A politica Eclesiastica de Hodge Refutada por Thornwell

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O presente artigo em formato de livro apresenta a refutação do Dr. Thornwell frente ao pronunciamento do Dr. Hodge sobre o sistema de governo presbiteriano na assembleia presbiteriana de 1859. Visite o site: ospuritanos.org e baixe a versão do ebook.

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A Política Eclesiástica de Charles Hodge Refutada por James Henley Thornwell

Excerto do periódico The Collected Writings of James Henry Thornwell, Vol. 4, Ecclesiastical.

Direitos reservados ao Projeto Os Puritanos © 2013

Permite-se o compartilhamento e as citações desse material desde que as fontes sejam claramente citadas.

Editor: Manoel CanutoTradutor: Wadislau Martins GomesDesigner: Heraldo Almeida

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Sumário

CONCÍLIOS E PRESBITERIANISMO 4

I. SUA DECLARAÇÃO 7

A doutrina contraposta pelo Dr. Hodge 15

II. SUA ACUSAÇÃO 25

III. SEUS COMENTÁRIOS 27

EXAME DA TEORIA DE HODGE 36

1. Lugar do povo 37

2. Lugar do Presbítero 43

O título oficial do ancião regente no N.T. 49

Governo por concílios ou por oficiais 61

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CONCÍLIOS E PRESBITERIANISMO

Quando Milo foi levado a juízo pelo assassinato de Cláudio, Cícero apresentou-se como seu advogado, mas o grande orador ficou tão intimidado pelo alvoroço da multidão e

pelo grupo de soldados que Pompeu havia introduzido no fórum, que perdeu a presença de espírito, e em vez da esplêndida defesa esperada, ele sofreu uma derrota miserável e vergonhosa. Seu desafortunado cliente foi condenado e enviado para o exílio. Em parte para aplacar seu orgulho ferido e em parte como sinal de simpatia para com seu amigo, Cícero, subsequentemente, escreveu o discurso que deveria ter proferido e o transmitiu a Milo. Este ficou agradecido que Cícero não o tivesse apresentado, pois ele provavelmente o teria salvado do exílio e privado do luxo do delicioso peixe que ele então desfrutava em Marselha.

O Dr. Hodge, é claro, não estava assim intimidado na última Assembleia [1859] por nenhuma das circunstâncias que atemorizou o orador romano, mas, ainda assim, ele falhou, tanto quanto Cícero, na apresentação do tipo de discurso que se esperava dele. Consciente desse fato, após retornar à sua casa, ele se recolheu ao escritório, reviu suas bases, recobrou-se dos seus infortúnios, e o artigo resultante está aqui diante de nós, o qual pode ser tomado como uma edição revisada do discurso que ele deveria ter proferido. É um tanto pior do que um desabafo de humilhação. Traz as marcas de uma rancorosa ebulição de ressentimentos. A maneira que ele distorce as nossas opiniões é tão persistente e severa que a própria caridade, dificilmente, poderia ser persuadida de que não seja algo de propósito; e as insinuações de caráter pessoal são tão sem generosidade que se torna impossível atribuí-las a causas acidentais.

A falta de imparcialidade e, sobretudo, de justiça é tanta que hesitamos por um momento pensando se estávamos diante de um antagonista que se mantinha desobrigado das mais sagradas obrigações de um debate refinado e honrado. Confessamos que

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o artigo causou-nos grande desgosto. Sentimo-nos mais feridos por termos sido pegos de surpresa. Assim que percebemos que havíamos dito algo pessoalmente ofensivo contra o Dr. Hodge, na última Assembleia, fizemos uma retratação pública e sincera. Tivemos a impressão de que nossas explicações haviam sido aceitas. Despedimo-nos dele com nada mais no coração do que sentimentos de afabilidade.

Durante nossa ausência do país, tivemos ocasião de pagar mais de um tributo ao seu valor como acadêmico, professor e teólogo, e o fizemos de modo caloroso e honesto. Não suspeitávamos do estado de coisas que havia em sua mente em relação a nós mesmos. Jamais nos passou pela cabeça que, enquanto contribuíamos para o fortalecimento de sua reputação lá onde estávamos, e reputação grandemente merecida, fôssemos objeto de desafetos e de ressentimentos em sua casa, o que, eu acho, não reflete honra sobre a magnanimidade do homem, para não falar da sua generosidade de cristão. Nossa avaliação da hostilidade do seu artigo não se escuda em nosso próprio julgamento. Fomos respaldados pela opinião de irmãos cujo julgamento respeitamos, alguns daqui e outros de lugares distantes, e todos eles concordaram que o artigo parecia ter sido deflagrado pelo orgulho ferido e pelo ressentimento pessoal.

Conquanto nossa relação pessoal com o Dr. Hodge possa estar abalada, nada nos levará a cometer injustiça em relação a sua excelência. Ele é um acadêmico, um crítico e um expositor de preeminentes habilidades. Seus comentários são um privilégio para a Igreja e para o país. Nas áreas adequadas ao seu gênio, não há quem lhe seja superior. Mas há áreas a que ele não se adapta. Seja porque o Dr. Hodge jamais tenha sido pastor e conheça pouco sobre o funcionamento do nosso sistema, ou porque a sua mente seja do tipo que se recusa a lidar com coisas práticas e concretas, o que ocorre é que ele jamais tocou numa questão relacionada à natureza e organização da Igreja, sem que fosse, estranhamente, infeliz no seu trato. Mencionar exemplos não vem ao caso. O artigo em questão fornece prova suficiente.

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Respondendo ao artigo, limitar-nos-emos a dois títulos gerais: I. Restrições sobre as representações do Dr. Hodge no debate da última Assembleia; e, II. Um exame de sua teoria modificada do presbiterianismo.

I. Sob o primeiro título, consideraremos três coisas: 1. Sua declaração do ponto preciso da questão em debate; 2. Sua acusação de que, na condução do debate, nós fugimos da questão; e 3. Seus comentários das nossas objeções à sua teoria do presbiterianismo, a qual ele expôs na Assembleia.

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I. SUA DECLARAÇÃO

Quanto ao ponto preciso da questão em debate, o Dr. Hodge está enganado ao supor que negamos à Igreja, absolutamente, todo o poder de julgar. Argumentamos que,

como uma instituição indiscutível, com uma constituição escrita, ela está limitada pelo ensino expresso ou implícito da Palavra de Deus, o padrão de toda sua autoridade e de seus direitos; que, quanto à esfera da doutrina ela não tem opiniões, mas uma fé; assim também na esfera da prática ela não age conforme aquilo que é conveniente, mas possui uma lei. Seu poder é somente ministerial e declarativo. Todo o seu dever se resume em crer e obedecer. Nós, é claro, insistimos, em conformidade com esse entendimento, que aquilo que não é ordenado, expressa ou implicitamente, é ilegal. Repudiamos a doutrina de que tudo o que não é proibido seja permitido. Segundo nosso entendimento, a lei da Igreja é aquela afirmativa, de conformidade com a Escritura; ao passo que, segundo o entendimento que condenamos, é aquela negativa, de não contradição da Escritura. O que dizemos é que, a Igreja, antes de poder agir, tem de provar não apenas que não é proibida de fazê-lo, mas tem de provar também que recebeu ordens para agir — tem de apresentar uma permissão. Por isso, negamos absolutamente que ela tenha qualquer liberdade de ação com respeito às coisas não ordenadas. A Igreja não pode proclamar leis que Cristo não tenha ordenado, não pode instituir cerimônias que Ele não tenha indicado, não pode criar funções que ele não tenha prescrito e não pode exigir nenhuma obediência que Ele não tenha ordenado. Ela não invade o vasto domínio daquilo que Ele deixou sem expressão clara nem cerceia, por sua própria autoridade, a consciência naquilo em que Ele deu liberdade.

Mas isso quer dizer que a igreja não tem absolutamente nenhum poder de julgar? Pelo contrário, afirmamos distinta e repetidamente que ela tem liberdade de ação na esfera das coisas ordenadas — uma liberdade determinada pela natureza das ações

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e pelo princípio divino de que todas as coisas sejam feitas com decência e ordem. Esta declaração se encontra no relato de nosso discurso, na página 362 deste periódico, datado de julho de 1860.( 1 ) Fica implícito no relato do mesmo discurso no Princeton Review da mesma data. É errado, portanto, dizer que excluímos “todo poder discricionário” da Igreja. Apenas o limitamos e definimos. Jamais negamos que a Igreja tenha o direito de estabelecer a hora dos cultos públicos, as ocasiões e os lugares para as reuniões de seus concílios, o número de representantes de que devem se compor, e os territórios que devem compreender. Nossa doutrina é precisamente a da Confissão de Westminster, de João Calvino, de John Owen, da Igreja Livre da Escócia e do nobre exército de puritanos mártires e confessores.

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito nem por tradições dos homens”.( 2 )

Esta é, claramente, a nossa doutrina da lei de conformidade inegável com a Escritura como medida do dever da Igreja. Além disso:

“Só Deus é Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam contrários à sua Palavra, ou que, em matéria de fé e culto, estejam fora dela”.( 3 )

Somos ensinados aqui, claramente, que o silêncio da Escritura é uma proibição tão real quanto uma ordem expressa para se abster de algo. A Igreja não tem jurisdição sobre aquilo que Deus não ordenou. Agora, quanto à real natureza da sua liberdade de ação, continua o cap. 1, sec. 6 dessa venerável Confissão:

1 Pág. 219 deste volume.2 Confissão de fé de Westminster, cap. 1, sec. 6, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1994.3 Ibidem, cap. 20, sec. 2.

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“Reconhecemos entretanto ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas”.

Aqui, a liberdade de ação é limitada a algumas circunstâncias... comuns às ações e sociedades humanas. Assim, surge uma questão: Qual é a natureza dessas circunstâncias? Uma olhada nos textos-prova nos quais se baseiam as doutrinas nos fornece a resposta: Uma circunstância é aquela concomitante a uma ação sem a qual ela não pode ocorrer em absoluto, ou não pode ocorrer com decência e decoro. O culto público, por exemplo, requer assembleia pública e, em assembleias públicas, as pessoas devem se apresentar trajados de alguma forma e com alguma postura. Se, por causa do traje, elas irão chocar algum sentimento ou se conformar à prática comum, se permanecerão em pé, assentadas ou deitadas, se cada qual terá a liberdade de determinar sua própria atitude — tudo isso são circunstâncias: são acompanhamentos necessários à ação, e a Igreja tem liberdade para regulá-las. As assembleias públicas, sobretudo, não podem ser realizadas sem que se afixe o tempo e o lugar da reunião: estas são, também, circunstâncias que a igreja tem liberdades para regular. Assembleias parlamentares não podem transacionar negócios com eficiência e despacho — na verdade, não podem transacionar decentemente — sem o concurso de comissões.

Comissões, portanto, são circunstâncias comuns a sociedades parlamentares, as quais a Igreja, em seus parlamentos, tem liberdade de indicar. Todos os detalhes de nosso governo em relação à distribuição de concílios, o número necessário para se constituir quorum, o tempo das reuniões, a maneira como elas devem ser abertas, tudo isso e outras coisas mais são circunstâncias, as quais, portanto, a Igreja tem plena liberdade

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de organizar. Temos de distinguir cuidadosamente quais circunstâncias acompanham ações como ações, isto é, quais são aquelas sem as quais as ações não podem ocorrer — e aquelas que, embora não sejam essenciais, são adicionadas como apêndices. Estas últimas não caem na esfera de jurisdição da Igreja. Ela não tem o direito de indicá-las. São circunstâncias no sentido de que não pertencem à substância do ato. Não são circunstâncias no sentido de estarem tão envolvidas no ato que não possam ser separadas deles. A liturgia é uma circunstância desse tipo; do mesmo modo, o sinal da cruz no batismo e o ajoelhar-se ao nome de Jesus. Owen observa essa distinção.( 4 )

O ponto de vista de Calvino sobre a natureza e as limitações da liberdade de ação da Igreja é exatamente o mesmo da Confissão de Fé de Westminster.( 5 )

Temos, portanto, uma marca excelente e segura para se distinguir entre essas estruturas ímpias (pelas quais, já dissemos, a verdadeira religião é destruída e a consciência é subvertida) e as observâncias legítimas da Igreja, se nos lembrarmos de que uma de duas coisas, ou ambas, são sempre intencionadas, ou seja, que na santa assembleia dos fiéis, todas as coisas devem ser feitas com decência e dignidade; e que a sociedade humana deve ser mantida em ordem por certos limites de moderação e humanidade.

Depois de explicar o que para ele significa decência e ordem, Calvino prossegue, dizendo:

Como há perigo aqui — por um lado, de que falsos bispos possam derivar disso um pretexto para suas leis ímpias e tiranas, e por outro lado, que alguns, tendentes a se alarmar, possam, com medo de que isso ocorra, não deixar espaço para leis, ainda que santas — é apropriado declarar que dessas instituições humanas eu aprovo apenas as que se fundamentam na autoridade de Deus e derivam da Escritura,

4 Vol. xix, pág. 437.5 Institutas, IV, x, 38-30.

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sendo portanto divinas. Tomemos, por exemplo, a ação de dobrar os joelhos durante as orações públicas. Pergunta-se: é uma tradição humana que qualquer um pode repudiar ou rejeitar? Digo que é humana e, ao mesmo tempo, divina. Ela procede de Deus, uma vez que faz parte da decência, do cuidado e da observância daquilo que é recomendado pelos apóstolos; e é de procedência humana, uma vez que determina especificamente aquilo que é indicado de modo geral em vez de, apenas, exposto. A partir desse exemplo, podemos julgar toda a classe a que pertence esta matéria, ou seja, que o conteúdo todo da justiça e todas as partes do culto a Deus, e todas as coisas necessárias à salvação, o Senhor incluiu fielmente, e claramente revelou nos seus oráculos, de modo que, neles, Ele seja o único Senhor a ser ouvido. Como, porém, Ele não se agradou de prescrever cada item particular em relação à disciplina externa e às cerimônias, aos quais devamos obedecer (Ele previu que isso dependeria da natureza dos tempos e que uma só forma não seria adequada a todas as épocas), temos de recorrer, quanto a elas, às regras gerais que ele deu, empregando-as para testar aquilo que a necessidade da Igreja requer a fim de manter a decência e a ordem. (Institutes, livro IV, c. 10, §§ 28, 30.)

