A Obsolescência Perceptiva no Contexto do Consumo Contemporâneo - a marca Apple na venda de...
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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP
PROJETO DE GRADUAÇÃO ESPM – MONOGRÁFICO
RAFAEL LUIZ SONODA WADA
A OBSOLESCÊNCIA PERCEPTIVA NO CONTEXTO
DO CONSUMO CONTEMPORÂNEO:
a marca Apple na venda de iPhones
São Paulo
2011
RAFAEL LUIZ SONODA WADA
A OBSOLESCÊNCIA PERCEPTIVA NO CONTEXTO
DO CONSUMO CONTEMPORÂNEO:
a marca Apple na venda de iPhones
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM) como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel em Comunicação Social,
sob orientação do Prof. Ms. Paulo Roberto
Ferreira da Cunha
São Paulo
2011
AGRADECIMENTOS
À minha família que, com apoio e carinho, possibilitaram que eu completasse mais
uma fase de minha vida.
Ao mestre orientador Paulo Cunha, pelas dicas, ensinamentos e, principalmente,
incentivo na elaboração desta pesquisa.
Ao grupo Pato Ponta, pois sem vocês eu não estaria aqui entregando esta monografia.
Vocês foram meus irmãos nesta jornada de cinco anos e eu agradeço a cada um por todo o
companheirismo.
Aos amigos e colegas, em especial, Alessandro Rinaldi, Caio Mizutani, Christopher
Mathi, Gustavo Valdívia e Thomas Bruck, que me inspiraram a estudar mais sobre o tema
escolhido.
À Monica Watson, pela eterna inspiração.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é desenvolver um percurso teórico que permita compreender
o surgimento e funcionamento da estratégia mercadológica da obsolescência perceptiva
(LEONARD, 2010), bem como seus reflexos para a sociedade e, principalmente, para o
indivíduo contemporâneo. A pesquisa tem início pela análise da sociedade de hiperconsumo
(LIPOVETSKY, 2007), as representações que o consumo pode assumir no cenário
contemporâneo e de que forma a estrutura social influencia no comportamento individual do
consumidor. A partir do entendimento do consumo, será analisada a marca contemporânea
desde o ambiente hostil no qual se instala até as possíveis significações que essa pode assumir
frente ao indivíduo. Em seguida serão estudadas as estratégias da obsolescência programada e
obsolescência perceptiva, levantando suas principais diferenças e qual a importância de cada
para a sociedade de hiperconsumo. Como objeto de estudo, será analisado o caso do iPhone,
da marca Apple. Aqui serão relacionados os conceitos levantados durante a pesquisa com a
linha de smartphones para, assim, verificar qual a importância da obsolescência perceptiva
para a sociedade e para o indivíduo através do estudo de um caso real.
Palavras-chave: obsolescência programada, obsolescência perceptiva, iPhone, consumo
contemporâneo, hiperconsumo
ABSTRACT
The purpose of this research is to develop a theoretical path that allows us to
understand how did the marketing strategy of perceived obsolescence (LEONARD, 2010)
start and how does it work, as well as its consequences for the society and specially the
contemporary individual. This research begins at the analysis of the society of hyper-
consumerism (LIPOVETSKY, 2007), going through the representations that the consumerism
may be associated within the contemporary scene, and then analyzing in which ways the
present society reaches the behavior of the consumer. From the understanding of
consumerism, we can analyze the contemporary brand through its hostile environment to
possible meanings it can be associated with from the individual‟s perspective. Then we
discuss the marketing strategies of planned obsolescence and perceived obsolescence,
bringing up their main differences and relevance to the society of hyper-consumerism. As
main subject for this research, we will discuss the product line iPhone from Apple. This way,
we will analyze the deepness and relevance of the perceived obsolescence throughout a real
life case.
Key-words: planned obsolescence, perceived obsolescence, iPhone, contemporary
consumerism, hyper-consumerism
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 01
2 O PAPEL DO CONSUMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA.......... 05
2.1 O desenvolvimento do capitalismo: ascensão da sociedade de hiperconsumo. 05
2.1.1 A primeira fase: o surgimento dos mercados de massa e do marketing................ 05
2.1.2 A fase II: A sociedade do consumo de massa........................................................ 06
2.1.3 A terceira fase do capitalismo: A sociedade do hiperconsumo............................. 07
2.2 Consumo, hiperconsumo e indivíduo................................................................. 08
2.2.1 O consumo inserido no cotidiano.......................................................................... 09
2.2.2 Consumo como modelador de identidades e classificador social.......................... 10
2.2.3 Ciclo de hiperconsumo........................................................................................... 11
2.2.4 O consumo hedonista............................................................................................. 12
2.3 Reflexos do hiperconsumo no indivíduo contemporâneo................................ 14
2.3.1 O culto aos começos perpétuos............................................................................. 15
2.3.2 A economia da velocidade e da felicidade........................................................... 17
2.3.3 A sociedade do consumo individual.................................................................... 18
3 O CONCEITO DE MARCA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CONSUMO. 22
3.1 A compreensão do conceito de marca no espaço social.................................. 23
3.1.1 A primeira fase: O progresso da produção em massa......................................... 23
3.1.2 A segunda fase: A credibilidade entra em pauta................................................. 24
3.1.3 A terceira fase: A superação e o crescimento das marcas................................... 24
3.1.4 A quarta fase: A situação paradoxal das marcas................................................. 25
3.2 Dimensões de uma marca................................................................................. 27
3.2.1 Os pilares da marca contemporânea................................................................... 28
3.2.1.1 A natureza semiótica.......................................................................................... 28
3.2.1.2 A natureza relacional......................................................................................... 29
3.2.1.3 A natureza evolutiva.......................................................................................... 29
3.2.2 Projeto de sentido da marca e manifestações.................................................... 30
3.3.3 Identidade de marca.......................................................................................... 32
3.3.4 Os mundos possíveis da marca.......................................................................... 33
3.3.5 A preocupação com a estética............................................................................ 34
3.3 Obsolescência programada e obsolescência perceptiva............................... 37
3.3.1 A estratégia da obsolescência programada........................................................ 37
3.3.2 A obsolescência perceptiva no contexto da sociedade de hiperconsumo.......... 41
4 A OBSOLESCÊNCIA PERCEPTIVA PRESENTE NO IPHONE........... 45
4.1 A história da marca Apple Inc. ..................................................................... 46
4.2 Análise da marca Apple.................................................................................. 50
4.2.1 Os pilares da marca Apple................................................................................ 50
4.2.2 Projeto de sentido da Apple.............................................................................. 52
4.2.3 Manifestações da marca Apple......................................................................... 54
4.3 A percepção construída para o iPhone......................................................... 56
4.4 Premissas do consumo e da obsolescência frente ao iPhone....................... 59
4.4.1 iPhone inserido no cotidiano............................................................................ 59
4.4.2 iPhone como modelador de identidades.......................................................... 61
4.4.3 O iPhone frente ao hedonismo consumidor, economia da velocidade e
obsolescência............................................................................................................... 63
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 70
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................ 73
1
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo estudar, de maneira geral, o tema “a obsolescência
perceptiva no contexto do consumo contemporâneo” através da análise da prática dessa
estratégia mercadológica sob os aspectos conceituais que envolvem a marca e a sociedade de
consumo na civilização atual.
Propõe-se aqui o estudo das premissas e significações que o consumo e marca
contemporâneos podem adquirir, e de que forma criam espaço para a utilização de estratégias
como a obsolescência perceptiva, a qual funciona sob os parâmetros comportamentais dos
consumidores. Para tal, serão levantadas nesta pesquisa as questões sociais referentes ao
consumo traçando uma relação de sua estrutura atual com os reflexos que afetam o indivíduo
consumidor, o que possibilitará o entendimento do pensamento individual responsável por
impulsos consumistas. Desta mesma forma, a relação consumo-marca também será analisada
com o intuito de entender de que forma as marcas atuais se comportam frente às tendências
sociais, além de levantar as suas premissas para a existência da obsolescência no contexto da
sociedade contemporânea.
Por conta de seu desenvolvimento histórico, a atual organização social tem o consumo
como um de seus pilares de sustentação. É sob o paradigma do consumo que as sociedades
controlam suas economias, sua organização, suas metas e que os indivíduos administram seus
desejos, suas vontades, suas identidades. O simples ato de consumir um produto ou uma
marca é, nos dias de hoje, suficiente para enunciar diversas características a respeito de um
sujeito: aquilo que veste, a música que escuta, o carro que dirige. De acordo com Zygmunt
Bauman (2007), o consumo é responsável por grande parte da construção da identidade do
indivíduo, uma vez que este busca maior notoriedade sobre si, muitas vezes expressas em suas
compras. Assim, a aquisição de um produto tem como consequência direta a atribuição de
seus valores à personalidade do consumidor. No entanto, ao mesmo tempo em que o consumo
pode ser considerado um modelador de identidades, este é também uma manifestação
hedônica do consumidor, na medida em que a compra traz consigo uma satisfação imediata a
quem compra. De acordo com Gilles Lipovetsky (2007), o indivíduo da sociedade
2
contemporânea tem como maior objetivo pessoal sua auto-satisfação e sua felicidade. Visto
que o consumo é considerado pilar da estrutura social atual, a busca hedônica do indivíduo,
portanto, acaba sendo baseada nas atividades consumistas do mesmo.
Nesse cenário, Lipovetsky levanta que o indivíduo-consumidor ganhou importante
papel na organização da sociedade, uma vez que atualmente são suas vontades e desejos que
formam as novas tendências, ofertas e movimentação econômica. O crescimento da
autonomia do consumidor nos últimos anos fez com que o sujeito comprador se tornasse o
centro da sociedade contemporânea. São sob suas vontades que se molda a demanda, que se
cria a oferta e que se implementam novas tendências. Nesse sentido, o consumidor é visto
como o coração da sociedade e, por consequência, sua busca pela felicidade se torna o
objetivo de toda a organização social. Logo, as manifestações do mercado, das marcas e do
consumo são projetadas em cima da satisfação do consumidor, que se depara, através das
compras, com o hedonismo.
As marcas, por sua vez, devem entender a demanda consumidora e desenvolver novos
produtos que atendam suas necessidades efêmeras, além de sobreviver ao mercado de
natureza hostil. Atendendo às constantes mudanças de tendências, as marcas devem suprir as
necessidades hedônicas do consumidor e ao mesmo tempo se preocupar com sua gestão, para
que se mantenha atual e diferente de sua concorrência.
Sob essas premissas se justifica a estratégia da obsolescência perceptiva (LEONARD,
2010). Em uma sociedade em que se cultua a rápida troca de valores, mercadorias e atributos,
as marcas encontraram nessa estratégia uma forma de manter sua identidade desejável e atual,
e ao mesmo tempo suprir as necessidades consumistas e efêmeras do indivíduo consumidor.
Com o objetivo de manter a economia em movimento, bem como os valores da sociedade, a
obsolescência estimula a rápida troca de produtos através de estímulos psicológicos de forma
a induzir que um produto antigo seja considerado velho e defasado frente aos novos modelos.
Para identificar, exemplificar e desenvolver a análise do tema acima descrito, foi
escolhido como objeto de estudo a linha de produtos iPhone, aparelho smartphone da marca
Apple. Relativamente atual no cenário da tecnologia – da mesma forma como o quadro
teórico utilizado nesta pesquisa –, o iPhone é um dos exemplos mais evidentes no cenário da
obsolescência perceptiva, visto que novos modelos saem a cada ano, quebrando novos
recordes de vendas em cada lançamento. Somado a isso, a Apple tem sido um dos maiores
destaques no mundo por seu sucesso como empresa e como marca, posicionando-se entre as
3
mais valiosas em ambas as categorias. Por ser uma marca aspiracional do novo século, a
Apple também se encaixa no tema deste trabalho, na medida em que os aspectos a respeito de
consumo, hedonismo e marca podem ser relacionados com seu sucesso. A análise do caso
Apple será feita com o intuito de verificar de que forma a estratégia da obsolescência
perceptiva é utilizada nos iPhones sob as premissas do consumo e da marca contemporâneos.
Foi estabelecido, portanto, como objetivo desta pesquisa, estudar as práticas
estratégicas da obsolescência perceptiva nas vendas de iPhone, assim como sua importância e
reflexos para o indivíduo consumidor, através da análise do papel do consumo e da marca
Apple na sociedade contemporânea.
Para tal, o trabalho foi construído com base em pesquisas bibliográficas que resultou
no levantamento do quadro teórico de referências apresentado, com o que foi possível
aprofundar as análises referentes ao consumo na contemporaneidade e de que forma a
estratégia da obsolescência perceptiva se tornou uma, senão a maior, das ferramentas que
auxiliam a efemeridade apresentada no mercado atual e, assim, justificando a inserção do
objeto de estudo como contribuição aos campos de conhecimento e estudos referentes ao
mesmo.
O primeiro capítulo com título “O papel do consumo na sociedade contemporânea”
tem como objetivo apresentar o cenário no qual o consumo está inserido atualmente. Com
base nos pensamentos de Lipovetsky (2007), a análise da sociedade tem início em seu
levantamento histórico, evidenciando de que forma o consumo se desenvolveu durante o
século passado e como esse se transformou na chamada sociedade de hiperconsumo
(LIPOVETSKY, 2007). Em seguida, são colocadas em pauta as principais características e
significações do consumo na contemporaneidade e quais os seus desdobramentos sobre o
comportamento do indivíduo e da organização social. Aqui, são discutidas quais as premissas
que permitem o rápido giro de mercadorias e tendências e quais as principais características
da sociedade contemporânea frente ao tema da pesquisa.
No segundo capítulo “O conceito de marca e sua importância para o consumo”, é
levantado o histórico do conceito de marca, lado a lado com a história da sociedade de
consumo do primeiro capítulo. Em seguida, colocam-se em análise as raízes para a construção
de uma marca forte no cenário da sociedade de consumo, destacando também as principais
representações que essa pode assumir no contexto mercadológico e no imaginário individual.
Em “Obsolescência programada e obsolescência perceptiva”, o objetivo é definir os conceitos
4
dessas estratégias de marketing e analisá-las sob os conceitos vistos previamente durante a
pesquisa. Aqui são colocadas em pauta as premissas do consumo e da construção da marca
que possibilitam a existência e aplicação da obsolescência.
Por fim, em “A obsolescência perceptiva presente no iPhone” a intenção é analisar a
marca Apple e o produto iPhone utilizando os conceitos levantados durante o trabalho.
Novamente o levantamento histórico de ambos permite compreender o contexto no qual estão
inseridos e de que forma se manifestam frente ao mercado e ao consumidor. Neste capítulo,
pretende-se explorar os aspectos do iPhone diante das ideias apresentadas no primeiro
capítulo da pesquisa e o panorama da Apple nas vendas de iPhone tendo como base as
fundamentações da obsolescência. Aqui se analisam as diversas representações que o iPhone
pode assumir em relação à sociedade e ao indivíduo, e de que forma a Apple consegue utilizar
essa estratégia para auxiliar o fluxo da economia ao mesmo tempo que sustenta sua empresa.
A seguir, a pesquisa tomará início com o objetivo de desvendar os segredos da
estratégia da obsolescência perceptiva, de que forma a Apple consegue aplicá-la em seu
iPhone e se esta é feita com sucesso frente ao mercado, à sociedade contemporânea e ao
indivíduo consumidor.
5
2 O PAPEL DO CONSUMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
As razões pelas quais somos levados a comprar produtos, desejar marcas, frequentar
shoppings ou escolher determinados serviços, passando uma boa parte de nosso
cotidiano envolvidos com experiências de consumo, são um grande mistério
(ROCHA, 2006, p.85).
O consumo na contemporaneidade é um fenômeno que vai além da relação vendedor-
comprador ou marca-comprador. Entender o consumo é percebê-lo como fenômeno de
classificação social dentro da sociedade contemporânea, uma vez que a compra, independente
se foi efetuada por desejo, status, necessidade ou qualquer outro motivo, carrega consigo uma
vasta gama de valores atrelados que modelam a imagem de cada indivíduo-consumidor. Em
outras palavras, toda compra torna-se uma manifestação de uma característica do consumidor.
Para compreender o papel do consumo na contemporaneidade será analisado o contexto no
qual este surgiu, visando justificar sua existência e necessidade para a sociedade e o porquê de
sua efemeridade frente ao mercado consumista.
2.1 O desenvolvimento do capitalismo: ascensão da sociedade de hiperconsumo
Para caracterizar o estágio atual do consumo na contemporaneidade, Gilles Lipovetsky
em seu livro A felicidade paradoxal (2007), propõe uma análise esquemática da evolução
histórica do capitalismo em três grandes momentos – denominados “fases” –, que coloca em
perspectiva o sentido das mudanças ao longo da civilização de massa.
2.1.1 A primeira fase: o surgimento dos mercados de massa e do marketing
Em decorrência do desenvolvimento técnico da ciência, os sistemas de transporte,
comunicação e produção receberam significativas melhorias por volta dos anos 1880, o que
6
possibilitou o desenvolvimento do comércio em grande escala – o transporte aumentou a
abrangência e penetração, a comunicação resultou nas primeiras marcas e publicidade, e a
produção permitiu um maior volume a preços menores. A partir desse período, os mercados
locais começam, portanto, a ceder espaço aos mercados nacionais. A ascensão dos mercados
de massa durante a fase I (LIPOVETSKY, 2007) resultou no surgimento do marketing de
massa, do consumidor moderno e das primeiras marcas. Tal fato pode ser compreendido na
sua força se for considerado que “até os anos 1880, os produtos eram anônimos, vendidos a
granel, e as marcas nacionais, muito pouco numerosas” (2007, p.29).
Somado a isso, o surgimento dos grandes magazines transformou a relação de
consumo antes entre vendedor-consumidor para marca-consumidor, impulsionando, por sua
vez, a influência da publicidade sobre o novo consumidor moderno. Não à toa, no final do
século XIX as despesas em publicidade sofreram uma ascensão vertiginosa, como pode ser
visto no caso da Coca-Cola que passa de um investimento de 11 mil dólares em 1892 para 1,2
milhão em 1912 e 3,8 milhões em 1929 (2007, p.29).
2.1.2 A fase II: A sociedade do consumo de massa
Em seguida da primeira fase, que se estende da década de 1880 ao final da 2ª Guerra
Mundial, inicia-se a segunda fase do capitalismo, denominada “Sociedade da Abundância”
que se desenvolve nas três primeiras décadas do pós-guerra. Considerada como o modelo
puro da “sociedade do consumo de massa” (LIPOVETSKY, 2007), a fase II é marcada pelo
crescimento da produção e consumo de bens duráveis, do aumento do crédito e poder de
compra das massas, da obsolescência programada dos produtos e da acessibilidade destes por
uma parcela maior da população. Enquanto o primeiro ciclo criou um consumo de massa
limitado, uma vez que a maioria da população não possuía recursos para consumir bens de
luxo, a fase II mostrou ser o aperfeiçoamento da primeira, no qual os lares populares, com um
poder de compra mais elevado, tinham acesso a bens antes de predominância considerada
como “burguesa” (automóveis, televisão, eletrodomésticos).
