A Passagem do Analógico para Digital no Som de Cinema – Batman versus Batman, O Retorno

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO

    DEPARTAMENTO DE ARTES E LIBRAS

    CNDIDO DETONI GAZZONI

    A Passagem do Analgico para Digital no Som de CinemaBatman versusBatman, O Retorno

    Florianpolis

    2013

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    A Passagem do Analgico para Digital no Som de CinemaBatman versusBatman, O Retorno

    Trabalho de Concluso de Cursoapresentado ao curso de Cinemacomo requisito parcial paraobteno do ttulo de Bacharel emCinema.

    Orientador: Prof. Me. Jos CludioSiqueira Castanheira

    Florianpolis

    2013

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    CNDIDO DETONI GAZZONI

    A Passagem do Analgico para Digital no Som de CinemaBatman versusBatman, O Retorno

    Este Trabalho de Concluso de Curso foi julgado adequado para obteno dottulo de

    Bacharel em Cinema

    e aprovado em sua forma final.

    Florianpolis, 22 de fevereiro de 2013.

    _______________________________________

    Prof. Dr. Aglair Maria Bernardo

    Coordenadora do curso

    Banca examinadora:

    _______________________________________Prof. Me. Jos Cludio Siqueira Castanheira

    Orientador

    Universidade Federal de Santa Catarina

    _______________________________________

    Prof. Me. Alexandre Linck Vargas

    Membro da Banca Examinadora

    Universidade Federal de Santa Catarina

    _______________________________________

    Prof. Me. Andra Carla Scansani

    Membro da Banca Examinadora

    Universidade Federal de Santa Catarina

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    Agradecimentos

    Agradeo a Deus pela vida.

    Aos meus pais pelo apoio, carinho e oramento da faculdade, pelas primeiras fitas e

    aparelhos...

    A minha irm Candice pelas conversas, brincadeiras e gravaes que me levariam aestudar Cinema e especialmente Som.

    A meu orientador, Z Cludio, por aumentar amplamente minha resposta de frequncia.

    A todos os professores do Curso de Cinema da UFSC, por engradecerem minha gamadinmica.

    Ao Natanael, pelo suporte constante com sistemas de correo de erros e redutores de

    rudo.

    A todos os meus amigos pela companhia, bom humor e pelos filmes vistos juntos, queaumentaram minha relao sinal/ rudo.

    Aos queridos professores que aceitaram meu convite para a banca, Alexandre, Daraca eFelipe, por me ajudarem a diminuir a diafonia.

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    GAZZONI, C. D. A Passagem do Analgico para Digital no Som de Cinema Batman versus Batman, O Retorno. 98 pp. Trabalho de Concluso de Curso(Bacharelado em Cinema), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis.

    RESUMO: Este trabalho discute a mudana do udio cinematogrfico do analgicopara o digital, em sua forma de produo e distribuio, utilizando como objeto deestudo os filmes Batman (1989) e Batman O Retorno (1992), devido ao ltimo tersido marco comercial da mudana do sistema de exibio Dolby Stereo para o Dolby

    Digital. A pesquisa contempla uma breve explanao comentada dos processosanalgico e digital, bem como uma exposio histrica do som de cinema de umdeterminado perodo do sculo XX at o surgimento dos sistemas multicanais doslaboratrios Dolby. Foi feita uma audio de ambos os filmes para a anlise, permitindouma breve descrio dos processos tcnicos relacionados, da captao finalizao,anlises objetivas e subjetivas do material final, e o impacto que esta transformao

    pode ter na apreciao flmica. Concluiu-se que os aparatos tcnicos envolvidos narealizao de um filme acabam por influir diretamente em seu mbito esttico e namaneira como o pblico recepciona determinadas obras.

    Palavras-chave:Batman, Dolby, Analgico, Digital, Som, Cinema.

    ABSTRACT:This paper discusses the cinematic audio shift from analog to digital, inits forms of production and distribution, through a study of the movies Batman(1989)and Batman Returns (1992), since the latter was a commercial milestone in theexhibition systems shift from Dolby Stereo to Dolby Digital. The research includes a

    brief explanation of the analog and digital processes, plus a historical overview of thecinema sound somewhere in the twentieth century until the advent of the DolbyLaboratories multichannel systems. Both films were listened, allowing a briefdescription of technical processes, from shooting to post, an objective and subjective

    analysis of the final material, and the impact that such change might have had on filmappreciation. It was concluded that technical devices involved in making a film directlyinfluence in its aesthetic scope and in the way the audience receives certain works.

    Keywords:Batman, Dolby, Analog, Digital, Sound, Cinema.

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    SUMRIO

    1. Introduo ..................................................................................................................2. O que analgico e digital .........................................................................................3. Como funcionam esses diferentes registros ...............................................................4. Pequena histria do som no Cinema ..........................................................................5. Por que a instaurao do padro Dolby? ................................................................

    5.1Situao sonora do som de cinema da poca .......................................................5.2Os redutores de rudo da Dolby e a melhora implementada na indstria.............5.3A chave: O som multicanal ..................................................................................5.4Dolby = Qualidade ...............................................................................................

    6.

    A concepo e realizao do som de Batman e BatmanO Retorno .......................7. Anlise 1: BATMAN .................................................................................................

    7.1 A Captao de Som ..............................................................................................

    7.1.1 Tipos de locaes ..................................................................................

    7.1.2 Situaes de filmagem ...........................................................................

    7.1.3 Tipos de som a serem captados .............................................................

    7.2 Edio - detalhes perceptveis no filme ................................................................

    7.3 Mixagem - como ela funciona em se tratando de analgico ................................

    7.3.1 Quatro canais versus6-tracks ................................................................

    8. Anlise 2: BATMAN RETURNS ................................................................................

    8.1 A Captao de Som ..............................................................................................

    8.1.1 Tipos de locaes ..................................................................................

    8.1.2 Situaes de filmagem ...........................................................................

    8.1.3 Tipos de som a serem captados .............................................................

    8.2 Edio - detalhes perceptveis no filme ................................................................

    8.2.1 Elementos de uma mixagem 5.1 ............................................................8.3 Mixagem - como ela funciona em se tratando de digital .....................................

    8.3.1 A "nova" configurao 5.1 ....................................................................

    8.3.2 A limitao de cpias em digital............................................................

    9. Concluso ....................................................................................................................

    10. Referncias bibliogrficas .........................................................................................

    11. Anexos ......................................................................................................................

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    1. Introduo

    Desde criana, sempre tive um gosto muito particular por equipamentos de som

    e seus funcionamentos, bem como os resultados de suas diferentes utilizaes. Ao entrar

    na faculdade, esse gosto acabou inclinando-me a buscar o estudo da prtica do som no

    cinema, desde a captao at a finalizao. Da mesma forma, cresci assistindo ao

    desenho e aos filmes do personagem Batman, desenvolvendo uma atrao muito grande

    pelo seu universo. E, pelo fato de fazer parte de uma gerao que passou exatamente

    pela fase de transio entre os meios analgico e digital, tanto de udio como de vdeo,

    julguei ser adequado fundir esses dois pontos to ntimos ao meu pensar e transform-

    los em meu projeto de concluso de curso.

    O meu objetivo atravs desta monografia entender as diferenas entre os

    processos de montagem e finalizao dos sistemas analgico e digital, analisando para

    isso o processo histrico do som de cinema ao longo de um determinado perodo no

    sculo XX, fase de brotamento da indstria cinematogrfica norte-americana e seus

    aprimoramentos tcnicos, bem como os parmetros culturais e tecnolgicos resultantes

    dessas passagens histricas, em como um determinado mtodo de trabalho pode refletir

    em afeies de pblico, mas tambm e principalmente a maneira como a tecnologia

    empregada constri assinaturas sonoras e modelos criativos. Alm disso, pretendo

    demonstrar rapidamente, com exemplos, como o modelo de produo da indstria de

    cinema de Hollywood acaba por definir conceitos de mbito sonoro e social, como a

    fidelidade, o rudo e a pureza, quase que espelhados no sistema de produo fordista

    desenvolvido por Henry Ford para a indstria automobilstica e espelhado em outras

    reas da produo dos Estados Unidos.

    Para tanto, elegi como objetos de anlise os filmes dirigidos pelo cineasta Tim

    Burton para o personagem: Batman, de 1989, e BatmanO Retorno, de 1992, pois eles

    contemplam justamente esta poca da transio entre um modelo e outro, com o

    surgimento dos formatos de som digitais de distribuio, sendo o segundo filme citado

    como o marco histrico do surgimento do Dolby Digital, um ento novo sistema,

    enquanto o primeiro foi realizado no sistema analgico convencional, o Dolby Stereo.

    Escolhi esses filmes por apresentarem semelhanas narrativas e serem com o mesmo

    personagem, por apresentarem desenvolvimento parecido de enredo, mas se

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    diferenciarem pelas tecnologias e conceitos empregados. Ainda, contemplam o perodo

    de transio da indstria.

    A maior distino entre eles diz respeito, principalmente, aos formatos de

    trabalho analgico e digital, no apenas como ferramentas tecnolgicas, mas comomodos de esttica que modelam os gostos e preferncias do pblico cinematogrfico, ou

    seja, podem se tornar fenmenos culturais, dado o fato de o cinema ser uma forma de

    arte.

    Para desenvolver tais anlises, primeiro fao uma breve explanao e derivao

    de ambos os sistemas, o que eles so e como se comportam do ponto de vista criativo,

    embasando minha discusso em uma construo crtica dos procedimentos e seus

    eventuais resultados estticos. Segundamente, delineio brevemente a histria e a

    evoluo do som de cinema ao longo de um determinado perodo, alcanando o

    surgimento dos laboratrios Dolby bem como seus sistemas de reduo de rudo e de

    som multicanal, e a razo pela qual seus produtos se tornaram um padro de trabalho e

    distribuio dos filmes realizados por todo o mundo.

    Por fim, fao a anlise dos dois filmes em blocos separados, observando e

    discutindo detalhes percebidos atravs de meticulosa recepo das obras no intuito de

    esmiuar suas trilhas sonoras como constructos elaborados artificialmente criados para

    fornecer sensaes e auxiliar a narrativa. Trao um panorama geral da trajetria do

    diretor e das situaes particulares em que cada filme foi produzido, para depois

    comentar sobre os profissionais envolvidos em cada etapa, separando pela hierarquia

    usual de elaborao do departamento de som: a captao de som direto, a edio e a

    mixagem, processos os quais obedecem a essa ordem por conterem uma metodologia

    lgica que concatena a experincia sonora que conseguimos ouvir nos cinemas.