Em outras palavras, a noção de Calvino e da nossa Confissão de Fé, em resumo, é esta: No culto público, na verdade em todas as ações externamente ordenadas, há dois elementos — um fixo e, outro, variável. O elemento fixo, envolvendo a essência da coisa, está além do arbítrio da Igreja. O elemento variável, envolvendo apenas as circunstâncias da ação, seus incidentes separáveis, pode ser mudado, modificado ou alterado, conforme as exigências do caso. As regras do convívio social e das assembleias solenes variam em diferentes países. A Igreja acomoda seus arranjos de modo que não estremeça o senso público de decência. Nos lugares onde as pessoas tomam as suas refeições deitadas, a Igreja deve administrar a Ceia do Senhor aos comungantes nessa mesma posição. Onde eles ficam assentados,

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ela deve administrá-la desse modo.

O Dr. Cunningham, o nobre diretor do Free Church College em Edimburgo, e um dos primeiros teólogos acadêmicos da Europa, não teve escrúpulos de ensinar a mesma doutrina já no século dezenove:

“Das perspectivas geralmente aceitas pelos reformadores sobre o tema da organização da Igreja, há duas que sempre foram muito ofensivas ao homem de tendências frouxas e liberais, a saber, a alegada ilegalidade de se introduzir, no culto e no governo a Igreja, qualquer coisa que não seja positivamente assegurada na Escritura, e a obrigação permanente e limitadora da forma de governo da Igreja. O segundo desses princípios pode ser considerado, em um de seus aspectos, como abrangido pelo primeiro. Contudo, pode ser apropriado fazer algumas observações sobre cada um, na ordem em que foram mencionados.

Os segmentos luteranos e anglicanos da Reforma mantinham uma visão mais frouxa desses assuntos do que aquela que Calvino reconhecia. Geralmente afirmavam que a Igreja tem permissão de introduzir inovações no governo e no culto, as quais devem ser adequadas ao uso, desde que não sejam expressamente proibidas ou desaconselhadas, recaindo, então, o onus probandi, no que concerne à Escritura, sobre aqueles que se opõem à introdução de inovações. O segmento calvinista da reforma, seguindo seu grande mestre, adotou uma regra mais restrita, e é de opinião que havia indicação suficiente e certa na própria Escritura de que estava na mente e vontade de Cristo que nada deveria ser introduzido no governo e no culto da Igreja, a menos que uma autorização clara pudesse ser achada na Escritura. Esse princípio foi adotado e colocado em prática pelos puritanos ingleses e pelos presbiterianos escoceses; e nós estamos persuadidos de que este é o único princípio verdadeiro e seguro a ser aplicado a este assunto.

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O princípio é, em certo sentido, bastante amplo e abrangente. Mas é puramente proibitivo ou exclusivo; e seus efeitos práticos, se forem aplicados, deixariam a Igreja na condição em que foi deixada pelos apóstolos, pelo menos quanto ao que temos de informação; um resultado, certamente, que não deve ser muito alarmante, exceto para aqueles que pensam que eles mesmos têm poderes superiores para melhorar e adornar a igreja com suas faculdades inventivas. O princípio deveria ser entendido segundo um senso comum, e deveríamos nos satisfazer com a razoável evidência de sua verdade. Aqueles que não gostam desse princípio, por qualquer razão, geralmente, tentam nos colocar em dificuldades formulando construções forçadas sobre a matéria e, assim, dando-lhe uma aparência absurda ou exigindo uma quantidade desmedida de evidência para estabelecê-la. O princípio deve ser interpretado e explicado no exercício do senso comum. Uma modificação óbvia é sugerida no primeiro capítulo da Confissão de Westminster, onde se reconhece que “há algumas circunstâncias, quanto ao culto a Deus e quanto ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas”. Mas mesmo essa distinção entre coisas e circunstâncias não pode ser aplicada com tanta certeza; isto é, têm ocorrido casos nos quais talvez houvesse espaço para uma diferença de opinião, quer a coisa a ser feita fosse uma regulamentação ou arranjo proposto no sentido da inovação quer fosse, meramente, uma circunstância ligada a uma coisa já autorizada que precisasse de regulamentação. Podem surgir dificuldades e diferenças de opinião sobre detalhes, mesmo quando o juízo idôneo e o bom senso fundamentam a interpretação e a aplicação de princípios; mas isso não é base para negar a verdade ou idoneidade do próprio princípio ou duvidar dele”.( 6 )

Essas citações são suficientes para mostrar que a doutrina 6 The Reformers and the Theology of the Reformation, págs. 31, 32.

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que defendemos na Assembleia Geral, referente ao poder e liberdade de ação da Igreja, longe de ser uma “teoria peculiar do presbiterianismo” é a doutrina de nossos padrões reformados, do príncipe dos reformadores, e a doutrina dos idôneos expoentes do presbiterianismo de além mar. Se estivermos errados, não há razão para nos envergonhamos da nossa companhia.

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A doutrina contraposta pelo Dr. HodgeDr. Hodge afirma que, além das prescrições inegáveis da Escritura, a Igreja tem vasta liberdade de ação delimitada apenas pelas proibições positivas dessa mesma Escritura; que as regras da Escritura são gerais e regularizadoras e não constitutivas e prescritivas; que, consequentemente, a Igreja não está restrita a um modo único de organização, mas pode mudar suas formas segundo as exigências dos tempos e das circunstâncias. “Há leis fixas indicadas por Deus, segundo as quais é regulado todo o desenvolvimento sadio e normal do corpo. Assim é, também, com respeito à Igreja. Há leis fixas na Bíblia, segundo as quais são estabelecidos todo desenvolvimento sadio e toda ação da Igreja visível. Mas, assim como nos limites das leis que controlam o desenvolvimento do corpo há uma infinita diversidade entre diferentes raças adaptando-as a diferentes climas e modos de vida, assim acontece também na Igreja. Ela não está presa a um modo específico de organização e ação a todo tempo e sob toda circunstância”.( 7 ) Contanto que a Igreja se mantenha dentro dos limites dessas leis gerais, ela pode criar novas funções, estabelecer novas cortes e ordenar novos órgãos e organizações, como desejar. O limite de sua liberdade de ação é o princípio de não contradição da Escritura. Ela não é obrigada a fornecer provas — um “assim diz o Senhor”, para tudo o que ela faz. Não; mais ainda, ela tem o direito de delegar poderes. Ela não é obrigada a exercer seus poderes “por meio de funções e órgãos prescritos na Escritura”. Se ela quiser, está legalmente autorizada para indicar um representante; assim, a doutrina oposta é apenas um elemento de uma “teoria peculiar do presbiterianismo”.

Essas pretensões são espantosas; carregam no seio a tirania mortal da prelazia e do papado. O Dr. Hodge sustém os mesmos princípios — apenas um pouco mais extravagantes — que aqueles mantidos por Hooker em seu terceiro livro, Eclesiastical Polity; e ostenta contra nós as mesmas objeções que Hooker levantou contra os puritanos de seus dias. Ele quer que o leitor 7 Princeton Review, Julho de 1860, pág. 552 e Apêndice B do vol. ao qual pertence este trabalho, pág. 620.

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apreenda, distintamente, o ponto em questão. O caso não é, como o Dr. Hodge apresenta, se a Igreja tem qualquer liberdade de ação — isso é reconhecido por ambos os lados — mas de qual é a medida ou limite dessa liberdade. Nós cremos que esse limite são as circunstâncias relacionadas aos deveres ordenados e, consequentemente, afirmamos que tudo aquilo que não é ordenado é proibido. Ele crê que os limites residem somente nas ações e afirma que tudo aquilo que não é proibido é legal. Nós consideramos a Igreja como um agente auxiliar; ele a considera como um agente confidencial de Deus. Nós cremos que sua organização é ordenada; ele crê que sua organização deve ser desenvolvida. Ele afirma que qualquer sistema que estabeleça a paridade do clero, os direitos do povo e a unidade da Igreja, é governo jure divino; já nós dizemos que, se tais princípios forem estabelecidos de outro modo que não o governo por meio de presbíteros e presbitérios, esse governo não é bíblico. Não é o nosso propósito argumentar aqui essa questão; nosso objetivo é apenas colocar a matéria em discussão sob uma luz mais clara.

Não obstante, há duas ideias capciosas em relação a este assunto, as quais devemos refutar em nome da verdade. Diz-se, geralmente, que os princípios essenciais do governo da Igreja estão declarados na Escritura, mas não os detalhes: estes são deixados para serem tratados pela prudência e liberdade de ação humanas. Essa afirmação é ambígua. Princípios gerais são classificados em dois tipos — reguladores e constitutivos. Princípios reguladores definem somente os fins a serem atingidos ou as condições a serem observadas; princípios constitutivos determinam as formas concretas nas quais os fins devem ser executados. O que é regulador expressa o espírito de uma forma de governo; o que é constitutivo expressa a forma dessa forma de governo. Por exemplo, é um princípio regulador que todo governo busque o bem dos seus súditos; é um princípio constitutivo que o poder deva ser colocado nas mãos de tais e tais oficiais e dispensado por tais e tais cortes. Princípios reguladores nada definem quanto ao modo de sua

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própria demonstração; princípios constitutivos determinam os elementos de uma política de fato.

Quando se diz, portanto, que apenas os princípios gerais de governo da Igreja são apresentados na Escritura e não os seus detalhes, referindo-se a princípios constitutivos, a sentença é perfeitamente justa — contém, precisamente, a verdade. Os princípios essenciais, nesse caso, significam nada mais que a prescrição clara da Escritura em relação aos ministros e tribunais da Igreja; os detalhes significam as circunstâncias comuns às ações humanas e à sociedade, cuja regulamentação está, reconhecidamente, dentro da jurisdição da Igreja. Se, contudo, a alusão se refere aos princípios reguladores, os quais prescrevem os fins sem se referir aos meios e sem trazer nada de definitivo quanto ao modo concreto de execução, então a proposição certamente é falsa; nesse caso, a Escritura desce ao que deveria ser considerado como detalhe. Apontamos essa ambiguidade a fim de que nossos leitores não sejam enganados pelas palavras.

O Dr. Hodge usa a expressão princípios gerais para significar leis reguladoras. Os escritores presbiterianos geralmente entendem esses princípios como aquilo que temos chamado de princípios constitutivos. Por essa razão, o fato de alguém limitar o ensino da Escritura quanto ao governo da igreja a princípios gerais, com a exclusão dos detalhes, não quer dizer que esse alguém concorde com o Dr. Hodge. Nós mesmos temos feito isso, e esperamos fazê-lo de novo com frequência; porém com a expressão princípios gerais queremos sempre nos referir aos que são constitutivos e prescritivos. Nós cremos que o Novo Testamento colocou o governo da Igreja permanentemente nas mãos dos presbíteros e dos presbíteros somente, e que ela não tem autoridade de criar nenhuma outra função: esse é um princípio geral — prescritivo e não apenas regulador. Cremos que o Novo Testamento requer esses presbíteros para se constituírem as assembleias parlamentares, e que o poder de governo reside nesses concílios — este é outro princípio geral — também prescritivo e não apenas regulador; e a Igreja não tem

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o direito de estabelecer nenhum outro tribunal espiritual senão o presbitério. Quando, porém, se trata da constituição desses concílios, o número de presbíteros que constituem tais concílios, o território sob sua jurisdição, o tempo e o lugar dessas reuniões

— esses são detalhes, circunstâncias sem as quais a existência e as reuniões dos concílios seriam impossíveis; e, como circunstâncias inseparáveis dos deveres ordenados, elas são discricionárias. Consequentemente, essa forma de expressão não é nenhuma contradição da doutrina que já apresentamos. Com base na teoria do Dr. Hodge, nós podemos ter outras funções espirituais além daquelas que foram especificamente designadas na Escritura: podem existir outros tribunais juntamente com aqueles compostos exclusivamente de presbíteros. Contanto que não violemos a uniformidade do clero, não excluamos o povo nem quebremos a unidade da Igreja, podemos nos organizar tão ampla e livremente quanto o exige a época em que vivemos.

A outra ideia capciosa é a de que nossas doutrinas reduzem a Igreja a algo parecido com o jugo judaico. O Dr. Hodge afirma que “isso torna a dispensação do evangelho, planejada para o mundo todo, mais restritiva e escravizadora do que o judaísmo, embora este tenha sido planejado para uma só nação e por um período limitado”.( 8 ) Outros oradores da Assembleia caíram na mesma prosa fútil. A questão é simplesmente: O que era o jugo da dispensação judaica? Será que era a sujeição do povo à vontade de Deus? Teria sido o seu penoso e intolerável fardo o fato de serem forçados a regular seu culto pela Palavra de Deus? Porventura a autoridade de Deus é um jugo tão pesado que devemos suspirar até nos livrarmos dele? O que se poderia pensar é que a grande vantagem dos judeus era que eles sabiam que o seu culto era aceitável porque era prestado como estava prescrito. Moisés evidentemente considerou isso como um favor singular, que o Senhor estava próximo deles e os dirigia em todos os seus caminhos. Ele não conhecia nada dessa liberdade que considera o homem como escravo se não lhe é permitido andar segundo a luz dos seus próprios olhos e segundo a imaginação 8 Princeton Review, julho de 1860, pág. 518. Apêndice B deste volume.

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do seu próprio coração. O jugo judaico não consistia no princípio de que a revelação positiva de Deus era a medida do dever — esta era sua luz e sua glória — mas na natureza das coisas impostas.

O jugo eram a exatidão e os detalhes do ritual, da rotina enfadonha dos cultos, dos intermináveis ritos e cerimônias

— essas coisas constituíam o jugo judaico do qual Cristo libertou Seu povo. Ele não nos emancipou da orientação e da direção de Deus; Ele não legitimou nenhuma espécie de culto conforme a nossa vontade, mas prescreveu um culto simples e despretensioso, um culto em espírito e em verdade. A vontade de Deus é tão nossa lei e glória como o era para os judeus; mas a vontade de Deus é cumprida agora em cultos fáceis e prazerosos. Aqueles que argumentam que todas as coisas devem ser feitas sob a expressa garantia divina podem ser acusados de colocar jugo no pescoço do povo crente, baseados apenas na suposição de que o culto ordenado no evangelho é análogo ao culto da lei. A verdade é que o único culto que se aproxima do jugo existe entre aqueles que mantêm o princípio do Dr. Hodge. A prelazia e o papado têm seus rituais e cerimônias, mas os puritanos de todo o mundo têm se distinguido pela simplicidade de seu comportamento. Eles têm se mantido firmes na liberdade para a qual Cristo os libertou, e têm ido à forca e à fogueira para não se colocarem de novo sob o jugo da escravidão cerimonial.