Neste período, o consumo é colocado por Lipovetsky em dois tipos simultaneamente:
de um lado é considerado como a busca de status através de exercícios de consumo, chamado
7
de “o efeito Veblen”; do outro, é visto pela busca de aspectos emocionais e pessoais, cedendo
às sensações e deixando a ostentação de lado, a entender:
Já em 1964, E. Dichter observava que o status se tornara uma motivação secundária
na aquisição de um carro. De fato, o mesmo acontecia com a televisão, os aparelhos eletrodomésticos, as férias, a praia, cuja sedução não pode ser explicada a partir
apenas do modelo da distinção. (LIPOVETSKY, 2007, p.39)
Conforme este autor, a partir da década de 1980, a funcionalidade do produto foi
gradativamente substituída por valores extrínsecos e estratégias comerciais que visam seduzir
o consumidor através da emoção e não da razão. Aqui a propaganda começa a ganhar grande
espaço através da valorização do poder da televisão. Ainda que um grande número de marcas
se dedique exclusivamente ao mercado de artigos ostensivos, o consumo hedonista e a busca
do maior bem-estar subjetivo prevalecem como motivos primários ao consumidor
contemporâneo.
2.1.3 A terceira fase do capitalismo: A sociedade do hiperconsumo
A partir da nova tendência de explorar o consumo na sua relação afetiva com
indivíduo, a fase II do capitalismo chega a seu fim e dá lugar à seguinte, denominada
“sociedade de hiperconsumo”, que tem início nos anos 1980 e se estende até o período atual.
Por sociedade de hiperconsumo entende-se a nova ordem da sociedade contemporânea, que
consome de maneira desenfreada privando-se da racionalidade e valorizando as compras
emocionais. Distanciando-se da ostentação e distinção social, Lipovetsky coloca os bens e
serviços dentro da nova esfera do hiperconsumo, uma vez que são consumidos por motivos
individuais de satisfação e não mais por exibição pública de status. Em virtude da crescente
utilização da publicidade que procedeu às fases anteriores, o hiperconsumo é marcado pela
paixão/dependência do hiperconsumidor em consumir produtos supérfluos e marcas,
motivados sempre por emoções e sentimentos – que serão abordados neste trabalho mais à
frente – e não mais apenas pela razão e funcionalidade.
A sociedade de hiperconsumo passou, portanto, de um mercado comandado pela
oferta, a um mercado dominado pela procura. A publicidade, igualmente, passou de uma
comunicação construída em torno do produto e de seus benefícios funcionais a campanhas
que atrelam valores e estimulam emoções e sensações de seu público-alvo. Somente apelando
8
para o lado emocional, algumas marcas conseguem ganhar espaço no mercado e no
imaginário dos indivíduos.
O crescimento vertiginoso da procura juntamente com a velocidade acelerada da
publicidade justifica a terminologia “hiper” adotada por Lipovetsky. É o período em que se
tem mais opções, mais variedade, mais publicidade, mais mídias, mais concorrência, mais
individualismo, mais procura, mais consumo. Hipermodernidade, hiperconsumo,
hiperpublicidade, hipermercadoria, hipermarca. Tudo é “hiper” porque o aumento
exponencial da variedade da oferta acompanha a incansável busca por maior bem-estar
subjetivo do consumidor. A sociedade de hiperconsumo se caracteriza não apenas pelos novos
modos de se consumir, mas também por novos modos de organização das atividades
econômicas, das vendas, das mídias, das relações individuais com as marcas, que passam a ter
seu foco na relação consumidor-marca. Com a crescente atenção aos esforços publicitários
relativos ao consumo, a movimentação das atividades econômica, social e cultural é
remodelada de acordo, valorizando a publicidade, as novas mídias e o marketing.
2.2 Consumo, hiperconsumo e indivíduo
A busca por prazeres individuais articulada pelas mercadorias oferecidas hoje em
dia, uma busca guiada e a todo tempo redirecionada e reorientada por campanhas
publicitárias sucessivas, fornece o único substituto aceitável – na verdade, bastante
necessitado e bem-vindo – para a edificante solidariedade dos colegas de trabalho e
para o ardente calor humano de cuidar e ser cuidado pelos mais próximos e queridos
tanto no lar como na vizinhança. (BAUMAN, 2007, p.154)
Alimentando o culto ao consumo constante, o indivíduo da sociedade de
hiperconsumo – chamada de “sociedade de consumidores” por Zygmunt Bauman (2005) –
assume o ato de consumir – entende-se não apenas o consumo de produtos e serviços como o
de hábitos, valores e aparências – como elemento sine qua non de sua existência: de um lado,
o consumo é considerado o centro de suas práticas cotidianas; de outro, serve de orientação de
vida articulada através da experiência de consumo – servindo o consumo muitas vezes até
como consolo para a infelicidade. A seguir, algumas visões e papéis do consumo na sociedade
contemporânea.
9
2.2.1 O consumo inserido no cotidiano
Na sociedade contemporânea, o consumo é tratado não mais como um costume, mas
como parte inseparável da vida de cada consumidor, como elemento de sua própria
constituição. Desde os anos 1880, consumir sempre esteve inserido na vida dos indivíduos,
mas é a partir da fase de hiperconsumo que sua onipresença se solidifica. É praticamente
impossível imaginar um cidadão de um país ocidental capitalista que consiga passar um dia
sequer sem consumir absolutamente nada, uma vez que cada ato está atrelado ao consumo,
direta ou indiretamente. Aquilo que veste; aquilo que come; aquilo que dirige; ali onde
frequenta. Tudo diz respeito a quem se é; a quem quer ser; a que grupo quer pertencer, enfim
todos nascem e morrem consumidores. Para Bauman, todas as pessoas são, antes de tudo,
consumidores a entender que “tão logo aprendem a ler, ou talvez bem antes, a „dependência
das compras‟ se estabelece nas crianças. [...] Numa sociedade de consumidores, todo mundo
precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação” (2007, p.73)
Desde o berço, os indivíduos são condicionados à catequese do consumo para que,
futuramente, se tornem fiéis compradores que constroem sua moral de vida em cima dos
valores da doutrina consumidora. Por conta do avanço das tecnologias e da civilização, a
criança da nova sociedade de hiperconsumo é bombardeada por anúncios publicitários e
estímulos consumistas que alimentam sua fome por novas aquisições. “Bastam apenas 30
segundos para uma marca influenciar uma criança.” 1. Além disso, a criança é tratada como
jovem adulta, já a colocando dentro do universo hiperconsumidor, uma vez que parece ser
cada vez mais comum encontrar crianças usando maquiagem, salto alto e celular do que
brincando de boneca ou carrinho.
Desta forma, o “hiper” atinge a todos desde pequenos com hiperpublicidade nos
intervalos dos desenhos animados, hiperinformação na internet, hipermarcas nos produtos,
hiperobsolescência das mercadorias nas gavetas. O consumo está presente em praticamente
todo ato do indivíduo desde o primeiro momento em que foi atingido por algum estímulo de
consumo. E aqui se pode destacar um fenômeno em que a terminologia “hiper” seria apenas
1 CRIANÇA, a alma do negócio. Direção de Estela Renner. São Paulo. Maria Farinha Produções, 2009.
Documentário digital (49 min.).
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uma hipérbole: a mídia. Através da onipresença do consumo no cotidiano das pessoas, a
necessidade da mídia consegue se justificar, na medida em que o universo da comunicação
mudou radicalmente de passivo para participativo, interativo e às vezes até invasivo. Na atual
civilização, a mídia e o consumo atingem o indivíduo por todos os lados, seja pela televisão,
pela internet ou até pela forma que seu colega de trabalho se veste. Em uma sociedade em que
tudo pode ser visto como uma experiência de consumo, o ato de consumir pode significar,
portanto, existir e se constituir como indivíduo de uma determinada sociedade ou grupo
social.
2.2.2 Consumo como modelador de identidades e classificador social
Emerge, em um contexto no qual seus atos de consumo estão diretamente ligados às
características do indivíduo, um novo tipo de consumidor capaz de praticar as suas decisões
no campo do hiperconsumo e da hiperpublicidade: o consumidor-mercadoria (BAUMAN,
2007).
Em virtude do hiperconsumo ser impulsionado, principalmente, por motivos
emocionais e não por sua funcionalidade, o consumidor procura comprar em cima da visão de
valores que possui de determinada mercadoria. Neste sentido, o consumo pode assumir
representações como, por exemplo, para um sujeito de quarenta anos, um carro de luxo pode
trazer status, virilidade, poder, enquanto que um modelo popular pode dizer o contrário. Para
um jovem, no entanto, o modelo popular é sinal de liberdade, sucesso na carreira; e o de luxo
é visto como presente recebido pelos pais. Comprar vai muito além da posse do objeto. Ao
comprar determinada mercadoria, o consumidor está adquirindo os valores agregados ao
produto pela publicidade, mídia e, mesmo, avaliação alheia.
Portanto, o consumir atribui ao indivíduo inúmeras características que dão pistas sobre
sua personalidade: a que grupos pertence; que gostos possui; que ideias apoia, sendo o
consumo, portanto, um grande modelador de identidades, na medida em que junta as
características obtidas e as exibe publicamente. Seguindo os padrões ditados pela mídia, a
necessidade de visibilidade do consumidor moderno aumenta, na medida em que prevalece a
relação de que “há mais coisas na vida além da mídia, mas não muito [...]. Na era da
informação, a invisibilidade é equivalente à morte” (BAUMAN, 2007, p.21).
11
Para Bauman, o consumo contínuo concentra cada vez mais valores nas mãos dos
indivíduos, que moldam suas identidades para se sentirem mais confortáveis e inclusos no
contexto da sociedade contemporânea. Neste contexto, para acompanhar a insaciável
demanda consumidora, a sociedade mantém-se em constante movimento, fazendo o possível
para tornar o novo de hoje no antigo de amanhã. Diante da sociedade de hiperconsumo, a
necessidade de visibilidade é fundamental para a existência do consumidor e a frequência das
compras deve acompanhar a velocidade do surgimento de novas tendências de estilo. O
hiperconsumo se justifica, portanto, pois a demanda por novas identidades constrói tendências
constantemente, possibilita a criação de novos produtos com características inéditas e
alimenta a vontade consumista do indivíduo.
A partir dessa perspectiva, na qual o consumo representa as características do
indivíduo, é compreensível o comportamento do consumidor moderno em relação às compras,
uma vez que o objetivo central é não se sentir um estranho, de acordo com os princípios de
inclusão/exclusão apresentados pelo mercado. Para Bauman (2007), não existe um não-
consumidor: aquele que se abstém das compras, qualquer motivo que seja, é considerado um
consumidor falho, desnecessário em uma sociedade baseada em consumo. É nesse sentido que
as necessidades de pertencimento pessoal se dão por esses indivíduos, que viram, por
consequência, seus esforços a uma intensa produção de notoriedade sobre si, visando uma
significação dentro da sociedade. Em outras palavras, a compra está mais atrelada à
construção da identidade do sujeito do que à necessidade da posse. O que convém é ver sua
identidade como uma própria mercadoria, vendável aos olhos dos outros que a julgam ser ou
não falha.
2.2.3 Ciclo de hiperconsumo
Tendo em vista as novas significações assumidas pelo consumo na
contemporaneidade, o comportamento do sujeito consumidor frente ao mercado e o
crescimento vertiginoso do surgimento de novas tendências, é possível destacar a relação
sinergética destes elementos. Na sociedade da fase III (LIPOVETSKY, 2007), o consumo vai
além de um hábito e passa a ser um vício do indivíduo moderno em manter sua identidade-
mercadoria atualizada aos padrões ditados pelo mercado, resultando em uma constante busca
12
por novos valores consumíveis. Dessa forma, a oferta é alimentada pela demanda, tornando o
hiperconsumo um sistema auto-suficiente que está sempre em movimento. Movimento é a
palavra-chave, como explica Bauman (2007, p.126):
A vida do consumidor, a vida de consumo, não se refere à aquisição e posse.
Tampouco tem a ver com se livrar do que foi adquirido anteontem e exibido no dia
seguinte. Refere-se, em vez disso, principalmente e acima de tudo, a estar em
movimento.
Para a sociedade de hiperconsumo continuar prosperando, todos os elementos que
orbitam em torno do consumo devem estar em movimento: a demanda, a oferta, as tendências,
as marcas, a publicidade. A demanda deve estar constantemente recebendo estímulos
consumistas para que a oferta possa abastecer essa necessidade, alimentada pelas novas
tendências criadas pela publicidade. O sistema de consumo da sociedade contemporânea não
seria nada mais que um grande ciclo.
2.2.4 O consumo hedonista
Enquanto Bauman explora o consumo como modelador de identidades e enxerga o
consumidor como mercadoria, Lipovetsky explica o hiperconsumo, antes de tudo, como uma
manifestação hedonística do ser. Se nas primeiras fases do capitalismo o indivíduo tinha um
perfil delineado, uma profissão estável, um projeto de vida, a fase III se caracteriza pelo
contrário: o perfil é sempre mutável, as profissões cada vez mais abrangentes e instáveis e o
futuro é um grande ponto de interrogação. Para Lipovetsky, o hiperconsumo é tratado no
presente como o verdadeiro carpe diem da sociedade:
É em nome da felicidade que se desenvolve o hiperconsumo. A produção de bens, os
serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo
é organizado em princípio, com vista à nossa maior felicidade (2007, p.336).
Por mais que uma compra seja inteiramente baseada na incorporação dos valores
daquele produto, o sentimento que incentivou o consumidor a comprar foi sua auto-satisfação.
Ir a uma casa de massagem pode indicar que se queria sentir mais relaxado ou que se tinha
uma dor muscular. De qualquer forma, o princípio dessa ação foi puramente hedônico. Aqui,
uma compra por motivos funcionais sempre será virada ao hedonismo consumidor, porém
uma aquisição hedônica não implica, necessariamente, em um características funcionais do
produto/serviço.
13
A partir dessa perspectiva, é possível entender melhor como o ciclo do hiperconsumo
consegue fluir sem grandes obstáculos. A demanda emitida pelo consumidor não é alimentada
somente pela vontade de estar atualizado, mas também pelo princípio de se sentir mais
encaixado socialmente, o que está também relacionado à questão do hedonismo. Logo, não se
trata apenas de se exercitar para parecer magro ou tingir o cabelo para se mostrar menos
velho; é, antes disso, se manter em forma para ser mais saudável e pintar o cabelo para se
sentir mais jovem:
Queremos objetos „para viver‟, mais que objetos para exibir, compramos menos isto
ou aquilo para nos pavonear, alardear uma posição social, que com vista a
satisfações emocionais e corporais, sensoriais e estéticas, relacionais e sanitárias,
lúdicas e distrativas [...]. Das coisas, esperamos menos que nos classifiquem em
relação aos outros e mais que nos permitam ser mais independentes e mais móveis, sentir sensações, viver experiências, melhorar nossa qualidade de vida, conservar
juventude e saúde (LIPOVETSKY, 2007, p.41).
Se antes o consumo era tratado como exibição pública de posição social, agora se
busca, no prazer imediato, um maior bem-estar, melhor qualidade de vida, mais satisfação
subjetiva. Afinal, “nada ilustra melhor a dimensão hedonística do consumo que o papel
crescente dos lazeres em nossas sociedades” (LIPOVETSKY, 2007, p.61).
Em consequência da busca pela felicidade constante, paralelamente à demanda por
novos prazeres, o consumo de lazeres cresce exponencialmente e sua preponderância
transforma um mercado de materiais em um mercado de divertimento e cultura. Mais tempo é
gasto com televisão, música, internet, esporte. O setor de turismo é um dos que mais cresce no
mundo e, sozinho, já representa 11% do PIB mundial2. Segundo Lipovetsky, 1,6 bilhões de
pessoas devem fazer ao menos uma viagem ao estrangeiro em 2020. Vivemos hoje em uma
“economia da experiência”, na qual não consumimos apenas produtos e serviços e sim a
experiência vivida que esses nos trazem. Na sociedade de hiperconsumo, são as “pequenas
aventuras” efêmeras e inesperadas que nos proporcionam uma real satisfação imediata. Cada
vez mais se prezam os valores advindos das novas experiências como novas tecnologias que
vão surgindo ou até campanhas publicitárias inovadoras. Flash mobs3, por exemplo, foram
admirados e prestigiados enquanto ainda se tratavam de uma experiência inédita, porém
2 http://www.revistaturismo.com.br/index.htm
3 Flash Mobs são aglomerações instantâneas de pessoas em um local público para realizar determinada ação
inusitada previamente combinada, estas se dispersando tão rapidamente quanto se reuniram. A expressão
geralmente se aplica a reuniões organizadas através de e-mails ou meios de comunicação social. (Wikipédia)
14
caíram em desuso e até mesmo em desgosto pelo público, uma vez que passaram a ser vistos
como banalidade publicitária.
Na civilização do hiperinstante, o indivíduo está sujeito a consumir o que bem quiser,
quando quiser, onde quiser, podendo obter tudo imediatamente, em qualquer momento de
qualquer dia. Na fase III, a busca pela felicidade é muitas vezes marcada pela instantaneidade
dos prazeres: “Faço uma foto: eu a vejo, a transmito, a apago” (LIPOVETSKY, 2007, p.112).
Somado a isso, a tecnologia permite ao indivíduo uma constante conexão com o mundo. Com
apenas um aparelho celular, é possível se comunicar via telefonia, rádio, SMS, consumir TV
digital, conectar-se a mídias sociais, acessar e-mail, ouvir música, tirar foto e até fazer
compras. Tudo está focado ao que se quer neste momento. Esse aspecto é aproveitado pela
publicidade, principalmente, que se utiliza da conexão constante e mundial de cada indivíduo
para atingi-lo com estímulos consumistas a todo instante. Por conta da evolução tecnológica,
novas mídias surgem para poder se conectar com o consumidor em todas as direções
possíveis.
A partir dessa perspectiva, tendo em vista o ciclo do hiperconsumo, a demanda
insaciável por novos prazeres é claramente alimentada a todo instante por novas experiências
consumistas. Ter um maior controle subjetivo do tempo, ou seja, aproveitar melhor o tempo
livre à sua disposição através da instantaneidade do consumo, permite ao sujeito aproveitar
melhor outros momentos da vida, entre eles o próprio consumo.
2.3 Reflexos do hiperconsumo no indivíduo contemporâneo
Para aprofundar mais o estudo sobre a sociedade de hiperconsumo, na qual o
hedonismo é visto como principal objetivo, será estudado neste subcapítulo como o indivíduo
consumidor é afetado pelo contexto em que está inserido.
Toda a vida das sociedades superdesenvolvidas se apresenta como uma imensa
acumulação dos signos de prazer e da felicidade. Vitrines rutilantes de mercadorias
nas publicidades resplandecentes de sorrisos, do sol das praias nos corpos de sonho,
de férias com divertimentos midiáticos, é sob os traços de um hedonismo radiante
que se mostram as sociedades opulentas (LIPOVETSKY, 2007, p. 153).
Como foi apresentado anteriormente neste trabalho, é nítida a indicação de que o
centro de todas as esferas não é, por mais paradoxal que pareça, o consumo. A demanda, a
15
oferta, a publicidade, as marcas, a satisfação dos prazeres individuais, todos orbitam, antes de
tudo, em torno do agente comprador, o hiperconsumidor. Emerge, paralelamente ao
desenvolvimento das sociedades de consumo, um sujeito capaz de modelar não apenas sua
identidade como também o mercado que deseja consumir; a satisfação das vontades hedônicas
do ser é que dita as tendências e os novos modelos de mercado. O indivíduo, portanto, passa a
assumir um papel de extrema importância para a comunidade, sendo ele o responsável por
todo o ciclo do hiperconsumo. Sem perceber, o consumidor passa a carregar o enorme fardo
da organização da sociedade nas mãos, onde “o bem-estar tornou-se Deus, o consumo, seu
tempo, o corpo seu livro sagrado” (2007, p.153).
