_A Ruína Do Capitalismo_ - Entrevista Com Immanuel Wallerstein
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27/04/2016 "A Ruína do Capitalismo" - Entrevista com Immanuel Wallerstein | Programa de Pós-Graduação em Geografia - UFF
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"A Ruína do Capitalismo" - Entr evista comImmanuel Wallerstein
Enviado por p osgeo em ter, 22/04/2014 - 09:55
A RUINA DO CAPITALISMO
Gustavo Opschpe
Para o sociólogo americano Immanuel Wallerstein, a humanidade atravessará 50
anos de convulsões sociais com a agonia do sistema. GUSTAVO IOSCHPE,
colunista da FolhaNas paredes do diminuto escritório em Paris, pôsteres
amarelecidos de cidades italianas e anúncios de palestras, uma estante com livros,
um rack com fitas cassete de música clássica. Uma mesa para o computador e outra
para a montanha de papéis. No centro da anarquia, o protagonista: Immanuel
Wallerstein, um dos mais importantes intelectuais vivos e um dos principais
sociólogos em atividade.Próximo aos 70 anos, o sociólogo americano é o autor da
monumental trilogia "The Modern World-System", três catataus que descrevem o
mundo capitalista do século 16 até o 19. Sua análise de "sistemas-mundo" é uma
tentativa de ver o sistema capitalista como um todo, entendendo que não se trata de
uma colcha de retalhos de Estados nacionais autônomos, mas de um sistema
unificado e altamente hierarquizado, que surgiu muito antes de fábricas e navios a
vapor.
É de Wallerstein a famosa separação do mundo entre os países de centro e de
periferia e a constatação de que estes sofriam com os termos desiguais de comércio
praticados por aqueles. Suas idéias vêm ajudando a derrubar alguns dos axiomas
pelos quais (sobre)vivemos: a crença na utilidade do Estado-nação como
ferramenta de melhoria de posição na escala das coisas; a idéia, emprestada do
neoclassicismo econômico e da teoria da modernização, de que todos os países
devem convergir, em algum momento, no paraíso da fartura e da opulência; e a
certeza de que o sistema capitalista, apesar de não ter tudo resolvido, pelo menos
trouxe ganhos em qualidade de vida para a humanidade, desde que foi implantado
há 500 anos.Wallerstein questiona e redireciona tudo: a validade da ciência, a
crença no progresso, a malignidade das elites nacionais, a esperança dos terceiro-
mundistas pela ascensão dentro do sistema e o futuro do mundo como o
conhecemos. No fim, o discreto cidadão na sala pequena de um prédio velho de
uma rua de Paris acaba desmontando as próprias idéias e avisa: o capitalismo não
dura mais que 50 anos; até lá vamos ter um período de muita incerteza, desordem e,principalmente, mudança, como ele diz na entrevista a segui r.
Folha - Muitos países têm entrado voluntariamente em acordos de livre comércio no
chamado mundo "globalizado" com potências que recentemente os exploravam,
acreditando na doutrina de vantagem comparativa. O sr. vê essa adesão como o
"beijo da morte" para os países periféricos?
Immanuel Wallerstein - Em primeiro lugar, eu acho que o termo "globalização" é em
grande parte um slogan e uma mistificação, não uma realidade nova. Estamos
falando é da liberdade de movimento dos fatores de produção versus protecionismo.
Isso tem sido uma questão por 500 anos. Países foram para um lado e para outro na
questão, porque há vantagens em ambos, para todos. No momento, os EUA têm
liderado um grande esforço para derrubar barreiras, especialmente de fluxos de
capital. Os fluxos financeiros sempre foram os mais controlados de todos. Os EUA
tiveram um certo nível de sucesso nos últimos dez anos, conseguindo com quepaíses fizessem coisas para as quais eles ainda não estavam preparados.Por um
lado, essa iniciativa começou com muito êxito. Quando você proclama que não há
alternativas ao modelo neoliberal, o que está querendo dizer é que não deveria
haver outras alternativas, mas, obviamente, elas existem. Houve uma forte reação.