Antes de concluirmos esta parte da matéria, há uma declaração do Dr. Hodge em relação aos puritanos tão extraordinária que devemos atentar para ela por um momento:

O Dr. Thornwell nos disse que os puritanos se rebelaram contra a doutrina de que aquilo que não é proibido nas Escrituras é permitido. Ele disse que foi contra a teoria da liberdade de ação que nossos pais levantaram suas vozes e armas. Nós sempre tivemos ideia diferente sobre esse assunto. Cremos que foi em resistência a essa mesma doutrina de inferência que eles derramaram seu sangue como

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água.( 9 )

Ao lermos este notável trecho pela primeira vez, arregalamos os olhos e pensamos que se tratasse de um erro. Era tão flagrantemente inverídica que não podíamos imaginar como o Dr. Hodge teria se enganado. Não conseguimos encontrar uma única confissão de fé puritana que não ensine explicitamente que as inferências necessárias da Escritura têm autoridade igual às de suas declarações expressas; nem encontramos um só escritor puritano que, tendo oportunidade de referir-se a esse assunto, não ensine explicitamente a mesma coisa. Eles afirmam unanimemente o princípio da inferência. Nossa própria Confissão de Fé — certamente um documento puritano — faz isso numa passagem já citada:

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela”.

Não querendo exagerar no uso de citações sobre um ponto tão claro, nos contentaremos com um pequeno extrato das palavras de Neal, que mostra que o Dr. Hodge não está enganado somente quanto a esta questão, mas quanto a diversas outras referentes a esses distintos homens.

Diz esse historiador, contrastando os reformadores da corte e os puritanos: “Todos chegaram ao entendimento de que a Santa Escritura é uma perfeita regra de fé; mas os bispos e os reformadores da corte não a reconheceram como um padrão de disciplina ou de governo de Igreja, mas declararam que nosso Salvador e Seus apóstolos deixaram isso ao critério dos magistrados civis nos lugares onde o cristianismo prevalecesse para ajustarem o governo da Igreja à política do Estado. Mas os puritanos entenderam que a Santa Escritura é padrão tanto de disciplina para a igreja quanto de doutrina;

9 Princeton Review, julho de 1860, pág. 666, e Apêndice B do Vol. a que pertence o presente trabalho, pág. 632.

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ou seja, que nada deve ser imposto como necessário, senão aquilo que está expressamente contido ou se deriva da Escritura pela necessária inferência... Os puritanos defendiam a posição de ater-se às Escrituras nos princípios essenciais de governo da Igreja e a admitir como oficiais da igreja e ordenanças unicamente aqueles que estão indicados nas próprias Escrituras”.( 10 )

Com respeito aos reformadores escoceses, Hetherington, testifica enfaticamente: “Considerando as Santas Escrituras como a suprema autoridade em todas as coisas pertinentes à religião, e o Senhor Jesus Cristo como o único Cabeça e Rei da Igreja, os reformadores escoceses julgaram razoável esperar que um código de leis dado pelo Rei divino fosse suficiente para orientá-los em todas as coisas referentes ao Seu reino. Mas, ao mesmo tempo em que eram homens de indubitável fé, eram também homens intelectualmente fortes. A fé os dirigiu à Palavra de Deus como sua única e suficiente regra; e essa mesma Palavra lhes ordenou que fossem maduros no entendimento. Ousaram, portanto, concluir que a autoridade divina deveria ser corretamente alegada não apenas em relação às declaração diretas contidas nas Escrituras, mas também em relação a qualquer coisa que pudesse ser deduzida da Escritura por meio de justa e necessária inferência. Entendendo as verdades das Escrituras como princípios axiomáticos e premissas confirmadas, eles com coragem e com hombridade usaram a razão para chegar às deduções contidas nessas verdades e que delas derivavam”.( 11 )

É verdade que os puritanos deixaram de lado o tipo de inferências que o Dr. Hodge mencionou. Mas descartar uma falsa inferência e descartar o princípio da inferência são duas coisas bem diferentes. Até mesmo o melhor dos princípios pode ser aplicado de modo pervertido. Eles descartaram também as

10 Hist. Puritans, vol. 1, págs. 101, 102, Londres, Ed. de Tegg, 1837.11 Hist. Church of Scotland, vol. 1, pág. 15, Edimburgo, 1848.

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interpretações pelagianas e arminianas da Escritura. Segue-se daí que tenham descartado totalmente os princípios de interpretação da Escritura? Pelo fato de terem negado que o mandamento de sujeitar-se aos poderes superiores ensinasse a doutrina da obediência passiva teriam eles negado também que a imaterialidade de Deus pudesse ser inferida da espiritualidade? Eles rejeitaram apenas as inferências falsas, como rejeitaram também as falsas interpretações; mas as inferências legítimas permaneceram tão válidas quanto as exposições legítimas. Mas como poderiam então julgar a validade de uma inferência? Da mesma maneira como julgavam a validade de uma interpretação. Ambos os casos eram exercício da razão, iluminada pelo Espírito Santo: os homens podem errar em ambos os casos, assim como também em ambos podem chegar à verdade.

O Dr. Hodge nos diz, adiante, que os puritanos resistiram à perversão do culto introduzido pelos defensores da prelazia baseados em que essas perversões se apoiavam apenas em inferências. Mas a História nos diz que eles resistiram baseados em que elas não eram ordenadas na Escritura, não podendo, portanto, ser impostas por nenhuma autoridade humana. “O princípio” — usamos as palavras de Neal — “sobre o qual os bispos justificaram sua severidade contra os puritanos era a obrigação dos membros, por eles imposta, de obedecer às leis de seu país em todas as coisas indiferentes, coisas que não fossem nem ordenadas nem proibidas pela lei de Deus”.( 12 )

O Dr. Hodge mostra-se caloroso e bravo quando contempla os perigos da doutrina das inferências. Perdição e ruínas se apresentam à sua imaginação atribulada e ele está disposto a morrer como herói para não ceder um centímetro na suposta autoridade de Deus. “Nossos pais rebentaram os grilhões forjados pelas inferências, e nós, seus filhos, não toleraremos jamais que esses grilhões sejam outra vez reconstituídos. Há tanta diferença entre esse extremo do direito divino e a ideia de que tudo aquilo que não é ordenado é proibido quanto há 12 History of the Puritans, vol. 1, pág. 103.

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entre a nossa igreja livre e exultante e a forma mumificada do cristianismo medieval”.( 13 ) Isso é realmente espirituoso; a única coisa que falta é sensatez. É tão irracionalmente absurda a ideia de que a Igreja se tornará tirana e opressora se ela estiver restrita exclusivamente à Palavra de Deus e às necessárias deduções quando ela é um agente ministerial e não um agente confidencial de Deus, que a declaração dessa proposição é a sua refutação suficiente. Será que a lei de Deus é tirania? E torna-se o homem escravo por ser obrigado a obedecer a ela? Não é a obediência a verdadeira essência da liberdade, e não é a Igreja mais divinamente liberta quando mais perfeitamente cumpre a Sua vontade? O que tornou a Igreja livre e exultante senão a sublime determinação de não ouvir nenhuma outra voz senão a do nosso Senhor? E o que tornou o cristianismo uma forma mumificada na era medieval senão o mesmo princípio do doutor de Princeton, de que a Igreja tem ampla liberdade de ação? Ela tomou para si o direito de mandar onde Deus não falou; ela tornou sem efeito a lei de Deus e colocou no lugar dela a sua própria autoridade e invenções. Nós amamos a liberdade tanto quanto a ama o Dr. Hodge; e é porque amamos a liberdade com a qual Cristo nos libertou que repudiamos e abominamos o detestável princípio da prelazia, dos papas e do presbiterianismo frouxo, de que tudo aquilo que não é proibido é lícito. A Igreja pode ser bastante sábia, mas Deus é mais sábio do que ela.

A imaginação do Dr. Hodge é assombrada pela visão de nuvens de inferências, como a de gafanhotos no Egito, entenebrecendo e destruindo a prosperidade da Igreja se o princípio da inferência for tolerado. Mas quem fará essas inferências e quem tem autoridade para torná-las obrigatórias à consciência das pessoas? Nós não temos prelados, nem tempos papa. Nós não reconhecemos nenhuma autoridade senão a de Deus, autenticada em nossa consciência pelo Seu próprio Espírito, falada por meio de Sua própria Palavra e dispensada pelos ministros que nós mesmos tivemos liberdade de escolher. Quem poderá impor inferências que o entendimento cristão repudia? A igreja toda 13 Ibidem, vol. IV, 17.

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tem de aceitá-las previamente para que tenham força de lei e, se isso significa tirania, significa que o povo será seu próprio tirano. Precisamente esse mesmo tipo de raciocínio sofístico pode ser empregado contra todos os Credos e Confissões. Se não podemos raciocinar a partir da Palavra de Deus sem violar a liberdade de consciência, também não podemos expor a Palavra. Em ambos os casos, o instrumento que empregamos é o mesmo, e aquele que começa negando a autoridade das inferências legítimas não consegue parar de repente: acabará renegando todos os Credos.

Embora nosso propósito não tenha sido discutir o ponto em questão entre o Dr. Hodge e nós mesmos, cremos que já dissemos bastante não apenas para mostrar o que realmente é esse ponto, mas também quais são as fontes solutionum. Apontamos as falácias de que o Doutor fez uso, expusemos os erros que ele cometeu e nos defendemos da acusação de estarmos em desarmonia com os grandes mestres da teologia presbiteriana e puritana. Apoiamo-nos no princípio de que aquilo que não é ordenado é proibido. A Igreja, assim como o governo dos Estados Unidos, é uma instituição inegável, com inegáveis privilégios de poder, e qualquer coisa que não seja concedida é negada.

A questão referente aos limites do poder discricionário da Igreja é o eixo em torno do qual gira a questão da legitimidade das decisões conciliares. Se a Igreja está restrita às circunstâncias das coisas ordenadas, ela deve ser capaz de demonstrar que as comissões dos concílios pertencem a essa categoria, não sendo elas mesmas, evidentemente, coisas ordenadas; ou a Igreja deve renunciar ao direito de apontá-las. As comissões são obviamente legais, porque são circunstâncias comuns a todos os corpos parlamentares e indispensáveis à condução ordeira e eficiente dos negócios.

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II. SUA ACUSAÇÃO

Chegamos, agora, à acusação do Dr. Hodge de que, na resposta que lhe demos na última Assembleia, evitamos o único ponto que estava realmente em questão e nos

limitamos quase que exclusivamente à tentativa de provar que o irmão de Princeton não era presbiteriano. É pena que permitamos que a nossa alma se aflija com coisa tão pessoal. O próprio irmão nos poupou do problema de preocupações futuras. O artigo à nossa frente contém sua opinião amadurecida e, como logo teremos ocasião de demonstrar, se ele o escreveu com o propósito expresso de revolucionar a Igreja, não poderia contradizer mais plenamente seus padrões sem renunciar a esse mesmo presbiterianismo. Mas vamos ao ponto que temos em mãos. Nossa resposta, quanto ao objetivo e propósito, foi precisamente a que deveria ter sido segundo as regras de um debate justo e honroso. Deve ser lembrado que em nosso discurso de abertura afirmamos claramente que a questão concernente à legalidade das comissões dos concílios é resolvida numa outra questão, referente à natureza e organização da Igreja — que as diferenças de opinião sobre um assunto eram apenas reflexos de diferenças análogas entre um assunto e outro. Na sequência, mostramos dois tipos de opinião com respeito à constituição da Igreja, que ele corretamente considerou como prevalecentes.

De acordo com um tipo, que caracterizamos estritamente como teoria jure divino, Deus nos deu um governo tão verdadeiramente quanto nos deu uma doutrina. Não deixou nada para a discrição humana senão os aspectos circunstanciais

— as coisas comuns às ações humanas e à sociedade. De acordo com o outro, Ele ordenou o governo de modo geral, mas não ordenou nenhum governo de forma específica. Ele apresentou as leis — os princípios reguladores pelos quais um governo tem de ser organizado — mas deixou para a sabedoria humana a responsabilidade de organizar por meio da determinação dos

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elementos e do modo de combiná-los. Esse tipo permite à Igreja uma ampla margem de liberdade de ação. Uma vez que a questão das comissões dos concílios é uma questão sobre a liberdade de ação da Igreja, e as questões referentes à liberdade de ação da Igreja são questões sobre a natureza de sua organização, o debate foi forçado a girar em torno da verdadeira teoria de governo da Igreja. Esse se tornou o primeiro assunto.

O Dr. Hodge, em seu discurso, aceitou esse assunto e, de acordo, apontou sua artilharia contra nosso método jus divinum. Ele sabia que, se pudesse derrubar isso, tudo cairia junto. Em contraste, ele desenvolveu seu próprio método, um método em que as mesas dos concílios eram perfeitamente justificáveis. Em resposta, tratamos de deitar por terra o seu método e mostrar a superioridade do nosso próprio. Onde é que nos evadimos aqui ao tema? Se a tentativa de demolir o seu método deve ser interpretada como uma tentativa de provar que ele não é presbiteriano, então a sua própria tentativa de demolir o nosso foi igualmente um ataque pessoal contra nós. Sentimo-nos constrangidos a demonstrar que seus princípios não eram presbiterianos ou a abandonar totalmente o ponto em debate. Não havia outra saída. Sua tristeza não vem de termos fugido da questão, mas de nos termos apegado a ela. A flecha foi direta no alvo. Hinc illoe lachrymoe?

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III. SEUS COMENTÁRIOS

Observemos, agora, a crítica que o Dr. Hodge fez a nossas objeções ao seu esquema de presbiterianismo. O esquema, conforme foi detalhado na Assembleia, e como está

desenvolvido agora no seu artigo, contém quatro proposições:

1. A habitação do Espírito como a fonte dos atributos e prerrogativas da Igreja;

2. A paridade do clero;

3. O direito do povo de participar do governo; e

4. A unidade da Igreja.

O Dr. Hodge diz que negamos que a primeira proposição seja verdadeira e que afirmamos as outras três como fundamentais. Ele não está sendo exato em nenhuma das duas afirmações. O que nós realmente criticamos foi a opinião irrestrita de que onde está o Espírito ali está também a Igreja. O Espírito pode encontrar-Se em indivíduos, em famílias ou em sociedades, sem dar a nenhum deles os atributos e prerrogativas da Igreja. É uma verdade universal que onde o Espírito não está aí não está a Igreja; mas não é uma verdade universal que onde o Espírito está aí está a Igreja. Algo além da habitação do Espírito é necessário para transformar um grupo de crentes em uma Igreja. Uma dúzia de homens pode reunir-se com o propósito de orar, e Jesus pode estar presente em Seu Espírito para abençoá-los; eles podem reunir-se regularmente conforme o combinado, mas isso tudo não faz deles uma Igreja. Há uma ordem interna assim como uma ordem externa estabelecida pela lei — uma organização, imposta pela autoridade, a qual é condição para o desenvolvimento sadio da vida, mas não o produto dessa vida. O Deus exterior ajustou-se ao interior como a alma ao corpo. Um não flui do outro; eles existem segundo uma harmonia preestabelecida.