Tamanha responsabilidade carrega consigo proporcionais consequências e mudanças
para o ser consumidor, ou Homo consumans (BAUMAN, 2007). A falta de controle das
economias e as compras de hiperinstante, o gozo sem limites e a individualização do
consumo, a construção de sua identidade, o acesso a informação e o enclausuramento, os
problemas e as recompensas sociais, a indulgência e o consumo desenfreado. Em um sistema
de movimento cíclico de renovação, seu sol é responsável por sua constância, suas mudanças
e seus paradoxos.
2.3.1 O culto aos começos perpétuos
Em um mundo de renovação constante, a valorização do novo tem forte impacto nas
decisões dos indivíduos, visto que é necessidade da sociedade de hiperconsumo o culto ao
desapego das experiências já vividas, da habilidade ou disposição do sujeito em deixar o
passado para trás e desfrutar o presente. Segundo Lipovetsky, o consumidor III é aterrorizado
pelo “envelhecimento” do já sentido tendo o consumo, portanto, o papel de “rejuvenescer” o
já vivido e propor novas experiências. O novo de hoje torna-se o antigo de amanhã.
Para Bauman, o consumidor vive em função de seus desejos, ora quer algo, ora quer
outra coisa, sendo o desejo de consumir frequentemente renovado na fase III. O homem
contemporâneo é construído de tal maneira que se é impossível gozar um prazer e ao mesmo
tempo estar completamente confortável, pois é preciso antes querer para depois se satisfazer.
– “... é preciso ter frio para apreciar o calor da lareira, é preciso sentir fome para saborear uma
boa mesa” (LIPOVETSKY, 2007, p.159). E é nessa perspectiva de renovação que o mercado
16
se baseia, visto que “uma das características importantes dos bens de consumo em nossas
sociedades é que eles mudam e que nós os trocamos indefinidamente, não cessando a oferta
de inovar, de propor novos produtos e serviços” (2007, p.67).
De acordo com ambos Bauman e Lipovetsky, o desejo pelo novo é mais forte do que a
satisfação de se ter o que se desejava. Dessa forma, assim que os bens de consumo são
adquiridos, geram uma satisfação imediata, porém, em seguida, emerge um desejo por outra
novidade. A partir do momento que se consegue algo novo, todo o movimento que girava em
torno daquele objeto de desejo chega ao fim, compreendendo que:
[...] viajar esperançosamente é na vida do consumidor muito mais agradável que
chegar. A chegada tem esse cheiro mofado de fim de estrada, esse gosto amargo de
monotonia e estagnação que poria fim a tudo aquilo pelo que e para que vive o
consumidor (BAUMAN, 1999, p. 92).
Assim, o hiperconsumidor está sempre em busca de novidades, de surpresas, de
aproveitar ao máximo as experiências inabituais e inesperadas, fugindo da banalidade do
tradicional e do ultrapassado. Sendo assim, a alegria da compra é maior que a alegria da
posse, visto que a aquisição pode acabar causando um descontentamento e frustração sobre os
possíveis incômodos e inconvenientes do produto. Alguns bens duráveis, por exemplo, são
facilmente atraídos ao mundo da decepção por proporcionarem prazeres somente no ato da
compra ou do primeiro funcionamento, tornando-se em seguida nada mais que um conforto
sem alegria (piscina, refrigerador, aquecedor, eletrodomésticos).
Expostos a essas insatisfações, o consumidor não tem outra escolha senão ativar o seu
“hiper” e ir atrás de novos exercícios de consumo que satisfaçam seus prazeres – e antes
disso, em muitos casos, descarta os objetos que lhe são inconvenientes. Na sociedade de
hiperconsumo é cultuada a desvalorização da durabilidade dos produtos, sendo o velho
considerado defasado, uma vez que se torna descartável no momento da aquisição. O
resultado dessa equação é uma demanda exponencialmente crescente que abre espaço para os
mercados se proliferarem em igual proporção, onde:
[...] quanto mais uma empresa inova e põe no mercado produtos novos, mais o
crescimento de seu montante de negócios, de sua produtividade e de seu valor
bolsista é importante. Em nossos dias, os setores em crescimento são aqueles em que
o ritmo das renovações e de inovação dos produtos é mais elevado (LIPOVETSKY,
2007, p.86).
Aproveitando-se da efemeridade das necessidades subjetivas do consumidor, as
empresas da fase III elevam sua produtividade e diminuem a durabilidade dos bens, já que são
em sua maioria descartáveis imediatamente no momento da compra. Assim, os consumidores
17
que se desapontam com uma compra estão sempre dispostos a consumir algo diferente, que
pareça ser novo aos seus olhos.
Nesse contexto de redução de tempo – tanto entre cada procura como da vida do
produto –, a comercialização dos bens de consumo recebe uma atenção antecipada da
publicidade, que os anuncia previamente visando criar uma notoriedade em cima do mesmo e
da marca. Dessa forma, a publicidade cumpre uma de suas funções como ferramenta de
marketing, tornando-se modeladora de novas tendências, criando expectativas frente ao
consumidor. A publicidade, o marketing, os meios de comunicação de massa, a internet
persuadem as vontades e desejos dos consumidores, moldando uma demanda aguda. E na
mesma velocidade que conseguiram persuadir o indivíduo, conseguem frustrar suas
esperanças para poderem anunciar novas promessas mais atraentes no dia seguinte.
O Homo consumans, então, é o elo que une todos os elementos que constituem o
sistema capitalista de consumo. A partir de suas vontades são captadas as procuras e
tendências; de seus desejos são montados os princípios econômicos da sociedade e das
empresas; de sua perpétua procura pelo novo se justificam a oferta pletórica e a
hiperpublicidade. A vontade hedônica do hiperconsumidor, através da eterna procura pelo
novo, alimenta os motores da sociedade da fase III.
2.3.2 A economia da velocidade e da felicidade
Uma vez focada na satisfação dos desejos subjetivos dos indivíduos, a sociedade de
hiperconsumo acelera a atualização das prateleiras das lojas e dos valores de tendências, bem
como diminui a vida útil dos bens de consumo, através de tecnologia ou da mídia. Enquanto
isso, o consumidor III, persuadido por estímulos consumistas e por sua própria vontade de
comprar, permite-se ser influenciado pelas novas tendências e apóia a rápida circulação dos
produtos. Para Lipovetsky (2007), essa nova economia baseada na desenfreada compra e
descarte é denominada economia da velocidade.
Não mais enraizada nos princípios da vida futura, a nova economia é caracterizada
pelo contínuo gozo instantâneo que garante ao consumidor a utópica alegria eterna. Em sua
incessante busca pelo novo, o hiperconsumidor se encontra em uma hipnose hedônica que o
18
impede de usar a razão antes de comprar por impulso e, por consequência, a frustração e
decepção com a maioria de suas aquisições é quase certa. O que antes as pessoas
economizavam para garantir uma vida mais segura no futuro, hoje é gasto em coisas
supérfluas para se sentir bem no agora. Na sociedade de hiperconsumo, consequentemente, é
cada vez mais comum encontrar sujeitos com dificuldades financeiras.
Em seu livro Vida para o Consumo, Bauman exemplifica essa dificuldade de poupar
baseado em um estudo feito no Reino Unido (2007, p.102), o qual aponta que a geração entre
18 e 40 anos – a primeira geração adulta criada sob os princípios da sociedade de
hiperconsumo – é incapaz de administrar suas economias e dívidas sem passar por apertos. De
acordo com a pesquisa, apenas 30% dessa geração guardaram algum dinheiro para o futuro,
enquanto que 42% sequer se preocuparam em garantir alguma perspectiva para longo prazo e
11% já estão no vermelho de suas contas. Logo, não é surpresa o alarmante número de jovens
adultos que dependem da moradia de familiares ou que vivem em precárias condições de vida,
mesmo vindos de classes sociais mais elevadas. Na sociedade de hiperconsumo, não é mais a
classe que importa, mas sim a quantidade de dinheiro que está disponível para se gastar.
No entanto, a prosperidade da economia da velocidade funciona como peça chave para
o funcionamento do sistema de consumo, além de servir de lenha para os motores hedônicos
do ser consumidor. Apesar dos problemas financeiros, o consumidor contemporâneo continua
a buscar a constante renovação das alegrias instantâneas, pois não deseja ter sua identidade
defasada nos padrões de inclusão/exclusão da sociedade. Assim sendo, a economia da
velocidade não apenas mantém o sistema em movimento, como também satisfaz as
expectativas do indivíduo, que deseja acima de tudo ser feliz no contexto contemporâneo.
2.3.3 A sociedade do consumo individual
Na sociedade de hiperconsumo, considerando a economia da velocidade e os
princípios hedonistas do indivíduo, a nova questão do consumidor contemporâneo é o que
escolher dentre os bens da oferta pletórica do mercado. A vasta oferta do consumo é um
grande banquete a la carte aos famintos desejos do consumidor contemporâneo. Mesmo que
suas aspirações tenham sido influenciadas a princípio pela mídia, o indivíduo ainda tem a
liberdade de escolha sobre o que quer, quando quer, onde quer. Graças à alta tecnologia da
19
microeletrônica e da informática, é possível ter acesso ao mercado mundial nas palmas das
mãos.
O desenvolvimento das tecnologias industriais permitiu a expansão da personalização
dos bens de consumo para se encaixarem melhor às necessidades do consumidor, cujo gosto
se torna cada vez mais exigente. Dessa forma, o segmento padronizado perde sua posição ao
segmento personalizado que consegue um alto nível de produção em massa de modelos
adaptáveis4. Atendendo aos gostos pessoais de cada indivíduo, o novo segmento de produção
consegue montar bens consumíveis de maneira individual, em cima de modelos pré-
fabricados. Como exemplo, na compreensão de Lipovetsky:
a Renault e a Peugeot oferecem a seus clientes, na internet, a definição e
personalização de seu carro pela escolha, segundo seus gostos, da motorização, da
cor, das opções, e isso em segmentos para grande público. Certos serviços oferecem
20 mil toques e logotipos destinados a personalizar os telefones celulares. A Nike e
a Kickers lançaram um serviço de personalização de seus calçados; Barbie propõe
que as meninas „componham‟ elas próprias a boneca de sua escolha (2007, p.79)
Assim, a vasta oferta de mercado consegue atender aos desejos individuais de cada
consumidor, facilitando suas escolhas e poupando-lhe tempo e dinheiro. Tendo em vista o
maior conforto do indivíduo, outras formas de auxílio surgiram para diminuir a
inconveniência de uma compra: o auto-serviço tornou desnecessário o intermediário-
vendedor, os cartões de crédito permitiram carregar consigo um maior poder de compra, as
compras pela internet inseriram mais conveniência, podendo escolher exatamente o que se
deseja, pagar como preferir e receber no conforto de sua casa. O que se preza na fase III é o
crescimento da autonomia do consumidor, sua liberdade individual nas práticas de compra,
nos gostos e em suas exigências.
A sociedade do objeto apresenta-se como civilização do desejo, prestando um culto
ao bem-estar material e aos prazeres imediatos. Por toda a parte exibem-se as
alegrias do consumo, por toda a parte ressoam os hinos aos lazeres e às férias, tudo
se vende com promessas de felicidade individual (LIPOVETSKY, 2007, p.102)
O culto ao hedonismo acarretou em uma preocupação extremamente subjetiva, que
direcionou o comportamento consumidor a um ato puramente individualista. Nessa
perspectiva, o hedonismo individualista passa a ser uma, se não a maior, das preocupações
pessoais da fase III. O alto crescimento das despesas de lazer, a paixão pelas férias e feriados,
as compras impulsivas e instantâneas, a busca pelo novo, a construção da identidade. Do
consumo contemporâneo emerge o hiperindividualismo (LIPOVETSKY, 2007), no qual todos
4 O marketing denomina isso de “mass customization”
20
os exercícios consumistas são baseados nas vontades individuais do hiperconsumidor. A velha
cena da família reunida sentada na sala assistindo TV é suplantada pelo atual cenário: o pai vê
o jogo de futebol na sala, a mãe, a novela na cozinha, os filhos mexem no computador em
seus respectivos quartos. O consumo coletivo tornou-se quase inexistente se comparado ao
consumo individual.
Para Lipovetsky, a sociedade de consumo individual é marcada por um grande traço: o
multiequipamento. Cada indivíduo possui um telefone celular, um notebook, um desktop,
uma televisão, um carro, uma máquina fotográfica, um aparelho de MP3. No cenário musical,
o fim da escuta coletiva foi anunciado a partir do lançamento dos aparelhos portáteis como
toca-fitas, CD-Players e mais recentemente os MP3 players. Aqui, o individualismo não foi a
posse do equipamento, mas a apropriação individual da música. Assim, as rádios perdem seu
espaço para os jovens com fones brancos, posto que é necessário entender “cada um com seus
objetos, cada um com seu uso, cada um com seu ritmo de vida” (2007, p.105).
Entretanto, o hedonismo individualista não está presente apenas no multiequipamento.
Exemplo disso são redes de fast-food e seus sistemas de delivery, que oferecem uma forma de
consumo individual, uma vez que muitas famílias não têm mais horários estipulados para
refeições – por conta de horários que não coincidem. As famílias já não escapam das ações
individualizadas do consumidor. Lipovetsky ainda ressalta que os laços do indivíduo com a
política são enfraquecidos, na medida em que os cidadãos mostram menos engajamento
político e orientam-se mais individualmente, mudando seus votos de acordo com suas
preferências pessoais e não com o melhor para a comunidade.
O culto ao narcisismo da sociedade contemporânea somado ao desenvolvimento
tecnológico com vista à conexão mundial teve como resultado um dos maiores fenômenos
individualistas do atual cenário de consumo: as mídias sociais. Trata-se de um dos melhores
casos para exemplificar a necessidade da construção de uma identidade que valorize um
indivíduo frente aos outros. O usuário é o responsável em decidir o que colocar em sua
resumida biografia, quais fotos capturam sua melhor forma, quais conteúdos gosta ou quer
que os outros percebam que gosta, qual atividade faz neste momento, qual informação quer
dividir com o mundo. Mesmo tendo como premissa a conexão das pessoas de todo o planeta
ou a nostalgia dos relacionamentos distantes, as mídias sociais são poderosos modeladores de
identidades e mais uma ferramenta que fortalece o individualismo contemporâneo.
21
Em suma, para adentrar no próximo capítulo, considerando a evolução histórica do
capitalismo até a fase III, o crescimento da importância do consumidor foi um resultado já
esperado. Por inércia ao desenvolvimento da civilização contemporânea, o consumo passou a
assumir extrema influência nas decisões econômicas, sociopolíticas, culturais e psicológicas,
uma vez que o indivíduo-consumidor é a base de toda a estrutura que sustenta o atual sistema.
Suas preferências ditam as novas tendências, as novas demandas, as novas ofertas, os novos
mercados. O culto ao maior bem-estar constante dos cidadãos teve como resultado a
concentração de poder nas mãos do consumidor III que, ao buscar seus prazeres efêmeros,
molda não apenas sua identidade como os valores da nova ordem social.
Por consequência à economia da velocidade e ao ciclo de hiperconsumo, o movimento
do mercado é ditado em cima das preferências do hiperconsumidor. Dessa forma, empresas e
marcas têm a obrigação de manterem-se atualizadas frente à demanda de incessante
renovação. A personalização de produtos, o conforto das compras, as mediações espaciais,
virtuais e estéticas; todos os esforços devem ter foco no centro do sistema de consumo, o
Homo Consumans. A concentração de poder nas mãos do consumidor somado ao aumento de
sua autonomia resultaram no atual hiperindividualismo, trazendo narcisismo e subjetividade
às interações do indivíduo com o consumo e, consequentemente, à construção da identidade
de cada um.
No capítulo a seguir será estudada a marca no cenário do hiperconsumo e quais os
desdobramentos necessários para a sobrevivência da mesma em um ambiente de alta
competitividade e constante transformação, considerando os elos necessários a serem
construídos. Dessa forma será possível analisar consumo e marca lado a lado, de forma a
entender como se complementam para o crescimento da sociedade de hiperconsumo e de que
forma uma empresa como a Apple consegue sobreviver à efemeridade do mercado.
22
3 O CONCEITO DE MARCA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CONSUMO
Uma marca é um nome, termo, símbolo, desenho – ou uma combinação desses
elementos – que deve identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de
empresas e diferenciá-los da concorrência (KOTLER, 2002, p.426).
De acordo com a definição básica acima, o conceito de marca se resume àquilo que
identifica uma empresa ou fabricante e a diferencia dos demais concorrentes, seja por novos
atributos, benefícios, valores, cultura, personalidade ou usuários. Seja um produto, uma frase,
uma representação gráfica, a marca é responsável em identificar uma empresa dentre as
demais concorrentes, visto a alta paridade presente em um mesmo setor.
No livro Le marketing de la marque definimos a marca como “o conjunto de
discursos relativos a ela pela totalidade de sujeitos (individuais e coletivos)
envolvidos em sua construção”. E algumas linhas depois identificamos a
especificidade principal da marca no fato “de ser uma instância semiótica, uma
maneira de segmentar e de atribuir sentido de forma ordenada, estruturada e
voluntária” (Semprini, 2010 p. 96).
A marca, assim como o consumo, deve ser entendida e analisada além da rasa
superficialidade de sua conotação conceitual. Da mesma forma que o consumo não é apenas a
prática ou ato da compra de bens e serviços, a marca possui uma significação muito mais
profunda em termos de valores sociais e potencialidade de mutação de pensamentos. Este
capítulo tem o objetivo de estudar a construção e evolução da marca para assim poder-se
justificar sua onipresença e importância no cotidiano do indivíduo contemporâneo. Para tal,
será utilizado o mesmo padrão do capítulo anterior, estudando, primeiramente, a evolução
histórica da marca para depois entender seus desdobramentos e reflexos na sociedade de
hiperconsumo.
23
3.1 A compreensão do conceito de marca no espaço social
Em sua forma embrionária, a marca é tão antiga quanto a prática do consumo e, em
sua forma moderna, ela acompanhou o progresso e o desenvolvimento da civilização
industrial (SEMPRINI, 2010, p.237).
Durante um longo período de sua existência, a marca ficou presa à esfera da produção
como mero sinônimo de etiqueta ou de símbolo de identificação. Esse conceito de marca
como simples assinatura de produto perdurou até a fase II (Lipovetsky, 2007), na qual
somente com a ascensão vertiginosa dos meios de comunicação de massa a marca conseguiu
se desprender da invisibilidade e agregar valor a si mesma. Com altos e baixos, a marca
atingiu seu ápice histórico por volta dos anos 1980, por conta do imenso crescimento da
publicidade e da economia que, aos poucos, se levantava da batalha contra a crise do petróleo.
Desde então, as marcas passaram por uma evolução profunda, partindo de uma mera
ocupação nos mercados para uma ocupação essencial nos espaços sociais contemporâneos.
Andrea Semprini caracteriza a história da marca em quatro grandes fases evolutivas
(2010) que mostram que seu desenvolvimento passou tanto por ciclos de expansão quanto de
retração para obter tamanha importância no contexto social contemporâneo.