    Quando possvel, busco confrontar as caractersticas de situaes pares

    encontradas em ambos os filmes, salientando suas igualdades ou diferenas, sempre

    tendo em mente seu impacto na concepo final que a que chega ao pblico. Em

    especial, procuro discursar a respeito dos elementos que fomentam cada tipo de esttica

    identificada, e por que eles acabam por definir certo tipo de cinema e pblico.

    A pesquisa mostra-se relevante justamente por expor as peculiaridades de dois

    intricados modelos de produo de udio para cinema, que ao mesmo tempo buscam

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    uma uniformidade e, no entanto, se mostram bastante diversos se observados seus

    resultados finais. O dissecar desses processos pode contribuir para a rea dos estudos de

    som demonstrando, alm de descrever como alguns processos so realizados, como

    determinadas mudanas tecnolgicas influem fortemente na esttica e criam novos

    modos de recepo dentro do som de cinema.

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    2. O que som analgico e digital?

    Qualquer mdia ir gravar e reproduzir som de uma maneira

    particular, imprimindo sua prpria assinatura sonora.1

    (BIRTWISTLE, 2010, p. 96, traduo minha)

    Muito embora a propagao das ondas sonoras atravs da fala, da msica e dos

    mais diversos rudos exista desde os primrdios da humanidade, foi apenas durante o

    sculo XIX que se comeou a buscar maneiras de registrar amostras sonoras, para sua

    posterior re-execuo. A busca por manter um determinado trecho de som disponvel

    para ser ouvido novamente impulsionou diversos experimentos de gravao, e a tcnica

    que obteve maior xito e se tornou o marco oficial da gravao, em 1877, foi o

    fongrafo de Thomas A. Edison. Desde ento, a gravao de som evoluiu

    drasticamente, quase sempre na busca por uma cpia do real, uma representao exata

    do som original.

    No entremeio dos diversos processos desenvolvidos ao longo dos anos, em

    variados suportes, como o disco de cera, de laca, a fita magntica ou mesmo a memria

    slida, o registro sonoro pauta-se tecnicamente por dois mtodos: o analgico e o

    digital. No primeiro, uma grandeza ser representada por outra, isto , as variaes de

    um sulco em um disco ou a orientao das partculas magnticas em uma fita sero

    anlogas ao som correspondente. J no segundo, as variaes sero transformadas em

    dgitos manipulveis por dispositivos eletrnicos, isto , a onda sonora tornar-se-

    informao genrica, passvel de ser organizada por um circuito complexo como o de

    um processador de computador.

    importante salientar que, basicamente, quase todos os processos de gravaoenvolvem a transformao da energia sonora em energia eltrica, exceo, por

    exemplo, dos primeiros fongrafos, que transformavam a energia sonora em energia

    mecnica, fazendo a agulha riscar o disco de cera, de acordo com as variaes snicas

    do sinal emitido (por ex. a voz humana). Este rudimentar processo a base do registro

    analgico.

    Dessa forma, o registro da informao sonora se construiu em torno da

    transformao deste tipo de energia, a sonora, em eletricidade, podendo assim ser

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    manipulada. Todos os dispositivos a partir do fongrafo e da amplificao eltrica, no

    incio do sculo XX, independente de sua natureza, trabalham com eletricidade,

    incluindo a os mais modernos computadores e/ou processadores de dados, bem como

    qualquer programa de edio de udio existente.

    Logo, o registro digital surgiu atravs do desenvolvimento dos computadores,

    pois eles comearam a apresentar a capacidade de trabalhar com um grande nmero de

    informaes, bastando apenas que elas fossem transformveis em nmeros calculveis.

    Os computadores trabalham com a linguagem binria, comumente conhecida por 0s e

    1s, sendo que 0 representa que o circuito estar desligado, ou que no passar corrente

    eltrica, e 1 que o circuito estar ligado, ou que passar corrente eltrica por ele. Esta

    linguagem foi escolhida pela facilidade com que os circuitos conseguem responder aosestmulos eltricos gerados, resumindo-se a duas pequenas operaes diretamente

    inversas. Assim, a velocidade de reao, ou de processamento, proporciona que uma

    grande quantidade de dados seja manipulada, com a mxima preciso e, por

    consequncia, com o mnimo de erro. Logo, a possibilidade de se obter extrema

    acurcia em qualquer processo fez com que o som, enquanto informao eltrica, fosse

    tambm convertido para esta linguagem.

    Ao longo dos ltimos 130 anos, tanto a indstria da msica como a do cinema

    conviveram em pocas diversas com essas duas formas de registro do som, a analgica

    e a digital, e com trs possibilidades de manipulao do som, a mecnica, a eltrica e a

    digital, sendo que uma no excludente da outra, tendo existido mquinas hbridas, que

    misturam essas tcnicas, quer seja por necessidade ou por opo, mas sempre buscando

    um melhor aprimoramento da gravao sonora.

    Vale dizer que, no mundo profissional do registro sonoro, sempre existiu uma

    busca por uma melhor qualidade tcnica, a fim de se igualar ou mesmo superar a

    capacidade auditiva humana. Em diversas pocas, consideram-se melhores as mquinas

    de gravao e reproduo que mais se igualavam ao som que os humanos ouviam sem

    esses instrumentos, ou seja, se pautando pelo sentido da audio, incluindo todas as suas

    nuances e subjetividades. A indstria da msica, mais especificamente, parece sempre

    ter propagandeado e almejado uma suposta equivalncia entre a experincia de se

    assistir a um artista ao vivo e ouvir uma gravao em um determinado suporte.

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    Entretanto, o que de fato ocorre que se acabou construindo padres e

    especificaes de gravao que levaram criao de modos auditivos muito

    particulares, ligados diretamente aos processos empregados, tipos de mdia, qualidade

    dos equipamentos e situaes durante a escuta desse material.

    Por exemplo, o som analgico tender a ser associado com a palavra rudo, quer

    sejam os estalos de uma pelcula no cinema, de um disco de vinil ou mesmo o chiado de

    uma fita magntica. Na mesma instncia, por outro lado, o som digital est ligado

    ideia de pureza, de um som limpo e totalmente desprovido de impurezas. E essas

    associaes se relacionam diretamente maneira como se produzem filmes, e a como as

    pessoas os recebem, sendo, portanto, questes da ordem da esttica.

    Antes do surgimento dos sistemas digitais, as pessoas estavam acostumadas

    onipresena de vrios tipos de rudos indesejveis durante a sesso de um filme, muito

    embora essas interferncias fossem abstradas em funo do envolvimento com a

    histria, e essa noo da indivisibilidade do chiado e dos estalos do material flmico era

    clara e aceita. O rudo se tornava, assim, uma espcie de personalizao do som,

    trazendo um valor de real existncia quele material, ou mesmo ressaltando o constructo

    de que o cinema sim, tratava-se de um materialgravado.

    Contudo, com a introduo dos registros digitais, tanto o Cinema como a

    Msica passaram por profundas transformaes, mas a mais relevante de todas foi essa

    limpeza e purificao dada ao material gravado, que no mais conviveria com o

    indesejado. O digital trouxe a ideia da seleo, da organizao, e por que no, da

    objetivao dos sons a serem selecionados para uma determinada obra. A nova esttica,

    de um mundo suplantado pelo excesso de informao, a de ouvir-se apenas o

    desejado, atravs de um controle totalizantedo som, que filtra e seleciona o que se quer

    e o que no.

    3. De que forma ocorrem esses diferentes registros?

    Com a inveno da gravao magntica em fio, por Valdemar Poulsen, em

    1898, e consequentemente seu aperfeioamento por Fritz Pfleumer, em 1928, na

    Alemanha, a principal mdia de registro audiovisual do sculo XX estava lanado: a fitamagntica. Ambos os processos de gravao sonora, o analgico e o digital, tiveram

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    seus desenvolvimentos atravs desse suporte, incluindo a o digital, que s passaria para

    suportes de memria slida no incio dos anos 2000, e mesmo sendo em computador,

    tem seu material registrado em discos rgidos magnticos.

    Logo aps as gravaes em disco, o cinema passou a trabalhar com o registroem som ptico na pelcula cinematogrfica, usando a tcnica de rea varivel, ou seja,

    para cada variao sonora (e consequente variao eltrica), o desenho da onda sonora

    impresso na pelcula cinematogrfica variaria. Esse mtodo, embora tenha sido

    bastante utilizado, possua certas limitaes, como o nvel de intensidade do sinal, uma

    vez que quanto mais intenso, mais rea era necessria para o desenho da onda sonora, e

    a resposta de frequncia era baixa, com severos cortes nas baixas e altas frequncias,

    restando apenas os mdios, no intuito de privilegiar as vozes, e por consequncia, odilogo. O processo sonoro ptico tambm impunha a problemtica da edio linear,

    isto , a copiagem do material acontecia em tempo real, e, caso houvesse qualquer

    problema durante o processo, seria necessrio refazer todo o tempo j realizado, por no

    haver formas de se retificar os erros.

    Antigamente, a mixagem (ou copiagem) era feita em trilhas pticas depelcula, sem poder avanar ou retroceder. Se, enquanto estivesse ocorrendoa copiagem, chegasse em um trecho a 900 ps de um rolo e alguma coisa

    tivesse sido esquecida, voc tinha de voltar para o incio e comear tudo denovo. Hoje em dia, com filme magntico, salas de mixagem com rpidosrecursos de ajustes, e a consequente capacidade de se conseguir pontos deinsero para as mudanas, tudo se tornou mais prtico. Inclusive trouxe maisliberdade criativa para os produtores.2 (KERNER, 1989, p. 77, traduominha)

    Dessa maneira, nota-se que a insero dos equipamentos de gravao analgica

    em fita proporcionou o incio de um processo de transformao na maneira com que se

    finalizava o som de um filme, possibilitando alteraes, correes ou mesmo inseres

    de novos sons, ampliando o potencial criativo da trilha sonora de qualquer filme, e porque no, do potencial de controle da costura cinemtica que a ps-produo sonora de

    uma determinada obra cinematogrfica.

    Com a inveno do gravador NAGRA (ver Figura 14, p. 89), pela marca sua

    Kudeslki, e o lanamento em 1961 do primeiro modelo porttil, o cinema passaria a

    usar a fita magntica de para as gravaes em set, e a pelcula de bitola 35mm,

    recoberta com material magntico para edio e mixagem, o que iria solucionar ou

    amenizar os problemas do som ptico. Assim, ao invs de um equipamento parecido

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    com uma cmera, com um obturador que expunha o filme conforme as variaes de

    corrente, o gravador de rolo porttil passou a ser o equipamento padro de gravao.