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A Palavra revela o exterior; o Espírito divulga o interior. Os impulsos espirituais não geram a Igreja; eles apenas correspondem a ela. A Igreja foi feita para eles como o mundo dos sentidos foi feito para o corpo. O Espírito, por essa razão, como princípio de vida, não é a fonte dos atributos e prerrogativas da Igreja. Uma sociedade que alega ser a Igreja deve mostrar algo mais do que apenas a posse do Espírito. Os reformadores sempre pleitearam algo mais em seu próprio favor. Eles insistiram sempre que tinham o ministério e as ordenanças — isto é, nas suas características principais, a ordem externa indicada por Cristo. Sem a Palavra, sem as indicações indiscutíveis do Rei, sem uma estrutura adequada às nossas mãos e adaptada às nossas necessidades espirituais, mesmo com o auxílio de princípios reguladores, teríamos sido tão bem sucedidos em estruturar uma igreja a partir de nossa vida espiritual como uma alma poderia ser bem sucedida na estruturação de um corpo para si mesma. Jamais nos levantaríamos acima do nível do quacrismo. Nenhum grupo de pessoas é uma Igreja sem o Espírito. Não há dúvida quanto a isso.

Todo grupo de homens com o Espírito é uma Igreja. Esta já é uma proposição totalmente diferente. Jamais levantamos uma palavra sequer contra a primeira proposição, a que é feita em termos negativos; não tivemos um só pensamento, ainda que momentâneo, que não fosse de cordial acolhimento dessa ideia. Jamais a denunciamos como absurda quer sob as pressões do debate quer sob outras pressões, e estamos dispostos, ainda que não estejamos num tribunal, a assumir a responsabilidade por tudo o que dissemos em relação a isso. Na sua forma positiva, contudo, a proposição não pode ser mantida; já na sua forma negativa, ela é o elemento fundamental da religião evangélica. Se o Dr. Hodge não pode ver a diferença, recomendamos-lhe o estudo de um bom tratado de lógica.

Além disso, o Doutor diz que negamos que a paridade do clero, o direito do povo de participar do governo e a unidade da Igreja sejam princípios fundamentais do presbiterianismo. Isso

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também é um equívoco. Qualquer que seja a nossa opinião sobre este assunto, o que realmente negamos foi que esses sejam princípios distintivos do presbiterianismo. Sustentamos que, da forma como cremos neles, esses são princípios que mantemos em comum com outros — eles são atributos genéricos e não, diferenciais. Isso é algo muito diferente de dizer que eles não sejam fundamentais.

E aqui podemos observar sua definição singular de presbiterianismo, construída a partir dessas propriedades genéricas. Ele nos diz que tais princípios constituem a verdadeira ideia de presbiterianismo. Nós ridicularizamos, chamando de totalmente absurda e ilógica a ideia de uma definição na qual nada havia para caracterizar a coisa definida. Isso o Dr. Hodge proclama como sendo lógica extraordinária. Devemos então entender que o Doutor está dizendo que uma definição pode nos dar uma noção adequada de um assunto sem nenhuma alusão às propriedades que fazem desse assunto aquilo que ele é e não outra coisa qualquer? O objetivo de uma verdadeira definição dos mestres da lógica, segundo a linguagem da moderna filosofia, é

“analisar as partes componentes de uma noção complexa”, nas palavras de Mansel. Algumas dessas partes são comuns, outras são especiais; mas ambas devem ser consideradas ou a noção será apenas parcialmente decomposta, e a subsequente síntese fatalmente será incompleta. O Dr. Hodge afirma que há dois modos de definir — uma, por meio de gênero e diferenciação; e a outra, pela enumeração dos atributos. Será que não lhe ocorreu que essas duas maneiras são precisamente a mesma coisa? Gênero e diferenciação juntos constituem a totalidade das propriedades. Eles são apenas um método resumido de enumeração. Você pode mencionar as propriedades uma a uma, ou agrupá-las sob um nome comum. Se esse nome é entendido, as propriedades que ele expressa são, de fato, enunciadas.

O que objetamos no Dr. Hodge não foi que ele não tivesse, tecnicamente, colocado o gênero e a diferenciação, mas que ele não tivesse jamais mencionado a diferenciação. Ele definiu

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presbiterianismo apenas pelos atributos que ele tem em comum com outros sistemas. Se “um mero neófito em lógica pode ver a falácia” dessa objeção, isso é mais do que nós podemos. Para tornar a coisa ainda mais absurda, ele nos dá o exemplo de definição por meio de gênero e de diferença específica para mostrar quão completa pode ser uma definição sem a diferença. “Podemos definir homem”, ele diz, “como uma criatura racional revestida de corpo material. Se qualquer professor de lógica ridicularizasse essa definição dizendo que ela não inclui nada distintivo, ele apenas demonstraria a sua falta de lógica”.( 14 ) Presumimos que nenhum professor de lógica deixaria de concordar com essa definição, pois ela contém o gênero — criatura racional — e a diferenciação — corpo material.

É verdade que o gênero nada contém de distintivo. “Deus, anjos e demônios são todos racionais”. Também um corpo material não é característico, mas quando os seres são considerados sob a noção geral de racionalidade, a posse ou não posse de corpos se torna diferencial e divisional. Se, entretanto, houvesse outros seres racionais além do homem, possuidores de corpos que diferissem em forma e estrutura, não seria suficiente a simples menção de corpo sem a referência às formas distintivas. Uma diferença pode consistir em um único atributo ou em um conjunto de atributos, podendo pertencer, cada um deles, em particular, a outros sujeitos, mas todos, combinados, não existem em nenhum outro lugar. Suspeitamos que o que o Dr. Hodge pretende censurar em nós, não é que requeremos uma diferença específica, mas que esperamos de uma diferença constituída por combinação, que cada elemento fosse ele mesmo diferencial; em outras palavras, que compreendemos como dividido aquilo que era verdadeiro apenas num sentido composto. Se foi assim, nosso erro não foi que apresentamos uma regra errada de definição, mas que compreendemos mal a própria definição oferecida. A diferença estava ali — os três princípios combinados — mas nós a interpretamos mal. Esse argumento, entretanto, não 14 Princeton Review, julho de 1860, e Apêndice B do volume do qual foi retirado este trabalho, pág. 625.

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podemos admitir. Em primeiro lugar, o Dr. Hodge declarou seus três princípios um a um, como os princípios distintivos de nossa Igreja. Ele chamou-os de nossos grandes princípios distintivos. Cada um deles nos pertence no sentido de que todos eles nos pertencem. Eles não nos distinguem como um todo — esse foi um pensamento posterior; mas eles nos distinguem como elementos individuais. Em segundo lugar, a combinação, como explicada pelo Dr. Hodge, não é admitida por denominação nenhuma neste mundo. É uma trindade de sua própria fabricação. Em terceiro lugar, se esses princípios fossem todos mantidos por nós, eles apenas expressariam os títulos sob os quais nossas peculiaridades deveriam ser consideradas, mas não as próprias peculiaridades. Tudo dependeria do modo como as entendêssemos.

A verdade é que, no sentido dado pelo Dr. Hodge, o presbiterianismo não é específico, mas genérico. Este sistema não representa uma forma particular de governo, mas consiste em princípios que podem ser achados em diversos estilos. Qualquer sistema em que eles fossem incorporados teria tanto direito de ser chamado assim quanto o nosso excelente sistema. Considerados, portanto, como definição de presbiterianismo, no sentido específico de uma forma particular de governo — a forma, por exemplo, da nossa própria Igreja ou a da Igreja da Escócia — os três princípios do Dr. Hodge devem ser condenados como um miserável fracasso. Nossa lógica extraordinária, que até um simples neófito consegue expor, permanece invencível. Os artifícios e evasivas do Dr. Hodge para defender a sua pobre e pequena prole lembra-me a cômica história do vaso quebrado. Em primeiro lugar, ele não se propôs a dar uma definição por meio de gênero e diferenciação. Ele descobriu um caminho mais excelente. Ele pode “individualizar e completar” uma ideia sem essa formalidade. Mas o caminho mais excelente acabou sendo o velho caminho, apenas um pouco mais longo. E daí? Ora, o Doutor muda de direção, e insiste que apresentou a real diferença por meio dos seus três famosos princípios. Mas após um exame, parece que esses três princípios são categorias em

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que a diferença poderia ser achada, mas o Doutor falhou em encontrá-la. Não temos nem como imaginar qual seja o seu próximo movimento. Talvez ele tente demonstrar que categorias e predicados são a mesma coisa.

O Dr. Hodge despreza nossas asneiras em termos de lógica com um florido prelúdio sobre nossa extravagante pretensão de ter uma habilidade superior nessa ciência. Isso nos teria feito parecer vaidosos em extremo. Ele foi caridoso, entretanto, expondo nossa ignorância e humilhando nosso orgulho. Estamos profundamente cônscios de que somos apenas aquilo que deveríamos ser, mas deveríamos estar sentidos por nossos irmãos nos considerarem sob o ponto de vista do Dr. Hodge. As menções foram feitas de modo jocoso, e sua anedota introdutória foi apresentada com um espírito de chocarrice, vinda de um desejo de misturar algo leve com a gravidade do debate. Nossas palavras não foram corretamente citadas pelo Dr. Hodge. Elas foram mencionadas, com uma única exceção, exatamente como as escrevi no número do Review de julho de 1860. Ali o que dissemos foi isto: “Prestei pouca atenção à lógica. Uma vez escrevi um livro que um bom irmão criticou em sua resenha achando que continha lógica demais.

Eu tenho me aprofundado em Aristóteles e em diversos outros mestres desta ciência, e tenho, provavelmente, a maior coleção de obras sobre o assunto que se possa encontrar em qualquer biblioteca particular em todo o país”. Isso, certamente, não foi tão ruim. Mas se os comentários brincalhões forem interpretados como algo sério e grave, e se os homens tiverem de ser enforcados por causa de suas brincadeiras, é quase certo que o caráter de ninguém estará a salvo. E, desde que vimos o uso que o Dr. Hodge fez daquilo que foi proferido com o mais terno dos sentimentos na presença de irmãos — e podemos dizer com certeza que foi falado sem a menor arrogância — ficamos impressionados com o valor do que Robert Hall disse, que o imprudente não deveria jamais envolver-se com o mal-intencionado. A piada inocente que fizemos e com a qual não

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quisemos ofender ninguém — nós mesmos não nos ofendemos quando o Dr. Hodge ridicularizou a nossa primeira fala — essa piada inocente provocou toda esta confusão. A real interpretação a ser feita do quadro grosseiro e exagerado que o Dr. Hodge conseguiu produzir convertendo jovialidade em determinação sóbria, é que, pelo fato de ele mesmo estar ferido, queria que alguém lhe fizesse companhia em seu tormento.

O Dr. Hodge se esforça para mostrar que os seus três princípios envolvem substancialmente a mesma definição de presbiterianismo que nós mesmos demos. Seja o que for que cremos, nós jamais negamos que o presbiterianismo pode ser reduzido a estes três tópicos — assim como o poder de um governo pode ser reduzido a três tópicos: executivo, judicial e legislativo. Dissemos apenas que as generalizações vagas não “individualizam nem completam a ideia”. Elas não podiam ser consideradas como uma definição. Sem dúvida, o ouro pode ser colocado na categoria de substância, mas definir substância não é definir ouro. A nossa definição era uma definição adequada. Ela diferenciou o presbiterianismo de qualquer outra forma de governo eclesiástico; explicou o modo (aquilo que é peculiaridade nossa) como aceitamos e entendemos os três princípios. O governo da Igreja exercido por meio de assembleias parlamentares, composto de duas classes de presbíteros — e de presbíteros somente — e organizado de tal forma que se perceba a unidade visível da Igreja toda: isso é o presbiterianismo. Ele inclui nossos oficiais e presbíteros regendo e ensinando. Ele inclui nossos concílios que crescem gradualmente — dos Conselhos aos Presbitérios, e destes aos Sínodos — até culminarem na Assembleia Geral( 15 ) que é o parlamento representativo da Igreja toda. Ele nos distingue do congregacionalismo pelas nossas assembleias representativas e distingue-nos da prelazia e do papado não apenas pelas assembleias, mas pelos oficiais dos quais são compostas.

Não é difícil identificar a razão por que o Dr. Hodge prefere 15 Na I.P.B. é chamado soberbamente de “Supremo Concílio”. — N.E.

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essas vagas generalidades. Ele julga que a Igreja não está presa a nenhum modo particular de organização. Na opinião dele, a Igreja tem o direito de criar novos ofícios e de indicar novos órgãos sempre que julgue ser mais sábio ou conveniente. Ele abomina a doutrina de que qualquer coisa que não seja ordenada seja proibida. Ele deseja espaço para movimentar-se. Ora, a nossa definição restringe a Igreja a um só modo de organização. Isso a obriga a um modo particular de governo de Igreja e a uma ordem específica de oficiais. O Dr. Hodge não consegue aceitar um governo do tipo jure divino. Mas ele precisa de princípios apenas, e não de leis prescritivas, princípios pelos quais ele pode alterar modos e formas a seu bel-prazer, e, desde que não sejam mudanças incompatíveis com os princípios, sejam modos e formas divinos; não no sentido de que Deus tenha ordenado uns e não outros, mas no sentido de que são todos igualmente permitidos.

É para dar tal extensão à liberdade de ação humana que ele faz do presbiterianismo uma coisa genérica e não específica. Ele aceita nossa teoria como sendo divina porque pensa que temos liberdade de aplicar os seus três princípios da forma como temos feito; mas entende que qualquer outro modo em que sejam aplicados os três princípios será igualmente divino. O verdadeiro ponto em questão, portanto, é se a Escritura prescreve qualquer forma específica de governo da Igreja. A questão não é se existem quaisquer princípios reguladores, mas se a Escritura apresenta os elementos e modos em que devem ser combinados. Será que as Escrituras colocam o poder eclesiástico geral permanente nas mãos dos presbíteros? Será que elas reconhecem mais de uma classe de presbíteros? Será que as Escrituras requerem que esses presbíteros se organizem em assembleias parlamentares? Será que elas excluem dessas assembleias todos os que não são presbíteros? Será que elas restringem a Igreja a um só tipo de concílio espiritual? E limitam os poderes confiados a esses concílios? Será que a totalidade do sistema, com exceção dos detalhes circunstanciais, se encontra revelada na Palavra de

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Deus e é imposta à consciência pela força da lei? Estas perguntas definem o verdadeiro ponto em questão. E com toda esta demonstração sobre o jus divinum, o Dr. Hodge nega-o ao nosso sistema no mesmo sentido em que os pais do presbiterianismo o entendiam. A razão principal por que o ofendemos é que expusemos a debilidade dos seus pontos de vista.