Não só uma reação de vários países, que disseram: "Isso não funciona para nós,
vamos sair perdendo", mas também dos EUA e da Europa Ocidental, de pessoas
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Entrevista com Immanuel Wallerstein
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8/17/2019 _A Ruína Do Capitalismo_ - Entrevista Com Immanuel Wallerstein
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como Jeffrey Sachs e Kissinger; pessoas que você não poderia nunca chamar de
esquerdistas. E o argumento deles é muito sensato, ao dizerem que as pessoas que
têm se esforçado para conseguir esse livre fluxo não pensaram nas consequências
de uma política como essa. As consequências são muito severas: colapsos de
liderança, seguidos de revoluções etc. O que eles estão dizendo é que você deve
fazer isso de uma maneira mais social.Então a combinação da discussão,
simbolicamente, do FMI-Banco Mundial e a crescente resistência de alguns países
definitivamente diminuíram o grau de abertura. Mas isso não é nada de novo,
acelera e regride o tempo todo, e certamente o livre comércio não é uma panacéia.
Quer dizer, a idéia de que você deve competir não tem nada de novo _o que é o
capitalismo senão a teoria de que você tem de ser competitivo no mercado mundial?
Folha - O sr. não acha que a adesão formal a tratados de livre comércio é algo novo
e prejudicial?
Wallerstein - Certamente não é novo. Certamente algo que não é bom "per se": é
bom para alguns e ruim para outros. E certamente não é inevitável ou irrevogável.
Quer dizer, eu não acho que daqui a dez ou 15 anos haverá mais abertura do que
há agora, talvez até haja consideravelmente menos.À medida que os EUA
constroem uma zona na América Latina, quais seriam os excluídos? Os europeus,
os japoneses... Mas eles terão as suas próprias zonas. Nós podemos, daqui a dez
ou 15 anos, ter um mundo formalmente dividido em três zonas, dentro das quais
haverá livre comércio, mas não entre elas. Nós já estamos vendo coisas assim na
Europa Ocidental, que são apenas um sinal de conflitos mais fundamentais ainda
por vir.
Folha - O livre comércio _ou a globalização, como é chamado_ vem sendodefendido por membros da chamada Terceira Via, pessoas de perfil social-
democrata, como Blair, Clinton...
Wallerstein - ... E Fernando Henrique Cardoso.
Folha - Isso significa que a Terceira Via seria apenas um disfarce, um rótulo?
Wallerstein - Não. Olha, os social-democratas vêm, cada vez mais, migrando para o
centro, por cem anos. Essas pessoas querem capturar a posição liberal. Em parte, é
uma tentativa de conseguir mais votos. Eles acham que vão consegui-los no centro,
sem perder votos na esquerda, se eles se proclamarem social-democratas. Mas eu
não acho que essa seja a receita para o sucesso. Não acho que nisso haja algo de
novo: trata-se da clássica posição centrista, liberal, que vem enfraquecendo nos
últimos 30 anos, e eles estão tentando restaurá-la. Falta saber quanto sucesso
terão.Uma coisa que se pode dizer sobre a Terceira Via é que ela funciona. Se vocêé Clinton, ela funciona contra um Partido Republicano de extrema-direita. E, se você
é Blair, ela funciona contra um Partido Conservador de extrema-direita. Mas, se os
republicanos voltarem para sua posição de "moderados" e os conservadores
voltarem para sua posição tradicional, por que os eleitores votariam na versão falsa,
quando eles podem votar na versão verdadeira? Isso é tudo que tem de ser feito
para a Terceira Via ser derrotada. Então, eu não a vejo como o caminho do futuro.
Acho que ela já alcan çou seu cume e agora está começan do a retroceder.Que
Fernando Henrique Cardoso tenha aderido a isso diz mais sobre as suas tentativas
de se posicionar internacionalmente do que sobre a política interna brasileira. Não
creio que isso importe muito em termos de política interna brasileira. Eu não imagino
que as pessoas saibam o que isso significa.
Folha - O sr. defende, na contracorrente das idéias dominantes, que, com o fim da
Guerra Fria, o que realmente teria sido derrotado foi o libe ralismo.
Wallerstein - Se você quer começar com as minhas heresias, iniciemos com o que
eu entendo por liberalismo. O liberalismo é, como quase todos os termos políticos
importantes, um termo confuso e que confunde, e as pessoas o usam de várias
maneiras diferentes. Há liberalismo político, econômico, liberalismo cultural _e
esses termos não são a mesma coisa. As pessoas podem ser um sem ser o outro.
Então, por que usamos o mesmo termo?Os liberais têm sido pró e contra o
liberalismo político, pró e contra o liberalismo econômico e pró e contra o liberalismo
cultural, se você olhar para a verdadeira história do movimento. Então, é óbvio que
nenhuma dessas é a questão-chave. O liberalismo tem sido, desde o início, a
doutrina dos centristas do mundo.