    No processo analgico, o som captado entra no microfone, que o transdutor

    responsvel pela converso da onda sonora em sinal eltrico, passa atravs do cabo e conduzido at o pr-amplificador do gravador. Esta etapa responsvel pela

    amplificao do sinal de baixa intensidade advindo do microfone. Aps, o sinal

    conduzido para o amplificador de gravao, que eleva ainda mais o sinal e envia para as

    bobinas que geraro o campo magntico que sair pela cabea magntica, orientando as

    partculas microscpicas de material condutor, como o xido de ferro, de acordo com os

    sons emitidos pelos atores ou objetos. Quanto maior o sinal de entrada, maior a

    quantidade de partculas orientadas.

    Foi sobretudo pelo ganho em frequncias agudas que o som pode progredirem definio, porque estas revelam uma infinidade de pormenores e deinformaes novas, contribuindo para um efeito de presena e de realismo.(CHION, 2008, p. 81)

    importante ressaltar que, quanto maior a quantidade disponvel de partculas,

    mais detalhes do sinal e mais frequncias agudas sero registrados. Esta questo sempre

    foi um desafio do mundo analgico de registro em fita magntica, na busca de ampliar a

    resposta de frequncia e o sinal/rudo, para gravar mais detalhes e ter registros mais

    altos e ntidos da voz dos atores, dos objetos da cena, etc., alm de reduzir o rudo de

    fundo da fita, pois como menciona Andy Birtwistle (2010, p. 86), nas gravaes

    magnticas, [...], o equivalente do rudo de fundo o chiado produzido pelos xidos da

    fita de gravao3. Para isso, muitos aperfeioamentos tcnicos foram feitos, a fim de

    suplantar os problemas e trazer maior resoluo, isto , gravar mais mincias e detalhes

    de cada som, para consequente efeito de realismo. Ainda, foram desenvolvidos e

    acrescidos sistemas de reduo de rudos, como os vrios tipos desenvolvidos pelaDolby, a fim de eliminar o tal rudo de fundo to indesejado, causado pelas partculas

    no magnetizadas, e ento se obter uma limpezado material, de forma tal que talvez o

    mesmo se tornasse mais expressivo.

    Ainda assim, o processo de gravao analgico impunha limitaes: o rudo de

    fundo, um algo a mais colado ao som, que ainda existia, mesmo com os redutores; a

    necessidade do registro em tempo real; o volume de mdia necessrio, isto ,

    quilmetros de fita magntica, desde as gravaes em set at a finalizao; e o desgaste

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    fsico inerente ao suporte. Assim, o mtodo de trabalho era, por dizer, restritivo, uma

    vez que era impregnado de regras de uso e preocupaes de ordem tcnica, mas que

    sempre se revelavam no resultado esttico.

    Sendo assim, a fim de agilizar os processos e permitir maior resoluo degravao, alm de permitir cpias ilimitadas sem perdas, desenvolveu-se o processo

    digital de gravao de udio. Inicialmente pensado para os estdios de msica, o suporte

    continuaria a ser o da fita magntica, sendo apenas que, ao invs das partculas serem

    orientadas conforme a variao eltrica do sinal, seriam orientadas apenas para

    registrarem o discreto cdigo binrio gerado pela mquina que, por sua vez, seria criado

    pelo conversor analgico/digital. Esse conversor uma caixinha mgica que transforma

    som em dados, informaes desconexas e genricas, remontando-o como se fossempeas de um quebra cabeas.

    Nesse tipo de processo de registro digital, o caminho do sinal eltrico

    proveniente do microfone o mesmo, exceo que antes do registro na fita o sinal

    codificado por um conversor analgico/ digital, que transforma valores variveis de

    corrente eltrica em valores fixos do cdigo binrio, baseado apenas em 0s e 1s, que

    sero gravados na fita magntica, a qual roda a uma determinada velocidade em uma

    cabea rotativa, para possibilitar maior registro de informao em menor comprimento

    de fita.

    Muito embora os primeiros modelos portteis de gravadores DAT (ver Figura

    15, p. 89) fossem surgir apenas no incio dos anos 1990, os engenheiros, msicos e

    produtores ficaram muito entusiasmados com o novo formato, destacando sua qualidade

    e versatilidade. Abaixo segue um trecho de uma resenha do novo formato, escrita em

    1987 no jornal The Syracuse Newspapers, e logo em seguida um trecho escrito por

    Michel Chion, para fins de anlise:

    As gravaes em fita DAT soam melhor nas altas frequncias - precisamenteonde os sistemas digitais anteriores tinham problema - porque os gravadoresDAT usam uma taxa de compresso mais rpida quando eles estocodificando sinais de udio analgicos padro. A taxa do DAT de 48kilohertz, um termo da engenharia para 48.000 vezes por segundo. O taxa

    padro antiga de 44 kilohertz. Por causa da forma como os sistemas digitaistrabalham, a frequncia mais alta que pode ser registrada sem problemas um pouco menos do que a metade da taxa de amostragem. Os gravadoresDAT podem ir at aproximadamente 23 kilohertz, enquando os CDs e outrossistemas digitais de fita vo apenas at aproximadamente 21 kilohertz.4(FASOLDT, 1987, traduo minha)

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    Os registros sonoros digitais mais aperfeioados so, por certo,quantitativamente mais ricos em pormenores do que os de outrora, mas nomenos coloridos, ou seja, menos marcados pela retransmisso tcnica, ou atmais. Mas seriam necessrios dez ou vinte anos para disso nos apercebermos.(CHION, 2008, p. 84, grifo meu)

    Com base nos excertos acima, quero ressaltar a ideia do discurso da poca, (e

    que tende a se estender at os dias de hoje), de que os formatos digitais trariam mais

    brilho, vida ou valor de realidade s gravaes realizadas, e tambm de uma suposta

    qualidade neutra, em que o som registrado seria capturado de maneira limpa e pura, isto

    , sem qualquer interferncia do sistema em si, sem qualquer artefato que evidenciasse o

    fato de ser um material gravado, e ostentaria a qualidade doperfeito.

    Portanto, se por um lado esses valores fixos sero lidos com a mesma preciso

    na reproduo, por outro acabam por emoldurar o sinal eltrico em um padro, no

    sendo possvel nuances diversas, isto : cada som que captado pelo microfone,

    conforme comentado anteriormente neste texto, composto de uma srie de frequncias

    diversas, das mais sutis, audveis apenas com fones de boa qualidade ou em salas de

    exibio devidamente calibradas, as mais ntidas ao ouvido nu, o dito grosso do som,

    o mnimo necessrio para a inteligibilidade do dilogo ou de qualquer efeito. Esse

    grosso era o possvel de ser registrado nas primeiras eras do som para cinema, e por

    isso ele considerado to ruim. medida que as tcnicas e materiais foram se

    desenvolvendo, surgiu a possibilidade de se gravar mais e mais detalhes, ou pelo menos

    parecer que tal fato ocorre.

    Tudo se passa, portanto, como se houvesse a convico implcita de que odispositivo de captao e de reproduo do som se tornou transparente,tornando intil a exigncia de uma convenincia prvia entre oacontecimento acstico e sua retransmisso [...]. (CHION, 2008, p.84)

    Nesse ponto, entramos na questo do registro de um determinado eventosonoro e suas semelhanas com o evento em si. Basicamente, sempre se buscou uma

    certa reproduo exata ou mais parecida com o evento escolhido, e os aperfeioamentos

    tcnicos criados acabaram por seguir essa ideologia: a da rplica ou mimese sonora.

    Nesse sentido, as gravaes analgicas, por mais que apresentassem resultados

    extremamente satisfatrios e por vezes mais ricos em alguns detalhes, traziam consigo,

    alm da suposta cpia desse evento sonoro, novo(s) elemento(s), como chiados ou

    imperfeies em determinados trechos. J as gravaes digitais, com seus sistemas de

    filtragens, limpezas eletrnicas e a prpria concatenao da informao auditiva em

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    informao binria, puderam concretizar a ideia da duplicao pura de um determinado

    som, ainda que codificassem o som em uma linguagem dura, exata.

    Com essa explicao, quero demonstrar a necessidade do som digital de se

    enquadrar em uma grade de valores possvel, podendo tornar o som artificial eredutor, ao mesmo tempo em que a tcnica digital finaliza aquela era de impreciso da

    reproduo e da cpia pela instabilidade do processo analgico, e leva a gravao de

    udio em cinema a uma determinada padronizao da forma de como que se ouvir tudo

    que for registrado, isto , a busca por uma experincia consistente e universal para

    qualquer indivduo que venha a manipular ou mesmo simplesmente ouvir aquelas

    gravaes.

    Como o som as molculas de ar em movimento, conforme as variaes de um

    determinado emissor ou objeto em movimento, ele tende a se comportar das mais

    diversas maneiras, com as molculas variando conforme o ambiente pelo qual esse som

    (ar em movimento) passa. Isto , as variantes de um evento sonoro so infinitas, pois,

    por exemplo, quando um professor que est ministrando uma aula em sala de aula para

    um grupo de alunos, no h como afirmar que todos os alunos ouviro as palavras do

    professor da mesma maneira, pois o som da voz emitida pelo professor poder sofrer

    reflexes, abafamentos, perder a intensidade conforme segue em direo ao fundo da

    sala, e mesmo os ouvidos dos alunos podero estar em posies diversas ao mexerem as

    cabeas para olhar o professor ou os colegas, ou ento apanhar um lpis no cho.

    Com esse exemplo, a ideia demonstrar a aleatoriedade do evento sonoro na

    natureza, e mais ainda, as diferentes possibilidades de se ouvireste determinado evento.

    Logo, possvel afirmar que as difuses dos eventos sonoros so um determinado tipo

    de caos, sem correspondncias exatas e imutveis de experincia. Nesse sentido, o

    registro digital, com suas possveis imperfeies e/ou chiados, estaria mais prximo de

    representar esse caos sonoro que o registro digital, que por sua vez se compe em uma

    tentativa de organizar esse caos e replic-lo sempre da mesma maneira.