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EXAME DA TEORIA DE HODGE

Propomo-nos, agora, a examinar a teoria de presbiterianismo do Dr. Hodge e a testá-la pela autoridade da nossa Confissão de Fé e pela dos nossos autores mais

bem conceituados. Os pontos que selecionaremos serão aqueles nos quais entendemos que ele tenha se afastado da fé. Ele professa diferir de nós apenas com respeito a três coisas:

1. em relação à função dos presbíteros regentes;

2. em relação à natureza do poder eclesiástico, que ele afirma que nós tornamos comum e não distinto; e,

3. em relação à medida e ao limite da liberdade de ação da Igreja.

Sobre o segundo ponto, veremos em breve que ele caiu em erro. O terceiro realmente é um abismo intransponível entre nós. Mas a isso já nos referimos suficientemente em outra parte deste artigo. Resta, então, a função do presbítero regente. Mas isso é tudo o que causa divisão entre nós? Na conclusão da discussão na última assembleia fomos levados a crer que, com exceção de seu desprezo pela doutrina do direito divino e de sua perigosa teoria da liberdade de ação da Igreja, isso fosse tudo. E, de forma lógica, isso é tudo; mas esse tudo inclui imensamente mais do que consegue captar aquele que vê a questão como uma simples questão de palavras e nomes. A sua teoria sobre a função do presbítero baseia-se numa visão radicalmente falsa das relações do povo com o governo da Igreja. Esse é seu πρώτον ψεύδος. Segue-se, como consequência legítima, a negação do caráter presbiterial do presbítero. Discutiremos a teoria, portanto, em ambos os aspectos — sua suposição quanto ao lugar do povo e sua conclusão quanto ao lugar do presbítero.

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1. Lugar do povoO Dr. Hodge coloca entre os princípios fundamentais do presbiterianismo “o direito do povo a uma participação essencial no governo da Igreja”.( 16 ) “Quanto ao direito do povo de tomar parte no governo da Igreja, isso também é direito divino. Isso ocorre porque o Espírito de Deus, que é a fonte de todo o poder, habita também no povo e não exclusivamente no clero (termo usado pelo Dr. Hodge); porque temos ordem de nos submetermos aos nossos irmãos no Senhor; porque o povo recebe ordem de exercer esse poder, e será passível de censura se houver negligência no cumprimento desse dever; porque o dom de governar ou de reger é um dom permanente; e porque, no Novo Testamento, encontramos o povo no real e reconhecido exercício da autoridade em questão, a qual jamais foi contestada na Igreja até chegar à idade das trevas”.( 17 ) Este é um magnífico argumento em favor do congregacionalismo. Aí está clara e inequivocamente afirmado não que o povo tem o direito de escolher seus regentes, mas que ele tem o direito de reger a si mesmo. O povo é tão regente quanto o são os presbíteros. Na verdade, o exercício do governo é distribuído entre ele e os presbíteros. É um negócio conjunto. Uma participação essencial no governo, se é que isso significa alguma coisa, é o direito de tomar parte na própria administração da disciplina. O povo, como povo, tem voto.

Será que o presbiterianismo é isso? O que diz a nossa Confissão de Fé? “O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça de sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil”. Nenhuma palavra é dita sobre a participação do povo. Todo o governo é posto nas mãos dos oficiais da igreja. Além disso: “A esses oficiais estão entregues as chaves do reino do céu. Em virtude disso, eles têm o poder tanto de reter como de cancelar pecados; de fechar esse reino aos impenitentes, tanto pela Palavra quanto pelas censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela

16 Princeton Review de julho de 1860, pág. 547, e Apêndice B do volume do qual este artigo foi tirado, pág. 617.17 Ibidem, pág. 555 e ibidem, pág. 323.

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absolvição das censuras, conforme as circunstâncias o exigirem”.( 18 ) Se as chaves estão exclusivamente nas mãos dos oficiais da igreja, e se essas chaves representam a totalidade do poder da igreja, tal como exercido no ensino e na disciplina, a clavis doctrinae e a clavis regiminis, gostaríamos de saber o que é que foi deixado a cargo do povo!?! Mas, para encurtar o assunto, citaremos uma passagem de um admirável livrete do Diretor Cunningham de Edimburgo — clarum et venerabile nomen — que nos poupa o trabalho, na referência que faz, de apelar a outras testemunhas. Rogamos ao leitor que avalie o trecho com cuidado.

“A essência do raciocínio do Dr. Muir, com base no qual ele acusou a maioria da Igreja de “subverter”, “violar” e

“extinguir uma ordenança de Cristo”, quando posta em forma de silogismo, fica assim:

a. Cristo delegou o poder de governar e reger a Igreja exclusivamente aos detentores do ofício eclesiástico;

b. Precisar da aprovação ou da desaprovação do povo para tornar efetivas as decisões dos ministros é conceder ao povo uma participação no governo da Igreja;

c. Logo, o princípio do ato de veto se opõe à indicação de Cristo.

Ora, o Dr. Muir sabe muito bem que seus oponentes concordam com sua premissa maior, negando a menor e, ainda assim, dirige os seus esforços no sentido de provar a premissa maior — o que ele faz citando a Confissão de Fé — como se a ortodoxia dos seus oponentes fosse passível de suspeição — enquanto não faz nenhuma tentativa de estabelecer a premissa menor, à qual rebatemos com uma negativa direta. Teria sido necessário que ele estabelecesse a premissa menor com evidências satisfatórias, porque ela foi afirmada no passado especialmente pelos papistas e independentes, assim como foi ativamente combatida

18 Confissão de Fé, cap. XXX, I e II.

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pelos mais instruídos defensores do presbiterato, os quais argumentaram que, mesmo tendo o povo o direito de eleger seus ministros — um poder de influência maior do que o do direito de consentir ou de discordar — isso não implica que o povo tenha alguma participação no governo da Igreja. Se o fato de os ministros serem escolhidos pelo povo não significa que esse mesmo povo exerce o poder e o governo na Igreja, muito menos significa isso o seu consentimento ou sua discordância quando à indicação de outro ministro. O cardeal Belarmino, o grande defensor do papismo, apresenta o mesmo princípio que o Dr. Muir, argumentando contra o direito do povo cristão. A doutrina de Belarmino, sobre esse assunto é esta: “Eligere pastores ad gubernationem et regimen pertinere certissimum est; non igitur populo convenit eligere”. (De Clericis, c. vii, tomo II, pág. 981.) A resposta de Ames, em plena concordância com os teólogos presbiterianos, foi esta: “Electio quamvis pertineat ad gubernationem et regimen constituendum, non tamen est actus regiminis aut gubernationis”. (Bellarminus Enervatus, tomo II, livro iii, pág. 94.)

O mesmo princípio foi apresentado com o propósito oposto, na época da Assembleia de Westminster, pelos independentes. Eles argumentaram desta maneira: os presbiterianos admitem que os ministros devem ser estabelecidos mediante escolha ou com o consentimento do povo. Isso implica certa participação do povo no governo da Igreja; assim, deve ser falsa a doutrina presbiteriana que exclui o povo do governo da igreja. Ora, é evidente que o instrumento essencial de prova deste argumento é exatamente a mesma doutrina afirmada por Belarmino e adotada pelo Dr. Muir, argumentando contra os direitos do povo cristão. Como foi, então, que os nossos mais instruídos antepassados chegaram a esse raciocínio dos congregacionais? Não foi desautorizando a doutrina de que os ministros devem ser estabelecidos mediante a escolha

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ou consentimento do povo, mas sustentando que isso não envolve nenhum exercício de governo ou de jurisdição da parte desse povo. Eles estabeleceram, em oposição aos independentes e em vindicação do princípio presbiteriano a respeito do governo da Igreja ser atribuído aos ministros, a inexatidão da mesma doutrina em que Belarmino e o Dr. Muir basearam sua oposição ao direito do povo cristão de estabelecer seus ministros. O Dr. Muir encontrará a prova disso em várias obras: Gillespie, Assertion of the Government of the Church of Scotland, págs. 116 e 117; Baillie, Dissuasive from the Errors of the Time, parte I, c. ix, págs. 194 e 195; Wood, Refutation of Lockyer, parte II, págs. 214 e 244; e quando for feita uma tentativa de resposta aos seus argumentos, será o tempo certo de entrar na discussão. Nesse ínterim, tomaremos a liberdade de declarar que o Dr. Muir teve a presunção de acusar a maior parte da Igreja de ‘violar e extinguir uma ordenança de Cristo’, conquanto a sua acusação se baseie sobre uma proposição em suporte da qual ele não produziu nem uma só evidência, a qual tem sido, até agora, defendida apenas pelos papistas e independentes, e contra a qual têm se oposto os mais hábeis e instruídos defensores do presbiterato”.( 19 )

O Dr. Hodge não pode livrar-se de sua posição antipresbiteriana dizendo que atribui ao povo o poder de reger somente in acto primo. Nesse sentido, todo poder, quer de reger quer de instruir, reside na Igreja como um todo, sem referência à distinção entre os oficiais e o povo. O próprio Dr. Hodge admite isso. “Todo poder”, diz ele, “reside, in sensu primo, no povo”.( 20 ) A vida da Igreja é uma unidade; os oficiais são apenas os órgãos por meio dos quais ela se manifesta em atos de jurisdição e instrução; e os atos de todos os oficiais, em consequência dessa relação orgânica, são atos da Igreja. Eles são o principium quo; ela é o principium quod. O poder é inerente a ela; mas é exercido por eles. De acordo

19 Strictures on the Rev. Jas. Robertson’s Observations on the Vecto Act, págs. 23, 24, Edinburg, 1840.20 Princeton Review, julho de 1860, pág. 547 e Apêndice B do volume de que foi retirado este trabalho, pág. 617.

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com essa doutrina, é óbvio que, quanto ao exercício do poder, a relação dela com os ministros é precisamente a mesma que a sua relação com os presbíteros regentes. É a Igreja que prega por meio daqueles, assim como é a Igreja que rege por meio destes. Os ministros são a boca da Igreja, assim como os presbíteros, suas mãos. Ambos igualmente a representam e ambos nada mais são do que representantes dela. Em actu primo, é absurdo falar do povo como tendo parte do governo; o povo tem todo o governo. E assim, ele tem o poder inerente, radical e primário de pregar e de dispensar os sacramentos. Todos os atos legais exercidos por oficiais legais são atos da Igreja, e aqueles que ouvem o pregador ou o presbitério ouvem a Igreja. O caso é análogo aos do movimento do corpo humano. O poder vital não está na cabeça ou nos pés; está em todo o corpo. Mas o exercício desse poder de andar ou escrever está restrito aos órgãos específicos. O poder é um, mas as funções são múltiplas e há um órgão apropriado para cada função. Isso constitui um todo orgânico. De modo que a igreja tem funções: essas funções requerem órgãos apropriados; esses órgãos são criados por Cristo, e a Igreja se torna um todo orgânico.

Ora, segundo o Dr. Hodge, o povo, distinto do clero, é um dos órgãos do governo, ou, se não for um órgão completo, parte de um. Se o povo não é mão, é um dedo. Ele tem uma parte substancial no governo, num sentido em que ele já não tem parte substancial na pregação ou na dispensação dos sacramentos. O Dr. Hodge divide a Igreja em duas castas com interesses separados e até mesmo antagônicos; e o governo — embora ele repudie a ideia de que todo poder é conjunto — é o produto conjunto dos dois fatores. Essa divisão é inteiramente papista, embora o uso que dela se faz não o seja. Ao contrário disso, nós argumentamos que a Igreja é uma unidade indivisível, e que o sistema de governo é uma das formas pelas quais se autentica a sua vida divina. A distinção entre clero e povo — uma distinção sempre ofensiva aos ouvidos presbiterianos — não é uma distinção de partes nas quais uma totalidade composta se divide

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nem uma distinção de graduação como a daquilo que é nobre e o que é comum, mas uma distinção de funções e de relações dentro do mesmo todo. É uma confusão de ideias a respeito desse assunto que faz o Dr. Hodge pintar um quadro exagerado de despotismo clerical.

Aqui, então, está o primeiro grande erro do Dr. Hodge. Ele faz com que o povo seja, em secundo acto, regente da Igreja. Dá-lhe o direito, como povo, de exercer poder em atos governamentais. O povo e o clero, como elementos distintos e separados, tal como o vulgo e a nobreza nos Estados aristocráticos, constituem a Igreja, tendo cada parte seus próprios direitos e interesses. Há aí uma Câmara dos Lordes e uma Câmara dos Comuns. E, em vez de usar termos ministros, ou presbíteros, ou anciãos, os quais todos denotam a relação orgânica dos oficiais com a Igreja, apresentando-os apenas como o meio do exercício do poder, ele adota o termo clero, o qual, por suas associações papistas, serve mais bem para designar uma classe privilegiada, superior à dos leigos.

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2. Lugar do PresbíteroPartindo desta má compreensão fundamental, ele falhou na apreensão da verdadeira ideia do ofício do presbítero. Ele o considera, em primeiro lugar, como mero expediente através do qual o povo se apresenta como classe separada nos nossos concílios eclesiásticos. O presbítero não representa a Igreja como um todo, mas um interesse ou um partido em particular. Isso conduz a um segundo erro por meio do qual um delegado se transforma num representante, e o presbítero se torna mero agente do povo. Ambos os erros surgem de um mau entendimento radical da genuína natureza do governo representativo, distinto de todas as outras formas de governo.

(1) Fica evidente em cada linha que escreveu, que o Dr. Hodge faz do presbítero um representante do povo, não no sentido geral e bíblico de Igreja, mas no sentido limitado e restrito de uma classe, um grupo na Igreja. No extrato da página 555, que já citamos anteriormente, ele diz que é direito do povo, distinto do clero, fazer parte do governo; e sua primeira justificativa é que o Espírito Santo também habita no povo e não exclusivamente no clero. É esse o direito que o povo exerce por meio de representantes, e esses representantes são os presbíteros regentes. Tais presbíteros são, consequentemente, o meio pelo qual o povo tem presença nos nossos concílios eclesiásticos. O clero se faz presente nos concílios por meio dos ministros; o povo se faz presente por meio dos presbíteros.

