A ONU, SUAS NORMATIVAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO … · Nações não apenas na promulgação do...

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www.fae.unicamp.br/etd ARTIGO © ETD Educ. Temat. Digit. Campinas, SP v.17 n.1 p.176-193 jan./abr.2015 ISSN 1676-2592 176 A ONU, SUAS NORMATIVAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO PARA O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL: AS POLÍTICAS DE SOCIOEDUCAÇÃO i THE UN, THEIR NORMATIVE AND THE LEGAL SYSTEM FOR THE ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH THE LAW IN BRAZIL: SOCIOEDUCATION POLICIES LA ONU, SU REGLAMENTO Y EL SISTEMA LEGAL PARA LA ATENCIÓN DE LOS ADOLESCENTES EN CONFLICTO CON LA LEY EN BRASIL: LAS POLÍTICAS DE SOCIOEDUCAÇÃO Maria Nilvane Zanella 1 Angela Mara de Barros Lara 2 RESUMO: O referido artigo busca identificar qual a influência da ONU e de seus Organismos na promulgação das legislações da infância no Brasil durante o século XX. Para tanto, traçamos um paralelo entre as mudanças jurídicas realizadas na área da infância no Brasil e as normativas internacionais. O estudo é uma síntese da pesquisa de dissertação de mestrado sobre o tema, concluída em 2014, que inova ao identificar a influência da ONU e da Liga das Nações não apenas na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também, nas duas normativas anteriores, sendo elas: o Código de Menores de 1927 e o Código de Menores de 1979. PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Socioeducação. Entidades internacionais. Organização das Unidas. Adolescente em conflito com a lei. ABSTRACT: This article seeks to identify the influence of the UN and its Agencies in the promulgation of the laws of childhood in Brazil during the 20th century. For both, we drew a parallel between the legal changes made in the area of childhood in Brazil and the international instruments. The study is a synthesis of the research from a master's thesis on the subject, which was completed in 2014 that innovates to identify the influence of the UN and the League of Nations not only in the enactment of the Statute of the Child and the Adolescent, but also, in the two previous normative, them being: the Code of Minors of 1927 and the Code of Minors in 1979. KEYWORDS: Education policy. Socioeducation. International entities. ONU. Adolescents in conflict with the law. RESUMEN: Este artículo pretende identificar cuál es la influencia de las Naciones Unidas y sus órganos en la promulgación de las leyes de la niñez en Brasil durante el siglo XX. Para ello, trazamos un paralelismo entre los retiros legales realizados en el área de la niñez en Brasil y regulaciones internacionales. El estudio es un Resumen de la tesis sobre el tema, terminado en 2014 que innova para identificar la influencia de las Naciones Unidas y la Liga de las Naciones no sólo en la promulgación del Estatuto del niño y adolescente, sino también, en las dos anteriores normas, a saber: el código de menores de 1927 y el código de menores de 1979. PALABRAS CLAVE: Políticas educativas. Socioeducação. Entidades internacionales. Naciones Unidas. Adolescentes en conflicto con la ley. 1 Pedagoga, Doutoranda em Educação da Universidade Estadual de Maringá PR Brasil E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação, Professora associada da Universidade Estadual de Maringá PR Brasil E-mail: [email protected] Recebido em: 12/11/2014 Aceito em: 16/03/2015.

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A ONU, SUAS NORMATIVAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO PARA O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NO

BRASIL: AS POLÍTICAS DE SOCIOEDUCAÇÃOi

THE UN, THEIR NORMATIVE AND THE LEGAL SYSTEM FOR THE ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH THE LAW IN BRAZIL: SOCIOEDUCATION POLICIES

LA ONU, SU REGLAMENTO Y EL SISTEMA LEGAL PARA LA ATENCIÓN DE LOS ADOLESCENTES EN CONFLICTO CON LA LEY EN BRASIL: LAS POLÍTICAS DE

SOCIOEDUCAÇÃO

Maria Nilvane Zanella 1

Angela Mara de Barros Lara 2

RESUMO: O referido artigo busca identificar qual a influência da ONU e de seus Organismos na promulgação das

legislações da infância no Brasil durante o século XX. Para tanto, traçamos um paralelo entre as mudanças jurídicas

realizadas na área da infância no Brasil e as normativas internacionais. O estudo é uma síntese da pesquisa de

dissertação de mestrado sobre o tema, concluída em 2014, que inova ao identificar a influência da ONU e da Liga das

Nações não apenas na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também, nas duas normativas

anteriores, sendo elas: o Código de Menores de 1927 e o Código de Menores de 1979.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Socioeducação. Entidades internacionais. Organização das Unidas.

Adolescente em conflito com a lei.

ABSTRACT: This article seeks to identify the influence of the UN and its Agencies in the promulgation of the laws

of childhood in Brazil during the 20th century. For both, we drew a parallel between the legal changes made in the

area of childhood in Brazil and the international instruments. The study is a synthesis of the research from a master's

thesis on the subject, which was completed in 2014 that innovates to identify the influence of the UN and the League

of Nations not only in the enactment of the Statute of the Child and the Adolescent, but also, in the two previous

normative, them being: the Code of Minors of 1927 and the Code of Minors in 1979.

KEYWORDS: Education policy. Socioeducation. International entities. ONU. Adolescents in conflict with the law.

RESUMEN: Este artículo pretende identificar cuál es la influencia de las Naciones Unidas y sus órganos en la

promulgación de las leyes de la niñez en Brasil durante el siglo XX. Para ello, trazamos un paralelismo entre los

retiros legales realizados en el área de la niñez en Brasil y regulaciones internacionales. El estudio es un Resumen de

la tesis sobre el tema, terminado en 2014 que innova para identificar la influencia de las Naciones Unidas y la Liga de

las Naciones no sólo en la promulgación del Estatuto del niño y adolescente, sino también, en las dos anteriores

normas, a saber: el código de menores de 1927 y el código de menores de 1979.

PALABRAS CLAVE: Políticas educativas. Socioeducação. Entidades internacionales. Naciones Unidas.

Adolescentes en conflicto con la ley.

1 Pedagoga, Doutoranda em Educação da Universidade Estadual de Maringá – PR – Brasil – E-mail:

[email protected] 2 Doutora em Educação, Professora associada da Universidade Estadual de Maringá – PR – Brasil – E-mail:

[email protected]

Recebido em: 12/11/2014 – Aceito em: 16/03/2015.