    E por que sempre da mesma maneira? Para que obtenha a mesma experincia

    em cada vez que se aquele conjunto de sons for reproduzido e, dessa forma, que se afete

    fisiolgica e emocionalmente igual o maior nmero de pessoas. Como os sons so

    representados por informaes binrias fixas, e o modo como elas so decodificadas um padro, os sons sero praticamente idnticos em qualquer sistema de udio. Muito

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    diferentemente de uma fita magntica, que depender da qualidade do equipamento, do

    estado de preservao do suporte em si, ou mesmo da percia do operador.

    Mais que isso, os formatos e processos digitais levam a uma expressiva

    reduo de custos, pois como tudo padronizado, as peas custaro menos, e aquantidade de exemplares idnticos ser maior. Mais pessoas usaro os mesmos

    programas de computador e aparelhos de gravao, logo o valor de fabricao tender a

    diminuir pela quantidade. J um equipamento analgico depender, para prover o

    melhor desempenho, de peas de primeira qualidade, de montagens extremamente

    precisas em mecanismos muito bem projetados e, portanto, de um controle de qualidade

    maior. No caso das fitas, depender tambm da formulao qumica da mesma, que

    precisar ser das exatas e idnticas quantidades de ingredientes a cada lote, e todos nosmesmos estados de temperatura e umidade, ou seja, condies realmente complexas de

    serem reproduzidas.

    Portanto, alm de uma busca pela igualdade de experincia e maior qualidade,

    realismo ou imerso, existe tambm o critrio financeiro. A arte cinematogrfica

    comumente esteve ligada atividade industrial, seus custos, seus retornos, sua maneira

    de administrar a produo humana e, sobremaneira, a seus progressos tecnolgicos,

    sempre no intento de melhorar, agilizar, e diminuir os oramentos de execuo de um

    filme. Assim, em uma indstria, sendo possvel realizar a mesma tarefa e um produto

    igual ou de qualidade semelhante com outra mquina, mesmo que o processo da prpria

    seja deveras diferente, ela substituir a mquina antecessora em um dado perodo de

    tempo.

    E, aproveitando a lgica da indstria, deve-se ressaltar que o modelo fabril

    fordista, estadunidense, do incio do sculo XX, coincidentemente prximo ao

    surgimento do Cinema como atividade industrial, visa homogeneizao da mo de

    obra, que deve vestir as mesmas roupas, trabalhar em um regime fixo de horas, cumprir

    uma meta de escala sempre ascendente e, lgico, a separao em etapas de produo

    para que cada empregado faa sempre a mesma tarefa com perfeio.

    O funcionamento do registro digital de som e seu uso no meio do

    entretenimento e demais ramificaes no deixa de ser reflexo dessa lgica, j que

    equipara os modos de produo e uso, veste as mesmas facetas computacionais,trabalha em um regime padronizado e definido pelas indstrias que o criaram, apresenta

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    uma resposta sempre igual ou maior a que fora projetado, e separa as etapas, distingue

    os sons teisdos inteis ou indesejados, tentando expressar a tarefa com perfeio.

    Este raciocnio, por conseguinte, exprime que os sistemas digitais

    desempenham melhor os trabalhos, sendo mais produtivos e industriais, podendo levar crena de que o digital melhor e isso de fato ocorreu e ocorre, tanto nos meios

    profissionais quanto no meio consumidor. Contudo, suas variantes tcnicas so

    relativas, e o que melhor para um dado processo no necessariamente o para outro.

    Os custos e prazos de produo fizeram a indstria do Cinema convergir quase que

    totalmente para plataformas digitais, mas h situaes em que as aleatoriedades e

    imperfeies dos sistemas analgicos so bem vindas, principalmente nos casos em que

    se precisam registrar fenmenos que no so totalmente controlveis em termosacsticos, ou quando se pretende atingir uma esttica mais orgnica, isto , com mais

    facetas que clculos podem elaborar. Essas limitaes fazem com que, dependendo do

    tipo de efeito sonoro a ser gravado, se empregue gravadores analgicos, como foram os

    casos de alguns efeitos para os filmes Mulher-Gato (Catwoman, 2004) e Matrix

    (The Matrix, 1999).

    [Christopher] Boyes [sound designer do filme] usou um gravador analgicoNagra para gravar o master do chicote, o que, segundo ele diz, o nico jeitode conseguir a essncia da batida. 'Parte da batida um grave subsnico'', eleexplica. 'e eu no conseguiria gravar esse grave num gravador digital de fitaDAT. O que eu quero ouvir, e o que eu posso gravar so duas coisas bemdiferentes. A [finalizadora] World Link Digital em Los Angeles nos achou um

    Nagra. Aquele som especfico parece ser um desses que a fita digitalsimplesmente no consegue capturar do mesmo jeito que ns seres humanosconseguimos ouvir.A tecnologia digital nos levou to longe na ps-produode som para cinema, mas ainda h momentos em que o analgico soa melhor, eeste um deles.5(BULLINS, 2004, p. 35, grifo meu)

    Percebe-se ento, mediante a experincia prtica, que determinados elementos

    do som simplesmente no podem ser enquadrados em um modelo fixo organizado porcomputador, no apenas porque esse registro no ser captado e gravado, mas

    principalmente porque a expresso esttica que o ouvinte deseja, um ser humano com

    audio normal, no se faz efetiva. Considerando-se que o ponto de avaliao possvel,

    o ouvir humano, o parmetro centralizador da construo cinematogrfica ou musical,

    faz-se necessrio que a escolha de qual tecnologia empregar atenda a essa demanda

    esttica, no se tratando de uma questo de valorao qualitativa, no entanto, e sim de

    uma busca por um resultado criativo que proporcione uma experincia de imerso: ofilme.

    http://www.youtube.com/watch?v=6DHtZTPWu_Yhttp://www.youtube.com/watch?v=6DHtZTPWu_Yhttp://www.youtube.com/watch?v=_6q51Htw5gYhttp://www.youtube.com/watch?v=_6q51Htw5gYhttp://www.youtube.com/watch?v=_6q51Htw5gYhttp://www.youtube.com/watch?v=6DHtZTPWu_Y
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    Ao mesmo tempo, nota-se a insistncia em manter uma suposta pureza

    durante os processos, evitando-se a passagem do material pelo sistema analgico ou

    mesmo das fitas magnticas, como se encontra neste trecho falando sobre a ps-

    produo de som do filme Matrix, realizada em 1999, ou seja, num perodo em que a

    finalizao transformava-se drasticamente eliminando os processos analgicos e

    tornando-se totalmente digital. Cito:

    O programa Pro Tools foi usado para gravao, edio, processamento emanipulao de todo o som no filme a msica, o dilogo, tudo e, foraalguns pr-mixes em magntico para uma das mixagens temporrias, fitanunca foi usada para nenhuma parte do trabalho de ps. Isto manteve tudoflexvel e eficiente, e eu creio ainda que acrescentou muito clareza [dosom].6(BUSKIN, abril de 1998, traduo minha)

    importante salientar a questo do manter flexvel, isto , permitir aomaterial grandes alteraes ou mudanas, pela praticidade do sistema digital, o extremo

    oposto da edio em magntico. Por outro lado, na mesma matria h outro trecho, que

    comenta sobre a gravao dos efeitos de foley:

    John Roesch e Hilda Hodgers cuidaram do trabalho de Foley no estdio daWarner Bros em Hollywood, com a superviso de Thom Brennan. Gravadosem fita de 2 polegadas com filtro Dolby SR antes de irem para o Pro Tools,esses foleys abrangeram muitos dos elementos externos do filme alm dacadeia usual de sons. Eles fizeram um trabalho fantstico, diz Dane Danis, "e

    houve bem pouco foley para um filme como este. Cenas como a cmeraentrando no tubo na usina de fora [onde Neo vai ser libertado da Matrix],todos aqueles pequenos respingos e os movimentos foram feitos pela equipede Foley e o resultado ficou lindo. Ns estvamos gravando foley mesesantes da mixagem, porque eu estava incorporando o foley no que eu estavafazendo, e eu estava fazendo pequenas mixagens temporrias durante todo o

    processo para o pessoal da edio de imagem usar no Avid.7(BUSKIN, abrilde 1998, traduo minha)

    O uso de um gravador de fita de 2 polegadas prova como o rudo e a distoro

    analgica agregam textura e um algo a mais ao trabalho sonoro. No haveria

    necessidade, em 1999, de se gravar foleys em fita magntica, mas a equipe julgou que

    essa prtica traria um resultado esttico mais interessante, acrescentando certa

    caracterstica orgnica aos elementos sonoros presentes no filme, justamente, e como

    ocorreu tambm no filme Mulher-Gato, por saturar os graves, ou distorcer nos agudos,

    colocando uma imperfeio, uma proximidade humana, nesses universos artificiais

    criados por imagens grficas ou cenas cheias de trucagens.

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    4. Pequena histria do som no Cinema

    Em 1920 ocorreu a primeira gravao eletroacstica, sendo que em 1921

    surgem os primeiros microfones de bobina mvel, e os microfones pelo princpio dos

    condensadores, bem mais sensveis, surgiriam apenas em 1928. Esses novosmicrofones mais sensveis seriam o grande recurso do Cinema, pois permitiram que

    planos mais abertos (e por consequncia com o microfone mais distante dos atores)

    fossem possveis, como tambm uma maior seletividade dos sons registrados, pois

    trariam para o primeiro plano sonoro apenas as vozes ou objetos escolhidos,

    rejeitando os rudos considerados indesejveis.

    Com o avano da indstria fonogrfica e o amplo uso do formato disco,

    pensou-se que seria possvel juntar a mquina de filmar com a mquina de gravar, e

    ento se experimentou gravar o som da cena enquanto a prpria era filmada, sem, no

    entanto, existir qualquer dispositivo para a sincronia entre o som e a imagem. Ao

    assisti-la, invariavelmente se atrasava ou adiantava o som em relao imagem, as falas

    saindo da boca dos atores antes ou depois de seus lbios se mexerem, portas se

    fechando antes mesmo de aparecerem, etc. Percebeu-se a a necessidade da sincronia,

    isto , que o tempo dos elementos imagticos e sonoros deveria ser o mesmo, dado o

    uso de duas mquinas separadas.

    Claro que em meio s tentativas de concretizar tais ambies muitos processos

    foram criados, que no necessariamente obtiveram o xito pretendido, ou pelo menos

    no sem algum tipo de efeito colateral, ou sem deixar um rastro sonoro diretamente

    ligado poca em questo, ou ao modelo de realizao cinematogrfico pertinente a um

    estdio, dcada ou mesmo a um tcnico ou equipamento especfico de som.