Folha - Entre os conservadores e os movimentos anti-sistêmicos?
Wallerstein - Exato. Tem sido a força dominante. Dizem: "Sim, o comércio é
inevitável, o progresso está chegando e é uma coisa boa, mas ele tem de ser administrado e controlado por experts, e o que a gente tem para oferecer é reforma
administrada". O liberalismo quer começar uma doutrina orientada pelo Estado (e a
idéia de que o liberalismo é contra o Estado é uma loucura absoluta) sobre como
controlar rebeliões em massa, por meio de concessões.Se você pensar no
liberalismo como a doutrina reformista que faz concessões para aplacar o
descontentamento popular, mas sem entregar o jogo e mantendo o sistema, aí pode
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ver o seu sucesso histórico e os problemas que ele enfrenta hoje.Parte do
argumento é que os liberais conseguiram cooptar a oposição: por um lado, os
conservadores, que eram contra qualquer tipo de mudança, e, por outro, os radicais,
que queriam mudanças amplas e rápidas. E assim criou o que eu chamo de
avatares do liberalismo, que podem discutir se querem reformas mais rápidas ou
mais lentas, mas que, basicamente, aceitam as premissas do liberalismo. Isso
controlou a situação política.O último avatar do liberalismo foi o leninismo, que disse
às massas: "Confie em nós, pois, quando chegarmos ao poder, faremos todas as
reformas e, se as reformas não chegarem rápido o suficiente, é porque estamos
sendo atacados, mas esperem e nós chegaremos, logo, na sociedade perfeita".O
meu argumento é que isso foi o que manteve o sistema nos últimos 30, 50 anos e,
quando isso caiu, quando os movimentos anti-sistêmicos _na forma de movimentos
de liberação nacional, comunistas ou até social-democratas_ perderam o apoio
popular, porque eles não conseguiram mudar o mundo, isso provocou a queda do
comunismo. Provocou também a queda da principal ferramenta de controle que as
forças dominantes tinham sobre as massas, que, então, ficaram desiludidas.Elas
não têm mais a crença de que alguma magia ou feitiço vá acontecer e se tornam,
por um lado, contra o Estado e, por outro lado, muito amedrontadas _porque o
Estado está entrando em colapso a sua volta, e há crimes_ e então elas se voltam
ao que eu chamo de "grupismo", que é a criação de grupos que vão prover
segurança contra o perigo.
Folha - Será que o sr. poderia delinear, de forma resumida, suas razões para achar
que o capitalismo está agonizando?
Wallerstein - Eu venho argumentando que o capitalismo está acabando por causa
dos limites impostos à acumulação de capital, de um lado, e do colapso da suasustentação política, de outro.A sustentação política do capitalismo tem sido o
liberalismo que tem especialmente por meio de seu avatar reprimido revoltas
populares. Basicamente, em uma palavra, a sustentação política mais i mportante é a
legitimação do Estado. E a legitimação do Estado passa pela promessa dos
movimentos anti-sistêmicos de que o Estado seria uma ferramenta boa para
transformar o mundo. Eu acho que isso acabou.Então nós vamos às bases
econômicas do sistema, e o sistema existe para a acumulação incessante de capital.
O que eu venho argumentando é que isso está sendo prejudicado por três razões:
um, o nível mundial de salários vem subindo e deve continuar crescendo por causa
da "desruralização" do mundo; dois, o preço da matéria-prima vem subindo por
causa do fim da possibilidade de externalização barata dos custos, essa é a crise
ecológica; e três, o preço da arrecadação de impostos vem subindo mundialmente
_a p orcentag em de dinh eiro recolh ido que é de stinada ao Estad o, por aqui lo q ue e u
chamo de democratização do mundo, à medida que a população pressiona o
Estado para que este lhe propicie saúde, educação e renda perpétua.Então há trêsfatores, em escala mundial, que vem encolhendo as margens de lucro _e vão
continuar a fazê-lo cada vez mais. Por um lado, do ponto de vista dos capitalistas,
vale cada vez menos fazer parte do sistema e, por outro lado, é cada vez mais difícil
de manter legitimidade pol ítica
Folha - Nos próximos 50 an os, o sr. prevê uma série de convulsões sociais...