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1 INTRODUÇÃO

A Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou oito normativas que tratam,

especificamente, do atendimento aos adolescentes que cometeram atos infracionais durante o

século XX. O conjunto normativo mencionado subdivide-se em três grupos. No primeiro,

inserimos as Regras Mínimas para o Tratamento do Recluso (1957), normativa que menciona

o atendimento aos adolescentes, mas possui como objetivo principal discutir a reclusão de

presos adultos. No segundo, outras quatro normativas que estão relacionadas com a justiça

juvenil, nomenclatura que passou a ser, mais comumente utilizada a partir da década de 1980:

Regras Mínimas para a Administração da Justiça dos Menores, também chamada Regras de

Beijing (1985), os Princípios Orientadores da ONU para a prevenção da delinquência juvenil,

denominadas Regras de Riad (1990a), as Regras para a Proteção dos Jovens Privados de

Liberdade, mais conhecidas como Regras de Havana (1990b), e as Regras Mínimas da ONU

para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade, nomeadas de Regras de Tóquio

(1990c). No terceiro grupo as normativas que visam proteger, universalmente, crianças e

adolescentes, sendo elas: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração

Universal dos Direitos da Criança (1959), e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)

que serão estudadas em um artigo subsequente.

No referido artigo abordamos como foram elaboradas as normativas internacionais

que influenciaram a promulgação das legislações nacionais que orientaram o atendimento de

adolescentes infratores no Brasil. O estudo evidencia que a Liga das Nações, a ONU e os seus

Organismos Internacionais orientaram a criação e estruturação do sistema de justiça juvenil

no Brasil, bem como as três normativas promulgadas no século XX: Código de Menores de

1927; Código de Menores de 1979; e Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

O Estatuto possui como herança as leis que o precederam e as normativas da ONU

mencionadas no corpo do texto. Na primeira seção apresentamos uma discussão sobre o

contexto histórico da privação de liberdade de crianças e adolescentes, bem como os

pressupostos teóricos que orientaram as mudanças ocorridas no modo de entender essa

prática. Nas seções seguintes o texto explicita o contexto que influenciou a elaboração das

três normativas para atender a infância, promulgadas no Brasil durante o século XX.

2 A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

NA HISTÓRIA

A privação de liberdade de crianças e adolescentes possui uma longa trajetória na

história da humanidadeii. A história do direito juvenil pode ser dividida em três fases: a

primeira fase – denominada fase do tratamento penal indiferenciado – teve início no século

XVIII, persistindo até o início do século XIX. Na América Latina esse período se estendeu

até o início do século XX. Nessa fase, os menores de idade eram atendidos da mesma forma

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que os adultos, com exceção para os que possuíam menos de 7 anos de idade, que eram tidos

como absolutamente incapazes. Quando possuíam entre 7 e 18 anos recebiam uma redução da

pena em um terço em relação aos adultos. A segunda fase iniciou com o movimento dos

reformadores, a que Platt (1997) se refere como Salvadores da Infância nos Estados Unidos,

com a implantação do primeiro tribunal de menores. Chamada de tutelar, essa fase persistiu

do final do século XIX até meados da década de 1980. A terceira fase é o modelo atual,

denominado de penal juvenil e possui como marco as normativas promulgadas pela ONU a

partir de 1985.

O momento histórico que antecede o século XVIII não é do direito institucionalizado,

mas vivenciado como uma vingança privada daquele que se sentia injustiçado. Santarcângelo

(1966) menciona que na Idade Média havia a imposição de graves penas corporais aos

menores. No século XVI, menores abandonados e delinquentes eram recolhidos em hospitais

e hospícios. Nos séculos XVII e XVIII, havia, inclusive, pena de morte para aqueles que

tinham menos de 10 anos de idade. Segundo a autora, na Espanha eram estabelecidas penas

cruéis e os Fóruns Municipais davam aos pais poder de vida e de morte sobre os filhos. A

partir do século XVIII iniciaram-se algumas mudanças. Na França, por exemplo, desde 1791,

as penas corporais foram substituídas pela educação correcional em estabelecimentos criados

para esse fim.

A passagem do momento histórico, chamado suplício, por autores como Foucault

(1987), deixou de existir por um movimento de humanização da penaiii. Beccaria (2000) foi o

primeiro representante do direito positivista a defender, em 1764, a igualdade perante a lei

dos criminosos que cometeram o mesmo delito. A racionalização da pena se encontrava em

acordo com o movimento filosófico e científico da humanidade que politicamente vivenciava

a ascensão da burguesia e a limitação dos poderes absolutos do Estado. A autonomia

científica representava, também, a autonomia normativa. Assim, no século XIX, o direito

penal ganhou autonomia científica e normativa em relação aos demais ramos do direito, o

que, certamente, contribuiu para a reflexão sobre as finalidades da pena.

A ampla influência da filosofia positivistaiv contribuiu para que a sociedade fosse

vista como harmônica, planejada, organizada, prevista e controlada em todos os seus níveis.

Dessa maneira, o sujeito inadaptado socialmente deveria ser retirado da convivência social.

Cesare Lombrosov, por exemplo, um dos expoentes da escola positiva do direito penal “[...]

sustentava que a delinquência não provinha de ato consciente e volitivo do criminoso, mas de

fatores genéticos que lhe davam tendência inata” à criminalidade (MARTINS FILHO, 2000,

p. 251). A concepção de Lombroso (2000) era a de que as penas deveriam ser baseadas na

responsabilidade do indivíduo e, em sua periculosidade para a sociedade, sendo ela

comprovada ou não.

Para a concepção positiva, o delinquente não tinha consciência das forças que o

levavam a praticar o ato criminoso, pois ele já nascia com essa predisposição, por isso, o

direito penal colocava a defesa social acima dos direitos do criminoso, comprovando as

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causas do crime, empiricamente. Lombroso (2000) confirmava a tendência à criminalidade

pelas características físicas do sujeito, conforme demonstra a passagem abaixo:

Os homicidas, os arrombadores, têm cabelos crespos, são deformados no crânio,

têm possantes maxilares, zigomas enormes e frequentes tatuagens; são cobertos de

cicatrizes na cabeça e no tronco. [...]