    Em 1924, a companhia estadunidense Western Eletric patentearia a gravaoeletromagntica, o que a tornaria uma das empresas pioneiras quando da introduo do

    som, tanto em filmes quanto em desenhos animados, pelo seu sistema Westrex,

    inicialmente trabalhando com discos e depois com negativos, pelo uso do som ptico.

    Enquanto isso, a Warner Bros. compraria o sistema Vitaphone dos laboratrios Bell, o

    qual j estava em desenvolvimento h bastante tempo, graas ao desejo da empresa do

    inventor do telefone em adentrar no mercado cinematogrfico com o dispositivo sonoro.

    O Vitaphone foi o sistema usado no filme O Cantor de Jazz(The Jazz Singer, 1927), o

    http://www.youtube.com/watch?v=Djd1XfwDAQshttp://www.youtube.com/watch?v=Djd1XfwDAQshttp://www.youtube.com/watch?v=Djd1XfwDAQshttp://www.youtube.com/watch?v=Djd1XfwDAQs
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    primeiro considerado falado, embora o personagem cantasse apenas em um pequeno

    trecho do filme, o equivalente a um rolo.

    Neste momento, em meio ao cinema de narrativa clssica hollywoodiano,

    estabeleceu-se essa lgica do som servir imagem, complementando, ilustrando eenfatizando sua existncia e sentido. Essa questo em especial foi motivo de crtica e

    elogios, alm de teorias muito anteriores ao considerado primeiro filme falado, por

    tericos como Sergei Eisenstein, que comentou sobre a diferena do uso do som na

    montagem horizontal esta citada acima, que segue exatamente o que a imagem

    apresentae a vertical, que segundo ele potencializaria o som, produzindo diferentes

    sensaes e significados.

    verdade que, como a prpria expresso diz, uma pessoa vai para verumfilme e no para ouvi-lo, a expresso em si consiste em uma afirmao deidentidade (isto , totalidade, unidade) de um filme e uma consequentenegao de sua heterogeneidade material. O som algo agregado imagem,

    porm subordinado a ela, a qual atua, paradoxalmente, como um suportesilncioso.8(DOANNE, 1985, p. 54, traduo minha)

    Seria exatamente essa subservincia do som em relao imagem que

    futuramente criaria os vrios conflitos e problemas envolvendo a etapa de produo, e

    as limitaes de criao da ps-produo, mas que ao mesmo tempo definiria o

    principio funcionalista da atividade de som no cinema, e o conceito de como se

    desenvolveria toda a Histria dessa rea.

    No fundo, esta questo da unidade do som e da imagem no teria importnciase no revelassem atravs de inmeros filmes e teorias, ser o prpriosignificante da questo da unidade humana, da unidade cinematogrfica e daunidade em geral. [...] Estranhamente, a ideologia disjustiva e autonomista,

    predominante no discurso intelectual sobre a questo (no seria melhor se osom e a imagem fossem independentes?), decorre totalmente da ilusounitria que descrevemos, uma vez que a falsa unidade que ela denuncia nocinema corrente remete para a ideia de uma verdadeira unidade algures.

    (CHION, 2008, p. 80)

    Isto , naturalmente existe uma unidade percebida pelos seres humanos, pois os

    sons captados pelos ouvidos so percebidos em sincronia com as imagens que chegam

    at os olhos, salvo em alguns poucos casos, como em um trovejar, simplesmente pela

    diferena de velocidades entre a propagao da luz e do som. Mas, no geral, os sons so

    percebidos ao mesmo tempo em que so suas respectivas imagens, e o princpio

    cinematogrfico narrativo comumente empregado pelo cinema estadounidense e em

    outros pases se apia nessa lgica, e medida que se aceita tal pressuposto se torna

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    possvel compreender melhor os sistemas e mtodos corretivos empregados nas trilhas

    sonoras dos filmes.

    Para aperfeioar a sincronia entre som e imagem, aps a transio do suporte

    de discos para o negativo tico, alm do aprimoramento da qualidade, uma vez que aleitura do som no iria depender de contato entre uma agulha e o sulco de cera, passou-

    se a gravar o som opticamente, em uma cmera muito parecida com a que captava a

    imagem. O registro por luz do som se fez mais eficiente porque o formato de exibio

    tambm passou a ser por leitura ptica, inicialmente pelo sistema de densidade varivel

    (mais tarde seria a rea varivel, usado pelo prprio sistema Dolby). Basicamente, com

    o filme usado para o som rodando mesma velocidade que a da imagem, a sincronia

    estaria garantida.

    Contudo, as restries tcnicas de cada poca nem sempre expressaram com

    tanta perfeio esse princpio naturalista do som, como, por exemplo, os filmes das

    dcadas de 1930 ou 40 que, a fim de evitar a gravao de rudo demasiado, usavam um

    sistema de gate9para registar apenas o dilogo, resultando em um rpido crescimento e

    decrescimento da intensidade do som a cada fala. Como menciona Birtwistle, p. 95, o

    fundo e ambientes de baixo nvel raramente eram registrados nessas gravaes, ento h

    momentos de silncio em que ouvimos o chiado do rudo de fundo e estalos da mdia

    ptica, e nada mais10, demonstrando assim a presena de uma assinatura sonora

    particular daquela tecnologia.

    Este sistema de gravao ptica em pelcula foi utilizado por bastante tempo,

    at o incio dos anos 1960, pois muito embora a gravao em fita magntica j fosse

    comum no mundo da msica, dentro dos estdios, ainda no existia um equipamento

    porttil, robusto e que garantisse uma velocidade constante da fita para o uso em

    sincronia com a imagem. Foi ento que, no incio dos anos 1960, a Kudeslki, empresa

    sua de equipamentos sonoros, lanou o Nagra, um gravador porttil com excelente

    funcionamento tanto mecnico quanto eletrnico, e que iria ser um grande divisor de

    guas na indstria do cinema.

    A bitola magntica de de polegada seria usada pelas prximas trs dcadas

    como o padro de captao de udio, em curtas, mdias e longas metragens, do cinema

    documentrio, ficcional a programas televisivos, pela sua qualidade de reproduo,facilidade de uso, pois bastava colocar os rolos no equipamento que o mesmo estaria

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    pronto para gravar, e em caso de qualquer dvida, rebobinar a fita e ouvi-la, em

    oposio necessidade da revelao no sistema ptico.

    Por essa praticidade, o modo de trabalho nos sets sofreria uma mudana

    radical, permitindo que as filmagens sassem do interior dos estdios e pudessem serfeitas em locaes externas das mais diversas, pelo fato de o equipamento no ser mais

    to pesado e muito menos depender de uma estrutura especial para revelao de

    negativos. Ainda, cada tomada registrada poderia ser avaliada imediatamente no set,

    pelo simples rebobinar de uma fita, modificando a forma de como as decises eram

    tomadas, tanto do ponto de vista do tcnico como do diretor ou produtor.

    Na ps-produo, o suporte magntico tambm seria adotado, com a

    transcrio das fitas de registradas no set de filmagens para o magntico perfurado, de

    bitola de 35mm, que seria usado no sincronizador, mesa de montagem (ver Figura 17, p.

    90) e posteriormente nas mquinas dummies para a mixagem(ver Figura 18, p. 90). A

    excelente qualidade aliada facilidade de corte e manuseio manteria o sistema por

    muitos anos, inclusive por algum perodo depois da introduo das plataformas digitais

    no incio da dcada de 1990.

    Embora ainda trabalhoso, o processo de edio sonora de um filme tornou-se

    um pouco mais prtico, uma vez que no mais dependeria de um laboratrio de

    revelao para obter as cpias de negativo tico prontas, e passaria a ser algo mais do

    mbito sonoro apenas, alm de eletrnico, uma vez que era necessrio copiar de um

    magntico para outro as pistas de som direto, os efeitos, ambincias e mesmo copiar o

    prprio filme na sua integridade no processo de mixagem. No incio dessa mudana, no

    entanto, muitos tcnicos estranharam a falta do fator visual durante a edio, pois

    anteriormente era possvel a eles enxergara onda sonora e trabalhar dividindo a lgica

    de trabalho entre os dois sentidos, portanto, a audio e a viso. Esse princpio seria

    retomado nas plataformas digitais anos frente, ao exibir o formato da onda sonora no

    computador.

    J no suporte magntico, o editor passou a trabalhar no escuro, pois

    dependeria preponderantemente de sua audio para tomar as decises de corte e avaliar

    os resultados. Visualmente, teria apenas metros e mais metros de uma fita

    uniformemente preta, emendada nos mais diversos pontos. fato que o novo processo,empregado em larga escala ao longo das dcadas de 1960, 70 e 80, traria mais dinmica

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    montagem sonora dos filmes de modo geral, pelo aumento da possibilidade de cortes,

    mudanas e encaixes, facilmente testveis na sala de edio, bastando apenas cortar o

    efeito desejado, colar no restante e ouvir. Caso no ficasse bom, se retirava o efeito e

    buscava-se outro. Antes, para as fuses entre o corpo de efeitos e dilogos, era

    necessrio o uso de mquinas de fuso de negativos, como nos processos de truca da

    imagem, e o negativo teria de ser revelado para se ouvir o resultado completo.

    Assim, o sistema de edio de som deste perodo funcionava baseado na cpia

    de uma fita para outra fita. Um princpio de replicao, indispensvel para se transferir

    um elemento sonoro de um lugar para o outro. Essas cpias teriam de ser feitas em

    tempo real, o que permitia ao editor ouvir inmeras vezes o mesmo material, o que

    porventura acrescentaria no mbito criativo, pois a quantidade de vezes em que seouviria o material, por mera necessidade tcnica, poderia fazer o editor repensar se

    aquele determinado efeito era o ideal, ou se deveria buscar outro. No entremeio desses

    trabalhos, existia um grande cuidado com relao aos cortes e emendas desses

    magnticos, pois uma colagem mal feita poderia resultar em rudos estranhos que

    exporiam o constructo da montagem de som, quebrando a lgica da montagem invisvel

    almejada pelo modelo hollywoodiano de cinema. Outro cuidado imprescindvel era com

    o nmero de geraes do material, isto , a quantidade de vezes que um som era copiadode uma fita para outra, j que a cada vez uma quantidade de rudo de fundo e chiados

    seria somada na cpia seguinte.

