia do pblico, inclusive pela progressiva especializao de funese atribuies que caracteriza um Estado nacional moderno33 .

    Mas na medida em que a estrutura do Estado se consolidava, coloca-va-se a questo de que se o Executivo era o responsvel pelas aes damonarquia, se era consenso que os poderes constitucionais eram sobera-nos e independentes, se o Judicirio reformado devia ter autonomia, se oLegislativo era o lugar da legtima representao, qual seria, ento, nessecontexto, o papel do Poder Moderador e de seu principal agente, o Con-selho de Estado? Como poderia ser mantido um sistema monrquico quese construra sobre essas instituies? Nesse sentido, o prprio processoque se orientava no sentido da formao e consolidao do Estado torna-va obsoletas as instituies que o formularam.

    Nesse processo o Conselho tornou-se um instrumento fundamental.A instituio de fato traduzia os anseios, confrontos e contradies daque-la sociedade, a sociedade possvel no Brasil do sculo XIX, considerando-seprincipalmente a baixa representatividade eleitoral. O Conselho de Esta-do, como instncia de poder, no escapou a essas circunstncias, tornan-do-se palco do acirramento dos conflitos existentes, ao mesmo tempo emque se consolidava seu papel na administrao.

    exatamente essa dimenso que revelada quando se acrescenta anlise intrnseca do funcionamento da mquina burocrtica e das insti-tuies governamentais o estudo dos indivduos e dos projetos coletivosque davam movimento estrutura poltica. Ao serem consideradas suasrelaes permanentes e cotidianas com a sociedade, suas redes de aliana,suas estratgias de negociao e perpetuao no poder, possvel apontaros reais objetivos e a lgica que norteava a ao daqueles que elaboravame geriam as polticas pblicas.

    A investigao e a anlise das redes de relaes permite, assim,extrapolar os limites da Corte como espao exclusivo do poder imperial.Sob esse aspecto, cabe lembrar que o processo poltico em nvel regionalno se desenvolvia como um simples reflexo da poltica central, mas apre-sentava uma histria e uma dinmica prprias, que tinham razes maisremotas no perodo colonial e eram influenciadas diretamente por suasespecificidades e pelas diferentes conjunturas locais. Tambm nesse mbi-

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    to as relaes entre grupos, famlias e faces polticas tinham de ser refei-tas e mantidas permanentemente.

    Tais aspectos demonstram ainda que o grupo que chegou cpula daadministrao imperial no era um grupo homogneo, que teria assumi-do o Estado e do centro do poder dava execuo a um projeto polticofechado. As elites encontravam-se, efetivamente, unidas por suas amplasteias de relacionamentos que, como tal, reuniam mltiplos interesses, agin-do em funo de circunstncias especficas, desenvolvendo estratgias paramanter os recursos econmicos, sociais e polticos das redes a que per-tenciam, bem como suas relaes com o poder tanto no nvel central,quanto nos diferentes nveis regionais.

    Portanto, a centralizao e, conseqentemente, o prprio processode formao do Estado no podem ser vistos como um fenmeno de ni-ca direo, imposto do centro para a periferia, partindo da ao e interes-ses de uma determinada classe ou grupo especfico sejam esses interes-ses econmicos ou polticos, sejam esses grupos saquaremas ou burocratas,estadistas ou fazendeiros , que dominou o centro de poder e dali plane-jou a unio do Imprio e a unificao territorial do pas.

    Ao contrrio, preciso indagar, em relao aos diversos segmentosdessa elite, aos quais interessara sempre a manuteno da ordem e da hie-rarquia social, o que os conduziu a participar ativamente desse processo,procurando se fazer representar na cpula dirigente do Estado. Isso s foipossvel graas continuidade das suas redes de relaes e o desenvolvi-mento de estratgias permanentes de controle dos interesses e conflitosinternos s elites, mediante o estabelecimento de prticas e lcus deintermediao que se concretizaram na criao de cargos e instituiesespecficas como o prprio Conselho de Estado , as quais precisa-vam se renovar constantemente ao longo do perodo.

    Os indivduos reunidos no Conselho de Estado detiveram efetiva-mente o poder de deciso sobre os destinos do pas e o exerceram atravsdas principais instituies governamentais. Se essa atuao nem semprefoi vitoriosa, ou se por vezes no foi capaz de evitar ou controlar os confli-tos, de qualquer forma seguia garantida a reproduo da estrutura de po-der que referendava e legitimava as aes do governo.

    Mas, por outro lado, cabe ressaltar que a considerao da importn-cia poltica das redes de relacionamento no significa que essa ao possa

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    A VELHA ARTE DE GOVERNAR: O CONSELHO DE ESTADO NO BRASIL IMPERIAL 213

    se resumir na imposio de prticas clientelares e de troca de favores enem estas prticas podem ser entendidas como determinantes do tipo deEstado e sociedade que se constituiu no perodo. preciso considerartoda a complexidade do jogo poltico quando se olha no exclusivamentedo centro, mas a partir das diferentes regies; quando se contempla noapenas a ao do Estado e suas instituies, mas o papel desempenhadopelos indivduos e suas redes de relaes, suas estratgias de negociao,suas crenas, idias e tradies; quando se observa no apenas a polticaem seu nvel macro, mas tambm as pequenas aes cotidianas que vodando forma e consolidando a extenso do poder central.

    Partindo-se do pressuposto de que elites podem ser identificadas comotal, porque tm sempre como objetivo assim se manterem, controlandoao mximo o capital, seja ele poltico, econmico, social, elas necessitamdesenvolver estratgias e estarem atentas para fazerem as alianas mais con-venientes a esse fim, e essa convenincia flutua de acordo com as conjun-turas. O exerccio da poltica significava, assim, uma dinmica permanen-te de estratgias de manuteno da hierarquia, de suas fortunas, seus cargose seu status e influncia social. A complexidade crescente da poltica que sedesenvolve ao longo do perodo imperial, com as reformas administrati-vas, as definies e organizaes de funes e atribuies dos cargos, colo-cava novos impasses a essa cultura, na medida em que comeavam a sefirmar as idias abolicionistas e o iderio