(2) Se os presbíteros são a presença do povo, é óbvio que eles são apenas delegados. Eles são o povo da mesma forma que os ministros são o clero. Eles devem, portanto, fazer o que o povo faria, dizer o que o povo diria, aprovar o que o povo aprovaria e condenar o que o povo condenaria. Poderíamos dizer que eles são os comuns e os clérigos são os nobres, como no parlamento inglês; mas a ilustração seria falha, pois no parlamento inglês os Comuns não são apenas meros expositores da vontade de seus eleitores. Eles têm uma função mais elevada e nobre. Todo o valor da função do presbítero regente na opinião do Dr. Hodge

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está em que “o presbítero é um leigo”. É isto que “faz dele um poder real, um elemento distinto em nosso sistema”. Isso é que protege a Igreja do despotismo clerical. A vontade popular tem um representante adequado para resistir à vontade do clero. O argumento todo é absurdo, a menos que o presbítero seja o locum tenens, o representante do povo. O que torna absolutamente evidente que essa é a concepção que o Dr. Hodge tem da relação do presbítero com o povo é o fato de ele determinar a necessidade dessa função pela impossibilidade de a multidão de povo se apresentar em massa numa reunião maior. Ele admite que isso pode ser feito numa congregação pequena, mas que em larga escala quando uma Igreja abrange uma cidade, um estado ou nação isso é claramente impossível. Mas por causa dessa impossibilidade não haveria necessidade de presbíteros. Em consequência dessa impossibilidade “o povo deveria apresentar-se por meio de representantes ou então nem aparecer”. Por essa razão, se o presbítero regente é apenas a presença do povo, isto é, se ele é o povo todo condensado num só homem, ele forçosamente é um mero órgão do povo. A vontade do povo é a sua lei.

Ora, tudo isso procede de um erro fundamental em relação à natureza do governo representativo. Nele, o povo não se apresenta in propria persona, não porque não possa se apresentar, mas porque eles não devem estar presentes. Reuniões de massas proporcionariam legisladores fracos, e juízes e magistrados ainda mais fracos. A finalidade de todo governo civil é a justiça. Determinar justiça em circunstâncias concretas e assegurá-la por meio de instituições fixas e leis imparciais exige sabedoria e ponderação, e sabedoria e ponderação exigem uma restrição das paixões e dos preconceitos humanos. As assembleias parlamentares, compostas de homens escolhidos, são um instrumento por meio do qual o Estado busca assegurar a verdade e o direito. Elas oferecem uma limitação ou restrição aos caprichos, paixões e preconceitos das massas. Por essa mesma razão, o Estado aplica a lei por meio de juízes. As assembleias

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parlamentares, na maioria dos Estados livres, são elas mesmas fiscalizadas pela divisão em duas câmaras. A finalidade é exatamente a mesma — prevenir-se contra toda a influência que possa ser hostil à descoberta e à suprema autoridade da verdade. Esses grupos são, portanto, os instrumentos da nação, pelos quais ela procura tornar real a grande ideia da justiça. Eles são representantes não da vontade, mas da sabedoria do Estado.

Nos governos estritamente representativos, o povo apenas escolhe seus representantes; jamais os instrui; ou, se os instrui, afasta-se do pensamento fundamental da teoria. Quando o povo deseja contestar os seus representantes, ou derrubá-los, a menos que seja no caso de uma revolução, ele ainda age por meio de grupos representativos.

A obediência a Deus é a finalidade do governo da Igreja. O objetivo é determinar e aplicar a Sua lei. A mesma necessidade de deliberação, prudência, cautela e sabedoria prevalece aqui assim como acontece nos negócios civis; e, por isso, a Igreja, como comunidade, efetua todo o seu pensamento legislativo e judicial por meio de homens escolhidos. Suas assembleias são também supervisionadas por um dispositivo equivalente a duas câmaras. Os seus governantes pertencem a classes diferentes para que toda variedade de talentos e hábitos possa fazer parte de seus concílios. Esses concílios são instrumentos mediante os quais a Igreja, e a Igreja como um todo, possa expor e aplicar a lei de Deus; e cada governante é um homem solenemente indicado para buscar e executar a vontade do Senhor. Nossos concílios eclesiásticos não têm representantes que enunciem uma conclusão prévia, nem expositores de opiniões e decretos de nenhum grupo de homens, mas, sim, conselheiros e senadores reunidos para deliberar, concluir e decidir.

Deste ponto de vista, conclui-se que o ministro mantém com a Igreja exatamente a mesma relação que o presbítero regente. Ambos são representantes não de uma ordem ou classe, mas da Igreja de Deus. Seus deveres nos concílios eclesiásticos

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são exatamente os mesmos. Ambos têm de buscar a Palavra diretamente da boca do Senhor, e têm de proclamar o que receberam dele. Ambos são clérigos e ambos são leigos. Permitam que nos expliquemos, pois a exposição detectará uma ilusão que enfraquece muito o artigo do Dr. Hodge.

Clero e laicato são dois termos que, no Novo testamento, são usados indiscriminadamente com referência a todo o povo de Deus. Quanto a isso não há dúvida nenhuma. No sentido do Novo Testamento, portanto, cada ministro é um leigo e cada leigo é um clérigo. No sentido protestante comum, cuja origem não interessa no momento, os termos expressam a distinção entre os ministros da Igreja e o povo em sua função privada. Um clérigo é um homem revestido da função de presbítero. Ora, uma função num governo livre não constitui uma classe ou uma casta. Não se trata de uma posição do reino. É, simplesmente, um cargo público de confiança. Por essa razão, um homem, pelo fato de ter sido escolhido para o ofício, não deixa de pertencer ao povo. O presidente dos Estados Unidos ainda continua sendo uma pessoa do povo. Os representantes no congresso ainda fazem parte do povo. Nossos juízes e senadores ainda fazem parte do povo. A função faz uma distinção nas relações — a distinção entre o homem privado e o homem público — mas não faz distinção entre pessoa ou classe. Os ministros não são uma classe no sentido legal. Se um clérigo, portanto, é apenas uma pessoa do povo desincumbindo uma tarefa de confiança pública

— se ser um clérigo não significa mais do que simplesmente um indivíduo não ser uma pessoa privada — esse é claramente um título aplicável tanto ao presbítero regente quanto ao ministro, a menos que se negue completamente o ofício de presbítero regente. Para transmitir a ideia de que as distinções sugeridas pela ordenação são relativas a ofício, e não pessoais, nossa Confissão de Fé evitou criteriosamente a palavra clérigos, a qual tem sido tão mal usada pelo papismo, e substituiu-a pelas expressões mais corretas oficiais e ministros. Se alguém escolhe arbitrariamente restringir o termo clérigos a pregadores, então,

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é claro, o presbítero regente não é um clérigo, pois ele não é um ministro do evangelho. Mas, se o termo for usado para designar os detentores do cargo de presbítero, então ele se aplica a todos aqueles que não se encontram em relações privadas com a Igreja. O único ponto com que nos preocupamos é que as relações do presbítero regente com a Igreja são precisamente as mesmas do ministro. Ambos são, no mesmo sentido, ainda que não no mesmo grau, representantes do povo, da Igreja. O ministro a representa no governo, na pregação do Evangelho e na dispensação dos sacramentos. O presbítero regente a representa unicamente no governo. A extensão em que cada um a representa é a única diferença legal que existe entre eles.

Se os presbíteros regentes não são os únicos representantes do povo, por que, então, é dito na Confissão que eles são os próprios representantes do povo? A resposta é óbvia: porque eles são isso mesmo. Mas concluir que, pelo fato de um atributo ser propriamente atribuído a uma pessoa, ele seja negado a outra, seria uma lógica fora do normal. Dizer que, pelo fato de o homem poder ser chamado apropriadamente de mortal, nada mais pode ser mortal, seria a “conclusão mais imperfeita e fraca”. Os senadores de nossas assembleias legislativas são tão representantes do povo como os membros da outra casa, os deputados, embora apenas estes últimos sejam tecnicamente intitulados representantes. Não há nada mais comum do que limitar o uso geral de um termo, ou converter um designativo num nome próprio. Dessa forma, os termos ministro e pastor tornaram-se restritos a uma função específica.

A razão de se restringir o termo representante do povo ao presbítero regente foi provavelmente a seguinte: para a mente inglesa, esse termo trazia a ideia de um regente escolhido. Ora, o presbítero nada mais era do que um regente escolhido, e como seu ofício correspondia precisamente ao significado do termo no seu uso popular os autores da nossa Confissão o adotaram. Eles tinham diante de si o Parlamento Inglês, e ali, os únicos regentes escolhidos eram os membros da Câmara dos Comuns. E como

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eles fossem, comumente, chamados de representantes do povo, os presbíteros regentes, que desempenhavam as mesmas funções na Igreja, receberam o mesmo nome. Os ministros, tendo funções outras além da regência, foram distinguidos por títulos que, para a mente popular, não traziam uma ideia restrita ao governo da Igreja.

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O título oficial do ancião regente no N.T.Tendo, então, exposto os erros do Dr. Hodge em relação ao direito do povo a uma participação substancial no governo da Igreja, e os consequentes erros em relação à natureza do ofício de presbítero regente; tendo demonstrado que todos os oficiais mantêm precisamente a mesma relação com o povo; tendo mostrado que é a igreja que governa, instrui e dispensa os sacramentos por meio deles; tendo visto que eles todos são, sem exceção, seus representantes em diferentes departamentos do seu trabalho — seus órgãos, por meio dos quais ela se move, opera sua vontade, pensa e age — nós prosseguimos, agora, para aquilo que será a nossa tarefa mais fácil: determinar o título oficial do ancião regente no Novo Testamento. Ele é ou não é um presbítero? E esta não é uma simples questão de termos. O presbítero é o único oficial em cujas mãos Deus colocou o governo de Sua Igreja como providência permanente. Ele é o único instrumentum quo — por meio do qual a Igreja pode exercer o poder de governo que nela reside inerentemente. Se, portanto, o ancião regente não é um presbítero, ele é um intruso, um usurpador nos concílios da casa do Senhor. Ele não tem nada a ver com presbitério nenhum. O homem pode colocá-lo ali, mas será sem a autoridade de Deus. De maneira que a questão relacionada com a sua função é uma questão vital. Respondendo a essa questão, o Dr. Hodge nega e nós afirmamos. Contudo, como ocupamos neste artigo a posição de replicadores, contentar-nos-emos com responder às objeções que “o irmão de Princeton” apresentou. Consideremos primeiro a forma da questão, e depois os seus argumentos colocados negativamente.

O Dr. Hodge nos diz que a questão real é esta: o presbítero regente é um clérigo ou um leigo? Esse é um grande erro; pois nós o consideramos como sendo ambas as coisas, e também consideramos o ministro do evangelho dessa mesma forma. Eles são tanto clérigos quanto leigos; e qualquer teoria que negue isso será papista e prelatícia. O que presumimos é que o Dr. Hodge esteja dizendo que a questão real é se o oficial

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regente é um pregador, um ministro do Evangelho, ou não. Mas isso nunca foi posto em dúvida. Ainda que ele repetidamente afirme que a teoria que torna um oficial regente um presbítero também faz dele um pregador, nós o desafiamos a citar um único escritor respeitável que tenha alguma vez confundido as funções de governo com as do ensino. Ele sabe ou deveria saber que tal confusão tem sido persistentemente negada. Não damos ao presbítero regente nenhum direito oficial de dispensar nem a Palavra nem os sacramentos. Não há nem jamais houve nenhuma dúvida sobre esse ponto. O Dr. Hodge está totalmente errado, exceto quanto ao poder de ordenação, quando nos acusa de sustentar que o presbítero regente tem direito de “pregar, ordenar e administrar os sacramentos” tanto quanto os ministros do evangelho o têm. Mas, então, qual é a questão? A questão real é se o termo presbítero significa mestre ou regente; e se for regente, se o termo é genérico ou específico — isto é, se todos os regentes pertencem a uma mesma classe. Nós afirmamos que, no Novo Testamento, presbítero significa regente escolhido, e que esses regentes são de dois tipos, diferenciados um do outro por pregar ou não pregar. Aqui está o real ponto em discussão. Presbítero, no Novo Testamento, significa apenas um ministro do evangelho, alguém comissionado para ministrar a Palavra e os sacramentos, ou significa alguém separado para governar a casa de Deus, quer pregue quer não? Em outras palavras, é esse um título genérico de todo oficial espiritual, quaisquer que sejam as suas funções específicas? Se for assim, o oficial regente é um presbítero; se não for, ele não é nada. Ora, o Dr. Hodge afirma que presbítero significa somente um ministro do evangelho; que um homem que não esteja autorizado a pregar e a administrar os sacramentos não tem o direito a esse nome como um título oficial.

Vejamos esse argumento. Ele apela primeiro às doutrinas e práticas de todas as igrejas reformadas. Todas têm considerado presbítero como equivalente a pregador. Que erro crasso! A Igreja da Escócia com toda certeza está entre as igrejas reformadas; e

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ela ensina expressamente que o termo presbítero como título oficial é genérico e inclui duas classes — uma que ensina e outra que não ensina. Diz assim o Segundo Livro de Disciplina, capítulo vi: “O termo ancião (presbítero) na Escritura algumas vezes se refere à idade, outras, ao ofício. Quando é usado em relação ao ofício, algumas vezes é empregado de modo abrangente, abrangendo tanto os pastores e doutores, como também aqueles que são chamados de mais velhos ou anciãos”, ou seja, presbíteros regentes. Além disso: “Não é necessário que todos os presbíteros sejam também docentes da Palavra. Contudo, os principais o devem ser, e assim, serão dignos de dobrada honra”. Cremos que também a Igreja Presbiteriana na Irlanda deve ser considerada como igreja reformada; contudo a sua doutrina e prática são frontalmente contrárias à teoria do Dr. Hodge. Essa Igreja divide os presbíteros em duas classes, docentes e regentes, e mantém igualmente bispos apostólicos.( 21 ) Essa Igreja requer também que os seus presbíteros regentes sejam ordenados mediante oração e imposição de mãos pelo Presbitério.( 22 ) E em outras igrejas em que a ordenação é feita apenas por ministros é evidente que ela é feita por ministros representantes do presbitério paroquial.

Contudo, para ser breve quanto a esta questão de autoridade, nossa própria Constituição afirma sem ambiguidade que o ofício de presbítero regente “tem sido entendido por grande parte das igrejas protestantes reformadas como a maneira de as Escrituras designarem aqueles que governam a Igreja; e daqueles que governam bem, mas que não ministram a Palavra e a doutrina”. A referência é a 1 Timóteo 5.17; e a alegação consequentemente é a de que uma grande parte das igrejas protestantes reformadas tem entendido que o título oficial de presbítero inclui os presbíteros regentes. Como fica, agora, a asserção do Dr. Hodge de que isso é completamente contrário à doutrina e prática de todas as igrejas reformadas? A Igreja da Escócia é contra ele; a Igreja da Irlanda é contra ele; e nossa Constituição é contra 21 Constitution and Discipline of the Presbyterian Church in Ireland, cap. 1, seções 3, 4.22 Ibidem, cap. iv., seção 2.