Um grande número de falsários e escroques que pude estudar apresentavam uma

fisionomia, ou simulavam uma bonomia singular, qualquer coisa de clerical, e daí

que, em suas tristes carreiras, contribuíam para inspirar confiança em suas vítimas.

Conheci-os com semblante pálido, olhos esgazeados ou muito pequenos, nariz torto,

bem frequentemente uma perda precoce dos cabelos e a face de uma mulher velha.

Também eram eles, muitas vezes, filhos de pais idosos (LOMBROSO, 2000, p.

248).

O homem do século XIX era visto como determinado por fatores que não podia

controlar, em acordo com as concepções inatistas vigentes à época. Assim, os “[...] castigos

corporais que excluíam a morte eram considerados, sobretudo, se realizados por familiares da

vítima, como fato normal” (MÉNDEZ, 1998, p. 51). Essa normalidade se baseava na

manutenção da organização social coesa que era motivada na disciplina, na moralidade e no

trabalho, tornando aquele homem um membro útil à sociedade.

No final do século, o movimento dos reformadores passou a defender os tribunais de

justiça para menores, como forma de manter a ordem e o controle social, por meio de um

discurso humanitário e de piedade institucionalvi. Para satisfazer esse discurso, as crianças

deveriam ser resgatadas do cárcere e das prisões, criando-se, para tanto, instituições especiais,

dignas, judiciais e penais para os menores. Atendendo ao sentimento de filantropia e bem-

estar comum, oriundo, principalmente, dos Estados Unidos, em vez de prisões, propuseram a

criação de reformatórios, também chamados de escolas industriais, escolas de formação,

residências campestres etc. (FRASSETO, 2010). O objetivo era promover a

institucionalização, sequestrando o conflito, de forma a evitar sua expansão.

Na visão clássica liberal, os tribunais de menores foram resultado do esforço de um

grupo de Salvadores da Infância que desejavam aliviar as misérias da vida urbana e a

delinquência juvenil, visto que estes eram alguns dos efeitos da economia capitalista

desregulada (PLATT, 1977). Entretanto, com o passar dos anos, percebeu-se “[...] que o

sistema de tribunais para menores representava um triunfo do liberalismo progressista sobre

as forças da reação e da ignorância”. A atuação dos Salvadores da Infância foi vista por

autoridades como um “reflexo do humanitarismo que floresceu nas últimas décadas do século

XIX” e, também um exemplo “do grande sentimento norte-americano de filantropia e

interesse maior do bem-estar comum”vii (PLATT, 1977, p. 16).

O Brasil possui na sua história jurídica, três normativas que tratam do atendimento de

crianças, sendo eles: o Código de Menores de 1927; o Código de Menores de 1979; e o

Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. A Liga das Nações, criada ao término da

Primeira Guerra Mundial, conduziu, a partir de 1925 até a sua extinção, as reuniões do

Comitê Internacional das Prisões (CIPP), que promoveu a reforma penal e a separação de

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adultos e crianças no sistema penitenciário. Nesse mesmo período o Brasil promulgou o seu

primeiro Código e vivenciou o caráter tutelar das medidas de privação de liberdade.

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada ao término da Segunda Guerra

Mundial e herdou da Liga das Nações o encargo de conduzir as discussões sobre o tema. Nos

dois primeiros Códigos, tanto a ONU quanto a sua antecessora não haviam promulgado

legislação alguma específica de atendimento aos adolescentes infratores – o que não impediu

a ONU de influenciar a criação e a transformação dos tribunais de menores e a promulgação

de normativas internacionais de orientação para o atendimento de crianças e adolescentes que

cometeram atos infracionais durante todo o século XX. Na próxima unidade do texto

discutiremos o contexto da promulgação do Código de Menores de 1927.

2.1 A Liga das Nações e o Código de Menores de 1927

As primeiras diferenciações jurídicas relacionadas aos sujeitos menores de 18 anos se

limitavam a não publicização de atos delituosos (MÉNDEZ, 1998). Essa premissa subsidiou a

Suíça, que elaborou um ordenamento em 1862 transformado em lei especial, dez anos depois,

que incluía a responsabilização jurídica diferenciada aos menores de 14 anos. Em 1899, um

grupo, que ficou conhecido como reformadores – denominados por Platt (1977) de

Salvadores da Infância – promoveu um movimento subsidiado em dois pontos principais: o

aumento da idade da responsabilização penal e a imposição de sanções específicas aos, então,

chamados delinquentes, ainda que os menores quando abandonados fossem mencionados nas

leis e atendidos em instituições criadas para esse fim, desde o século anterior.

O aumento da idade de responsabilização penal tinha como objetivo principal retirar

os menores de idade das instituições penitenciárias para adultos, tendo em vista que as “[...]

deploráveis condições de encarceramento e a promiscuidade entre menores e adultos geraram

com maior ou menor intensidade em todo o continente forte indignação moral que se traduziu

em amplo movimento de reformas” (MÉNDEZ, 1998, p. 21).

As reformas, longe de serem motivadas pela preocupação com a desigualdade social

que promovia em maior ou menor intensidade o abandono material ou psicológico dos

delinquentes, visavam o asseio moral e o controle social. Assim, a salvaguarda da integridade

das crianças estava “[...] subordinada ao objetivo de proteção da sociedade diante de futuros

delinquentes” (MÉNDEZ, 1998, p. 51, grifo do autor) ou, ainda, de possíveis adeptos do

socialismo em um contexto de forte embate entre os sistemas econômicos mais expoentes à

época: o socialismo e o capitalismo.

A manutenção de crianças e adolescentes em instituições, com o objetivo de

pretensamente protegê-los, sempre foi uma orientação internacional para todos os países que

participavam dos eventos organizados pela CIPP. A proteção tornava desnecessário que

crianças e adolescentes cometessem atos ilícitos para serem recolhidos em instituições. Com

a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o movimento dos reformadores de expansão dos

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tribunais de menores sofreu um retardo, por isso, eles foram criados na América Latina

apenas na segunda década do século XX: na Argentina, em 1921, no Brasil, em 1923, no

México, em 1927, e no Chile, em 1928 (NATIONAL, 1977)viii.

O Tribunal de menores de Chicago foi criado em 1899 e despertou tamanho

interesse na Europa que muitos países decidiram criar legislações similares. A

Inglaterra estabeleceu sua corte juvenil pela primeira vez em 1905. A Hungria e o

Canadá em 1908 aderiram ao movimento promulgando uma legislação semelhante.