    Em todos os processos, e na mixagem especificamente, contudo, a mdia

    magntica oferecia essa desvantagem: a perda de qualidade entre uma gerao e outra

    atravs das cpias. Para diminuir esse problema, portanto, fazia-se necessrio o uso de

    um sistema de funil, isto , trabalhar-se sempre com a melhor bitola ou suporte, com

    qualidade superior, para manter-se ao mximo a acuidade sonora. Essas precaueseram fundamentais devido ao fato de que a finalizao de som desse perodo era

    basicamente o somatrio de uma grande quantidade de elementos, todos captados e

    manipulados no suporte de fitas, que seriam agrupados ao longo de uma srie de sesses

    de cpias: das fitas de som direto do set para magntico editvel, dos rolos de acervos

    sonoros para outros magnticos, e desses para outros, a fim de agrupar os efeitos, e

    desses vrios agrupamentos para uma fita final com todos os volumes corrigidos na fase

    da mixagem.

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    Ento, a grande desvantagem do sistema magntico era o rudo de fundo

    (partculas de xido no magnetizadas). Para contornar essa problemtica que

    surgiriam os sistemas de reduo de rudo dos laboratrios Dolby. O primeiro deles foi

    o Dolby tipo A, feito inicialmente para a indstria da msica, mas utilizado pela

    primeira vez em grande quantidade no cinema por Bill Rowe (curiosamente o mesmo

    mixador do filme Batman, um dos objetos de estudo deste trabalho) no filme Laranja

    Mecnica (1971), de Staley Kubrick.

    A reputao e popularidade de Bill cresceu e em 1972 ele se tornou ochefe do departamento de mixagem [do Elstree Studio]. Ele foi a

    primeira pessoa no mundo a utilizar o ento inovador sistema dereduo de rudos da Dolby na mixagem do filme LaranjaMecnica, utilizando Dolby em todos os pr-mixes e masters.11(SLOMAN, 1992, p. 4, traduo minha)

    Os renomados mestres do cinema faziam fila para mixar com BillRowe; Ele mixou trs filmes para Stanley Kubrick, Yent com BarbraStreisand, Cruz de Ferro e o arrasador sucesso de billheteria daWarner Bros., Batman.12(SLOMAN, 1992, p. 4, traduo minha)

    Esses esforos quanto reduo dos rudos de fundo foram um dos diferenciais

    no sucesso dos sistemas multicanais, pois no somente os filmes mixados no novo

    sistema de quatro canais matrixados da Dolby, mas tambm os mixados em seis canais

    para exibio com som magntico de seis pistas, empregariam tais sistemas. Esse grupo

    de aes elevaria a qualidade do som de cinema a um novo patamar, causando um

    grande impacto no pblico, que normalmente associava o som dos filmes a uma

    qualidade muito limitada, em que se ouvia apenas o dilogo e alguns poucos efeitos

    com total clareza, com raras excees de filmes muito trabalhados no quesito sonoro.

    Para superar essas limitaes e tornar o som do cinema multicanal, vrias

    tentativas foram feitas, como o sistema Fantasound, em 1940, desenvolvido pela prpria

    Disney para o filme Fantasia, que no obteve xito pelo seu custo de instalaoexcessivo. Outro sistema relevante foi o inventado pela empresa Todd AO, com cinco

    canais instalados atrs da tela, organizados dessa maneira para abarcar a larga dimenso

    das telas do sistema Cinerama nos anos 1950. Contudo, seus custos tambm eram

    elevados, permitindo apenas a uma pequena cadeia de exibidores possui-lo, embora esse

    sistema fosse perseverar dando origem ao 6-tracks magntico, j com configurao do

    5.1, e posteriormente serviria como base para os sistemas digitais. Tais sistemas sempre

    exigiam cpias especiais, normalmente na bitola de 70mm, com uma banda especial

    http://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AAhttp://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AAhttp://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AAhttp://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AAhttp://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AAhttp://www.youtube.com/watch?v=cQCQRLA05AA
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    para o som magntico, e tais cpias custavam quase cinco vezes mais que as

    convencionais na bitola 35mm unicamente com som ptico.

    Ray Dolby[...] estava claramente no lugar certo [a fbrica de fitas AMPEX]para aprender sobre gravao magntica de som e dois famosos problemas

    que a acometiam: o custo das cpias e o equipamento de reproduo (ascpias com som magntico podiam custar at dez vezes mais que uma cpiaconvencional com som mono ptico), e a vida limitada da faixa magntica(que se deteriora muito mais rpido que as cpias com som mono ptico porcausa da frico com a cabea de leitura). (SERGI, 2004, p. 16)13

    Logo, a introduo do Dolby Stereo, sistema que conseguia codificar quatro

    canais de som nos dois canais pticos j existentes das cpias 35mm, sem custo

    adicional algum por cpia, foi o divisor de guas, pois reunia o som multicanal com a

    qualidade e ampla reduo dos rudos indesejados. Os primeiros filmes a empregar o

    novo sistema foramA Star is BorneTommy,ambos de 1975, mas no obtiveram muito

    destaque por serem filmes mais convencionais, sem tanta expressividade sonora que

    preenchesse os novos canais sonoros adjacentes. Foi com Star Wars,em 1977, que o

    sistema seria empregado em um filme que oferecia um novo tipo de narrativa, com

    muitos elementos sonoros de natureza estranha, pipocando pela tela de um canal para o

    outro, obtendo assim um sucesso estrondoso.

    Assim, todos os filmes subsequentes passariam a ser mixados no novo sistemaDolby Stereo, que ajudaria a transformar o cinema dos EUA de uma forma muito

    peculiar, pois foi justamente nessa poca, meados dos anos 1970, que o gnero chamado

    Blockbuster(os Arrasa-Quarteires) iria emergir para o mundo. E com trilhas sonoras

    explosivas, cheias de detalhes e boa qualidade, com dilogos em destaque e

    ambientaes e efeitos mais claros e bem trabalhados, o modelo de cinema desse pas

    nunca mais seria o mesmo.

    Em 1978,Supermanseria lanado tanto no sistema Dolby Stereo convencional

    como no de 6 pistas magntico, trazendo nesta verso testes com os dois canais

    surrounddistintos, um para a esquerda e outra para a direita. Em 1979, Walter Murch

    cunharia o termosound designere revolucionaria a montagem de som para cinema com

    o filmeApocalypse Now,um trabalho com bastante foco no desenvolvimento da parte

    sonora, que tambm foi realizado nos dois sistemas, j com o surround separado na

    verso do 6-tracks. Assim, no incio dos anos 1980, praticamente todos os lanamentos

    de cinema americanos seriam mixados em Dolby Stereo, e os filmes com maior

    http://www.youtube.com/watch?v=FbVXxuykP_Mhttp://www.youtube.com/watch?v=FbVXxuykP_Mhttp://www.youtube.com/watch?v=FbVXxuykP_Mhttp://www.youtube.com/watch?v=GX0v6NMusC4http://www.youtube.com/watch?v=GX0v6NMusC4http://www.youtube.com/watch?v=GX0v6NMusC4http://www.youtube.com/watch?v=9gvqpFbRKtQhttp://www.youtube.com/watch?v=9gvqpFbRKtQhttp://www.youtube.com/watch?v=twyYIPhSa3Uhttp://www.youtube.com/watch?v=twyYIPhSa3Uhttp://www.youtube.com/watch?v=twyYIPhSa3Uhttp://www.youtube.com/watch?v=1b26BD5KjH0http://www.youtube.com/watch?v=1b26BD5KjH0http://www.youtube.com/watch?v=1b26BD5KjH0http://www.youtube.com/watch?v=1b26BD5KjH0http://www.youtube.com/watch?v=twyYIPhSa3Uhttp://www.youtube.com/watch?v=9gvqpFbRKtQhttp://www.youtube.com/watch?v=GX0v6NMusC4http://www.youtube.com/watch?v=FbVXxuykP_M
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    potencial de mercado tambm em 6 pistas para magntico, tornando a elaborao do

    som de cinema majoritariamente multicanal, com vrias camadas e elementos, embora

    pensada principalmente em torno do dilogo, atravs do canal central dedicado

    especialmente para essa finalidade.

    Outro elemento que revolucionaria o mundo da finalizao de som seria, em

    1989, a criao da plataforma de edio em softwarePro Tools (ver Figura 19, p. 91), o

    programa que se tornaria padro mundial em edio de som para msica e cinema. A

    introduo desse e outros programas de edio digital de som atravs do computador, as

    chamadas DAW Digital Audio Workstations (Plataformas de trabalho de udio

    digitais), viriam a modificar profundamente a maneira como a finalizao de som

    ocorreria, e aposentariam a montagem em magntico em meados dos anos 1990. Nessamesma poca, a Sony, a Fostex, a HBB e outras lanariam no mercado os primeiros

    modelos portteis de gravadores DAT, que tambm substituiriam o uso do gravador

    NAGRA e da fita de nos sets. Tais mudanas radicais ocorreram pela busca de mais

    qualidade, segurana da mdia, estabilidade das gravaes, rapidez dos processos e

    diminuio de custos, fatores estes que costumam nortear a indstria do cinema.

    A edio de som se tornaria um processo muito mais gil, com margem para

    alteraes mais fceis e rpidas, e com uma menor perda de qualidade do todo. Nessas

    pocas que se comearia a perder a fisicalidade dos processos, com a reduo do

    contato do tcnico com as mdias em si, e assim um intermdio maior da mquina em

    relao ao som propriamente dito. Essa mudana trouxe, alm da praticidade e da maior

    qualidade tcnica, maiores desafios para o mundo sonoro dos filmes, pois a tolerncia

    do pblico ao uso repetido de sons de arquivo, comumente usados na poca do

    magntico, seria muito menor, fazendo com que o mercado das produes exigisse

    novos efeitos com mais detalhes e distino completa de qualquer material utilizado emfilmes anteriores.

    5. Por que a instaurao do padro Dolby?

    5.1 Situao sonora do som de cinema da poca

    A crescente busca pelos avanos cientficos para aprimorar o setor blico e acorrida espacial, centrada em um mundo bipolar entre o ocidente e o oriente, iniciou um

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    cenrio da alta fidelidade (do ingls, hi-fi high fidelity), e as geraes desses anos

    ganhando um gosto por esse tipo de estado tcnico e esttico, especificamente com o

    surgimento das gravaes e formatos estereofnicos, que traziam consigo maior

    qualidade de sinal e uma maior noo de espacialidade, j que os seres humanos

    possuem dois aparelhos auditivos que permitem uma percepo de mltiplos lados.