3.1.1 A primeira fase: O progresso da produção em massa
Em decorrência do desenvolvimento natural da sociedade de consumo, como visto na
fase II do capitalismo de Lipovetsky, a primeira fase evolutiva da marca (1958-1973) é
fortemente influenciada pelo crescimento da economia, do aumento de crédito e do poder de
compra das massas. Aos poucos, os produtos antes vendidos a granel nos mercados locais são
substituídos pelas marcas nas estantes dos supermercados e hipermercados. Ainda que com
objetivos restritos ao universo do consumo, as marcas assumem aqui o importante papel de
diferenciação e de credibilidade, sendo sinônimos de qualidade e segurança.
Neste período, o consumo de massa crescente estimula a movimentação do mercado,
mostrando os primeiros indícios do surgimento do hiperconsumo. Entretanto, esta época ainda
possuía meios e métodos limitados, que afunilavam a comunicação publicitária e o
24
desenvolvimento das marcas a poucas mídias e aos grandes e médios centros comerciais,
respectivamente.
3.1.2 A segunda fase: A credibilidade entra em pauta
A segunda fase evolutiva das marcas tem seu início após a crise mundial do petróleo
de 1973 e 1977, que desaqueceu de forma assustadora a economia das nações. Dessa forma,
até meados da década seguinte, o consumo desenfreado sofre uma queda repentina e as
atitudes de compra são reavaliadas nos conceitos de necessidades para as famílias.
Obviamente, a sociedade continua a consumir, entretanto sob um rigoroso filtro de
questionamentos a respeito das compras supérfluas e excessivas. Neste período sombrio, o
olhar do consumidor começa a desenvolver uma habilidade mais crítica e racional sobre as
compras, visto a necessidade de cortes nas despesas desnecessárias.
Com a crise, não apenas o consumo sofre dificuldade, mas as marcas também passam
por um momento complicado. O aumento do pensamento crítico em relação ao consumo
trouxe como consequência o questionamento da credibilidade das marcas e de sua real
importância na vida cotidiana. Enquanto o crescimento das marcas no contexto da primeira
fase evolutiva construiu uma forte concentração de confiança sobre si, a fase seguinte resultou
na suspeita da necessidade das compras desenfreadas e no desenvolvimento do senso crítico
individual.
3.1.3 A terceira fase: A superação e o crescimento das marcas
Lado a lado com a fase III de Lipovetsky, a terceira etapa evolutiva da marca – que
dura dos anos 1980 até a queda da bolsa em 2001-2002 – acompanha o desenvolvimento da
sociedade de hiperconsumo e, assim como no consumo, o papel da marca para a sociedade
sofre uma transformação em sua essência. Com a superação da crise, os anos seguintes a 1980
são marcados pelo crescimento da autonomia do indivíduo consumidor – como visto no
25
primeiro capítulo – e pela notável ascensão da comunicação, que passa a se utilizar de
discursos mais afetivos do que funcionais.
O início da sociedade de hiperconsumo reabre o espaço do imaginário e do supérfluo
na mente do consumidor, que volta a comprar incessantemente à procura de sua eterna
felicidade. Aproveitando-se disso e do crescimento da esfera da comunicação comercial, as
marcas são capazes de retornar com força total. De acordo com Semprini, “o período de
grande crescimento econômico da segunda metade dos anos 1980 é caracterizado por um
notável desenvolvimento da comunicação publicitária” (2010 p.28). Aqui, o desenvolvimento
da publicidade nos meios audiovisuais recebe intensa atenção das empresas que, em momento
de prosperidade econômica, dispõem de maiores verbas para comunicação5 de marca. Somado
a isso, novas mídias encontram espaço para anunciarem e novas estratégias de marketing
aparecem pouco a pouco. Durante muito tempo a comunicação se resumia à publicidade e às
embalagens. Entretanto, esta fase representa uma reviravolta nos princípios de comunicação e
de marca, pois é nessa época que as dimensões simbólicas e semióticas começam a chamar a
atenção do indivíduo contemporâneo, transformando o cenário do funcional no cenário do
imaginário e do imaterial. Dessa forma, as marcas passam a se tornar o elemento de maior
importância nas decisões de consumo, abrindo novas portas para a comunicação se apresentar
com eficácia. Com vista em tecer laços emocionais e estreitar o relacionamento da marca com
o consumidor, surgem as técnicas de marketing de relacionamento, que permitem aproximar a
marca à vida cotidiana dos hiperconsumidores.
Porém, o momento de glória das marcas encontra outro grande obstáculo com a queda
da bolsa em 2001-2002. A quarta e atual etapa evolutiva das marcas traz os questionamentos
de credibilidade mais uma vez.
3.1.4 A quarta fase: A situação paradoxal das marcas
A quarta fase desta história contemporânea das marcas começa na virada do século.
O estouro da bolsa, a recessão econômica, os atentados em Manhattan e a guerra no
Iraque criam um novo clima, no qual se instalam a dúvida e a desconfiança em
relação às marcas (Semprini, 2010, p.33).
5 O termo comunicação, quando não especificado (publicitária, comercial, etc.), é utilizado em sua acepção
semiótica, como maneira de transmitir significados e sentidos.
26
A quarta fase evolutiva tem início no começo do século e se estende até os dias atuais.
A questão da credibilidade das marcas retorna ao pensamento da sociedade, mas em um
contexto totalmente diferente. Devido ao crescimento dos mercados da sociedade de
hiperconsumo, a produção industrial atingiu números inigualáveis causando uma oferta
excessiva de mercado nas prateleiras das lojas – obviamente, tal oferta era justificada pela
crescente demanda do hiperconsumidor –, a publicidade chegava a ser invasiva com sua
onipresença cotidiana e o pensamento do consumidor já estava acostumado com o culto ao
imaginário hedonista. Assim, o questionamento da credibilidade das marcas, apesar de
retornar com a mesma indagação, atinge uma sociedade completamente diferente de vinte
anos atrás.
Durante as três primeiras fases evolutivas, principalmente na terceira, as marcas se
desenvolveram de tal forma que, assim como o consumo, tornaram-se elemento da
constituição dos hiperconsumidores. As marcas passaram a ser a alma do hedonismo
consumidor, analogias da liberdade de escolha e do conforto da vida cotidiana. Ao mesmo
tempo, os mercados conseguiram aumentar suas ofertas devido ao desenvolvimento
tecnológico e à demanda constante e a comunicação já se tornara excessiva a ponto de sufocar
os indivíduos. Durante esse período de crescimento, as marcas se enraizaram na sociedade de
consumo tanto do ponto de vista quantitativo (número de marcas, importância das marcas,
volume de negócios realizados) como do qualitativo (ampliação de seu papel para a
sociedade, transformação de sua influência sobre o espaço social) (SEMPRINI, 2010, p.33).
Essa construção prévia de uma forte estrutura possibilitou à marca sobreviver à segunda crise
de credibilidade trazida na quarta fase evolutiva, mas não sem consequências. Apesar de
essencial na vida dos consumidores, o benefício das marcas é cada vez mais aberto a críticas e
enfraquecido frente a seus consumidores. A excessiva oferta pletórica de mercado, a invasiva
poluição midiática, os escândalos a respeito dos valores éticos contribuem para o aumento da
desconfiança da sociedade nas marcas, mesmo que essa continue, paradoxalmente, a comprá-
las.
No entanto, as críticas são apenas uma adição às preocupações de uma marca na
sociedade de hiperconsumo. Por natureza, as marcas já habitam um ambiente hostil no
mercado de consumo, visto que devem sempre se preocupar com sua identidade, seu
posicionamento, seus diferenciais, sua concorrência. A quarta fase então acrescentou mais um
foco de atenção para o funcionamento das marcas. Assim sendo, a marca contemporânea
atinge uma situação paradoxal. De um lado seus esforços para a sobrevivência e sucesso
27
permitem uma penetração cada vez mais forte no pensamento e imaginário do consumidor,
firmando seu poder e presença na vida cotidiana através da fidelidade de seu público. De
outro lado, essa onipresença é fruto de enorme esforço de notoriedade, que por consequência
gera mais ocupação do espaço social e pessoal, além de mais críticas dos consumidores e de
poderes públicos.
3.2 Dimensões de uma marca
Na medida em que a marca é paradoxalmente uma construção potente e
simultaneamente frágil, sua criação e gestão devem estar em constante preocupação e
atualização, evitando riscos que possam fragilizar sua essência (erros de gestão, incidentes
industriais, problemas éticos e irresponsáveis). O levantamento histórico da evolução da
marca permite visualizar sua criação e desenvolvimento para uma análise mais consistente
desta na contemporaneidade. Somado a isso, o entendimento das características internas e
externas da marca é essencial para compreender seu sucesso ou seu fracasso.
Em seu livro A Marca Pós-Moderna (2010), Semprini ressalta que a marca é, antes de
tudo, uma troca. Mesmo na época anterior à primeira fase evolutiva, a função básica da marca
foi a de identificar um bem ou serviço para que se pudesse trocar por uma determinada soma
de dinheiro. Atualmente, como visto no subtópico acima, a marca é representada pela relação
entre o consumidor e a marca, sendo assim uma troca de experiências de ambos os lados. Por
esse motivo, a marca é o resultado da interação que tem com seu público, do valor que seu
público lhe dá.
Sob a ótica de Lipovetsky, a busca pelo bem-estar do hiperconsumidor está baseada na
efemeridade das compras instantâneas e dos prazeres imediatos. Semprini, por sua vez,
completa que o consumo foi vítima da monotonia e que o prazer do indivíduo está, na
realidade, na relação de promessa com as marcas. Afinal, os valores extrínsecos atrelados aos
bens e serviços de consumo estão, em sua maioria, exaltando a identidade da marca mais que
os próprios produtos. O elo emocional do consumo está focado na relação do indivíduo-
consumidor com a marca. A seguir, o estudo da criação de uma marca e sua respectiva
identidade, que possibilita compreender suas condições de sucesso na contemporaneidade.
28
3.2.1 Os pilares da marca contemporânea
De acordo com Semprini, a construção da marca contemporânea deve ser feita com
base em três dimensões-chave que a definem. Em primeiro lugar, a dimensão da natureza
semiótica, objeto de enunciação de significados, seguida pela natureza relacional,
simbolizada pelo contrato de marca com o consumidor e, por fim, a natureza evolutiva, a
importância da capacidade de mutação constante das marcas no ambiente no qual se situam.
3.2.1.1 A natureza semiótica
O poder semiótico da marca – entende-se por semiótica, a sua capacidade de
significação – é a habilidade de saber selecionar determinados significados dentro do espaço
social que consigam exprimir as características do conceito da marca. Nas palavras de
Semprini, “pela „natureza semiótica da marca‟ entendemos a capacidade desta última para
construir e veicular significados” (2010 p.97). Este pilar é responsável também pela
capacidade de organizar tais significações de uma forma que consiga atrair a atenção e o
desejo do consumidor. Entretanto, essa natureza está sempre sob as asas de duas forças: os
receptores e a concorrência. Somente com uma semiótica pertinente para ambos os lados que
uma marca consegue total êxito em seu desenvolvimento. Dessa forma, “mesmo uma
proposta de sentido absolutamente clara e coerente pode fracassar, seja porque ela não
consegue ser reconhecida pelo público alvo como tal, seja porque as propostas das marcas
concorrentes a tornam ultrapassada ou menos atraente” (2010, p.98). Visto a oferta pletórica
de mercado e a alta concorrência, é a natureza semiótica da marca a responsável por criar o
diferencial emocional capaz de atrair a atenção do consumidor dentre todas as demais marcas
do setor. “Nos mercados de grande consumo, em que os produtos são fracamente
diferenciados, é o „parecer‟, a imagem criativa da marca que faz a diferença, seduz e faz
vender. Assim, certas marcas conseguiram ganhar notoriedade mundial „falando‟ de tudo,
exceto de seu produto.” (LIPOVETSKY, 2007, p.46)
29
3.2.1.2 A natureza relacional
A natureza relacional é também colocada como dimensão contratual (Semprini,
2010). O contrato de marca é um termo implícito na relação marca-consumidor, na qual a
marca assume certas responsabilidades e características as quais o consumidor espera que
sejam realizadas. A noção de contrato é a noção de fidelidade – por fidelidade entende-se não
apenas de ordem comercial, mas também a confiança pessoal depositada na marca.
Uma marca com a qual o público estabeleceu um contrato é, por definição, uma
marca que este mesmo público atribuiu um valor e uma capacidade de propor um
projeto, que corresponde às suas necessidades ou ao seu projeto de vida
(SEMPRINI, 2010, p.104).
Para um contrato de marca, a capacidade da marca de respeitá-lo e cumpri-lo é mais
importante que o conteúdo em si. O cumprimento do contrato é como um pacto selado que, se
rompido, é visto como uma transgressão e, consequentemente, como uma falta de respeito que
pode justificar até mesmo o distanciamento ou rejeição da marca.
Este [público] desenvolverá um contrato particularmente sólido com a marca, pois
reconhecerá nela, de um lado, a capacidade de interpretar suas aspirações de maneira
extremamente original e, por outro, o saber surpreender, propondo objetos
imprevisíveis e inovadores, mas sempre respeitando o contrato estabelecido
(SEMPRINI, 2010, p.163).
O cumprimento do pacto, no entanto, é de extrema importância para uma construção
de marca. Assim, qualquer mudança nos planos da marca requer um bom conhecimento do
contrato, pois é preciso verificar se as novas alterações não infringem a conduta do mesmo. O
conhecimento detalhado do contrato permite aos responsáveis tomar decisões inovadoras sem
correr nenhum risco de quebra com o público.
3.2.1.3 A natureza evolutiva
O terceiro pilar para a construção de uma marca é o caráter evolutivo. Em outras
palavras, é a capacidade de uma marca em se manter atualizada e sempre apta a sofrer novas
mutações. Devido ao rápido crescimento da oferta de mercado, juntamente com a constante
busca hedônica da felicidade do indivíduo, o cenário mercadológico, como visto no primeiro
capítulo, é um sistema de movimento perpétuo. O fato de o ambiente estar em contínua
30
evolução exige das marcas uma capacidade análoga para conseguir se manter desejável e
inovadora aos olhos de quem as consome. “Nesta perspectiva, pode-se considerar a marca
uma entidade viva, que reage, sensível a todas as mudanças de seu ambiente” (2010, p.108).
Para a marca contemporânea, em especial as marcas líderes, a dimensão evolutiva é,
muitas vezes, elemento decisivo para sua sobrevivência; enquanto que as naturezas semiótica
e relacional possuem escapatórias, a negligência da natureza evolutiva pode ser fatal, pois
sofre influência tanto do presente como do passado. Ao desenvolver um conceito de marca
pertinente e atrativo, a marca se inscreve automaticamente em um universo conceitual. Assim,
considerando o contrato de marca, as mutações constantes da marca devem sempre tomar
cuidado para não quebrar o pacto estabelecido, uma vez que toda a marca, apensar de inscrita
no tempo presente, tem forte identidade construída no passado. Simultaneamente, as
evoluções da marca não podem cessar, pois um conceito de marca antiquado é rapidamente
deixado para trás.
O foco das marcas, portanto, é refletir as possibilidades de mutações e se adaptar de
acordo, tendo sempre em vista sua história enraizada no contexto conceitual e assim
conservando sua identidade, mas com flexibilidade para adaptações do cenário
contemporâneo. Se deseja competir pelos primeiros lugares no imaginário do consumidor, a
marca tem a obrigação de se manter antenada e prever quais as próximas tendências que
podem ser ajustadas em sua essência, posto que “uma marca de prestígio é, antes de tudo, uma
marca que sabe perenizar seu projeto e perdurar no tempo” (2010, p.109).
3.2.2 Projeto de sentido da marca e manifestações
Os pilares de construção de marca trabalham sinergicamente e possibilitam aos
responsáveis pelas marcas se precaverem e desenharem o conceito básico de sua entidade.
Semprini destaca, no entanto, com foco no caráter semiótico, a importância de um conceito
abstrato que contém os valores que sustentam a marca e sua missão, classificando-a como
projeto de sentido da marca (SEMPRINI, 2010). No universo atual em que as marcas são os
principais valores de troca de experiências com os consumidores, a dimensão semiótica é a
responsável por desenvolver, manter e atualizar a identidade da marca, tornando-a atrativa,
atribuindo-lhe características aspiracionais. Segundo Lipovetsky, “não se vende mais um
31
produto, mas uma visão, um „conceito‟, um estilo de vida associado à marca: daí em diante, a
construção da identidade de marca encontra-se no centro do trabalho de comunicação das
empresas” (2007, p.47). A comunicação, a interação, a produção, todas as esferas que
circulam a marca devem ter como foco, antes de tudo, seu projeto. É ele que norteia o sentido
de construção da marca.
Um bom projeto de marca é aquele que consegue propor um sentido semiótico e
sociocultural a uma marca e que consiga criar um elo de identificação com seu público. A
aceitação e absorção dos conceitos da marca por parte dos indivíduos em suas vidas
cotidianas é a principal característica do projeto. A partir de um projeto de sucesso, a marca
consegue implementar estratégias, planos, mudanças e novos produtos sem grandes
dificuldades. “É sempre no Projeto de sentido na essência da marca que deve ditar a
concepção e o desenvolvimento dos produtos, não o contrário” (SEMPRINI, 2010, p.22). O
projeto de marca é a condição da própria existência da marca.
Com um consistente projeto de sentido, a marca pode então partir para suas
manifestações (SEMPRINI, 2010). Por manifestações entendem-se todas as atividades da
marca relativas ao seu projeto. Criação de produtos, planos de marketing, estratégias,
comunicação, toda e qualquer enunciação em torno do projeto é uma manifestação por parte
da marca. As manifestações são o ponto de interação entre a marca e os receptores, estes que
as recebem, interpretam e definem se querem ou não aceitá-las. Em virtude disso, a boa
construção de um projeto forte requer também uma boa elaboração de manifestações, visto
que estas são as responsáveis pela disseminação do conceito de sentido da marca e de seus
valores e, posteriormente, da criação da identidade da marca. Por outro lado, um projeto de
sentido confuso e sem originalidade terá por consequências manifestações incoerentes,
precipitadas e aleatórias.
A marca, portanto, deve sempre tomar cuidado com seu projeto de marca, pois este é a
sua alma. Da mesma forma, as manifestações devem ser bem pensadas e supervisionadas,
pois todas as atividades da marca estão associadas à sua alma. No contexto socioeconômico
contemporâneo, um “comportamento eticamente incorreto ou socialmente irresponsável é
imediatamente considerado, por parte do público, como o sintoma de um projeto de marca
pouco legítimo, hipócrita, senão mentiroso” (2010, p.257), mesmo que ocorram do outro lado
do mundo ou de forma indireta. Um bom exemplo disso é a Nike, que sofreu desde
escândalos de trabalhos infantis a escândalos sexuais envolvendo um esportista patrocinado, o
32
que mostra que a marca, por maior que seja, nem sempre é responsável por todas suas
manifestações.
[...] toda marca, seja ela muito antiga, seja recém-nascida, está inscrita em um
processo enunciativo permanente, pois cada ato da marca é uma nova enunciação que se inscreve na continuidade de sua primeira enunciação (SEMPRINI, 2010,
p.144).