A Rússia pré-revolucionária estabeleceu um tribunal juvenil em 1910 e a Itália no

mesmo ano também aprovou uma lei sobre o tema. [...]. Já por volta de 1911 o

mesmo ocorria na Alemanha, Áustria e Suíça. A Bélgica e a França adotaram a

legislação juvenil em 1912”ix (NATIONAL, 1977, p. 2).

As instituições pensadas para atender os que violavam a lei, tinham no discurso da

prevenção a justificativa para o controle dos filhos da classe trabalhadora, que não haviam

cometido crimes, mas que não se adequavam aos padrões morais, econômicos e sociais da

classe burguesa. No modelo de atendimento implementado, o tempo da institucionalização

poderia ser maximizado, com a justificativa de que se estaria prevenindo a marginalidade e

observando o bem da criança.

O modelo, denominado tutelar e proposto pelos reformadores, iniciou na América

Latina em 1919, mais precisamente com a promulgação da primeira legislação específica de

responsabilização de sujeitos com idade inferior a 18 anos, promulgada na Argentina (Lei

Agote). Os códigos anteriores eram chamados retribucionistas por se limitarem a reduzir as

penas em um terço para autores de delitos com idade inferior a 18 anos. A partir de então, as

legislações promulgadas tinham na privação de liberdade a resposta de proteção e tutela.

O resultado do movimento de reformas foi a instauração na América Latina, em um

período de 20 anos (Argentina, 1919 e Venezuela, 1939), de legislações de menores que,

legitimadas na proteção da infância supostamente abandonada e delinquente, abriam a

possibilidade de intervenção estatal ilimitada para dispor dos menores material ou

moralmente abandonados (MÉNDEZ, 1998, p. 21-22).

No modelo tutelar, inexistiam dispositivos jurídicos que proibiam o Estado de retirar,

por motivos de carência ou recursos materiais, as crianças de suas famílias. Esse preceito

apareceu pela primeira vez em 1990x, o que demonstra que anteriormente crianças e

adolescentes não precisavam infracionar, bastando que eles fossem supostamente

delinquentes ou estivessem em vias de o ser para que se desconsiderasse “[...] todos os

princípios jurídicos básicos do direito liberal no (não) direito de menores latino-americanos”

(MÉNDEZ, 1998, p. 22). Ou seja, não era necessário constituir provas da dita delinquência

para que se pudesse dispor da vida dos menores e, de suas famílias, sob a justificativa de que

a medida visava a sua proteção.

O tratamento jurídico contribuiu historicamente para a consolidação da visão de

criança, como categoria social. Neste sentido, o controle da história social da infância e

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juventude sofreu variações temporais na dimensão sociopenal, mas ela sempre esteve

relacionada à ideia de capacidade ou de incapacidade.

Na teoria do direito, alguém pode ser punido apenas se pôde escolher entre praticar ou

não o crime e, se, livremente, optou por cometê-lo. Tal premissa figura, ainda nos dias de

hojexi, no Código Penal brasileiro e representa o fato de que nem todos possuem condições de

exercer o livre-arbítrio ou de governar à sua vontade, como no caso das pessoas que possuem

insanidade mental ou são consideradas imaturasxii. Nessa concepção, crianças e loucos não

poderiam ser punidos, mas necessitariam ser contidos. Assim, os mentalmente insanos foram

encaminhados para os manicômios, dando início à fase do tratamento penal diferenciado, o

que evidenciou a necessidade de uma resposta social para as crianças (FRASSETO, 2010).

Os tribunais foram instituições pensadas para agir no controle social dos menores e, a

eles, cabiam os encaminhamentos para uma medida de proteção ou de privação de liberdade.

Naquele contexto, o resultado era o mesmo – o cerceamento da liberdade – posto não existir,

no âmbito do Estado, uma distinção entre as instituições para as medidas de proteção

daquelas que eram incumbidas de executar as medidas privativas de liberdade, que possuíam

como objetivo único proteger a sociedade do possível infrator, abandonado e delinquente. A

pobreza, nesses casos, era tida como um dos motivos que levava os menores a serem ameaça

à coesão social, mas o que estava por trás dessa reflexão é que, caso houvesse uma revolução

proletária, possível naquele contexto, certamente seria promovida pelas classes subalternas,

das quais os ditos menores faziam parte.

Assim, podemos dizer que a criação da nossa primeira legislação específica – o

Decreto nº 17.943-A de 1927xiii – que consolidou e deu base legal a toda e qualquer ação

referente aos menores abandonados, delinquentes ou em situação de o ser seguiu um

movimento internacional que se iniciou nos Estados Unidos, seguiu para a Europa e foi

expandido para a América Latina nas primeiras décadas do século XX.

2. 2 O Código de Menores de 1979 e a Doutrina da Situação Irregular

A ONU realizou o Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do

Crime e o Tratamento de Delinquentes, em 1955. O referido Congresso deu continuidade aos

trabalhos realizados pela CIPPxiv, responsável por orientar as temáticas relacionadas às

prisões. Quando retomou as discussões já realizadas nos Congressos anteriores, a ONU não

introduziu uma quebra conceitual nas decisões já tomadas anteriormente sobre a forma como

deveria ser tratada a infância infratora ou em risco de o ser, como mencionava as legislações

da época.

Conforme consta no relatório dos trabalhos do Congresso de 1955, realizado pela

ONU, as discussões eram organizadas em três seções, assim definidas: a) trabalho nas

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prisões; b) recrutamento e treinamento dos funcionários das prisões; e c) prevenção da

delinquência juvenil. Para que fosse possível tratar do tema prevenção da delinquência

juvenil era necessário definir o conceito, o que não foi possível de ser realizado. “Após três

dias de discussões, concluímos que devido as grandes diferenças que existem na cultura, na

legislação e nas filosofias de vários países, que não é possível formular uma definição única e

que atenda universalmente, o termo ‘delinquência juvenil’” (ASC, 1955, p. 23)xv.

A impossibilidade de uma definição exata contribuiu para que o Congresso

estabelecesse como delinquentes, não apenas aqueles que violaram as leis do país, mas

também, aqueles em vias de violá-la por sua condição socioeconômica.