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ele. Que prova contra a sua afirmativa afobada e audaciosa! Mas ainda não chegamos ao final do capítulo de seus infortúnios. Ele cita Calvino, e o faz de modo a dar a impressão de que Calvino crê na mesma doutrina em que ele mesmo crê. Calvino, na verdade, sustentava que os oficiais presbíteros do Novo testamento eram bispos, mas que bispos e pregadores não são termos sinônimos. Se o Dr. Hodge quer dizer que Calvino não considerava o presbítero regente como oficialmente um presbítero, ele incorre em grave erro.

Ao comentar Tiago 5.14, Calvino diz:

Incluo aqui, de modo geral, todos os que presidem sobre a Igreja; pois os pastores não são os únicos que são chamados de presbíteros ou anciãos, mas todos aqueles que foram escolhidos dentre o povo para serem, por assim dizer, censores para salvaguardar a disciplina. Pois cada Igreja tem, por assim dizer, seu próprio Senado escolhido dentre homens de influência e de provada integridade.

A respeito de 1 Pedro 5.1:

Por este nome (presbíteros) ele designa os pastores e todos aqueles que foram indicados para o governo da Igreja.

A respeito de 1 Timóteo 5.17, ele observa primeiro que:

“Ancião não é um termo usado para indicar idade, mas para designar um ofício”, e depois acrescenta: “Disso podemos aprender que havia naquela época dois tipos de presbíteros; pois nem todos eram ordenados para pregar. As palavras significam claramente que havia alguns que governavam bem e honradamente, mas não tinham o ofício de mestres. E, de fato, eram escolhidos dentre o povo homens de valor e de bom caráter, os quais, junto com os pastores em comum conselho e autoridade, administravam a disciplina da Igreja, e eram um dos tipos de censores para a correção dos costumes”.

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1 Coríntios 12.28:

Por regentes, entendo que fossem os anciãos, os quais tinham o cargo de exercer a disciplina. A igreja primitiva tinha seu Senado com o propósito de manter o povo num comportamento apropriado, como Paulo mostra noutro lugar quando faz menção de dois tipos de presbíteros (Cfe. 1 Co 5.4).

Isso basta para contestar o primeiro argumento do Doutor — a doutrina e a prática de todas as igrejas reformadas. Passemos ao segundo argumento. É tão elaborado que preferimos apresentá-lo nas próprias palavras do Dr. Hodge: “Destruindo a peculiaridade do ofício, seu valor é destruído. É precisamente porque o presbítero regente é um leigo, que ele constitui um poder real, um elemento distinto em nosso sistema. No momento em que ele é revestido de trajes canônicos, seu poder é destruído e ele passa a ser ridículo. É porque ele não é um clérigo, é porque ele é uma pessoa do povo, engajada nos negócios ordinários da vida, separado da classe de ministros profissionais, que ele é o que é nos concílios da igreja”.( 23 )

Se por leigo ele quer dizer uma pessoa do povo de Deus, nós concordamos que todo presbítero deve ser um leigo, e deve continuar assim pelo resto da vida; mas suspeitamos que a qualificação não lhe seja peculiar — e que talvez seja igualmente importante ou até mais no caso dos ministros. Se por leigo ele quer dizer um simples membro da Igreja, então a importância do ofício depende de isso não ser ofício de forma alguma. Mas se por leigo ele quer dizer alguém que não seja pregador do evangelho, então aceitamos a sua afirmação. É exatamente isso que defendemos — que nossos regentes espirituais deveriam ser classificados em dois tipos, distinguidos um do outro pelo seu treinamento, seus propósitos, suas associações diárias e seus hábitos de pensamento. É essa variedade de constituição mental e disciplina que assegura integridade nas deliberações em

23 Princeton Review de julho de 1860, pág. 560, Ap. B, pág. 627.

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nossos concílios. O Dr. Hodge diz que, se o presbítero regente for revestido de canonicidade, torna-se ridículo. Perguntamos se um ministro presbiteriano apresentaria melhor figura nos mesmos paramentos. Mas essa ilustração mostra quão arraigada está em sua mente a noção papista de que o clero não pertence ao povo — que ele é algo mais do que um simples membro da igreja revestido de um ofício.

O terceiro argumento do Dr. Hodge é a coroa de glória de sua lógica. Ele descobriu que, se fazemos do presbítero regente um clérigo, reduziremos “o governo da igreja a um despotismo clerical”. Leiamos, então, oficial ou ministro no lugar de clérigo — pois ambos são o mesmo — e a conclusão será que um governo administrado por oficiais é um despotismo oficial. Deveríamos nos perguntar que tipo de governo, nesses termos, escaparia dessa acusação. Não temos a mínima condição de entender de que forma então o governo da Igreja poderia ser administrado! Será, então, que o governo dos Estados Unidos é um governo despótico só porque todo poder é exercido por meio de assembleias legislativas e de magistrados — por meio de oficiais escolhidos e estabelecidos para esse exato propósito? Nós sempre pensamos que fosse uma segurança o fato de existirem órgãos por meio dos quais cada segmento do poder é exercido. O direito de eleger liga de forma direta esses oficiais com o povo. Mas o Dr. Hodge diz que o direito do povo de escolher seus governantes não impede que esses governantes sejam déspotas se o povo exerce as funções de governo apenas por intermédio desses mesmos governantes. A ilustração com a qual ele sugere a sua tese é ainda mais surpreendente. Diz ele: “Se, de acordo com a constituição dos Estados Unidos, o presidente, senadores, deputados, chefes de departamentos, juízes, delegados policiais, graduados militares — enfim todos oficiais do maior ao menor (exceto os que cuidam dos pobres), devem ser clérigos, todo mundo veria e sentiria que o poder estava nas mãos do clero”. Seguindo o mesmo princípio, se todos os clérigos fossem escolhidos dentre a classe dos sapateiros, isso poria todo o poder

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da Igreja nas mãos dos sapateiros. Teríamos, então, o despotismo dos “remendões”. O Dr. Hodge confunde em primeiro lugar a classe a que pertence um oficial escolhido com os deveres do ofício — o que o homem já era antes de sua eleição com aquilo que ele se torna em virtude de ter sido eleito. O presidente dos Estados Unidos não teria outros poderes além dos que ele agora já tem, qualquer que fosse sua profissão ou ocupação anteriores. Seu ofício seria o mesmo, quer ele tivesse sido um pregador ou um guarda-trilhos. Limitar a elegibilidade a uma única classe de cidadãos seria arbitrário e injusto. Mas essa tirania não afetaria os deveres do próprio ofício. Ele regeria apenas como presidente, e não como clérigo, doutor ou guarda-trilhos.

Ademais, o Dr. Hodge não percebe o fato de fazer de um homem um clérigo é fazer na Igreja exatamente aquilo que se faz no Estado quando fazemos de um homem um presidente, um senador ou um deputado. Os clérigos são para a Igreja o que esses oficiais são para o Estado. Assim, se selecionássemos os clérigos dentre uma única classe — se nenhum deles pudesse ser pregador, mas pudesse exercer apenas tais e tais profissões

— então faríamos o que a ilustração do Dr. Hodge supõe que seja feito no governo civil quando ele limita o campo de escolha somente aos clérigos. Contudo, essa tal restrição não existe. A Igreja escolhe os seus regentes dentre o grupo todo dos seus membros. Ela não se importa com seus empregos e ocupações anteriores. As portas do ministério estão abertas a todos os qualificados. Essa ilustração, entretanto, prova de forma conclusiva o quanto as noções de clero do Dr. Hodge estão permeadas de concepções papistas. É uma situação social na Igreja, não, simplesmente, um ofício.( 24 )

24 Daí se conclui que labora em erro a afirmação comum de que o governo das igrejas presbiterianas é aristocrata. Se a escolha dos oficiais fosse restrita a uma única classe de homens, essa classe seria uma aristocracia, e a acusação seria justa. Mas como não há tal restrição o governo é puramente republicano. Não há dificuldade nenhuma quanto ao fato de os regentes manterem seus ofícios por toda a vida. Em alguns dos Estados da União Federativa, os juízes são escolhidos para toda a vida, mas isso não faz deles uma ordem nobiliárquica. Enquanto forem escolhidos para essa função e não herdem essa função nem o direito de serem eleitos, eles são parte do povo e se distinguem dos seus concidadãos apenas do modo como um homem privado se distingue de um homem público.

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Mas em terceiro lugar o argumento é totalmente fraco, pois o despotismo não depende dos instrumentos pelos quais o poder é exercido, mas da natureza do próprio poder. A ideia essencial do despotismo é o governo da vontade, em distinção ao governo da lei e do direito. Se a Igreja faz da vontade de seus governantes uma lei, não importa como sejam chamados os governantes, tal governo será despótico. O direito de escolha não significará liberdade. De fato, o escravo pode até escolher o seu senhor, mas continuará sendo escravo pela simples razão de que a natureza do poder do senhor de escravos é um poder despótico. Mas quando um governo tem uma constituição, e uma constituição que estabelece a supremacia da lei e do direito, então esse governo é livre, não importa quem o administre. Nossos governantes presbiterianos têm uma Escritura para seguir; e sua autoridade é puramente ministerial — isto é, executar as prescrições dessa Escritura. Sua vontade, como mera vontade, não tem espaço nesse governo; a lei de Deus é a vontade que reina suprema — e essa lei significa perfeita liberdade. Se os governantes da Igreja traspassam sua incumbência, ninguém é forçado a obedecer-lhes, e a Constituição da Igreja traz abundante provisão para mantê-los sob estrita responsabilidade. Eles mantêm com a Igreja a mesma relação que os governantes dos Estados Unidos mantêm com o povo, e se o governo desta nação é livre, o da Igreja não pode ser despótico. O ideal do governo mais livre e nobre debaixo dos céus, como Milton descreveu tão arrebatadamente, corresponde sem nenhuma exceção à nossa república representativa presbiteriana.

É verdade que denunciamos o argumento do Dr. Hodge sobre esse assunto como ad captandum, e comparamos a sua lógica

— de que se poderia deduzir, dos princípios de uma república representativa livre, um despotismo clerical — à lógica de um ministro batista “casca dura” do Alabama que achou base para a prevalência do batismo por imersão na simples declaração de que a voz de uma tartaruga deveria ser ouvida na terra. Contudo, pedimos perdão ao irmão “casca dura”. Sua interpretação tem

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o mérito da inventividade. O argumento do Dr. Hodge tem o mérito somente de usar palavras ofensivas. É uma vulgaridade essa apelação a paixões e preconceitos associados às noções da supremacia sacerdotal. Essas associações surgiram dos abusos do papismo e da prelazia, e nos alegramos em ver que, apesar de o Doutor se apegar ao conceito radical de clero desses sistemas, ele não está predisposto a desenvolvê-lo e expandi-lo até uma tirania. Aqui ele abre mão de seus amigos e aliados.

O Dr. Hodge diz que, na hora final( 25 ), nós mesmos repudiamos a nova teoria. Se isso quer dizer que nós reconhecemos que o presbítero regente não é oficialmente um presbítero, ou que o termo presbítero como denominação de ofício não inclui duas classes, distintas uma da outra pela posse ou não posse da peculiaridade da pregação, ele está totalmente enganado. Mas se isso quer dizer que nós não reivindicamos ao presbítero regente o direito de ministrar a Palavra e os sacramentos, ele está certo. Jamais mantivemos tal opinião. Jamais estivemos em tal posição extrema de abandonar aquilo que jamais possuímos. O Dr. Hodge pretende chamar o ancião de presbítero no sentido em que os apóstolos são chamados de diáconos. Mas o ponto chave não é aquilo que o Segundo Livro de Disciplina diz ser o sentido comum da palavra — nesse sentido, qualquer homem de idade é um presbítero, e todo crente é um diácono — mas a questão é o sentido oficial da palavra, o sentido que expressa jurisdição na casa de Deus. Este é o sentido em torno do qual gira a questão concernente à aplicação do título, e a respeito desse sentido nós sempre tivemos uma única opinião.25 Essa nossa “hora final” é cômica. O caso foi o seguinte: estávamos envidando uns bons ataques à teoria híbrida do Dr. Hodge sobre o presbiterianismo, quando o Doutor, incapaz de se conter, colocou-se em pé com grande agitação, como se enfrentasse os terrores da morte, e declarou que pensava da mesma forma que nós. Em nossa simplicidade, realmente pensamos que ele estivesse clamando por misericórdia. Ficamos com pena dele, e a coisa ficou por isso.Surpreso, sem dúvida, de se achar vivo após o seu retorno ao lar e certo de que um de nós havia morrido naquela hora de agonia, ele certamente concluiu que teria sido eu, e passou a ministrar-me a confissão do leito de morte. Supomos que devamos aceitar a declaração, e em todos os futuros relatos da cena, imitar o francês que relatou a um oficial inglês a história de um duelo fatal em que esteve envolvido:

— E qual você acha — disse o francês para o oficial inglês — que foi o resultado?— É claro — foi a resposta — que você matou o homem.— Oh, não — disse o francês — foi ele que me matou!

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Se, depois dos exemplos apresentados, qualquer tropeço do Dr. Hodge puder surpreender o leitor, ele arregalaria os olhos de espanto ao ouvir o Doutor afirmar com veemência:

“Não diferimos do Dr. Miller quanto à natureza do ofício dos presbíteros regentes”. Ah! É claro que não! A única diferença é quanto ao método de provar sua divindade! Vejamos isso. O Dr. Hodge diz que o presbítero regente não é um bispo no sentido bíblico; o Dr. Miller afirma que é. O Dr. Hodge diz que o presbítero regente é apenas um leigo; o Dr. Miller afirma que ele é também um clérigo (oficial). O Dr. Hodge aceita a ordenação de um presbítero por um único ministro; o Dr. Miller afirma que deve ser por meio da imposição de mãos do presbitério. Em que, então, eles concordam? Responda, em quê? O discípulo está evidentemente se esforçando para apagar qualquer traço das instruções do mestre. E se a teoria do Dr. Miller tiver de manter suas bases em Princeton, não será com nenhuma assistência das mãos do Dr. Hodge.