Se considerar a noção de identidade do indivíduo de Bauman, o projeto de marca
possui diversas semelhanças em relação à gestão de imagem. Como visto no capítulo anterior,
todas as enunciações referentes ao indivíduo constroem sua identidade pública, seja o perfume
que usa ou caridade que apóia. Sob a ótica de Semprini, essas seriam, então, as manifestações
da identidade do consumidor que, na verdade, pode ser considerada como o projeto de sentido
do indivíduo. Aquilo que o consumidor veste, que come, que consome servem de analogias
para aquilo que uma marca anuncia, que defende, que produz. Assim, da mesma forma que o
indivíduo busca a produção de notoriedade sobre si perante outros, a marca deve também se
destacar construindo um projeto de marca distinto e se manifestando de acordo.
3.2.3 Identidade de marca
Sob as enunciações do projeto de marca surge, segundo Semprini, a identidade de
marca. Esta é nada mais que uma versão simplificada da marca, que exprime a essência do
projeto de sentido. “Apesar de ser uma forma abstrata e instável, a marca pode e deve ser
também algo simples e facilmente reconhecível” (2010, p.113). Segundo David Aaker e Erich
Joachimsthaler, “em um sentido fundamental, a identidade de marca representa aquilo que a
organização deseja que sua marca signifique” (2007, p.49), sendo assim aquilo que um
projeto de sentido deseja como suas manifestações.
De acordo com o sistema de identidade de marca de Aaker e Joachimsthaler (2007),
existem quatro diferentes perspectivas – que serão aplicadas no próximo capítulo – para o
desenvolvimento de uma identidade de marca que buscam uma proposta de valor à empresa,
sendo elas associações da marca como: produto, organização, pessoa e símbolo. Marca como
produto trata da relação que o consumidor possui com o produto, bem como suas escolhas e
atributos relacionados à experiência de uso da marca. Marca como organização engloba todos
os atributos organizacionais da empresa, como atitudes eticamente corretas e incorretas.
33
Marca como pessoa assume a marca como possuidora de personalidade, auxiliando a relação
marca-consumidor. Marca como símbolo percebe a marca como signos, imagens, metáforas e
tradição, trabalhando a noção de natureza semiótica (SEMPRINI, 2010). Cada marca utiliza
essas quatro dimensões de acordo com seu projeto de sentido, o que torna a identidade de uma
marca única, visto ser diferente para cada caso.
3.2.4 Os mundos possíveis da marca
Uma marca montada sob os valores dos pilares de construção e com um projeto de
sentido de marca e suas respectivas manifestações pertinentes, não apenas consegue
desenvolver uma boa identidade de marca como também descobre sua habilidade de ocupar
um espaço no imaginário dos indivíduos. Esse espaço reservado da marca na mente dos
consumidores é denominado, por Semprini, de mundos possíveis das marcas:
A simples enunciação do nome da marca basta para convocar todo o mundo que lhe
está associado e que nós chamamos „mundo possível‟. Todas as grandes marcas se
caracterizam por essa capacidade em criar um mundo que lhe é próprio e que
constrói um verdadeiro imaginário, com seus conteúdos, seus códigos e seus valores
(SEMPRINI, 2010, p.278).
Os mundos possíveis são um importante conceito na análise de uma marca, pois é esse
espaço que determina a efetividade das manifestações da mesma. Na sociedade de
hiperconsumo, como visto no primeiro capítulo, o que se consome são as experiências de
consumo, as ideias, as imagens, as emoções, as formas, os imaginários. Quanto mais uma
marca consegue explorar sua natureza semiótica, mais marcante e único será seu mundo
possível. Os mundos possíveis auxiliam o indivíduo a entender o projeto de marca, podendo
assim aproveitar melhor sua experiência individual através do culto ao mundo imaginário da
marca. Por serem totalmente abstratos, esses mundos conseguem obter diferentes olhares sob
uma mesma manifestação, permitindo a imaginação criar novas aventuras e novas
expectativas.
A construção dos mundos possíveis, portanto, é fruto da relação marca-consumidor. A
partir dos estímulos e manifestações da marca, o indivíduo contemporâneo consegue recebê-
las e interpretá-las a seu gosto, construindo assim um novo espaço social no pensamento
individual. Trata-se então de um universo extremamente heterogêneo que depende de
34
estímulos e reações para ser criado. Sob a visão de Bauman, pode-se dizer que seriam os
mundos possíveis que conseguiriam penetrar nas mentes dos consumidores e criar a sensação
de pertencimento a determinada sociedade ou grupo social. Obviamente a publicidade possui
forte influência nessa criação, pois seus meios são os principais motores que impulsionam os
estímulos aos consumidores. Somado a isso, a internet assume importante papel, por seu
poder especulador e agrupador de comunidades virtuais. Neste contexto, a evolução da
internet na comunicação permite o uso de ferramentas de web sofisticadas, além de auxiliar a
criatividade da marca ao permitir uma participação do usuário em seu mundo digital possível.
Igualmente em sintonia com o hiperconsumidor emocional estão os novos tipos de
lojas que procuram reforçar o componente prazer do ato de compra, fazer os
consumidores viverem experiências afetivas e sensoriais. Certas livrarias (Chapters,
Virgin) agora instalam bares, poltronas, pequenas salas que conferem aos locais de
venda uma dimensão de convívio (LIPOVETSKY, 2007, p. 84).
A materialização desses mundos também pode ser ajudada pelas mediações espaciais
(SEMPRINI, 2010), que permitem a concretização tridimensional de um espaço que
manifesta os valores que a marca deseja emitir, por exemplo as lojas da Starbucks, que
exaltam o projeto da marca com sua ambiência única.
3.2.5 A preocupação com a estética
Para poder compreender o próximo tópico, será estudada aqui uma das manifestações
de marca que mais se destacou por sua evolução nos últimos anos, a noção da estética6. Por
muito tempo, as manifestações de marca, ainda que menos importantes na época, foram
caracterizadas por uma falta de criatividade nos objetos e comunicação, uma banalidade
visual senão uma aflitiva feiúra (SEMPRINI, 2010). Enquanto a funcionalidade do produto
tinha mais destaque, as marcas pouco se importaram em desenvolver uma estética marcante,
única e inovadora. Somente a partir do desenvolvimento do culto ao imaginário e da
identidade de marca que as questões relativas à estética começaram a tomar formas, paletas de
cores mais elaboradas e identidades visuais. A indústria automobilística, por exemplo, partiu
de uma produção de carros visualmente semelhantes a um culto ao belo design dos novos
6 O termo “estética” deve ser entendido em sua acepção semiótica e cultural para designar a totalidade das
manifestações significantes (visuais ou plásticas – formas, cores, sons) de uma entidade discursiva (SEMPRINI,
2010, p. 173).
35
modelos, como pode ser visto no caso do Chevrolet Camaro. Lançado em 1966, a primeira
versão desse carro possuía um design similar aos outros modelos da marca, como o Impala e o
Chevelle. Em sua quinta geração, o novo Chevrolet Camaro possui um visual aerodinâmico,
futurístico e único, facilmente reconhecido nas ruas. Assim como seus carros, a marca
Chevrolet passou por mudanças de estética, tanto em sua Comunicação como em sua
identidade visual, tendo em sua história diversos modelos de logos e manifestações.
Hoje, a estética é vista como uma das principais manifestações das marcas
contemporâneas. Os produtos são melhor desenhados nas mãos de designers profissionais, a
comunicação recebe sua devida atenção, as mediações espaciais são mais bem decoradas, as
manifestações musicais escolhidas por sound designers (SEMPRINI, 2010). Não apenas os
objetos e a comunicação como a própria marca passa pelas mãos dos estilistas. O logo, as
cores, os discursos. É sob as dimensões do design, principalmente, que o mercado determina
quem está e quem não está na moda ou, como diria Bauman, nas tendências de estilo (2007).
Segundo Semprini, estetizar permite exprimir melhor o projeto de sentido de uma
marca, uma vez que consegue pré-modelar as manifestações que atingirão seu público. Além
disso, os softwares de edição de imagens permitem um melhor acabamento da estética e uma
maior clareza nos discursos e valores que a marca deseja afirmar. Afinal, quanto mais claras e
evidentes as manifestações da marca, melhor o entendimento do projeto por parte dos
indivíduos; quanto melhor apresentado e mais bonito o design, melhor é a recepção dos
consumidores que se sentem atraídos pela bela estética.
O paradigma estético é um culto na sociedade de hiperconsumo. Fora isso, a evolução
do design permite às marcas uma nova estratégia de vendas. Visto que a estética evolui tanto
quanto, senão mais que, a demanda hedonista contemporânea, a lógica de renovação
encontrou na estética a possibilidade da substituição da obsolescência física dos produtos por
uma obsolescência puramente estética, o que para Semprini, trata-se de “produtos que eram,
normalmente, substituídos porque haviam quebrado ou tinham se tornado inadaptados, agora
podem ser trocados simplesmente porque não correspondem mais à estética do momento ou
ao gosto do proprietário” (2010, p.181). Dessa forma, marcas têm a opção agora de
simplesmente redesenhar a concepção dos produtos, tornando os antigos em defasados e
antiquados, o que é, como visto no primeiro capítulo, ideal para a prosperidade da sociedade
de hiperconsumo. A partir do conceito da obsolescência estética (SEMPRINI, 2010), é
possível analisar a utilização da estética como estratégia mercadológica e aplicá-la ao foco
36
deste trabalho, a estratégia da obsolescência perceptiva (LEONARD, 2010), explicada no
próximo tópico deste capítulo.
Contudo, a soma da necessidade da sociedade em manter-se em constante movimento,
tanto para manter a economia fluindo como para satisfazer os desejos hedônicos do
hiperconsumidor, e da recente manifestação das marcas em geral em seu culto à estética
resultaram na estratégia, foco deste trabalho, da obsolescência perceptiva. A partir da
evolução histórica tanto do consumo como das marcas, é possível compreender o conceito da
obsolescência, uma vez que é baseada nos princípios de construção de identidade individual
(BAUMAN, 2007), economia da velocidade (LIPOVETSKY, 2007), dimensão evolutiva e
projeto/manifestações (SEMPRINI, 2010).
Sob a ótica de Lipovetsky, a economia da velocidade, por estar sempre em busca de
renovação de tendências, produtos e idéias, é justificada pela busca incessante da felicidade
individual do hiperconsumidor, visto a efemeridade de suas motivações frente à sociedade
contemporânea. Como analisado no primeiro capítulo, o hedonismo do consumidor está
sempre buscando novos começos, já que a aquisição traz uma insatisfação imediata que o
induz a comprar mais. Dessa forma, as empresas devem estar em constante atualização de seu
portifólio que, por sua vez, deve ser desenvolvido para durar pouco a fim de encaixar-se na
mecânica do hiperconsumo.
Segundo Bauman, esse consumo e produção desenfreados estão diretamente ligados
ao hiperconsumidor, visto que a nova ordem social está projetada sob as vontades e
necessidades do agente comprador. Dessa forma, a autonomia do indivíduo durante o
percurso histórico aumentou de forma significativa, trazendo grande poder às suas mãos.
Sendo o consumidor o centro da sociedade de consumo, Bauman analisa a construção de sua
identidade individual que, como visto anteriormente pode ser considerado o projeto de
sentido do sujeito. Para evitar constrangimento sob os aspectos de inclusão/exclusão da
sociedade, o hiperconsumidor, em sua busca pela felicidade, constrói uma identidade pública
a partir de suas experiências consumistas e a atualiza sempre que possível, evitando parecer
antiquado.
A marca, por sua vez, busca acompanhar a demanda e a movimentação do mercado
tendo em vista os valores desejados pelo consumidor. Através da construção de um projeto de
sentido e de suas manifestações, Semprini diz que a marca deve manter seu foco em seus
pilares de natureza semiótica, relacional e, principalmente, evolutiva. Uma vez que a
37
efemeridade do mercado é justificada pela demanda excessiva e sobrevivência das empresas,
a capacidade de mudanças constantes é essencial para uma marca.
Emerge, a partir desses conceitos, uma nova estratégia que consegue atender as
necessidades de todos esses agentes: a obsolescência perceptiva (Leonard, 2010) que, a
seguir, será estudada com mais profundidade desde sua justificativa frente ao mercado atual
como sua importância para a sociedade de hiperconsumo.
3.3 Obsolescência programada e obsolescência perceptiva
Antes de adentrar na estratégia da obsolescência perceptiva, será feita uma análise
sobre outro conceito que eventualmente pode ser confundido com este, o da obsolescência
programada ou planejada. Desta forma, será possível compreender com mais clareza os
desdobramentos da obsolescência perceptiva, visto que esta se baseia na obsolescência
programada e nos conceitos estudados anteriormente nesta pesquisa.
3.3.1 A estratégia da obsolescência programada
Como visto no tópico da economia da velocidade, o culto à felicidade do
hiperconsumidor tem por consequência o aumento da produção de bens de consumo e
serviços, visto a alta demanda, constante na sociedade de hiperconsumo. Durante a fase II de
Lipovetsky o consumo de massa tomou evidentes proporções por conta da popularização de
bens antes exclusivos à classe considerada burguesa, resultando no crescimento do poder de
compra dos indivíduos. Durante as décadas de 1920 e 1930, no entanto, foi percebido que o
ritmo de produção das indústrias era maior que a demanda consumidora, pois esta já estava
saturada de produtos (LEONARD, 2010, p.161). As pessoas já tinham eletrodomésticos para
seus afazeres, automóveis para se locomoverem, roupas para se vestirem e eventualmente essa
saturação poderia desacelerar a economia. Dessa forma, enquanto a produção aumentava, a
tendência era da demanda diminuir.
38
Neste contexto surgiu a estratégia da obsolescência programada, cujo papel é de
instaurar no consumidor a vontade de possuir algo um pouco mais novo, um pouco melhor,
um pouco antes do necessário (Idem), através do encurtamento do ciclo de reposição dos
produtos e com a ajuda da publicidade.
Obsolescência programada ou obsolescência embutida é, na produção industrial, a
política de planejar um produto com ciclo de vida limitado deliberadamente, de
forma a se tornar obsoleto ou não funcional após um determinado espaço de tempo
(Wikipedia EN).
Tendo como objetivo manter a sociedade de hiperconsumo em movimento, a
obsolescência programada estimula o consumo constante do hiperconsumidor para equalizar
os níveis de produção e demanda, evitando assim a saturação. Nesta estratégia mercadológica,
os produtos são desenvolvidos de tal forma a terem uma data de expiração7 e, então, serem
substituídos por um novo. Esta redução do ciclo de vida do produto é justificada pela
necessidade da economia em fluir e pela busca hedônica do indivíduo ao consumir. A
definição de ciclo de vida do produto, segundo Philip Kotler (2000), é o período no qual
determinado produto sobrevive frente ao mercado desde sua introdução até o declínio de suas
vendas. De acordo com o autor, o ciclo de vida está presente em todos os produtos que têm
uma vida limitada, a qual passa por estágios distintos, os quais apresentam desafios,
oportunidades e problemas diferentes, assim como oscilações na lucratividade e diferentes
estratégias mercadológicas. São quatro estágios pelos quais o produto passa, sendo eles:
Introdução, período de baixo crescimento em vendas, uma vez que o produto está sendo
introduzido no mercado; Crescimento, período marcado pelo rápido desenvolvimento de
vendas frente ao mercado e melhoria substancial dos lucros; Maturidade, período de
estabilidade das vendas, visto que aqui o produto já conquistou a aceitação da maioria dos
compradores potenciais; e Declínio, momento de queda vertiginosa das vendas e do lucro.
A estratégia da obsolescência programada tem como objetivo a redução desse ciclo de
vida dos produtos, ou até mesmo a criação de ciclos relativamente curtos, visando a
movimentação rápida do mercado para alimentar a economia e as vontades do consumidor.
Diferente da obsolescência tecnológica – quando algo inevitavelmente se torna obsoleto por
conta da evolução da tecnologia, por exemplo, o telégrafo que foi substituído pelo telefone – a
estratégia da obsolescência programada é desenvolvida para propositalmente criar um produto
que será obsoleto em pouco tempo. Um exemplo disso que já perdura anos na sociedade de
7 LONDON, Bernard. Ending the Depression Through Planned Obsolescence. 1932
39
hiperconsumo é o caso das pilhas alcalinas, utilizadas nos mais diversos produtos, desde
1949. Neste caso, o ciclo de vida do produto não sofreu encurtamento, mas pode ser
considerado um tipo de obsolescência programada por depender do constante consumo e por
ser desenvolvido para ser obsoleto em curtos períodos de tempo. Mesmo com o surgimento de
pilhas recarregáveis, as pilhas comuns continuam sendo consumidas pelos indivíduos e
evidenciam a presença da obsolescência programada em sua comercialização. Movimentando
mais de R$ 900 milhões anual e mundialmente8, o mercado de pilhas ganhou grandes
proporções durante os anos e auxilia a movimentação da economia da sociedade de
hiperconsumo. Sob os aspectos do ciclo de vida dos produtos, a categoria das pilhas pode ser
considerada em estágio de Maturidade, pois já foi introduzida há anos no mercado e chegou a
uma fase estável e de pouco crescimento de vendas em geral. Entretanto, ao analisar sob as
lentes da obsolescência, percebe-se que o produto em si é criado com um ciclo de vida útil
curto, criando assim uma constante troca de pilhas em determinados espaços de tempo.
Para Annie Leonard em seu livro The Story of Stuff (2010), o cenário da eletrônica é
um dos mais afetados por esta estratégia por ser mais fácil de manipular os componentes dos
produtos. Aparelhos de som, celulares, computadores e seus equipamentos são trocados
constantemente, por conta de problemas funcionais que são mais caros e difíceis de serem
resolvidos do que simplesmente comprar um novo. Sob as lentes de Leonard, o mercado de
eletrônicos possui quatro condições básicas para ser alvo da obsolescência programada, sendo
elas: o custo de reparo, as peças substitutas, a incompatibilidade de novos componentes e a
promoção da troca do velho pelo novo (LEONARD, 2010, p.161) – destas, as três primeiras
condições, segundo a autora, são justificadas pela necessidade em manter a economia e a
sociedade de hiperconsumo em movimento. Mantendo o custo de reparo alto, senão maior que
o de um novo produto, os indivíduos preferem optar pela segunda saída. Dessa mesma forma,
as dificuldades em encontrar peças substitutas e a proposital incompatibilidade de certos
componentes criam uma barreira que incentiva o consumidor a trocar o equipamento em sua
totalidade.
Um bom exemplo de obsolescência programada, sob essas condições, é a produção de
computadores, tanto desktops como laptops. Pegando desktops como primeiro exemplo, é
evidente a obsolescência presente em sua produção, visto a velocidade com que são trocados.
Embora a primeira condição (custo de reparo) não afete tanto este segmento, os computadores
8 http://www.rayovac.com.br/empresa.htm
40
desktop sofrem relevante impacto das duas seguintes, uma vez que a funcionalidade desses
depende de toda sua estrutura, normalmente montada nas fábricas. A placa mãe deve ser
compatível com a placa de vídeo, que deve ser compatível com o processador, que necessita
da voltagem correta vinda da fonte, fazendo com que o mau funcionamento de uma peça afete
o desempenho da máquina em sua totalidade. Somado a isso, como visto no capítulo anterior,
a sociedade de hiperconsumo mantém a produção em movimento, trazendo ao mercado peças
novas com melhores desempenhos. Logo, se o processador deixa de funcionar devido à
obsolescência embutida nele, o consumidor deve procurar uma peça substituta que seja
compatível com seu sistema. Entretanto, como o mercado esteve em movimento durante o
período de funcionamento da máquina, encontrar o mesmo processador é praticamente
impossível e a opção de fazer um upgrade para um mais potente pode resultar na necessidade
de troca de outras peças.