As discussões e os trabalhos do Congresso são aplicados não apenas aos jovens que

cometeram um ato considerado como uma infração à lei penal, em virtude da

legislação nos termos das leis de seu país, mas também sobre aqueles que, em razão

da sua condição social, arriscam cometer tal ato ou que precisam de assistência e

proteção (ASC, 1955, p. 24)xvi.

Assim, a partir de uma análise sobre o que era feito pelos países, decidiu-se que

seriam desenvolvidas na comunidade, na família e na escola, nos serviços sociais e nas

instituições, medidas de proteção para atuar na prevenção da delinquência juvenil (ASC,

1955). Partindo dessa análise, desvelamos que a ONU, em 1955, regulamentou a

institucionalização de crianças e adolescentes, que já era realizada no Brasil desde o Código

de Menores de 1927, o que não é de estranhar, visto a participação de delegados brasileiros

nos eventos organizados pela CIPP e pela Associação Internacional de Magistrados da

Juventude e da Família (IAYFJM).

Naquele contexto histórico, não havia uma distinção jurídica entre a criança em

situação de rua (abandonada), em dificuldade econômica (carente) e, em conflito com a lei,

definida como infratora ou delinquente juvenil. Essa condição contribuiu para que as famílias

da classe trabalhadora tivessem os filhos retirados de seus cuidados e enviados para

instituições de atendimento. Nessas instituições, a idade era o critério utilizado para separar

os menores, ainda que houvesse crianças institucionalizadas para prevenir a criminalidade

com outras que já eram infratoras. O controle social deixou de se preocupar com o delito e

interferir diretamente na chamada prevenção, sendo o alvo principal dessas medidas os filhos

da classe trabalhadora.

Como norma operativa e política, o referido Congresso promulgou as Regras Mínimas

para o Tratamento do Recluso, que foram aprovadas pelo Conselho Econômico e Social

(ECOSOC) da ONU, por meio da Resolução nº 663C (XXIV), de 31 de julho de 1957, e pela

Resolução nº 2076, (LXII) de 13 de maio de 1957. A referida normativa foi recomendada aos

governos para aplicação nos estabelecimentos penitenciários e correcionais.

O atendimento dos menores que cometem delitos sempre foi objeto de atenção dos

especialistas que discutem o sistema penal e prisional de adultos. Mas, o Primeiro Congresso

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promovido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), ao

promulgar as Regras Mínimas para o Tratamento do Recluso, recomendou aos governos a sua

aplicação tanto nos estabelecimentos penitenciários para adultos, quanto no sistema

correcional para menores.

A normativa evidencia que pretendia “[...] estabelecer o que geralmente se aceita

como sendo bons princípios e práticas no tratamento dos reclusos e na gestão dos

estabelecimentos de detenção” (ONU, 1955, p. 1). Sabendo-se que as Regras não poderiam

ser aplicadas em todos os lugares: “Devem, contudo, servir para estimular esforços [...] na

certeza de que representam, no seu conjunto, as condições mínimas aceitas como adequadas

pelas Nações Unidas” (ONU, 1955, p. 1). Ou seja, promulgou o que era, minimamente,

aceitável para o tratamento do recluso.

No que tange ao nosso objeto de pesquisa, a normativa enfatizou que as Regras não se

propunham a regular as instituições para jovens (reformatórios ou escolas de reeducação),

contudo, a primeira parte aplicava-se a essas instituições enfatizando: “A categoria de jovens

reclusos deve, em qualquer caso, incluir os menores que dependem da jurisdição dos

Tribunais de Menores. Como Regra geral, os jovens delinquentes não devem ser condenados

às penas de prisão” (ONU, 1955, p. 2).

As premissas do Congresso foram contrárias ao que é estabelecido na Carta de Diretos

Humanos de 1948. Assim, para que não ficasse evidente esse rompimento com a Declaração,

disfarçou-se a privação, dando a ela um sentido de proteção. O mesmo ocorreu com o Código

de Menores promulgado em 1979, no auge da ditadura Civil Militar. Esse Código seguiu a

prerrogativa de não proporcionar o direito à defesa e ao contraditório próprio de um Estado

violador de direitos, ainda que o mesmo fosse uma sugestão do relatório final da Comissão

Parlamentar de Inquérito (CPI) do Menor realizada em 1976.

A atualização do Código de Menores é uma necessidade proclamada e reclamada

por quantos, por dever de ofício ou não, tratam do assunto. O vigente data de quase

50 anos (Decreto nº 17.943-A, de 12-10-1927) e até na linguagem está ultrapassado.

Se se considerar, contudo, que, conforme se declara em sua ementa e preâmbulo, ao

instituir-se era ele consolidação das leis de assistência e proteção aos menores, logo

se conclui que, em relação à própria época, se encontrava em atraso (A

REALIDADE..., 1976, p. 50).

A Lei nº 6.697, promulgada em 1979, no seu artigo 1º, deu ao Estado o poder de

aplicar medidas de caráter preventivo a todo menor de 18 anos, independentemente de sua

situação. Assim, considerava-se em situação irregular, o menor privado de condições

essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que, eventualmente.

A privação estava caracterizada quando os pais, por falta, ação ou omissão,

manifestavam a impossibilidade de prover uma determinada carência ou, ainda, quando o

menor encontrava-se em perigo moral, em ambiente contrário aos bons costumes, privado de

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assistência legal, com desvio de conduta, quando autor de ato infracional ou quando vítima de

violência imposta pelos pais ou responsável. A Lei promulgada possuía a incoerência de

enviar para o mesmo local para proteção – a criança que sofria uma violência física – e para

punição aquele adolescente que houvesse praticado uma violência (LEI, 1979).

Ainda durante o regime civil militar, pesquisadores e universitários começaram a

discutir a problemática do menor, sendo a militância na área uma estratégia para viabilizar a

discussão de outros temas como direitos humanos e políticas públicas. Em âmbito

internacional a ONU começava a discutir a publicação das normativas que passariam a

orientar a política de atendimento da infância, influenciados pelo movimento de

redemocratização e por essas discussões os movimentos populares passaram a denunciar a

violência sofrida por crianças e adolescentes nas ruas e nas instituições de atendimento. Esses

movimentos fizeram frente para que o Código de Menores (1979) fosse extinto, sendo então

substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.