    Ao mesmo tempo, a indstria da msica estava aproveitando o perodo demudanas sem prescendentes atravs da exploso da gnero rock and roll e oaperfeioamento dos sistemas domsticos de alta fidelidade. Em umainverso do que foi verdade nos anos 1950 e comeo dos 60, a qualidade dereproduco do som em casa agora ultrapassava facilmente, pelo menos a

    princpio, da mdia das salas de cinema em termos de qualidade de somenquanto elas estavam ainda estacionadas com um desesperadora tecnologiaantiquada.14(SERGI, 2004, p.17-18)

    Logo, com o pblico possuindo em casa amplificadores, gravadores e caixas

    acsticas que ofereciam maior resoluo, o cinema estava em um "estado de

    emergncia", como j estivera antes com a concorrncia oferecida pela televiso. Esse

    cenrio fez com que se aumentassem as buscas em melhorar a qualidade do som nas

    salas exibidoras, utilizando para isso um sistema barato e eficiente, pois tentativas j

    existentes, como o Fantasound da Disney ou mesmo o sistema "6-tracks" magntico

    eram muito dispendiosos. A que entrar Ray Dolby e suas ideias revolucionrias.

    5.2 Os redutores de ruido da Dolby e a melhora implementada na

    indstria da msica/cinema

    Ray Dolby era um engenheiro que trabalhava na AMPEX, uma companhia de

    mdias e equipamentos magnticos. importante destacar que a indstria da msica

    sofria do mesmo problema do cinema em suas gravaes: o chiado de fundo inerente

    mdia magntica. Para sanar isso, vrias tentativas foram realizadas, como diferentes

    tipos de equalizaes, filtro passa-baixas, passa-altas, mas tudo resultava em perdas

    significativas no resultado final. Foi ento que Dolby apresentou o sistema que iria

    revolucionar o mercado, o Dolby A, recebido com muito entusiasmo pela indstria

    musical. A indstria do cinema, no entanto, fora mais relutante, pois j possuia um

    padro, a famigerada "Curva da Academia" (Academy Curve), com cortes nas faixas de

    frequncias graves e agudas. Nesse meio tempo, os laboratrios Dolby lanaram o

    Dolby B, sistema desenvolvido para o uso domstico, e que se tornaria o padro nas

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    fitas pr-gravadas de msica por mais de trs dcadas, enfatizando a melhoria do som

    encontrada na casa das pessoas, com agudos mais limpos e todo o espectro mais

    definido, sem mencionar a j existncia da estereofonia nesse ambiente. Vale ressaltar

    isso porque, no momento em que a pessoa fosse gravar uma fita cassete com suas

    canes preferidas, ela estava obtendo, de uma maneira, um som tecnicamente superior

    ao das salas de cinema, ou seja, um grande paradoxo com o que se seguiria nas dcadas

    seguintes, e inverteria essa lgica, tornando a expresso "som de cinema" como

    qualificadora de um estado superior.

    Com o passar do tempo, todos os filmes passaram a ser gravados e processados

    usando sistemas da Dolby, diminuindo consideravelmente rudos e chiados antes

    comuns nas exibies. No obstante, importante ressaltar como a busca por um udiode qualidade no se refere unicamente a melhorias tcnicas ou medies de nmeros

    mais precisos, e sim a construir um dispositivo que permita a imerso das pessoas em

    uma histria. O udio costuma ser pautado pela experincia humana, e as pessoas no

    ouvem com chiados, estalos ou qualquer tipo de interferncia. Logo, obter essa mesma

    instancia de acuidade sonora na reproduo possibilita uma aproximao da experincia

    de vida, de modo que o pblico possa esquecer que est encerrado em uma sala fechada

    e escura com um rolo de pelcula rodando e projetando quadros em movimento em umatela branca, com desenhossendo convertidos em eletricidade para serem mandados

    para caixas de som, e assim ento adentrar no mito criado pelos realizadores.

    Para citar um exemplo paralelo, quando algum ouve um disco velho de vinil,

    h uma grande quantidade de estalos. Por mais que a audio humana seja capaz de

    abstrair os rudos, essa pessoa saber que est ouvindo um disco de vinil em uma vitrola

    em sua casa. A partir do momento em que se desenvolveram tcnicas de melhorias para

    as mdias analgicas, como os filtros de rudo Dolby, as chances dessa mesma pessoamergulhar na cano que estivesse ouvindo e esquecer todo o lado pragmtico do ato de

    se ouvir msica gravada se tornaram muito maiores, enaltecendo o prazer possibilitado

    pela audio musical. As propagandas de equipamentos de som domsticos geralmente

    enalteciam a qualidade dos produtos apresentados, mencionando que naquele

    determinado aparelho de som se estaria ouvindo a msica como se fosse "ao vivo", e

    sentindo uma emoo prpria (ver Figura 30, p. 97).

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    Nesse mesmo raciocnio, possvel afirmar que a busca por melhorias tcnicas

    que abstraiam o pblico de estar em uma sala de cinema se faz pelo interesse em

    explorar o prazer de ler/ouvir histrias, ato factual da histria humana. E nessa

    empreitada, o objetivo assemelhar-se ao sentido humano da audio, no caso do som

    para cinema. a que entra o grande avano dos laboratrios Dolby, que levar fase

    chamada de Segunda Revoluo do Som no Cinema.

    5.3 A chave: O som multicanal

    Como antes mencionado, existiram vrias tentativas de som multicanal, mas a

    maioria era dispendiosa e de complexa instalao. Assim, o desafio era inventar um

    sistema que fosse eficiente e ao mesmo tempo barato. Foi isso que Dolby fez.

    Utilizando tcnicas eletrnicas como circuitos diferenciadores de ganho e inversores de

    fase, ele conseguiu criar dois sistemas, um primeiro mais rudimentar e um segundo mais

    sofisticado. O primeiro conseguia abrir dois canais em trs, possibilitando o canal

    central, que seria usado especificamente para o dilogo, o que permitia muito mais

    clareza, ao mesmo tempo em que impedia o problema da distribuio de som ao longe

    de uma sala de cinema, principal impedimento da mudana do som monofnico para o

    estreo, pois num sistema estereofnico um sinal de mesma intensidade nos dois canais

    ser reproduzido em um espao chamado "centro fantasma", fenmeno esse que

    somente ocorre se o ouvinte estiver exatamente no ponto de encontro das duas fontes,

    como um triangulo equiltero.

    Contudo, esse primeiro sistema ainda restringia o "peso" do som de cinema a

    ser proveniente unicamente da tela, permanecendo o restante da sala em uma espcie de

    "vcuo sonoro". Assim, aperfeioou-se o sistema acrescentando-se um quarto canal, o

    surround (do ingls, que sugere envolvente, ao redor), com o nome de Dolby

    Stereo. Basicamente, atravs de uma matriz de codificao e decodificao, o sistema

    permitiu que quatro canais distintos de udio fossem agregados e colocados nos dois

    canais j existentes da banda ptica da pelcula cinematogrfica de exibio, retornando

    a quatro canais durante a exibio, um sistema 4:2:4. Essa encriptao se fazia

    necessria pela pequena rea disponvel para o som nos rolos de filme, e o grande

    diferencial da Dolby, que a faz ser lder de mercado, foi justamente construir uma

    soluo inteligente que ocupasse a bitola j existente, diminuindo os custos de

    instalao para os exibidores, uma vez que eram justamente os altos investimentos

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    exigidos pelos outros sistemas que impediam a mudana. O sistema Dolby exigia

    unicamente a instalao das caixas acsticas faltantes, os respectivos amplificadores e

    um aparelho decodificador (ver Figuras 8, 9 e 10, p. 85-6), de pequeno tamanho, que

    podia ser instalado em um rack padro.

    Crucialmente, Dolby e seus colaboradores compreenderam que, para obtersucesso, seu sistema deveria ser compatvel com as instalaes de som jexistentes, e ainda ser relativamente simples de instalar. Isto se traduziu emuma instalao mais em conta do que qualquer outro sistema estreo anterior:o custo da converso era menos de US$ 5.000,00 [...]. A flexibilidadefinanceira do Dolby Stereo fica particularmente evidente se for consideradoque o preo do sistema magntico de 4 canais do Cinerama nos anos 1950 eraem torno de US$ 25.000,00 e que o Fantasound da Disney nos anos 40custava mais de US$ 45.000,00 para instalar.15(SERGI, 2004, p. 20, traduominha)

    Em Star Wars, as naves espaciais, os raios laser, as batalhas, todos esses

    detalhes ofereciam elementos para justamente construir o que o som Dolby podia

    proporcionar: espacializao (ver Figura 23, p. 93). Depois desse filme, todos os

    lanamentos estadunidenses seriam realizados nesse novo formato, a nova coqueluche

    do cinema, como Contatos Imediatos de Terceiro Grau(Close Encounters of the Third

    Kind, 1977), Superman (1978), o novo filme de James Bond quela poca: 007 O

    Espio que me Amava(The Spy Who Loved me, 1977). Neste filme, h um momento

    em particular a ser comentado, que mostra com perfeio a nova ferramenta e como ele

    iria transformar todos os filmes a partir de ento:

    Quando James Bond e a Major Anya Amasova viajam para Sardenha, para

    averiguar um centro de pesquisa do vilo da histria, ocorrem vrias aes durante a

    cena que produzem elementos sonoros particularmente interessantes para a nova

    configurao do Dolby, e que portanto pode-se aferir que foram feitas justamente para

    esse objetivo..A charrete em que eles esto vem da direita para esquerda, propiciando

    uma panormica do canal direito, passando para o centro e ao fim para o esquerdo.

    Passa uma bicicleta da direta para a esquerda que perpassa o canal esquerdo e central.