No caso dos laptops, esse problema é ainda mais grave. Diferentemente dos desktops,
os notebooks são montados, sem exceção, em fábricas, pois precisam que seus componentes
funcionem em um aparelho de tamanho reduzido. Dessa forma, a opção de fazer upgrades é
inviável, assim como o mau funcionamento de uma peça irá comprometer o aparelho inteiro.
Aqui, o custo de reparo é altíssimo devido à dificuldade de achar peças substitutas
concretizando assim, juntamente com o desejo do indivíduo em consumir novos produtos, a
estratégia da obsolescência programada, que por sua vez cria estímulos para o descarte do
antigo e a compra de um novo.
Somado a isso, essa estratégia atinge não somente o hardware, como também os
softwares.9 Todos os computadores funcionam através de um software chamado Sistema
Operacional, o qual torna um computador utilizável através do gerenciamento das peças de
hardware. Em outras palavras, é o responsável pelo funcionamento da máquina. Assim como
o mercado da sociedade de hiperconsumo, os sistemas operacionais evoluem constantemente,
tendo assim novas versões lançadas de tempos em tempos. Visto que os softwares são
desenvolvidos em cima das novas peças que saem no mercado, sistemas operacionais mais
recentes não funcionam em equipamentos ultrapassados. Dessa mesma forma, outros
softwares induzem à compra de novos computadores simplesmente fazendo com que alguns
9 Hardware é a parte física do computador, ou seja, é o conjunto de componentes eletrônicos, circuitos integrados
e placas, que se comunicam através de barramentos. Em complemento ao hardware, o software é a parte lógica,
ou seja, o conjunto de instruções e dados processado pelos circuitos eletrônicos do hardware. Toda interação dos
usuários de computadores modernos é realizada através do software, que é a camada, colocada sobre o
hardware, que transforma o computador em algo útil para o ser humano. (Wikipédia)
41
arquivos criados em softwares recentes sejam incompatíveis com versões antigas. Por
exemplo, a plataforma Windows, atual sistema operacional mais utilizado no mundo com
90% de market share10
, lançou recentemente seu novo pacote de softwares: o Microsoft
Office 2010. Este, por sua vez, tem como requerimento básico um computador com sistema
operacional Windows XP, atualizado com Service Pack 311
, o qual foi lançado em 2008. Em
outras palavras, computadores com sistemas operacionais mais antigos não conseguem
utilizar o novo pacote de softwares. Somado a isso, seu antecessor, o Microsoft Office 2007 –
cujo requerimento básico é Windows XP com Service Pack 2 (2005) – introduziu no mundo
da computação um novo formato de arquivo. Ou seja, computadores anteriores a 2005 são
incapazes de abrir arquivos com as novas extensões (.docx, .pptx, etc).
A partir dessas três condições, a estratégia da obsolescência programada consegue
controlar o fluxo dos produtos, na medida em que não se criam produtos para durar e sim para
quebrar e serem trocados o quanto antes. A última condição, por sua vez, tem como objetivo
satisfazer a peça chave da sociedade de hiperconsumo, o Homo Consumans. O incentivo da
troca do velho pelo novo é conhecido como a estratégia da obsolescência perceptiva.
3.3.2 A obsolescência perceptiva no contexto da sociedade de hiperconsumo
A estratégia da obsolescência perceptiva é uma ramificação da obsolescência
programada, sendo responsável por movimentar a sociedade de hiperconsumo através de uma
constante troca de tendências de estilo (BAUMAN, 2007). A principal diferença entre as duas
estratégias é que a obsolescência programada reduz a vida útil de um produto tornando-o
obsoleto por funcionalidade, enquanto a obsolescência perceptiva não reduz a vida útil e sim
torna um produto antiquado frente aos olhos do consumidor, ainda que o mesmo seja
perfeitamente funcional. Em outras palavras, é a parte da obsolescência programada
relacionada ao desejo do consumidor.
A obsolescência perceptiva é uma forma de reduzir a vida útil dos produtos que
ainda são perfeitamente funcionais e úteis. Os fabricantes lançam produtos com
10 www.netmarketshare.com, 2011
11 Service Pack são atualizações do Sistema Operacional Windows que consertam problemas de versões
anteriores, bem como trazem novas funções.
42
aparência inovadora e mais agradável, além de pequenas mudanças funcionais, dando aos produtos antigos aspecto de ultrapassados. Dessa forma, induzem o
consumidor à troca (Wikipédia).
Aqui, um objeto, ainda que funcional, não é mais percebido como inserido nas
tendências de estilo, tornando-se assim, obsoleto pela percepção e não por sua funcionalidade.
Por esse motivo, esta estratégia pode ser vista também como obsolescência psicológica
(LEONARD, 2010), uma vez que está baseada inteiramente nas vontades e desejos do
hiperconsumidor. Aparelhos celulares, por exemplo, são trocados por novos modelos
frequentemente, mesmo que o anterior ainda estivesse em pleno funcionamento12
. Neste caso,
seja por acúmulo de pontos em planos de telefonia, seja apenas pela estética, a troca foi feita
por motivos psicológicos e não físicos.
Por se tratar das vontades do hiperconsumidor, a obsolescência perceptiva recebe
fundamental ajuda da publicidade, visto sua alta influência nos gostos e tendências de estilo.
Funcionando como modeladoras de tendências, a publicidade e as mídias conseguem
manifestar os projetos de sentido das marcas frente aos indivíduos que as recebem e criam
seus mundos possíveis. Como visto no tópico anterior, a marca, para sobreviver, precisa
manter seu projeto atualizado e se manifestar constantemente, visando maior exposição e
presença. Dessa forma, através da publicidade, as marcas conseguem conquistar seu espaço
no imaginário do consumidor que, estimulado pelas manifestações, passa a desenvolver
expectativas e vontades para os futuros produtos da marca. Por consequência, as trocas e
renovações se tornam, além de uma estratégia mercadológica, uma demanda
hiperconsumidora. O maior exemplo desse fenômeno, no cenário da telefonia celular, foi o
lançamento do iPhone 4, em junho de 2010. A expectativa para este aparelho foi tamanha a
ponto de obter 600 mil pedidos de pré-venda no primeiro dia de anúncio e resultando, nos
primeiros três dias de venda, em 1,7 milhões de unidades vendidas.
Somado a isso, considerando as ideias levantadas por Bauman sobre a identidade
individual, a obsolescência perceptiva é auxiliada pela vontade de atualização da identidade
própria do indivíduo. Como visto anteriormente, o consumidor constrói seu projeto/identidade
através de suas devidas manifestações que, em muitos casos, são expressas através do
consumo. Um indivíduo que comprou um iPhone 4 se mostra atualizado dentro dos padrões
de inclusão/exclusão da sociedade, uma vez que exibe publicamente que adquiriu o novo
12 Por esse motivo, a indústria de produção aparelhos celulares, segundo Leonard, é uma principais
contribuidoras para o aumento da quantidade de e-waste (lixo advindo de eletrônicos), visto a velocidade com a
qual aparelhos celulares são consumidos e jogados fora.
43
modelo do aparelho (visível facilmente devido ao novo design). No entanto, um usuário de
iPhone 2G, ou até mesmo de iPhone 3G – sob os mesmos parâmetros de tendências de estilo –
, mostra que é possuidor de um produto de alguns anos atrás e, logo, ultrapassado. Assim
sendo, a necessidade de atualização de identidade do hiperconsumidor e a estratégia da
obsolescência perceptiva servem como ajudas mútuas. Por um lado, a identidade do
consumidor está em constante atualização devido às mudanças de tendências de estilo criadas
pela obsolescência perceptiva; por outro lado, a obsolescência perceptiva encontra nessa
demanda uma peça fundamental para seu funcionamento. A alta demanda do mercado de
aparelhos de telefonia móvel demonstra como a obsolescência perceptiva se justifica no
contexto da sociedade de hiperconsumo. A Nokia, líder de mercado no segmento,
desenvolveu mais de 40 modelos novos de celulares em 2009 e encerrou o mesmo ano com
mais de 430 milhões de unidades vendidas13
, evidenciando que a alta demanda requer uma
frequência em desenvolvimento de novidades tecnológicas. Como visto no capítulo anterior,
em sua busca hedônica pela satisfação, o consumidor tem a necessidade de se manter
atualizado frente ao que o mercado coloca à sua disposição. Dessa forma, o desenvolvimento
de novos produtos e a demanda hiperconsumidora crescem em conjunto, firmando a
obsolescência perceptiva como uma estratégia mercadológica no cenário contemporâneo.
A estratégia da obsolescência perceptiva, portanto, tornou-se essencial para a
sociedade de hiperconsumo contemporânea, uma vez que não apenas auxilia o funcionamento
da economia como também atende às necessidades pessoais dos hiperconsumidores. Sob a
ótica de Bauman em relação ao projeto/identidade do indivíduo, as estratégias de
obsolescência servem de suporte à estruturação da sociedade contemporânea, na medida em
que auxilia a movimentação constante das prateleiras e das tendências de estilo do momento.
Visto que o hiperconsumidor visa construir sua identidade própria em cima, em grande parte,
daquilo que consome, o encurtamento do ciclo de vida dos produtos atualiza tanto suas
vontades psicológicas como físicas. Sob as lentes de Lipovetsky, no entanto, a obsolescência
é justificada pelo ciclo do hiperconsumo – o qual cultua a economia da velocidade, ou seja, a
capacidade da sociedade em manter a economia em constante troca –, pois ambos têm como
objetivo manter o consumidor interessado e ativo, através da criação de novos estímulos para
novas aquisições. Isso, somado à demanda hedonista do agente comprador, fazem da
obsolescência uma estratégia (quase, senão perfeita) para a sociedade de hiperconsumo
13 http://communities-dominate.blogs.com/brands/2010/02/phone-market-shares-for-year-of-2009-and-last-
quarter-2009.html
44
contemporânea. Sem esquecer, é claro, que tal estratégia também se apóia sobre os pilares de
uma marca, mantendo sua identidade atual e sua rentabilidade em alta.
No capítulo a seguir, será analisado com mais profundidade o caso da obsolescência
perceptiva do produto iPhone, assim como um levantamento do panorama da marca Apple
sob os aspectos da obsolescência.
45
4 A OBSOLESCÊNCIA PERCEPTIVA PRESENTE NO IPHONE
Para a análise de caso desta pesquisa, foi procurada uma marca que fosse atual e que
se movimentasse estrategicamente de acordo com os parâmetros da sociedade de
hiperconsumo. A marca Apple, conhecida por seus revolucionários produtos iPod, iPhone,
iMac, iPad, entre outros, conseguiu espaço no mercado de tecnologia por sua conhecida
ousadia, criatividade, inovação e por seu elemento vital, o CEO Steve Jobs. A partir dos
aspectos vistos nos capítulos I e II, será feita a seguir a análise das premissas do consumo,
indivíduo e obsolescência sob a marca Apple. Primeiramente, será feito um levantamento
histórico da marca, juntamente com as relações e análises da mesma sob as óticas de Andrea
Semprini e David Aaker/Erich Joachimsthaler a respeito da definição de uma marca
contemporânea. Tendo em vista o objeto de estudo, no caso a obsolescência perceptiva
aplicada no produto iPhone, será feito em seguida um levantamento histórico do produto para
então aplicar os conceitos e verificar a justificativa da marca em utilizar tal estratégia.
A Apple é uma das maiores empresas existentes, atualmente no segundo lugar do
mundo com um valor acima de U$ 300 bilhões14
e sua marca possui valor que supera U$ 153
bilhões ocupando, em 2011, a posição de marca mais valiosa no cenário mundial15
,
constantemente presente nas mídias e nos imaginários das pessoas. O crescimento da Apple
nos últimos anos criou uma notoriedade da marca que está presente no cotidiano de muitos
indivíduos da sociedade de hiperconsumo. Por conta de sua identidade de marca e de seus
produtos de alta qualidade, a Apple tornou-se uma marca aspiracional do novo século,
podendo ser considerada sinônimo de tecnologia, inovação e status. Dessa forma, a aplicação
dos aspectos desta pesquisa sobre o caso da marca Apple relacionam-se com as características
da empresa. Somado a isso, seu produto iPhone recebe novas versões a cada ano, colocando
em questão o uso das estratégias de obsolescência programada e perceptiva em evidência.
14 http://www.ibtimes.com/articles/97061/20110103/apple-exxon-mobil-microsoft.htm
15 BrandZ Ranking, Global Top 100 - 2011
46
Logo, a marca Apple se encaixa como objeto de estudo de caso desta pesquisa, por ser
atual, inovadora e, principalmente, por renovar seu portifólio em curtos períodos, levantando
o questionamento da obsolescência em seus produtos. A seguir, um breve histórico da marca
Apple juntamente com uma análise sob as óticas de Semprini e de Aaker/Joachimsthaler.
4.1 A história da Apple Inc.
Em 1976, Steve Jobs e Steve Wozniak formaram uma parceria e fundaram a Apple
Computer, nome escolhido por conta de aparecer antes da principal concorrente da época,
Atari, nas listas telefônicas americanas16
. Tendo como primeira sede a garagem de Wozniak, a
Apple Computer foi inaugurada com o intuito de criar o primeiro computador compacto
pessoal17
, uma vez que computadores eram, até então, de uso exclusivo de grandes empresas
por seu alto custo e grande tamanho. Em julho do mesmo ano, os jovens parceiros mostraram
que não eram apenas ambiciosos como também competentes com o lançamento de seu
primeiro computador, o Apple I.
Em 1979, a partir do sucesso do Apple II (1977), a Xerox concedeu à empresa, em
troca de algumas de suas ações, o direito de estudar as novas tecnologias de seu sistema de
interface gráfica (Graphic User Interface - GUI), as mais avançadas do mercado até então.
Nessa visita à Xerox, Jobs percebeu que a tecnologia GUI era o futuro do mundo da
computação e, mesmo com o lançamento do Apple III previsto para o ano seguinte, começou
a trabalhar em um novo produto com a nova interface, o Apple Lisa.
Em dezembro de 1980, a empresa lançou a Oferta Pública Inicial (Initial Public
Offering – IPO) de suas ações, tornando-se a empresa que mais gerou capital de IPO desde a
Ford Motor em 1956 e com o mais rápido crescimento na história das companhias abertas
16 Nos Estados Unidos, as listas telefônicas eram e ainda são usadas em todo o território nacional como
ferramenta de busca tanto para pessoas como para serviços. Logo, estar em primeiro lugar na lista de sua
categoria pode ser vantajoso em um mercado com alto nível de paridade.
17 http://www.atariarchives.org/deli/homebrew_and_how_the_apple.php
47
norte-americanas, além de criar, nesse mesmo ato, mais milionários (aproximadamente 300)
que qualquer outra empresa na história18
.
Em 1984, após o fracasso do Apple Lisa, primeiro computador com tecnologia GUI, a
Apple Computer lança o Macintosh, apoiado por milhões de dólares em publicidade,
incluindo o comercial de TV intitulado “1984” o qual desafiava o monopólio da IBM sobre o
mercado de microcomputadores. Nomeado em cima das maçãs McIntosh, o Apple Macintosh
foi um dos maiores produtos da marca e a conduziu ao sucesso posteriormente.
Em 1985, os dois fundadores da Apple Computer, Steve Wozniak e mais tarde Steve
Jobs deixaram a empresa, ficando a liderança a cargo de John Sculley, CEO fazia dois anos. A
saída de Jobs foi causada por um conflito de poderes entre ele e Sculley o que resultou, após
uma reunião da diretoria, na remoção dos poderes administrativos de Jobs. Por conta disso,
Jobs renunciou de seu cargo na empresa.
A liderança de Sculley na Apple foi um fracasso marcado por uma má administração.
Em um período de quase oito anos, a Apple Computer passou de um forte desafiante para um
frágil e vulnerável ocupante de nicho. Em 1993, Sculley foi forçado pela diretoria a renunciar
de seu cargo, sendo considerado pela Condé Nast Portfolio – revista de novidades e
informações de pequenos e médios negócios – como o 14º pior CEO americano de todos os
tempos.
Em 1997, após passar pelas mãos de outros líderes sem sucesso, Steve Jobs voltou à
empresa assumindo o cargo de CEO até o presente momento. Com uma empresa e marca
frágeis nas mãos, Jobs começou um trabalho de reestruturação da Apple. No mesmo ano,
lançou a Apple Store (loja online exclusiva da marca) e no ano seguinte lançou o sucessor do
Macintosh, o iMac, o qual vendeu mais de 800 mil unidades em menos de cinco meses19
. Em
1998, sob o novo comando de Jobs, a empresa voltou a ser rentável. Desde então, a Apple não
parou de crescer.
Em 2001, foram lançados o Mac OS X, sistema operacional exclusivo da Apple, e o
iPod, tocador de MP3 portátil com alta capacidade de armazenamento, além da abertura da
linha de lojas de varejo, as Apple Retail Stores. O lançamento do iPod foi um sucesso, tendo
18 http://www.macobserver.com/columns/thisweek/2004/20041218.shtml
19 http://www.apple.com/ca/press/1999/01/iMac_Sales.html
48
mais de 300 milhões de unidades vendidas, de acordo com relatório da empresa em janeiro de
201120
. As Apple Retail Stores também se mostraram importantes na consolidação da marca,
tendo, em 2011, mais de 320 lojas espalhadas pelo mundo21
.
Em 2003, a Apple criou a chamada iTunes Store, uma loja digital exclusiva da Apple,
a qual vendia download de músicas a U$ 0,99 para serem tocadas nos iPods. Não demorou a
se tornar a maior loja de serviços de músicas digitais do mundo, com mais de dez bilhões de
downloads em pesquisas feitas em 201022
.
No ano de 2005, a Apple lançou um computador sub-desktop, o Mac Mini, sendo o
primeiro desktop da empresa a ser vendido sem mouse e teclado. É atualmente um dos três
desktops disponíveis, juntamente com o iMac e o Mac Pro. Em 2006, a empresa lançou uma
série de produtos virados ao mercado de computadores pessoais, contando com o desktop
Mac Pro, e os notebooks MacBook e MacBook Pro.
A partir de 2007, ano marcado como um dos melhores para a empresa, a Apple
começou a crescer exponencialmente23
. Por conta de não trabalhar mais exclusivamente com
computadores, Steve Jobs anunciou, em 2007, que a empresa assumiria um novo nome,
passando de Apple Computer, Inc. para Apple Inc. Dessa forma, a marca Apple passou a
mostrar que está cada vez mais explorando novos mercados. E sob esses novos mercados a
Apple lançou, no mesmo ano, o Apple TV (aparelho de transmissão de conteúdo digital), o
iPod Touch (sucessor dos diversos modelos de iPods, com touch-screen e novas
funcionalidades) e o revolucionário iPhone (aparelho celular smartphone com as
funcionalidades do iPod Touch). O sucesso do iPhone foi imediato e fechou o ano com mais
de 2,3 milhões de unidades vendidas desde seu lançamento em setembro24
.
Em julho de 2008, foi lançado a App Store, loja digital que vende aplicativos
exclusivos para o iPod Touch e o iPhone, criados por outras empresas ou usuários dos
aparelhos e aprovados pela Apple. Em apenas um mês, a App Store vendeu mais de 60
milhões de aplicativos, com uma média de U$ 1 milhão por dia. O sucesso da nova loja fez
20 http://ipod.about.com/od/glossary/qt/number-of-ipods-sold.htm
21 http://www.apple.com/retail/storelist/
22 http://www.apple.com/pr/library/2010/02/25itunes.html
23 http://www.apple.com/investor/
24 http://www.apple.com/pr/library/2008/01/22results.html
49
com que Steve Jobs anunciasse que este poderia ser um novo negócio bilionário para a
Apple25
. Três meses depois, foi anunciado que a Apple havia se tornado a terceira maior
empresa de aparelhos handset (portáteis de mão) do mundo, devido ao sucesso do iPhone e de
seus aplicativos26
.