2.3 A ONU e a Justiça Juvenil

Depois de 1955, a cada quinquênio, a ONU realizou um Congresso sobre a prevenção

ao crime e o tratamento dos delinquentes: Londres (1960), Estocolmo (1965), Kyoto (1970) e

Genebra (1975). O sexto Congresso foi realizado em Caracas em 1980, e teve como tema a

prevenção do crime e a qualidade de vida por reconhecer que a criminalidade é relacionada às

circunstâncias sociais, culturais, políticas e econômicas dos países. Entre as resoluções

abordou o desenvolvimento de padrões mínimos para a justiça juvenil.

A Declaração de Caracas evidenciou a necessidade de normas mínimas para a justiça

juvenil, como forma de proteger os direitos humanos fundamentais dos jovens. Por isso, as

Regras Mínimas deveriam refletir os princípios básicos, sendo eles: a proteção jurídica aos

menores que se encontravam em dificuldades com a justiça; a internação como último

recurso, não sendo adequado manter os menores presos junto com adultos; a

institucionalização, como medida a ser aplicada, quando o ato fosse de grave ameaça à pessoa

e quando houvesse reincidência de delitos graves; ou, ainda, quando necessário para a sua

própria proteção; e a proteção da segurança pública, como forma de oferecer, ao jovem, a

oportunidade de se controlar. Como se pode observar, a proteção foi, novamente, a

justificativa para a privação de liberdade.

O relatório do Sexto Congresso das Nações Unidas sobre a prevenção do delito e

tratamento do delinquente finalizou dizendo que:

[...] as pesquisas comparadas, de diversas culturas, promoveram de maneira

importante, a compreensão em todo o mundo das causas da delinquência dos

menores e os meios de preveni-las, não sendo, atualmente, objeto de atenção

especial por parte de nenhum dos centros de prevenção do delito das Nações Unidas

(ONU, 1980a, p. 8)xvii.

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Até a década de 1980, a ONU publicou normativas referentes aos direitos dos presos

adultos e o tema delito cometido por jovens aparecia incluso nesses documentos; porém, em

25 de maio de 1984, o ECOSOC recebeu o informe do Comitê de Prevención del Delite y

Lucha contra la Delincuencia, documentado sob o nº 153, e aprovou as recomendações

formuladas na Declaração de Caracas. Por meio da Decisão nº 153, o Conselho transmitiu o

projeto de Regras ao Sétimo Congresso, por intermédio da Reunião Inter-regional de Peritos

sobre os Jovens, a Criminalidade e a Justiça, realizada em Beijing, ou Pequim, no Japão, de

14 a 18 de Maio, de 1984 (ECOSOC, 1984).

Importa mencionar que as referidas Regras, mesmo tendo vigorado na entrada da

década de 1990, concebia a manutenção de crianças e adolescentes, em instituições, com o

fim de protegê-las, ainda que estabelecesse na Regra 2.2 que a norma deveria ser aplicada

pelos Estados-membros de forma compatível com o seu sistema e conceito jurídico. Para

tanto, explicava:

a) Menor é qualquer criança ou jovem que, em relação ao sistema jurídico

considerado, pode ser punido por um delito, de forma diferente da de um adulto;

b) Delito é qualquer comportamento (ato ou omissão) punível por lei em virtude do

sistema jurídico considerado;

c) Delinqüente (sic) juvenil é qualquer criança ou jovem acusado de ter cometido

um delito ou considerado culpado de ter cometido um delito (ONU, 1985, p. 3).

As Regras de Beijing determinaram à promulgação interna de um conjunto normativo

legal para atender os delinquentes juvenis, assim como, passaram a orientar as instituições

encarregadas da administração da justiça de menores, com vistas a: a) proteger os direitos

fundamentais dos delinquentes juvenis e atender as suas necessidades; b) responder às

necessidades da sociedade; e, c) aplicar e efetivar as Regras anunciadas na normativa. No

comentário sobre cada uma das Regras, a normativa evidencia que “[...] os termos ‘menor’ e

‘delito’ [...]” são “[...] componentes da noção de ‘Delinqüente juvenil’ (sic) [...]”, mas, os

limites de idade dependem de cada sistema jurídico, o que faz com que “[...] a noção de

menor se aplique a jovens de idades muito diferentes, que vão dos 7 aos 18 anos ou mais.

Esta disparidade é inevitável, dada a diversidade dos sistemas jurídicos nacionais e não

diminui em nada o impacto destas Regras Mínimas” (ONU, 1985, p. 3).

Na Regra 3 a normativa explicita: “As disposições pertinentes das presentes Regras

serão aplicadas não só aos Delinqüentes juvenis (sic), mas também aos menores que possam

ser processados por qualquer comportamento específico, que não seria punido se fosse

cometido por um adulto” (Regra 3.1) (ONU, 1985, p. 6).

Ou seja, as crianças ou adolescentes que tivessem comportamentos inadequados

poderiam ser mantidos em instituições em qualquer situação que não houvesse punição se o

ato fosse cometido por um adulto. E, complementa: “Procurar-se-á alargar os princípios

contidos nas presentes Regras a todos os menores a quem se apliquem medidas de proteção e

assistência social” (Regra 3.2) (ONU, 1985, p. 4, grifo nosso)

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Para melhor se fazer compreender, no comentário se explicita que a Regra 3 “[...]

alarga a proteção concedida pelas Regras Mínimas [...]” para aqueles jovens que possuem

comportamentos inadequados como, por exemplo: “[...] absentismo escolar, indisciplina

escolar e familiar, embriaguez pública, etc”; e, também para aqueles que precisam de “[...]

medidas de proteção e auxílio social [...]” (ONU, 1985, p. 4).

A preocupação com a ordem social, explicitada nos Congressos realizados pela Liga

das Nações, pela ONU e, pela Associação de Juízes é evidenciada no comentário da Regra

que normatiza: “O perigo de ‘contaminação criminal’ para os jovens presos preventivamente

não deve ser subestimado. É, pois, importante sublinhar a necessidade de medidas

alternativas”. Por isso, a Norma “[...] encoraja a elaboração de medidas novas e inovadoras

destinadas a evitar a prisão preventiva no interesse do bem-estar do menor” (ONU, 1985, p.