Wallerstein - À medida que o sistema entra em colapso, a ordem social também rui,
nacional e internacionalmente. Eu prevejo uma série de guerras sangrentas e
inconcludentes, mas também tumultos sociais internos. E, particularmente, eu quero
enfatizar que esses tumultos _normalmente associados a países de Terceiro Mundo,
da periferia_ agora vão acontecer no Norte. Especialmente nos Estados Unidos,
mas também na Europa Ocidental, Japão etc. Será um mundo d esagradável para se
viver; intelectualmente estimulante, politicamente muito interessante e pessoalmente
muito difícil.
Folha - Que tipo de conflitos o sr. vê entre o Norte e o Sul?
Wallerstein - Eu vejo o conflito adotando o que eu chamo da forma Khomeini _uma
dissensão radical de valores, a negação de se jogar pelas regras_; a forma Saddam
Hussein _que é totalmente diferente, é calculadamente geopolítica: "Vamos
aumentar nossos arsenais e desafiar o mundo". E a terceira forma, que eu chamo de
"balseiros" _o caminho individual. Já que nós temos um mundo polarizado social e
demograficamente, nós teremos, inevitavelmente, grandes fluxos migratórios, que
você não consegue segurar. Você pode di minui-los, mas não pode pará-los.
Folha - Migração do sul para o norte?
Wallerstein - É, do sul para o norte. Esses fluxos criarão o tumulto social interno nos
países do norte. A demografia vai mudar, de forma dramática. E não só porque aspessoas irão do Brasil ou da Venezuela para os EUA: haverá uma cascata de fluxos,
que irá mais rápido do que jamais ocorreu, e nós teremos um efeito político mais
radical, por causa de sua velocidade e de seu tamanho.
Folha - O sr. disse uma vez que é impossível para a América Latina desenvolver-se
sozinha.
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Wallerstein - Não era sobre a América Latina. A ideologia liberal é a de que todos os
países estão em estradas paralelas, indo para a frente. É a teoria da modernização...
Então todos podem desenvolver-se, só é preciso que se aja da maneira correta.
Então, nós podemos dizer: "Bolívia, você está numa situação péssima hoje, mas, se
você fizer tudo direitinho, daqui a 30 ou 50 anos, você estará, se não como os EUA,
pelo menos como o Canadá". Agora, dentro da estrutura do mundo capitalista, isso é
"nonsense". O sistema requer polarização e, aliás, floresce nela. É uma questão de
um sistema que é hierárquico. Um Estado em particular pode melhorar sua situação,
mas, no geral, isso significa que alguém tem de piorar, porque a natureza
hierárquica do sistema tem sido persistente desde o começo. E, como todos os
dados mostram, nós estamos mais polarizados do que nunca, em 1999. A diferença
entre os que estão no topo e os que estão embaixo é a maior que já houve. E isso
nunca será solucionado dentro do sistema, senão você não poderia acumular
capital.Então, se você se refere a desenvolvimento nacional, é uma ilusão. Não são
os Estados que se desenvolvem, mas o sistema. E o sistema como um todo está em
crise. Mas a ilusão desenvolvimentista tem muita força, porque, se você vive em um
Estado que não anda tão bem, parece uma idéia maravilhosa que o seu Estado
deva fazer algo. E, para as pessoas que estão no topo, nesses países, é uma boa
forma de conseguir poder político, para apresentar essa ilusão desenvolvimentista.
Mas isso não aconteceu e não vai acontecer.A maioria dos Estados latino-
americanos está na base da pirâmide... alguns estão no meio _o Brasil é claramente
um desses. Mas o Brasil é um país grande. Tamanho importa. Você tem certas
vantagens por ser grande; não só vantagens internas, mas externas. Você tem mais
poder, mais influência. Você ganha a lgumas migalhas como resultado.
Folha - Mas serão sempre apenas migalhas?
Wallerstein - Bem, eu suponho que, se o sistema capitalista fosse existir por mais
150 anos _o que eu não acho que vá acontecer_, talvez o Brasil se tornasse um
grande centro, se a Europa ruísse, ou algo do gênero, o que não é totalmente
impossível, já que nós temos rotações no sistema. Mas não acho que isso vá
acontecer, porque eu nã o creio que o sistema vá durar até lá.
Folha - Então, o que pode ser feito em um país como o Brasil?