Ouçamos o Dr. Miller:

Ora, os oponentes do ofício de presbítero regente, têm alegado que retratar as Escrituras como apresentando duas classes de presbíteros — uma classe de docentes e regentes e outra apenas de regentes, e consequentemente esta última mantendo uma posição não exatamente idêntica à primeira — significa uma virtual capitulação ao argumento (pela paridade do clero) derivado de considerar bispo e presbítero como a mesma coisa. Essa objeção, entretanto, carece totalmente de base. Se supusermos que a palavra presbítero, como usado na Escritura, seja um termo genérico, compreendendo todos que exerciam governo na Igreja; e se considerarmos o termo bispo também como genérico, incluindo todos que mantinham a relação de inspetores ou superintendentes oficiais de um rebanho, então é claro que todos os bispos eram presbíteros segundo o conceito bíblico, e que todos os presbíteros, quer docentes e regentes quer apenas regentes, eram bispos segundo o conceito bíblico,

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desde que tivessem sido postos sobre uma congregação como inspetores ou superintendentes. Não tenho dúvida nenhuma de que esta era a realidade.( 26 )

Aqui temos uma ordem, ou gênero, com duas espécies coordenadas, e o presbítero confirmado como bispo segundo o conceito bíblico.

Além disso:

Se for admitido esse ponto de vista sobre a natureza e a importância do ofício em pauta, surge naturalmente a questão: é correto denominar essa classe de presbíteros de presbíteros leigos, ou eles não têm esse caráter eclesiástico tão restrito que nada impede que usemos essa linguagem para nos referirmos a eles? Este é um dos pontos desta discussão, em relação ao qual o escritor deste ensaio confessa que tem mudado de opinião. Em tempos passados, ele já esteve disposto a atribuir o epíteto “clericais” aos presbíteros docentes, e a designar aqueles que governam, mas não ensinam apenas como presbíteros leigos. Contudo, inquirições e reflexões mais maduras o levaram primeiro a duvidar da correção dessa opinião, e, finalmente, a ser persuadido de que, conquanto a distinção entre clero e laicato seja própria no sentido geral, não deve ser feita essa mesma distinção entre as duas classes de presbíteros; e que, quando falamos de uma classe como de clérigos e da outra como de leigos, estamos prestes a transmitir uma ideia totalmente errônea, para não dizer seriamente nociva.( 27 )

Quanto à ordenação de um presbítero regente:

Parece ser um princípio fundamental em cada segmento, tanto do mundo natural como do mundo moral, que tudo e todos geram conforme a sua semelhança. Se é assim, não se segue, como prescreve o bom senso, que, na ordenação de

26 Essay on the Natures end Duties of the office of the Ruling Elder, 1831, pág. 68.27 Ibidem, págs. 202, 203.

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presbíteros regentes, os membros de um concílio já no ofício devam impor as mãos com o pastor na separação de um membro adicional para o mesmo ofício? Em outras palavras, se já existe um grupo na Igreja, as mãos do presbitério paroquial [conselho] devem ser impostas na inclusão de um novo membro, e no encerramento da cerimônia cada membro deve estender a mão direita de comunhão a cada novo membro ordenado. Isso me parece aceitável tanto pela razão como pela Escritura, e altamente adequado para a edificação. E, se não houver ainda um conselho de presbíteros na Igreja onde a ordenação tem lugar, então o presbitério, conforme suas prerrogativas, deverá indicar um ministro e dois ou mais presbíteros para comparecer, no tempo e lugar mais convenientes, a fim de realizar a ordenação.( 28 )

Revisamos, então, todas as objeções do Dr. Hodge à teoria que faz do presbítero regente oficialmente um presbítero. Ele não apresentou um único argumento que invalide a posição de que esse termo designa uma ordem, ou gênero, dividido em duas espécies, e cujo princípio divisor é a posse ou não posse da peculiaridade da pregação. Os atributos genéricos das espécies, em ambos os casos, devem ser exatamente os mesmos. O gênero é um, e é isso que se quer dizer por uma só ordem. As espécies, é claro, diferem: doutra forma não poderiam ser espécies, e a diferença é acuradamente apontada pelos epítetos docente e regente. Qualquer outra doutrina é pura prelazia. Se o presbítero regente é um oficial espiritual, e ainda assim não é uma espécie concorde com o ministro do evangelho, então deve haver subordinação. Se eles não são iguais, um deve ser mais elevado do que o outro. Se não são da mesma ordem, então são de ordens diferentes, e a paridade dos oficiais espirituais vai pelos ares. Esta é a conclusão lógica de todo o assunto: transformar ministros presbiterianos em prelados, e presbíteros presbiterianos em seus humildes súditos.

28 Ibidem, pág. 290.

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Governo por concílios ou por oficiaisDevemos chamar a atenção a outro ponto que o Dr. Hodge tem indicado como um ponto de diferença entre a sua teoria e a nossa. Ele alega que nós ensinamos “que todo poder na igreja é conjunto e não separado. Isto é, ele só pode ser exercido por concílios e não por oficiais individualmente”.( 29 ) Ora, o fato singular é que, no curso de todo o debate na Assembleia Geral, jamais, nem sequer uma vez, nos opusemos à distinção em questão. Nós a evitamos com muito cuidado. Foi outro irmão, talvez do Mississipi, quem a apresentou. Nós não apenas jamais ensinamos que todo poder é conjunto e não separado, mas nunca ouvimos de um único ser humano na face da terra que o tenha ensinado. Desafiamos o Dr. Hodge a exibir um único exemplo de um só escritor, vivo ou morto, que sustente um absurdo desses. O próprio ato de fazer tal distinção implica que algum poder é separado. O que tem sido ensinado, justa e biblicamente ensinado, é que o poder de governar, o potestas jurisdictionis — como está no Segundo Livro de Disciplina da Igreja da Escócia e que se diferencia do poder de ensinar, o potestas ordinis — é que é conjunto e não separado. Não há, consequentemente, nenhuma diferença entre o Dr. Hodge e nós mesmos, neste ponto. Não há diferença de pensamento a esse respeito em nossa Igreja. Existe uma diferença, entretanto, a respeito de outro ponto relacionado a essa distinção, mas não envolvendo a distinção em si mesma e sim a pergunta se a ordenação pertence ao potestas ordinis ou ao potestas jurisdictionis — em outras palavras, se é um exercício de poder em conjunto ou em separado. Alguns têm argumentado que se trata de uma função ministerial; outros — e nós mesmos entre eles — dizem que se trata de um ato governamental. Mas ninguém jamais sustentou que todo poder seja conjunto e não separado. O que é que se pode pensar de um homem que faz tais asserções descuidadas e impulsivas, sem a menor fundamentação factual? Quão claramente lhe falta essa verdade, quando ele é compelido a recorrer à ficção!

29 Princeton Review de julho de 1860, pág. 547 e Apêndice B do volume do qual este trabalho foi tirado, pág. 617.

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Tendo completado nosso exame do esquema revisado de presbiterianismo do Dr. Hodge, estamos preparados para fazer um resumo.

1) Em primeiro lugar, sua persistente apresentação do clero como uma posição na igreja, separada e distinta do povo, e sua degradação do ofício de presbítero regente a uma ordem inferior à do ministro da Palavra, é completamente prelatícia. Nesse assunto, consequentemente, ele não é presbiteriano.

2) Em segundo lugar, a sua teoria sobre o direito do povo a uma participação substancial no governo da Igreja — tornando-o um segundo estado dentro do reino e atribuindo-lhe a função de oficial — cheira a congregacionalismo. Não tem sabor de presbiterianismo.

3) Em terceiro lugar, suas noções vagas sobre as relações do Espírito com a Igreja, deduzidas de seu celebrado ensaio sobre o conceito da Igreja, apresentam estreita afinidade com o quacrismo.

Seu conceito de unidade da Igreja, como realizada por meio da organização de seus concílios, é presbiteriano. Ele é, portanto, um pouco de cada coisa e não muito de tudo. A sua verdadeira posição é a do ecletismo eclesiástico. Ele observa todos os grupos com olhos de filósofo e como não se sente obrigado pela Escritura a nenhum modo de organização — pois se acha em liberdade para criar novos ofícios e organismos segundo as exigências dos tempos desde que não contradigam certos princípios reguladores — ele seleciona o que lhe parece melhor e joga fora o resto.

Ele não alcança o nível de um presbiterianismo completo por várias razões.

1. Porque ele mantém que a liberdade de ação da Igreja é limitada apenas pelas expressas proibições da Escritura. Seu lema é: Aquilo que não é proibido é lícito. O lema da Igreja é:

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Aquilo que não é ordenado é proibido.

2. Porque ele faz do povo e do clero duas posições distintas entre as quais o poder é compartilhado e pelas quais o poder é conjuntamente exercido; ao passo que a Igreja faz que o clero seja apenas a porção do povo por meio da qual ela exerce as diversas funções de seu ministério espiritual.

3. Porque ele cria duas ordens de governo espiritual, o presbítero ou bispo e o presbítero regente; ao passo que a Igreja tem apenas uma ordem que ela divide em duas classes, o presbítero docente e o regente.

4. Porque ele faz do presbítero regente um mero delegado, para manter o direito de uma classe em particular; ao passo que a Igreja o faz representante, um regente escolhido, por meio de quem ela mesma — e não uma classe — declara e executa a lei de Deus.

5. Porque ele tolera a reivindicação de um jus divinum apenas para princípios reguladores e não para o modo de organizar a Igreja.

6. A fim de obter maior espaço e abrangência para o exercício da liberdade de ação para criar novos ofícios e concílios, ele repudia completamente o princípio de inferência, e nega que aquilo que se deduz da Palavra de Deus, por meio de boa e necessária inferência, é equivalente em autoridade à afirmação expressa. Em todos esses pontos, o Dr. Hodge se afastou da fé de nossos pais. Suas doutrinas com respeito a esses pontos não são as doutrinas da Igreja Presbiteriana. Nós não temos sustentado nenhuma teoria nova ou peculiar do presbiterianismo. Temos demonstrado que, em todos os pontos enumerados, permanecemos nas bases ocupadas pelos mais puros confessores presbiterianos, especialmente na base de nossa respeitável Confissão de Westminster.

Para prevenir qualquer possibilidade de algum mal-entendido,

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talvez seja bom dizer que, conquanto insistamos a respeito da autoridade divina do sistema de governo da Igreja Presbiteriana, permanecemos longe de ser proscritores de igrejas ou de quebrar a comunhão com qualquer denominação evangélica. O sistema de governo, ainda que divino, está subordinado à fé no evangelho. Os mais preciosos laços da comunhão são internos e não externos; e não temos liberdade de rejeitar aqueles que dão evidência de terem sido aceitos por Cristo por causa de defeitos na sua forma de governo nem pelos defeitos daquilo que creem. Além disso, todas as igrejas evangélicas têm as coisas essenciais da instituição visível de Cristo — elas têm ministros e ordenanças; têm alguns ofícios que Ele indicou, ainda que não tenham todos; elas excedem ou têm falta do número de governantes, e falham nos detalhes da organização. Mas enquanto a Palavra nas suas doutrinas essenciais for realmente pregada e os sacramentos forem corretamente administrados, elas são verdadeiras Igrejas do Senhor Jesus Cristo e devem ser recebidas na nossa comunhão e companhia de modo tão cordial como recebemos um crente em particular que não tenha ainda chegado a uma plena medida de conhecimento. Nossa doutrina não dá abrigo à intolerância. Somos consistentes em nossa comunhão eclesiástica, por exemplo, com a Igreja Episcopal Metodista, mesmo que rejeitemos sua forma peculiar de governo como ilegítima e não bíblica, assim como estamos em comunhão cristã com nossos irmãos metodistas ainda que rejeitemos como claramente não bíblico o seu credo arminiano. Nós, portanto, não proscrevemos nenhum grupo que a si mesmo não se proscreva por meio do cerceamento do Cabeça. Fazemos, sim, distinção entre uma Igreja defeituosa e uma Igreja perfeita

— entre as coisas essenciais e as coisas acidentais do sistema de governo.

Conquanto admitamos que as questões de governo sejam subordinadas, quanto à importância, às questões de fé — mera ninharia se comparadas com as grandes verdades do evangelho como sistema de salvação — isso não quer dizer que não tenham

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valor nenhum. Convém que o homem estude tudo aquilo que Deus julgou adequado revelar. “Cada coisa em seu lugar” é um provérbio correto, mas não significa de forma alguma que as coisas comparativamente pequenas não merecem lugar nenhum. Pelo fato de o governo da Igreja não ser a coisa maior, não significa que não seja coisa nenhuma. Mantemo-nos tão longe da tolerância excessiva quanto da intolerância. Desejamos estudar toda a vontade de Deus, e queremos dar a cada coisa precisamente a proeminência que Ele designa que ocupem em Sua própria economia divina. Ninguém deve satisfazer-se com o esforço simplesmente para salvar a própria alma; todos devem esforçar-se para serem perfeitos em toda a vontade de Deus. Essa obrigação é uma reivindicação ampla dos repetidos esforços que temos feito para explicar e aplicar as peculiaridades da política divina de nossa Igreja, e para resistir a todo esquema e artifício que contradiga a harmonia do seu sistema. Ela prosseguirá desperta até a plena consciência de si mesma. Ela continuará a se erguer com a energia de sua vitalidade sadia e lançará fora toda excrescência que as circunstâncias possam ajuntar ao seu redor e que de fato não lhe pertence. Ela será trazida livremente a confessar que sua própria sabedoria é estultícia, e que sua real glória é a força e a luz do Senhor. Ela tomará a Palavra como sua única orientação e renunciará a todos os artifícios humanos.

Em relação às mesas dos concílios, o assunto que provocou toda a discussão, a Igreja Livre da Escócia tomou a frente no desenvolvimento de um presbiterianismo sadio e autoconsistente. Na última reunião de sua venerável assembleia, ela aprovou as mesmas mudanças na construção de seus sistemas, que são como comissões, que nós, nesse mesmo tempo, pressionávamos a Assembleia de nossa Igreja para aprovar. Aquela assembleia sancionou o princípio de que as “Comissões não mais indicarão, daqui por diante, subcomissões especiais nem elas consistirão em maior número de membros do que a Assembleia possa requisitar para as transações eficientes das matérias submetidas ao seu cuidado”. O novo arranjo não

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pôde ser levado a efeito de uma só vez; mas a figura desse tipo de subcomissão deverá ser totalmente abolida e nada restará senão a Comissão Executiva; e a Assembleia assumirá a responsabilidade de sua indicação. Isso foi feito numa Assembleia da qual Robert Buchanan foi moderador, e William Cunningham um dos membros — uma Assembleia, também, que devotou um dia inteiro à comemoração dos grandes princípios da Reforma. Com tal inspiração, o resultado foi maravilhoso. Aquilo que, deste lado do Atlântico, foi denunciado como discutir ninharias, foi considerado como presbiterianismo sadio por uma Assembleia tão culta como nunca se reuniu na Escócia.

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