8). Nesse sentido, a decisão de privação de liberdade “[...] deve ser sempre proporcional não

só às circunstâncias e gravidade da infração, mas também às circunstâncias e necessidades do

jovem Delinqüente (sic), assim como às necessidades da sociedade” (grifo nosso, Regra

17.1) (ONU, 1985, p. 10).

No ano seguinte, a Assembleia Geral (AG) da ONU aprovou pela Resolução nº 40/44,

de 29 de novembro, de 1985, o primeiro documento que tratou, especificamente, da situação

dos adolescentes privados de liberdade. O documento que estabeleceu as Regras Mínimas

para a Administração da Justiça dos Menores, também chamada de Regras de Beijing foi

aprovada no Sétimo Congresso das Nações Unidas, realizado em Milão, na Itália. Em 1985, a

ONU promulgou a primeira legislação, específica, para atendimento de infratores e levou

cinco anos para ser elaborada e promulgada. A sua proposta foi realizada no Sexto Congresso

das Nações Unidas sobre a prevenção do delito e tratamento do delinquente, realizado em

1980 e aprovada no Congresso seguinte. Considerando-se que as Regras de Beijing foram a

primeira normativa específica para o atendimento de delinquentes a ONU evidenciou:

Nenhuma disposição das presentes Regras poderá ser interpretada como excluindo a

aplicação das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos e

dos outros Instrumentos e Regras reconhecidos pela comunidade internacional e

relativos ao tratamento e à protecção (sic) dos jovens (ONU, 1985, p. 6).

Essa normativa passou a orientar não apenas as medidas aplicadas aos delinquentes,

mas também aos menores, em geral, que tivessem praticado um ato que não seria punido, se

fosse um adulto. A premissa dessas legislações estava alicerçada na proteção da sociedade

harmônica, em acordo com o ideário positivista que pressupõe uma estrutura social em que

todos possuíam as mesmas oportunidades, e, somente se diferenciariam em razão do

potencial e do esforço de cada um, ou seja, pela meritocracia.

Depois da publicação das Regras de Beijing, a ONU se dedicou a promulgar outras

normativas que iriam complementar o entendimento do sistema de justiça juvenil. Assim, no

Oitavo Congresso, realizado em 1990, em Havana (Cuba), foram examinados os progressos

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realizados na aplicação das Regras de Beijing. As Regras de Havana (1990b) evidenciaram

que:

Privação de liberdade significa qualquer forma de detenção, de prisão ou a

colocação de uma pessoa, por decisão de qualquer autoridade judicial,

administrativa ou outra autoridade pública, num estabelecimento público ou privado

do qual essa pessoa não pode sair por sua própria vontade (ONU, 1990b, p. 5).

Ou seja, ainda que utilizemos uma diferenciação entre instituição de acolhimento e

instituição socioeducativa e, o Estatuto tenha estabelecido que a primeira seja uma medida de

proteção e a última, medida socioeducativa, segundo as referidas Regras, tanto uma quanto a

outra são medidas privativas de liberdade.

Além das normativas já mencionadas em 14 de dezembro de 1990, a ONU promulgou

três outras normativas, sendo elas: Regras Mínimas das Nações Unidas para a elaboração de

medidas não privativas de liberdade, mais conhecidas como Regras de Tóquio (Resolução

45/110); Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil, também

denominada de Diretrizes de Riad (Resolução nº 45/112); Regras das Nações Unidas para a

Proteção dos Menores Privados de Liberdade, mais conhecida como Regras de Havana

(Resolução nº 45/113). As normativas mencionadas buscavam orientar a proteção dos

menores privados de liberdade e a redução no número de reclusos, por meio da busca de

soluções alternativas à prisão e à reinserção social dos delinquentes.

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i O referido artigo é fruto dos estudos realizados na Linha de Políticas Educacionais do Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). ii O primeiro registro histórico sobre a diferenciação judicial de menores de idade e adultos, que se tem notícia

surgiu em Roma, com uma distinção entre infantes, púberes e impúberes, contida na Lei das XII Tábuas, de 450

a. C. A Lei prescrevia que os menores deveriam ser castigados mais suavemente que os maiores. Eram

considerados impúberes o menino com idade entre 7 e 18 anos e a menina com idade entre 7 e 14 anos. Para

saber se o sujeito menor de 25 anos tinha discernimento, utilizava-se a prova da maçã de Lubecca, que consistia

em oferecer ao réu uma maçã ou uma moeda. Caso escolhesse a moeda estava provada a malícia e anulada a

proposta de proteção (BARBOSA NETO, 2012; SARAIVA, 2013; RICHTER, 2006). iii O conjunto das regras jurídicas aplicadas durante o Império Romano e após a sua queda, influenciou a

produção jurídica ocidental por mil anos. Antes e durante esse período as penas eram variadas, mas havia um

predomínio da pena de morte nos códigos existentes, não apenas em Roma (Código de Hamurabi,

Deuteronômio, Lei de Manu e Lei das XII Tábuas). A pena de morte prevaleceu nas inquisições da Idade

Média e, na vulgarização dela, nas Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil. Desconhecia-se a pena

privativa de liberdade. Ela teve origem na Igreja, com o recolhimento de religiosos para expiação dos

pecados, sendo cumprida até o século XIII em conventos e mosteiros. A humanização da pena transcorreu no

lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850 no período em que a Europa vivia o humanismo e a

contestação do pensamento absolutista (ROSA, 2013; OLIVEIRA, 1993). iv “Augusto Comte (1798-1857) é geralmente reconhecido como o fundador do positivismo ou ‘filosofia

positiva’. [...]. Do mesmo modo que os modernos filósofos da ciência empiristas, Comte estava

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comprometido com um modelo de explicação baseado numa ‘lei geral’ [...]. A previsibilidade dos

fenômenos é, por sua vez, uma condição para estabelecer o controle sobre eles, e é isso que torna possível o

emprego da ciência na tecnologia e na engenharia. Por motivos psicológicos e sistemáticos, segundo Comte,

a passagem das ciências humanas para o estágio ‘positivo’ ou científico foi retardada, mas é hoje parte da

agenda histórica. O positivismo tornou-se um movimento político e intelectual mais ou menos organizado

em bases internacionais”. Por mais que se queira negar, “[...] os seus temas centrais tiveram, na sociedade

de hoje, uma difusão muito maior do que a de qualquer outro movimento” (BOTTOMORE, 2001, p. 290-

291). v Cesare Lombroso (1835-1909) foi um médico alinhado com o pensamento positivista. Estudioso da área da

psiquiatria dirigiu manicômios e publicou livros na área da antropologia criminal. vi Foi no início do século XX que surgiram as primeiras leis que tratam do cuidado com a infância. Na

Inglaterra uma Lei de 1899, denominada Poor Law Act tratava explicitamente de menores abandonados.