Wallerstein - Há 50 anos, você pensava que podia se desenvolver, então adotava
políticas liberais ou políticas socialistas, não importa. Todos achavam q ue esse e ra o
caminho para a salvação. Todos tentaram. Não funcionou muito. Pessoas diziam
que o caminho para a salvação era juntar-se à economia global, mas essa só é a
salvação para um pequeno número, não para as massas.Entretanto as massas têm
sorte, porque em 1999 há mais possibilidades do que havia em 1945, precisamente
porque o sistema está entrando em colapso. Portanto nós teremos a oportunidadede construir uma nova alternativa _e a questão é se ela será melhor ou pior que a
atual. Nós podemos construir uma alternativa melhor. Esse é um desafio para as
pessoas no Brasil e para as pessoas nos Estados Unidos. É um desafio para todos:
construir uma nova estrutura _essa é a principal q uestão política.
Folha - Um país periférico, como o Brasil, pode ter poder suficiente para influir na
construção dessa nova al ternativa?
Wallerstein - Acho que os brasileiros têm tanto poder para afetar onde nós vamos
estar daqui a 25 ou 50 anos quanto as pessoas dos Estados Unidos. Elas podem
até mais, porque o que segura as pessoas nos Estados Unidos e na Europa
Ocidental é um senso de privilégio presente e um medo de perdê-lo e, portanto, elas
tomam decisões insensatas a longo prazo. Como a maioria das pessoas no Brasil
não têm esse medo de perder uma posição privilegiada, elas podem tomar decisões
mais acertadas. Eu nunca defendi a supremacia do Primeiro ou do Terceiro Mundo. Acho q ue n ós todo s estamos juntos nessa.
Folha - Presumindo-se que o sistema capitalista não desapareça nos próximos 100
anos, aí então haveria a possibilidade de mudança significativa?
Wallerstein - Quer dizer, se eu estiver completamente errado, outras coisas podem
acontecer? (risos). Sim, podem. Eu não posso especular. Faço a melhor anál ise que
posso e, assim como outros analistas, posso não e star certo.
Folha - Uma de suas razões para acreditar na falência do capitalismo é a crença de
que o mundo piorou, não só em termos relativos, mas absolutos, desde o início do
que o sr. chama de capitalismo histórico. O sr. poderia explicar como consegue
medir essa falência?
Wallerstein - É muito difícil de medir. Você tem de medir em termos de quantidadereal de comida para comer, de espaço para usar, de recursos naturais para
aproveitar e até longevidade. Eu não estou completamente convencido de que a
longevidade aumentou. Claro que sim, estatisticamente, mas muito desse aumento
tem a ver com a sobrevivência infantil, entre as idades de 0 a 1 ano e de 0 a 5 anos.
Não estou muito convencido de que as pessoas que atingem os 5 anos vivem mais
do que elas viviam antigamente. E, você sabe, as pessoas têm televisão agora, o
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que elas não tinham cem anos atrás, mas possuíam outras formas de divertimento.
As pessoa s vivem em uma favela urban a e antes elas moravam em uma caban a
agrícola _qual é melhor? Nós temos um trabalho difícil de medir qualidade de vida.
As pe ssoas morriam por razões diferen tes; se essas são melho res o u p iores do que
as razões (ou doenças) pelas quais se morre agora, eu não sei.Digamos que sou
uma voz dissidente sobre a obviedade das melhorias do capitalismo. Não há
dúvidas de que, para pessoas da classe média alta, suas vidas são melhores do
que as das pessoas de mesmo nível comparadas a cem anos atrás. E, normalmente,
nós estamos olhando para nós mesmos quando fazemos esse tipo de afirmação de
que o capitalismo melhorou a qualidade de vida. Mas, se você olhar para as
pessoas das classes mais baixas, a coisa não é tão óbvia.
Folha - O sr. mencionou Fernando Henrique Cardoso. O que pensa de seu
governo? Suas ações no poder tem surpreendido o sr., que o conheceu na condição
de intelectual?
Wallerstein - Ele tomou a decisão política de mover para o centro, que pensa ser a
melhor para a situação b rasileira. Até agora tem recebido apoio pop ular.
Folha - Que caiu muito depois da desvalorização do Real.
Wallerstein - Bom, isso sobe e desce. Deixe eu dizer isso: FHC é um homem muito
esperto, e as decisões que ele tomou são decisões pensadas, refletidas, e são as
decisões que ele acha as mais acertadas. Talvez não sejam as decisões que eu
tomaria.
Folha - O sr. poderia colocar o trabalho intelectual dele em perspectiva?