Os anos seguintes foram marcados pelos lançamentos de novos modelos de notebooks,
desktops, iPods e iPhones, até que, em 2010, foi lançado um novo produto em uma nova
categoria: o iPad. Trata-se de um produto muitas vezes chamado de tablet computer, um
computador portátil possuidor das mesmas funções de touch-screen do iPhone, mas em maior
escala. Por conta de possuir o mesmo sistema operacional do iPhone, os aplicativos
desenvolvidos para o smartphone eram, em sua maioria, compatíveis com o novo iPad assim
que foi lançado. Dessa forma, mesmo com um tempo de desenvolvimento relativamente
curto, o iPad já possuía um vasto catálogo de aplicativos úteis antes mesmo de chegar às
prateleiras. Em apenas 80 dias, foram vendidas 3 milhões de unidades27
e em março de 2011,
com lançamento do iPad 2, esse número já ultrapassava os 15 milhões28
.
Ainda em 2010, foram lançados novas versões do iPod e a mais recente e quarta
geração do smartphone, o iPhone 4 que, como dito no capítulo anterior, quebrou os recordes
de vendas da Apple. Em março de 2011, o número total de iPhones vendidos desde 2007
ultrapassou 100 milhões de aparelhos29
.
Em janeiro de 2011, a IBTimes (International Business Time) anunciou que o valor da
Apple ultrapassou a marca dos 300 bilhões de dólares, ocupando assim a segunda posição das
empresas mais valiosas do mundo, atrás apenas da Exxon Mobile. Com essa marca, somado
ao fato de ter ultrapassado a rival Microsoft, em maio de 2010, ocupando assim a primeira
posição das maiores empresas de tecnologia, Steve Jobs foi considerado o “CEO da década”
pela MarketWatch30
, website especializado em notícias e análises de mercado e ações. Em
maio de 2011, foi anunciado pela BrandZ (empresa de estudos de marcas), em seu ranking
25 http://www.crn.com/blogs-op-ed/the-channel-wire/210002313/apples-jobs-gushes-over-app-store-success.htm
26 http://www.wired.com/epicenter/2008/10/with-iphone-app/
27 http://www.apple.com/pr/library/2010/06/22ipad.html
28 http://www.apple.com/pr/library/2011/03/02ipad.html
29 http://mashable.com/2011/03/02/100-million-iphones/
30 http://www.marketwatch.com/story/apples-jobs-rock-star-of-corporate-america-2010-12-08
50
anual das 100 marcas mais valiosas do mundo, que a Apple ultrapassou a Google (no topo da
lista por quatro anos seguidos), ocupando assim a primeira colocação com valor superior a U$
153 bilhões (crescimento de 84% em relação à 2010).31
4.2 Análise da marca Apple
Como evidenciado no histórico da empresa, a Apple Inc. é uma empresa especializada
na produção de hardwares e softwares, sempre visando à inovação tecnológica de seus
produtos. No entanto, sua construção, reestruturação e sucesso foram baseados no
fortalecimento de sua marca frente aos hiperconsumidores. A partir do levantamento histórico
da Apple é possível afirmar que a marca é, para seu público, sinônimo de status,
autenticidade, contemporaneidade e ousadia. Desde sua criação, seus fundadores buscavam se
aventurar em novos mercados, desbravados e ricos para serem explorados. O pioneirismo do
Apple I em computadores pessoais foi o primeiro passo para evidenciar os valores da marca
para o mundo. Para um melhor entendimento da marca Apple no contexto da sociedade de
hiperconsumo, esta será analisada, a seguir, sob os conceitos levantados anteriormente nesta
pesquisa.
4.2.1 Os pilares da marca Apple
Ao analisar o caso da Apple, são evidentes as relações que essa possui com as
dimensões-chave (naturezas semiótica, relacional e evolutiva) propostas por Andrea Semprini.
A partir dos valores que a própria marca assume como foco, é possível traçar o projeto de
sentido da Apple, bem como sua identidade e seus pilares de construção. De acordo com a
Apple, sua marca possui três principais valores, sendo eles inovação, pioneirismo e qualidade
(PGE iPod - Apple, Biblioteca Central ESPM-SP, 2005), os quais são expressos com sucesso
frente ao seu público-alvo ao compreender que a Apple caracteriza-se por suas frequentes
31 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/913180-apple-passa-google-em-ranking-mundial-das-marcas-mais-
valiosas.shtml
51
inovações tecnológicas, tanto em novos produtos como novas categorias, e por sua exímia
qualidade e simplicidade no desenvolvimento de seus produtos e serviços.
Tendo em vista os três valores da marca, pode-se afirmar que a Apple consegue
abordar as três dimensões de Semprini com êxito. Primeiramente, a natureza semiótica da
marca, que quer dizer a habilidade de uma marca em produzir e veicular significados, é bem
expressa por suas manifestações tanto em produção como em comunicação. As abordagens da
Apple em novos mercados mostram claramente sua constante inovação, e sua preocupação
com qualidade e estética não deixa dúvidas de que seus produtos competem nas melhores
categorias. Com mais de 600 mil pedidos de pré-venda, é evidente a qualidade do produto e a
aspiração que o hiperconsumidor possui. Somado a isso, a marca Apple construiu uma forte
identidade de marca e seus mundos possíveis exprimem, em sua maioria, os principais valores
de sua estrutura.
Em relação à natureza relacional ou contratual, que é o contrato de marca estabelecido
no momento da compra o qual o consumidor assume certos valores a serem cumpridos pela
marca, as mesmas enunciações semióticas são esperadas pelos consumidores. Estes querem
produtos de ótima qualidade que transpassem novos atributos para sua identidade, sempre
dotados de novidades tecnológicas e visuais. A dimensão contratual da marca Apple é bem
planejada antes do lançamento de seus produtos, enquanto que eventuais obstáculos são
resolvidos o quanto antes para não afetarem sua identidade de marca. O lançamento do iPhone
4, por exemplo, foi marcado por uma má qualidade de recepção de sinal por conta do design,
porém o problema logo foi resolvido com a distribuição gratuita das chamadas Bumper Cases,
anéis de borracha e plástico que eliminavam o problema. Dessa forma, a Apple conseguiu
suprimir qualquer descontentamento com o novo produto relacionado a essa inconveniência
em questão de semanas, não prejudicando a qualidade e a identidade da marca.
Resgatando os conceitos vistos anteriormente de economia da velocidade
(LIPOVETSKY) e de começos perpétuos, as quais remetem às rápidas renovações das
prateleiras, assim como à velocidade da compra e descarte, pode-se dizer que a natureza
evolutiva da Apple, que significa a capacidade da marca em se manter atualizada, flui sem
grandes problemas. Tendo como um de seus principais valores a inovação, manter sua
identidade atual no cenário contemporâneo é consequência de uma boa gestão de marca.
Dessa mesma forma, alimentar a natureza evolutiva, para a Apple, contribui para o
cumprimento de seu contrato de marca bem como suas novas manifestações. Sendo assim,
52
sob a ótica das naturezas de Semprini, a marca Apple não apenas tem sucesso na gestão
dessas dimensões como essas funcionam de forma cíclica. A natureza evolutiva estimula os
principais valores da marca que, por sua vez, mantêm o contrato de marca atualizado e auxilia
suas manifestações semióticas, dentre elas a inovação e o pioneirismo que dão condições para
o funcionamento da dimensão evolutiva.
4.2.2 Projeto de sentido da Apple
Ao longo dos anos, a consolidação da marca Apple se deu pela gestão de seu CEO
Steve Jobs e de sua enunciação do projeto de sentido da marca, responsável por estabelecer
um elo de identificação com o consumidor através da proposição de um sentido semiótico e
sociocultural da marca, através de suas manifestações. Seu logotipo (Figura 1) é facilmente
reconhecido pela sociedade de forma que até mesmo quem não consome a marca, quando
deparado com a maçã mordida estampada, reconhece que ali está um produto revolucionário e
símbolo de inovação e tecnologia. A fácil identificação do logo é fruto do sucesso das
manifestações em enunciar os valores da marca Apple, citados acima e, a partir desses, é
possível verificar se sua identidade de marca corresponde ao projeto de sentido da mesma.
Figura 1.
Por ser um conceito abstrato adotado internamente pela empresa, apontar precisamente
qual o projeto de sentido da Apple é praticamente impossível. Portanto, será analisado e
proposto neste trabalho um possível projeto de sentido que se aproxime dos valores, missão e
identidade – que serão analisados individualmente a seguir – e que faça sentido no contexto
da marca no contexto contemporâneo através das manifestações da Apple nos últimos anos.
53
Assim como visto acima, a marca Apple baseia-se em três valores principais, sendo
eles inovação, pioneirismo e qualidade, os quais trabalham em conjunto desde a fundação da
empresa. Analisando o perfil da marca, pode-se afirmar que é indiscutível a presença desses
valores na identidade da Apple. Desde o início, com o lançamento do Apple I, a marca
mostrou que sua ousadia em explorar novos mercados e desenvolver novas tecnologias fazia
parte da alma do negócio. O lançamento de novos produtos evidencia que os valores da marca
estão presentes até em suas últimas novidades. Sendo pioneiro e sinônimo de sua categoria, o
iPad é um dos maiores exemplos de que a Apple ainda mantém suas manifestações em função
de seus valores de marca, mostrando ser autêntica a seus princípios.
Analisando a missão da empresa, é possível traçar um elo com esses valores. De
acordo com Steve Jobs, a missão da Apple é “trazer os melhores produtos para designers,
estudantes, professores, cientistas, empresários e usuários em geral” (PGE iPod - Apple,
Biblioteca Central ESPM-SP, 2005). Em outras palavras, é desenvolver os melhores produtos
para os mais variados tipos de uso, sendo simples para uso geral e ao mesmo tempo eficaz
para trabalhos profissionais. Mesmo a Apple não tendo inventado a indústria da música digital
ou da internet para celular, o iPod e o iPhone foram os aparelhos que revolucionaram o uso
dessas tecnologias respectivamente.
Sob as diferentes perspectivas de identidade de marca de Aaker/Joachimsthaler, a
Apple se destaca em manifestações de Marca como Produto e Marca como Pessoa,
principalmente. Na sua dimensão do produto, a qual se refere à relação do consumidor com o
produto, a Apple se esforça em manter o indivíduo satisfeito em todos os sentidos. Qualidade
de materiais, simplicidade no uso e alta gama de aplicações para seus produtos. O
consumidor, por sua vez, enxerga a Apple com olhos admirados, pois esta não apenas satisfaz
as necessidades técnicas como também as psicológicas de seu público, remetendo à
associação de Marca como Pessoa, a qual coloca a marca como possuidora de personalidade,
no caso inovadora, atual, jovem e exclusiva. A identidade da Apple, portanto, pode ser
resumida em uma marca atual e inovadora que busca entregar produtos de alta qualidade para
entreter e facilitar o uso de seus consumidores. Se analisada sob a ótica de Bauman a respeito
da identidade do indivíduo, assumir que a marca possui uma determinada personalidade
estimula as vontades aspiracionais do sujeito em relação à mesma, uma vez que consumir
determinada marca incorporará seus atributos à identidade individual do consumidor. Dessa
forma, a associação da Marca como Pessoa não apenas auxilia a construção da identidade da
Apple como também traça os valores desejados por seus consumidores.
54
A partir das análises de valores, missão e identidade de marca, somado ao pensamento
de Semprini, autor do conceito, que diz que o projeto de sentido da Apple se resume a tornar o
trabalho agradável e divertido na convivência diária (SEMPRINI, 2010, p.144), pode-se
estabelecer um possível projeto de sentido para a marca Apple: tornar a convivência diária em
algo agradável, simplificado e divertido através de produtos de alta qualidade desenvolvidos
para satisfazer as necessidades tecnológicas e psicológicas do hiperconsumidor. Com o
projeto de sentido traçado, é possível analisar as manifestações da marca ao longo dos anos
sob os moldes de seu projeto e determinar se foram ou não pertinentes aos pilares da Apple.
4.2.3 Manifestações da marca Apple
Para esta parte, serão analisadas as manifestações de maior impacto na história da
marca Apple. Para a Comunicação, serão analisados os casos mais polêmicos após o
comercial “1984”, as campanhas Think different e Get a Mac e para o lançamento de novos
produtos serão analisados os casos do iPod e do iPad, pois o iPhone será analisado com maior
profundidade mais à frente desta pesquisa.
Com a volta de Steve Jobs ao comando da empresa em 1997, a Apple encontrava-se
em um momento delicado de sua existência e precisava se reerguer. Nesse mesmo ano, foi
lançada a campanha publicitária Think different (1997-2002), famosa por ter dado início à
reestruturação da marca Apple. Apesar de o período de veiculação da campanha ter tido
grandes lançamentos de produtos como o iMac e o iPod, a campanha Think different foi
realizada com o intuito de reforçar a identidade de marca no mercado de tecnologia, pois
estava muito fragilizada por conta dos fracassos prévios na liderança da empresa. O título
dizia tudo. Sob a nova administração, a marca Apple estava de volta com ideias diferentes
tanto para a empresa como para os produtos e tinha o objetivo de mudar a imagem negativa
que os consumidores haviam desenvolvido nos últimos anos. O pensar diferente exprimia as
vontades da Apple a respeito da administração da empresa, da produção de novidades e da
forma como as pessoas enxergavam a marca. A campanha foi um sucesso, sendo esta uma das
mais importantes e conhecidas na história da Apple. Marcada por um comercial de um
minuto, a campanha tinha como foco o uso de personalidades icônicas e geniais em seus
respectivos campos de atuação do século 20 (entre eles John Lennon, Mahatma Gandhi e
55
Albert Einstein), tratando-as como pessoas que pensavam diferente. Dessa forma, o comercial
chamou a atenção dos consumidores, convidando-os a pensar diferente juntamente com a
marca Apple. O sucesso de Think different auxiliou a reestruturação da marca assim como
forneceu ajuda aos produtos lançados nesse período. Há uma discussão a respeito de esse ter
sido o melhor slogan de todos os tempos para a Apple, pois expressa o projeto de sentido da
marca como nenhum outro chegou a fazer. Think different não só mostrava que a empresa
estava disposta a inovar sempre com novas ideias como também convidava o consumidor a
participar de seu novo mundo possível, que tornou a Apple uma marca aspiracional. O
sucesso desta manifestação culminou na criação de novas campanhas, dentre elas outra muito
bem sucedida, a Get a Mac.
Virada mais para o produto, Get a Mac (2006-2010) ganhou notoriedade por
demonstrar as vantagens de se ter um computador pessoal da Apple a qualquer outro no
mercado de uma forma simples e cômica. Colocando lado a lado as personificações de um
Mac, jovem, seguro e comunicativo, e de um PC, recalcado, inseguro e caricato, a série de
comerciais da campanha evidenciavam as diversas vantagens que computadores Mac tinham
sobre computadores de plataforma PC, com ênfase nos que utilizavam o sistema operacional
Windows. Get a Mac foi um sucesso, ganhando adaptações para outros países como Inglaterra
e Japão. O intuito da campanha era mostrar aos consumidores que a Apple estava
desenvolvendo produtos de alta qualidade e até mesmo superiores aos PCs, os quais estavam
presentes na maioria dos lares na época. Apesar de ter foco nas qualidades dos produtos, Get
a Mac também mostrava que a marca Apple e os iMacs eram desenvolvidos para o uso de
todos, além de serem atuais, inovadores e joviais. Enquanto Think different trabalhou a
identidade da marca Apple, Get a Mac complementava a anterior através da promoção de sua
imagem e produtos novos. Ambas as campanhas, se analisadas sob as premissas do projeto de
sentido proposto neste trabalho, tiveram sucesso em seus objetivos e foram de grande ajuda
para que a marca Apple se consolidasse como a maior empresa de tecnologia dos Estados
Unidos.
O lançamento do primeiro iPod, em 2001, foi um dos maiores passos da Apple quando
se trata de desenvolvimento de novos produtos, pois este foi o início da ascensão da marca em
novos mercados. Em outubro de 2001, a Apple introduziu o iPod, um tocador de música
digital portátil que tinha como principais características sua tela de LCD, facilidade de uso
56
com seu click wheel 32
e alta capacidade de armazenamento de músicas, com 5GB nos quais
cabiam mais de 1.000 músicas, frente a 20 ou 30 músicas dos produtos concorrentes da época.
Atualmente com mais de 300 milhões de unidades vendidas em suas diversas versões, datada
em janeiro de 201133
, o iPod é sinônimo de categoria e um dos maiores sucessos da marca na
última década, além de ter revolucionado o mercado de música digital juntamente com a
iTunes. Outro sinônimo de categoria da marca Apple é o iPad, tablet computer multi-touch
screen, lançado em 2010. Pioneiro em sua categoria, o iPad utiliza seu belo design e sua
versatilidade para tentar substituir, no imaginário dos consumidores, os netbooks e notebooks
nos lares das pessoas, já com mais de 15 milhões de unidades vendidas em pouco mais de um
ano. A facilidade de uso e a qualidade dos aparelhos, somado ao fato de fazerem parte do
mercado de entretenimento fazem do iPod e do iPad duas das manifestações de maior impacto
para a empresa. Sob a ótica de seu projeto de sentido, ambos os produtos são de convivência
diária, de fácil e divertido manuseio, de qualidade indiscutível e que satisfazem as
necessidades tecnológicas e psicológicas do hiperconsumidor.
Juntamente com o iPod e o iPad, um dos grandes sucessos da marca Apple nos últimos
anos tem sido o iPhone, smartphone multi-touch screen com uma grande variedade de
utilidades. Embora existam outros casos de obsolescência perceptiva na história da Apple,
este trabalho irá explorar somente os desdobramentos dessa estratégia em cima do iPhone,
visando um maior aprofundamento nas análises. A seguir será feito o levantamento histórico
do iPhone para então ser feita a análise sob os aspectos vistos anteriormente nesta pesquisa.
4.3 A percepção construída para o iPhone
O iPhone é uma linha de produtos smartphone touch screen com acesso à internet e
diversas outras funções, fabricado pela Apple Inc., sendo o mais recente modelo, o iPhone 4
(2010). Dentre suas funções estão as câmeras (fotos e vídeos), conexão wi-fi e 3G, tela de
multi-touch, navegação na internet, verificação de e-mails, funções de smartphones e de iPod
Touch (músicas e vídeos). Somado a isso, a App Store vende aplicativos para o iPhone
32 Click wheel é a tecnologia patenteada da Apple que marcou o iPod por sua facilidade de uso. Trata-se de um
círculo sensível ao toque que possibilita a rápida troca de músicas do aparelho.
33 http://ipod.about.com/od/glossary/qt/number-of-ipods-sold.htm
57
criados por outras empresas e autorizados pela Apple, incluindo jogos, GPS e outros
aplicativos de entretenimento. Atualmente existem quatro modelos de iPhone, sendo apenas
dois desses ainda vendidos nas lojas autorizadas. Cada novo modelo introduziu uma nova
versão do sistema operacional móvel da Apple, o iOS (lançado com nome de iPhone OS),
também usado em iPod Touch, iPad e Apple TV.