Posteriormente, a Lei Children Act de 1908 explicitou sobre a prevenção e a proteção da infância. Na França

foi promulgada em 27, de junho 1904 a Lei Roussel que tratava dos menores abandonados. A Alemanha

promulgou em 2 de julho, de 1900 e 1º de abril, de 1924 a Lei de Assistência à Juventude. Na Bélgica é de

15 de maio, de 1912 a Lei de proteção à infância, e de 1919, a Lei que abrange de forma integral o problema

dos menores. A Itália promulgou em 1925 a lei de proteção à maternidade e, em 1934 a Lei sobre o

tratamento de menores abandonados (SANTARCÂNGELO, 1966). vii “[...] que el sistema de tribunales para menores representaba un triunfo del liberalismo progresista sobre las

fuerzas de la reacción y la ignoranciavii”. A atuação dos Salvadores da Infância foi vista por autoridades

como um “[...] reflejo del humanitarismo que floreció en las últimas décadas del siglo XIX gran sentimiento

norteamericano de filantropía e interés privado por el bienestar común” (PLATT, 1997, p. 16). viii No que tange às legislações específicas sobre o atendimento e a proteção de menores, a Argentina

promulgou em 1821 a primeira Lei que tratava da questão, mencionando a matéria tanto no Código Penal

quanto no Código Civil. Em 1936, o Consejo del Ninjo e, em 1939, o Código de Menores trataram da

questão na Venezuela. No Peru o tema vigorou na Constituição de 1933. O Equador promulgou em 1938 o

Código de Menores que protegia aqueles que possuíam idade inferior a 21 anos. No Chile, dez anos antes, ou

seja, 1928, a Lei nº 4.447 dispôs sobre a proteção aos menores e, no Uruguai o Código del Nino, de 1934 deu

proteção integral aos infantes e adolescentes. O Haiti trata dos Ninos Abandonados em uma Lei de 1938. A

Costa Rica promulgou o Código de La Infância em 1932, e no ano anterior promulgou a Lei nº 156 que

também tratava do tema. No que tange a criação de departamentos para se responsabilizar pelo assunto a

Argentina inaugurou em 1937 a Direção Geral de Proteção à Infância, a Colômbia criou pelo Decreto nº

2.392 em 1938 o Departamento de Proteção à Infância e a Maternidade, a Bolívia, em 1937 criou o

Patronato de Menores e o Paraguai pela Lei nº 4.413, o Departamento de Defesa da Criança e o Consejo del

Nino, em 1939 (SANTARCÂNGELO, 1966). ix “Après trois jours de discussion, on a conclu qu’en raison des grandes différences qui existent entre les

coutumes, les légilations et les philosophies des divers pays, il n’était pas possible de formuler une définition

limitée et de portée universelle de l’expession ‘délinquance juvénile’” (ASC, 1955, p. 23). x O artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu que a falta ou carência de recursos

materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder (BRASIL, 1990). xi Segundo o artigo 26 do Código Penal “É isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. No

Parágrafo único do referido Código, salienta-se ainda que “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se

o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou

retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento” (BRASIL, 1940). xii Conforme o artigo 228 da Constituição Federal de 1988: “São penalmente inimputáveis os menores de

dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988) e; ainda segundo o artigo 27 do

Código Penal “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas

estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1940). xiii Quando promulgado o Decreto nº 17.943-A era denominado Código de Menores, mas depois do falecimento

de Mello Mattos passou-se a homenageá-lo com a denominação Código Mello Mattos. José Cândido de

Albuquerque Mello Mattos atuou como advogado criminal, promotor e professor. Na década de 1920,

passou a elaborar projetos que culminaram, em 1923, com a criação do Juízo de Menores do Distrito Federal

no Rio de Janeiro, do qual se tornou titular em fevereiro de 1924. xiv O Comitê Internacional das Prisões, posteriormente denominado de Comissão Internacional Penal e

Penitenciária (CIPP) se reuniu pela última vez em 1950, em Haia e, anunciou que a mesma seria extinta no

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ano seguinte. O fim do Comitê foi uma orientação da ONU que identificou a participação dos membros na II

Guerra Mundial ao lado do eixo Alemão divulgando teorias sobre as raízes raciais e biológicas do crime e

sobre as medidas necessárias para o seu controle. Por isso, quando a Liga das Nações foi extinta, a ONU

recusou a filiação da referida Comissão. Para dar sequência nos trabalhos criou o Escritório das Nações

Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). xv “Après trois jours de discussion, on a conclu qu’en raison des grandes différences qui existent entre les

coutumes, les légilations et les philosophies des divers pays, il n’était pas possible de formuler une définition

limitée et de portée universelle de l’expession ‘délinquance juvénile’” (ASC, 1955, p. 23). xvi “Les discussions et travaux du congrés devront porter non seulement sur les jeunes qui ont commis un acte

considéré comme une infraction à la loi pènale en vertu de la législation de leur pays, mais aussi sur ceux

qui, en raison de leur condition sociale, risquent de commettre un tel acte ou qui ant besoin d’asistance et de

protection” (ASC, 1955, p. 24). xvii “[...] las investigaciones comparativas de diversas culturas promoverá de manera importante la compresión

em todo el mundo de las causas de la delinquência de menores y los medios de prevenirla y que estas

investigaciones vitales no son actualmente objeto principal atención por parte de ninguno de los centros de

prevención del delito de las Naciones Unidas (ONU, 1980a, p. 8)”.

Como citar este documento:

ZANELLA, Maria Nilvane; LARA, Angela Mara de Barros. A ONU, suas normativas e o

ordenamento jurídico para o atendimento de adolescentes em conflito com a lei no Brasil:

as políticas de socioeducação. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 17,

n. 1, p. 176-192, jan./abr. 2015. ISSN 1676-2592. Disponível em:

<https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/etd/article/view/6846>. Acesso em: 29 Abr.

2015.