Wallerstein - Como sociólogo, ele é uma figura importante, foi um dos primeiros
"dependentistas"; seus escritos foram bastante influentes. Ele então se moveu de
uma posição dependentista clássica para o que ele chamou de desenvolvimento
dependente. Os dependentistas diziam que desenvolvimento nacional é impossível,
e Cardoso mudou sua postura para dizer que o desenvolvimento era possível, caso
houvesse um Estado forte.Essa posição o levou de uma posição de dependentista
para uma variável da teoria da modernização. Essa foi a mudança intelectual que
ele fez, e dela resultaram as óbvias mudanças políticas que também fez. Mas como
intelectual tem sido influente; é certamente um dos mais importantes sociólogos do
pós-guerra.
Folha - Então sua política não o surpreende, pois o sr. a vê como congruente com
sua mudança intelectual?
Wallerstein - Deixe eu colocar da seguinte forma: sua política atual está muito longe
de sua posição intelectual dos anos 50, mas eu não estou muito certo de que elas
sejam muito diferentes de sua postura do começo dos anos 70. Ele mudou, em
resultado da reavaliação que fez a respeito do que acontecia no mundo. Então, a
sua política de hoje me parece consistente com a sua postura intelectual desde,
pelo menos, o início dos anos 70.
Folha - Que tipo de cená rio teríamos, no mundo, depois do colapso do capitalismo ?
Wallerstein - É muito arriscado fazer projeções para o cenário futuro, de como o
mundo será em 2050, ou por aí. De modo geral, podemos distinguir entre duas
formas genéricas. Uma é a forma relativamente democrática e igua litária, e a outra é
uma forma hierárquica, desigual. Cada uma pode tomar múltiplos formatos.Nos
últimos 10 mil anos, com algumas exceções, nós temos tido um sistema hierárquico,
com vários formatos diferentes. Pode ser que inventem mais um, novo. Ou pode ser que voltemos a usar um antigo: um sistema neofeudal, ou neofascista, ou neo-
imperalista.Nós nunca tivemos um sistema relativamente igualitário. Pode ser que,
quando tínhamos unidades sociais pequenas, há 10 mil anos, elas tenham sido
relativamente igualitárias. Nós não sabemos, na verdade. Mas o que funcionou para
200 pessoas pode não funcionar para 6 bilhões.Como um sistema relativamente
igualitário iria realmente funcionar, que tipos de instituições nós teríamos que
desenvolver para resolver os problemas atuais? Eu não sei ao certo. Eu acho que
teria que ser relativamente descentralizado e não poderia ser orientado para o
lucro.Nós temos alguns tipos de instituições, nos últimos 200 anos, que podemos
tentar copiar: se você pensa como uma universidade, ou um hospital funciona.
Internamente, elas são semi-autoritárias, mas permitem grande autonomia para
seus profissionais. Seu objetivo não é lucrar. A razão pela qual as pessoas
trabalham duro nessas instituições não é o dinheiro, mas outras razões: prestígio,
pressão social etc. Pode-se tentar estender esse princípio para todos os tipos de
atividade produtiva. Eu estou tentando pensar na usina de aço que não visasselucrar...
Folha - Como ela funcionaria?
Wallerstein - Aí você tem a questão de hierarquia interna. Você tem tido muita
pressão, nos últimos cem anos, por democratização interna. Estamos chegando lá,
-
8/17/2019 _A Ruína Do Capitalismo_ - Entrevista Com Immanuel Wallerstein
6/6
27/04/2016 "A Ruína do Capitalismo" - Entrevista com Immanuel Wallerstein | Programa de Pós-Graduação em Geografia - UFF
http://www.posgeo.uff.br/ruina-do-capitalismo-entrevista-com-immanuel-wallerstein 6/6
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devagarinho. Como é que elas iriam funcionar? Não sei. Teríamos que ir
descobrindo pelo caminho. Por isso é que eu não sou um utopista. Acredito em
tentativa e erro. Mas rejeito a idéia de que é impossível termos um sistema
relativamente não-hierárquico, relativamente democrático, relativamente igualitário
_acho que pode ria funcion ar, e em grande escala . Nesse sentido eu sou otimista:
acredito na maleabilidade da natureza humana; na capacidade de construir novas
estruturas que realmente funcionem.
Folha - Quais são as suas razões para ser otimista em relação ao futuro?
Wallerstein - É um otimismo irracional.
Entrevista extraida de Folha de Sao Paulo, domingo 17 de octubre de 1999.
Autor: Gustavo Opschpe. Origen del texto: Especial para Folha Editoria:
MAIS!; pgs. 5-9
Disponível em:
. Acesso
em: 15 out. 2012.
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