    Logo em seguida, ouve-se vindo do canal esquerdo um rudo de carro, que se revela em

    um plano seguinte como o novoBond Car chegando de navio. Nesse instante, o som do

    carro acelerando e saindo do navio aumenta de intensidade no central, como se o carro

    se aproximasse de ns. Aps, h um certo destaque para o burburinho das pessoas no

    cais e logo se inicia o dilogo, tendo para isso uma reduo do burburinho. Quando

    Bond vai depositar as malas no porta-malas de seu novo carro, um detalhe: o som do

    http://www.youtube.com/watch?v=mYCBgSRNjk0http://www.youtube.com/watch?v=mYCBgSRNjk0http://www.youtube.com/watch?v=mYCBgSRNjk0http://www.youtube.com/watch?v=nsf0VRxmsp0http://www.youtube.com/watch?v=nsf0VRxmsp0http://www.youtube.com/watch?v=nsf0VRxmsp0http://www.youtube.com/watch?v=nsf0VRxmsp0http://www.youtube.com/watch?v=nsf0VRxmsp0http://www.youtube.com/watch?v=mYCBgSRNjk0
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    burburinho reduzido bruscamente, possivelmente por conta do mtodo de mixagem da

    poca, dubbing (em ingls: copiar, dublar), em que os mixadores ajustavam os sons

    manualmente e em tempo real de copiagem. Dessa forma, a cena segue, com os

    personagens exprimindo seus dilogos em primeiro plano, e o restante dos rudos de

    fundo mais baixos. Isso indica uma provvel necessidade de segurana, uma vez que a

    maior parte do mundo assistiria ao filme em uma cpia mono, com todas as suas

    limitaes, dado o ineditismo do sistema Dolby Stereo. Ao trmino da cena descrita,

    Bond arranca com seu novo veculo, saindo para a direita do quadro, e, portando, uma

    panormica sonora do central para o canal direito.

    Para Superman, h outro detalhe muito significativo: como ocorreria com

    muitos filmes a partir do lanamento do Dolby Stereo, ele foi mixado e lanado em doisformatos: O Dolby, com os quatro canais codificados, e em 6-tracks, com seis canais,

    que passaria a ter o material filtrado pelos redutores de rudo da Dolby. O ponto que,

    no sistema de 6 canais, que naquela poca, 1978, j estava reconfigurado, foi possvel

    que o efeito surround fosse estereofnico, isto , haviam dois canais surround, o

    esquerdo e o direito, ao invs de um nico como no ento novo sistema da Dolby. Este

    ponto relevante porque possivelmente Batman, o filme escolhido para essa

    monografia, tambm foi mixado e lanado em 70mm 6-tracks (ver Figura 6, p. 84)oferecendo 6 canais de udio, em uma configurao que praticamente a mesma

    utilizada pelo Dolby Digital, o sistema que seria introduzido em 1992 com Batman

    Returns.

    Alm das verses de som ptico com quatro canais estreo, alguns filmesempregaram um formato de 70mm 6-track com filtros Dolby diferente dooriginal usado pela Todd-AO. No lugar de cinco canais atrs da tela mais umsexto canal surround, a Dolby usou filtros de reverb para separar canaisadicionais a partir dos seis canais discretos disponveis na cpia [de 70mm].As faixas um, trs, e cinco alimentam os canais esquerdo, central, e direitocomo antes; as faixas dois e quarto liberam baixas frequncias do som(abaixo de 250 Hz) nos canais esquerdo e direito adicionais, entre o central eos canais das pontas, para produzir aquilo que a Dolby divertidamentechamou de baby boom. J que apenas a informao das frequncias graves necessria para os canais atrs da tela, as faixas dois e quarto fazem duplafuno; frequncias acima de 500 Hz so eletrnicamente direcionadas paraos canais surround esquerdo e direito, nas paredes de fundo da sala,estendendo espacialmente o efeito estereofnico, incluindo a dilogos, sonsde burburinho ou gritos fora da tela. O sexto canal contm frequncias abaixodos 500 Hz, que so reproduzidas em todos os canais. Sub-woofers, comamplificadores prprios, podem ser conectados ao mdulo de reforo degraves no processador Dolby, para aumentar a eficincia de graves nas

    caixas de som com essa deficincia.

    16

    (HANDZO, 1985, p. 423, grifo meu)

    http://www.youtube.com/watch?v=qaXiJSofaMYhttp://www.youtube.com/watch?v=qaXiJSofaMYhttp://www.youtube.com/watch?v=qaXiJSofaMY
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    5.4 Dolby = Qualidade

    Os vrios sistemas e tcnicas implementados pela Dolby ao longo dos anos

    1970 e 1980, a citar: redutores de rudo Dolby tipo A, B, C e SR, bem como os padres

    de mixagem Dolby Stereo, Dolby Digital, considerando seus graus de inovao etransformao das experincias sonoras tanto em ambientes profissionais como nos de

    entretenimento ou domstico, acabaram por agregar marca o sinnimo de qualidade e

    inventividade, pois de fato promoveram verdadeiras revolues na maneira como se

    produz e se ouve udio, nas mais variadas mdias. Alm disso, importante salientar

    que desde o princpio do som multicanal proposto pela marca, a prpria agregou aos

    seus logos e marketing expresses como "in selected theaters" (em salas selecionadas),

    ou "see the theater system"(veja o sistema da sala) que, por si s, indicam um rigor nassalas de cinema escolhidas bem como uma exclusividade de apresentao, como se

    apenas os melhores e mais adaptados espaos dispusessem desses recursos vendidos

    pela marca.

    O imenso sucesso de bilheteria de Contatos Imediatos de Terceiro Grau veioimediatamente aps o de Guerra nas Estrelas em 1977. Neste sentido, no finaldos anos 1970 o nome Dolby se tornou associado no apenas com timo som,mas tambm com grande apelo popular, e um crescente nmero de cineastase estdios que adotaram o novo sistema. Em particular, a visibilidade do

    Dolby foi amplamente auxilida pela deciso de propagandear o agora famosologo do 'duplo D' nos psteres dos filmes ao redor do mundo com as palavras'em salas selecionadas', enfatizando a presena do Dolby como um smbolode distino.17(SERGI, 2004, p. 28, traduo minha)

    6. A concepo e realizao do som de Batman e BatmanO Retorno

    Sobre Tim Burton e sua relao com o Cinema eBatman

    Tim passou a sua infncia de uma maneira muito peculiar, com pensamentosdistantes, participando de um clube de cinema na escola. Na juventude, assistia a vrios

    filmes antigos de terror de baixo oramento, como os realizados pelo diretor Ed Wood

    (a quem homenagearia em seu futuro filme), o que talvez possa ter lhe aguado o olhar

    no apenas para o bizarro e assustador, mas tambm para os efeitos especiais feitos

    fisicamente, por maquetes ou truques de set, nos objetos, figurinos e cenrios. Ele

    passou a estudar animao no Instituto de Artes da Califrnia, em Valencia, nos Estados

    Unidos, com uma bolsa oferecida pelos Estdios Walt Disney, onde iria trabalhar comoaprendiz de animador trs anos depois, no longa O Co e a Raposa (The Fox and The

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    Hound, 1981), e, com uma certa liberdade, lanaria seus dois primeiros curta-metragens,

    Vincent(1982) eFrankweenie(1984), misturando tcnicas de animao em desenhos de

    duas dimenses e stop motion, e dando seu toque pessoal desde a concepo dos

    personagens ao roteiro. O ltimo filme, Frankweenie, no estava totalmente de acordo

    com os padres Disney de histria, isto , agregar personagens alegres a finais felizes e,

    portanto, foi demitido. Algum tempo depois, j na Warner Bros., dirigiu seus dois

    primeiros longa-metragens, As Grandes Aventuras de Pee Wee (Pee Wee`s Big

    Adventures, 1985) e Os Fantasmas Se Divertem (Bettlejuice, 1988). O sucesso de

    bilheteria deste ltimo, aliado s qualidades estticas do filme, fariam Tim ser o diretor

    selecionado para comandar o projetoBatman, que estava sendo arquitetado desde 1979.

    O xito sem precedentes de Batman o daria total liberdade criativa para realizar seu

    projeto pessoalEdward Scissorhands(Edward Mos de Tesoura) e o impulsionariam a

    desenvolver a sequnciaBatman Returns(BatmanO Retorno).

    Logo, possvel afirmar que Batman, atravs de suas qualidades criativas e

    comerciais, foi a pea que fez deslanchar a carreira de Burton, o qual sempre teve um

    apreo s tcnicas e trucagens fsicas, como as maquetes, matte shots (quando se

    encaixa um fundo pintado a uma filmagem), bem como a grandes cenrios e uso

    pioneiro de novos processos, como a duplicao digital por computador de elementosreais da filmagem, como os pinguins emBatman Returns, ou programas revolucionrios

    parastop motionem A Noiva Cadver(Corpse Bride, 2005). Por fim, Burton iria ainda

    produzir o terceiro filme da sagaBatmandos anos 1990, Batman Eternamente(Batman

    Forever, 1995), sem no entanto influenciar necessariamente no resultado esttico.

    7. Anlise I: BATMAN

    EmBatman, o processo de realizao foi, para dizer o mnimo, complexo. Os

    produtores Peter Guber e John Peters vinham desde o final dos anos 1970 elaborando

    uma nova adaptao do personagem para a telona, sem no entanto obter um bom roteiro

    ou mesmo a aprovao de algum estdio. Aps os estdios Warner Bros. adquirirem os

    direitos e autorizarem a execuo do filme, uma medida logstica teve de ser tomada: a

    relizao das filmagens seria feita na Inglaterra, nos Estdios Pinewood. Esta medida se

    deu por duas principais razes: uma delas era justamente fugir da mquina publicitriapresente nos Estados Unidos, pois a notcia da produo de um novoBatmancausou um

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    fervor sem tamanho na mdia, decidida a intrometer-se no processo; a outra foi o fato de

    os Estdios Pinewood oferecerem uma infraestrutura muito superior e mais adequada

    proporo do projeto, sem mencionar que muitos filmes de mesmo calibre haviam sido

    feitos l, como Superman, Aliene mesmo o anfitrio do estdio, James Bond. L foi

    construda, a cu aberto, a ento maior cidade cenogrfica j feita, para apresentar a

    viso de Burton sobre Gotham City, bem como cenrios de interiores como a

    Batcaverna ou o escritrio do chefo do crime Carl Grissom, ou a fbrica de produtos

    qumicos Axis.

    7.1 A Captao de Som

    Para a captao, convidaram o ingls Tony Dawe, conhecido e experiente

    tcnico de som direto, nascido em 1940, com mais de vinte anos de experincia j na

    poca, que trabalhou em grandes e premiados filmes como Star Wars Episode VI,

    Empire of the Sun (Imprio do Sol), Who Frammed Roger Rabbit (Uma Cilada para

    Roger Rabbit) bem como em Indiana Jones and The Last Crusade (Indiana Jones e a

    ltima Cruzada). Inclusive, foi indicado ao prmio BAFTA (British Academy of Film

    and Television Arts) de melhor som por Batman em 1989, juntamente com os

    supervisores da edio, Don Sharpe, e da mixagem, Bill Rowe.

    O site do fabricante de equipamentos profissionais de udio Coopersound

    dispe um depoimento de Tony Dawe, no qual ele comenta que usou o mixer de modelo

    108+1 em c