Com o sucesso da iTunes, Steve Jobs decidiu ampliar os negócios da Apple e adentrar
no mundo da telefonia móvel. Visto que a empresa ainda não tinha conhecimento necessário
do mercado para desenvolver um produto próprio, a Apple se uniu à Motorola para
desenvolver o primeiro celular compatível com iTunes. Nasceu dessa colaboração o Motorola
ROKR E1, em setembro de 2005, que se mostrou um fracasso e resultou no abandono do
projeto. Jobs, entretanto, com a ajuda da AT&T Mobility – Cingular Wireless na época –,
empresa de serviços de telefonia wireless da AT&T, já havia começado a desenvolver seu
próprio aparelho. A partir da uma nova tecnologia touch screen desenvolvida para futuros
tablet computers, Steve Jobs resolveu deixar esse projeto em espera e colocar a nova
tecnologia em seu primeiro aparelho celular. Trinta meses e U$ 150 milhões34
depois, surgiu
o revolucionário iPhone 2G.
Em janeiro de 2007, Steve Jobs anunciou o novo produto na Macworld Conference
and Expo (conferência anual realizada para discussões, lançamentos e novidades da marca
Apple) em São Francisco, alegando ser um “produto mágico e revolucionário”, além de estar
“cinco anos a frente de qualquer outro aparelho celular” da época35
. No dia 29 de junho do
mesmo ano, às 18 horas (PST36
), as portas das Apple Stores foram abertas para as filas de
centenas de pessoas que esperavam o lançamento. O iPhone 2G possuía duas versões, uma de
4GB vendida à U$ 499 e outra de 8GB à U$ 599. O sucesso do iPhone 2G foi surpreendente
para a Apple, por ser seu primeiro passo para se consolidar no mercado de telefonia móvel
americano, alcançando 1 milhão de aparelhos vendidos em apenas 3 meses. A empresa
encerrou o ano com quase 1,4 milhões de unidades vendidas37
. Em fevereiro de 2008, o
iPhone 2G recebeu sua versão de 16GB.
34 http://www.wired.com/gadgets/wireless/magazine/16-02/ff_iphone?currentPage=all
35 http://www.telegraph.co.uk/technology/picture-galleries/5477324/Apple-iPhones-history-in-pictures.html?image=2
36 Pacific Standard Time – Horário local utilizado nos Estados Unidos e Canadá (GMT -8)
37 http://en.wikipedia.org/wiki/File:IPhone_sales_per_quarter_simple.svg
58
No dia 10 de julho de 2008, foi inaugurada a Apple App Store, loja digital que vendia
aplicativos exclusivos ao iPhone. O lançamento da App Store auxiliou as vendas do sucessor,
o iPhone 3G, lançado no dia seguinte em 22 países e com preços mais acessíveis nos valores
de U$ 199 pelo 8GB e U$ 299 pelo 16GB. Com algumas modificações tecnológicas como
GPS avançado e conexão 3G e leves mudanças no design, o iPhone 3G chegou ao seu
primeiro milhão vendido em três dias, um novo recorde de vendas para a Apple.
Quase um ano depois, no dia 19 de junho de 2009, chegou às lojas o novo iPhone
3GS, ao preço de U$ 199 pelo modelo de 16GB e U$ 299 pelo de 32 GB. Em apenas dois
dias, as vendas alcançaram 1 milhão de unidades, quebrando o recorde anterior. Dentre as
novas funcionalidades do novo produto estavam a maior velocidade devido ao seu novo
processador, câmera com maior resolução e capacidade de gravar vídeos (não presente nos
modelos anteriores).
Em 24 de junho de 2010, o mais recente modelo foi lançado, o iPhone 4. Com maior
velocidade de processamento, câmera e tela de maior resolução, nova câmera para vídeo-
ligações e um novo design, Steve Jobs disse este ser o maior passo dado nesse mercado desde
o lançamento do iPhone 2G. Os modelos de 16GB e 32GB são vendidos à U$ 199 e U$ 299
respectivamente. Quando anunciado uma semana antes do lançamento, o iPhone 4 recebeu
mais de 600 mil pedidos de pré-venda em menos de 24 horas, tornando-se o produto com o
maior número de pedidos em um único dia, de acordo com relatório da Apple38
. O sucesso do
iPhone atingiu, em três dias de venda, a marca de 1,7 milhões de unidades vendidas. Em
fevereiro de 2011, foi anunciado a venda do iPhone 4 em versão CDMA39
(antes apenas
GSM).
O sucesso do iPhone cresce exponencialmente a cada nova versão, como apresentado
na Figura 2, e chegou, desde seu lançamento em 2007, a 100 milhões de iPhones vendidos de
acordo com o anúncio feito durante a Macworld Conference and Expo 2011, em São
Francisco40
. O crescimento do iPhone nos imaginários dos consumidores faz da Apple cada
vez mais uma marca aspiracional e presente no cotidiano da sociedade. Para entender melhor
a forma a qual o iPhone influencia o comportamento do indivíduo e da sociedade de
38 http://www.apple.com/pr/library/2010/06/16iphone.html
39 GSM e CDMA são tecnologias digitais de redes de telefonia celular
40 http://mashable.com/2011/03/02/100-million-iphones/
59
hiperconsumo, será analisado a seguir o iPhone frente às premissas dos capítulos I e II desta
pesquisa.
Figura 2 (em milhões).
Fonte: Wikipedia
4.4 Premissas do consumo e da obsolescência frente ao iPhone
4.4.1 iPhone inserido no cotidiano
Como visto no início do primeiro capítulo, o consumo deixou de ser costume e passou
a ser elemento da constituição do indivíduo consumidor na sociedade contemporânea. É
praticamente impossível imaginar um cidadão de um país ocidental capitalista que consiga
passar um dia sequer sem consumir absolutamente nada, uma vez que cada ato está atrelado
60
ao consumo, direta ou indiretamente. Somado a isso, o desejo hiperconsumidor está presente a
todo instante, podendo ele comprar o que quiser na hora que lhe for mais conveniente.
[...] muitas sociedades de serviço adotam o esquema de 24 horas por dia, sete dias
por semana; lojas abertas à noite se multiplicam. [...]. Enquanto as férias se dividem e se escalonam no tempo, as agências de viagem exibem suas ofertas o ano inteiro.
As entregas em domicílio e a qualquer hora de pratos prontos desenvolvem-se com
sucesso. As salas de cinema oferecem sessões tanto às dez horas da manhã quanto à
meia noite (LIPOVETSKY, 2007, p.108).
E é esta atitude que pode ser percebida no usuário de iPhone que, devido aos recursos
tecnológicos do aparelho, fica plugado o tempo todo. Logo, para esse indivíduo, pode-se
afirmar que passar um dia sem consumir é quase que impensável. Tal fato se dá devido à
Apple posicionar o iPhone como um aparelho que permite a conexão do usuário ao mundo
com um simples toque em sua tela, sendo assim possuidor de incontáveis possibilidades
dentro de seu bolso41
. Desde o planejamento de sua criação, o iPhone teve como premissas ser
a integração de diversas funções em único aparelho e tornar-se revolucionário por ser pioneiro
em colocar o mundo ao alcance de seus usuários. Pouco antes do lançamento do primeiro
iPhone em 2007, a Apple anunciou à imprensa que seu novo smartphone seguia, de fato, essas
premissas por ser a perfeita combinação de três produtos em apenas um, leve, pequeno e que
cabe na palma da mão: um aparelho celular, um iPod widescreen e o acesso livre à internet
com os melhores aplicativos para verificação de e-mail, navegação em geral e utilização de
mapas42
. Somado a isso, cada nova versão do iPhone recebe novas capacidades e funções.
Dessa forma, considerando que usuários de celulares utilizam diversas vezes por dia seu
telefone móvel, pode-se afirmar que usuários de iPhone estão conectados ao universo do
hiperconsumo durante grande parte de seu cotidiano. Seja utilizando-o como celular, ouvindo
música, navegando na internet ou utilizando um de seus milhares de aplicativos, o
consumidor de iPhone tem o consumo como parte de seu dia-a-dia e de sua constituição, visto
que, segundo Bauman, quanto mais se consome, maior sua significação frente à sociedade de
consumidores (2007, p.159).
Outra característica bem conhecida dos produtos da Apple é a simplicidade de
interação que estes possuem tanto entre si como individualmente. O iPhone, por sua vez,
levou a facilidade de uso à outro nível ao colocar todos os aplicativos de seu aparelho na
distância de alguns toques. Assim, a praticidade do iPhone atinge com sucesso qualquer
41 http://www.apple.com/students/ipodtouch-iphone/
42 http://www.apple.com/pr/library/2007/06/28iphone.html
61
necessidade que seu usuário precise, visto que um estudante pode acessar a calculadora da
mesma forma que um executivo pode verificar seu e-mail, com apenas um toque. Portanto, o
iPhone consegue incorporar sua simplicidade ao cotidiano de seu usuário, tornando suas
tarefas em algo mais rápido e intuitivo. Somado a isso, as incontáveis possibilidades que o
iPhone possui torna-o um aparelho multifuncional, útil em uma vasta área de necessidades, o
que o auxilia na consolidação de sua onipresença no dia-a-dia de seus consumidores. Nas
palavras de Lipovetsky:
Nas fases I e II, os consumidores deslocavam-se para se dirigir às grandes lojas; na
fase III, é o comércio que vai a eles, instalando seus locais de venda em função dos
horários de frequentação e dos fluxos de passagem (2007, p.107).
O consumidor de iPhone, no entanto, coloca-se em um universo paralelo ao proposto
por Lipovetsky, na medida em que a sociedade contemporânea instaurou nos costumes dos
indivíduos a possibilidade de consumir sem a presença física no ato de compra. Dessa forma,
o comércio não fica restrito em função de horários específicos, mas abrange sua influência
através da onipresença da narrativa transmidiática43
(JENKINS, 2008). O usuário de iPhone,
portanto, torna-se um hiperconsumidor ideal na contemporaneidade, uma vez que pode ser
atingido por estímulos consumistas a todo instante, não apenas em algumas horas diárias.
Aqui, o iPhone mostra-se como eficiente ferramenta de conexão e entretenimento como
também mecanismo de auxílio à economia da velocidade.
4.4.2 iPhone como modelador de identidades
Apesar das incontáveis possibilidades existentes no iPhone, o consumo de produtos da
Apple é, como a maioria dos atos de hiperconsumo, movido pelas significações que a marca e
produto possuem, as quais são incorporadas pelos usuários dos mesmos. Como visto
anteriormente, a identidade individual deve acompanhar a velocidade de atualização da
sociedade de hiperconsumo, de forma a manter o hiperconsumidor inserido nos padrões de
inclusão/exclusão sociais. Sob as lentes de Bauman, consumir atribui ao indivíduo
características que evidenciam seus gostos pessoais, entre eles o próprio sentimento
aspiracional da marca, representado como uma manifestação de identificação metonímica
43 Uma narrativa transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo.
62
(2007) por parte do indivíduo. Assim, valores da marca Apple e significações de suas
enunciações são aquilo que seu consumidor realmente busca, visto que, dessa forma, atribui a
si as principais características da marca ou produto consumido.
Devemos recordar, contudo, que numa sociedade de consumidores, em que os
vínculos humanos tendem a ser conduzidos e mediados pelos mercados de bens de
consumo, o sentimento de pertença não é obtido seguindo-se os procedimentos
administrados e supervisionados por essas “tendências de estilo” aos quais se aspira,
mas por meio da própria identificação metonímica do aspirante com a “tendência” (BAUMAN, 2007, p.107).
Assim sendo, a praticidade apresentada no iPhone pode ser traduzida como valor de
conforto, por exemplo. Conforto ao navegar na internet em qualquer lugar (que tenha conexão
wireless), ao ouvir música, ao utilizar algum aplicativo. Da mesma forma, a
multifuncionalidade é tratada como o conforto de possuir as funções de diversos aparelhos em
apenas um que cabe no bolso. Por sua engenharia de ponta, valores como inovação e
tecnologia também podem ser atrelados ao produto e marca e, consequentemente, ao
consumidor. Para Lipovetsky, “os atos de compra em nossas sociedades traduzem antes de
tudo diferenças de idade, gostos particulares, a identidade cultural e singular dos atores, ainda
que através dos produtos mais banalizados” (2007, p.43). Portanto, é possível afirmar que o
iPhone assume o papel do consumo como modelador de identidades, na medida em que
carrega consigo significações do produto e da marca. Sendo a Apple uma marca aspiracional,
evidenciado pelo sucesso descrito em seu histórico, o indivíduo que adquire um iPhone passa
a fazer parte de um grupo contemporâneo, com status, ligado à tecnologia e conectado com
mundo via web – sentimento de pertencimento o qual, segundo o pensamento de Bauman
acima, é um dos principais motores que incentivam o indivíduo a manter sua identidade
atualizada. No Brasil, por exemplo, o valor de status possui ainda mais força, visto que é
avaliado como o iPhone mais caro do mundo44
. Logo, um possuidor de iPhone 4 (última
geração) enuncia à sociedade que está a par das novidades tecnológicas do momento, possui
poder aquisitivo, está conectado ao mundo a todo instante e que aprecia o conforto de ter uma
grande variedade de funcionalidades nas palmas das mãos.
44 http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/iphone-4-no-brasil-e-o-mais-alto-do-mundo-16092010-
50.shl
63
4.4.3 O iPhone frente ao hedonismo consumidor, economia da velocidade e obsolescência
Como visto no capítulo I, a sociedade contemporânea tem como objetivo satisfazer as
necessidades hedônicas do hiperconsumidor que são, em sua maioria, baseadas em
experiências de consumo e, de preferência, inéditas. Quando chegou ao mercado, o iPhone
oferecia experiências que nenhum concorrente da época conseguia equiparar como a
tecnologia multi-touch screen, iPod embutido e aplicativos únicos. Considerando que a
civilização do hiperinstante cultua a instantaneidade e efemeridade das experiências e que o
indivíduo está sujeito a consumir o que deseja, quando e onde quiser, o iPhone foi inserido
para suprir essa demanda hiperconsumidora:
De um lado, os objetos tem tendência a oferecer uma maior confiabilidade e
melhores qualidades técnicas, o que seca umas das fontes da decepção. De outro
lado, a informática e a eletrônica permitem cada vez mais pôr em funcionamento
objetos que proporcionam emoções e prazeres renovados, uma vez que o
consumidor se encontra em situação de atividade e de interatividade, de busca e de troca: consequentemente, a parte da estimulação prevalece sobre a do conforto dito
passivo (LIPOVETSKY, 2007, p.164).
Com apenas alguns toques, o aparelho tem a habilidade de atender uma vasta gama de
necessidades, oferecendo ao consumidor o poder de consumir o que desejar. Checar e-mails,
ver vídeos, ouvir música, fazer compras online. Uma vez que o sujeito contemporâneo busca
sua felicidade através do exercício da renovação do consumo, o iPhone serve de catalisador
dessa demanda. Somado a isso, o iPhone também atende às necessidades psicológicas do
indivíduo, como a noção de pertencimento, exclusividade ou pela identificação metonímica
com a marca/produto, visto que sua posse é acompanhada por diversas de suas características
citadas anteriormente.
Além de atender a demanda hedônica hiperconsumidora, o iPhone serve de
combustível aos motores da economia da velocidade, pois movimenta o mercado ao mesmo
tempo que cria novas expectativas para sua nova versão. Visto que a Apple lança um novo
modelo por ano e que cada nova versão quebra novos recordes de vendas, é inegável o
sucesso do iPhone frente ao mercado e, principalmente, à economia de hiperconsumo.
Levando em conta que a economia da velocidade tem como base a obsolescência dos
produtos e das tendências de estilo, a Apple demonstra sua capacidade em administrar sua
marca e identidade e em mantê-las atualizadas e interessantes aos consumidores. Dessa
mesma forma, a App Store também auxilia a movimentação econômica enquanto atende as
64
necessidades instantâneas dos usuários, na medida em que lança novos aplicativos
constantemente com diversas novas possibilidades de uso.
Além dos equipamentos e dos produtos acabados, as indústrias de lazer trabalham
hoje com a dimensão participativa e afetiva do consumo, multiplicando as oportunidades de viver experiências diretas. Já não se trata mais apenas de vender
serviços, é preciso oferecer experiência vivida, o inesperado e o extraordinário
capazes de causar emoção, ligação, afetos, sensações (LIPOVETSKY, 2007, p.63).
Com o intuito de suprir os desejos efêmeros de consumo do indivíduo, aplicativos de
iPhone são desenvolvidos para serem simples e, apesar de inovadores, efêmeros45
, pois o
consumidor assume o papel de colecionador de experiências (LIPOVETSKY, 2007) e
“porque „sempre acontece algo‟ de novo que a oferta mercantil é capaz de proporcionar mais
experiências de prazer que de enfastiamento” (Idem, p.164). Assim, a App Store consegue
manter seu portifólio atualizado todos os dias, atendendo a demanda por novidades e
movimentando efetivamente a economia da velocidade.
Nesse cenário da economia da velocidade, toma destaque o conceito de consumo
individualista, proposto por Lipovetsky. Aqui, o ato de consumir assume um papel
inteiramente individual, uma vez que tanto o aparelho como os aplicativos têm como
consumidor final um único usuário. Enquanto que televisores, eletrodomésticos, automóveis
podem assumir papéis individuais, porém são compras que afetam o coletivo, a aquisição de
um iPhone é um consumo apenas subjetivo. Seu usuário irá desfrutar das funções do aparelho,
assim como será o principal consumidor dos serviços e aplicativos do mesmo. Portanto, os
elementos que giram em torno do iPhone tornam-se um exemplo do individualismo
consumidor apresentado por Lipovetsky: um aparelho multifuncional o qual é operado por
apenas um indivíduo que aproveita e assimila as significações semióticas do produto/marca e
é responsável pela movimentação de sua economia. Somado a isso, o uso das mídias sociais,
citado no primeiro capítulo, mostra grande influência dentre os consumidores de iPhone,
tendo o Facebook e o Twitter como principais aplicativos utilizados46
, ambos de consumo
subjetivo e exercido sob a identidade individual de seus usuários.
Portanto, o consumo narcisista e hedonista encontra no iPhone uma solução para
satisfazer a efemeridade das necessidades individuais, enquanto que a sociedade de
hiperconsumo assume o mesmo como ferramenta de grande ajuda para a manutenção da
45 http://www.businessinsider.com/iphone-users-get-bored-with-applications-quickly-2010-2
46 Idem
65
economia contemporânea. Apesar de ser um aparelho com diversas características funcionais,
o sucesso do iPhone advém de seus valores agregados pela marca, publicidade e atribuições
alheias. Desde 2007, em seu lançamento, pode-se inferir que a linha de produtos iPhone
passou de um smartphone multi-touch com diversas funcionalidades para um produto
possuidor de sentido semiótico com funções de aparelho celular embutido. Sua praticidade e
suas funções passaram a ser vistas como atributos secundários e deram destaque àquilo que o
iPhone pode representar no imaginário de seus consumidores. Apesar de agora possuir
diversos concorrentes diretos, o iPhone continua quebrando recordes de vendas e auxiliou a
empresa a ocupar as primeiras colocações nos rankings de empresas e marcas mais valiosas
do mundo. No entanto, como visto anteriormente neste trabalho, a alegria da compra na
sociedade de hiperconsumo é maior que a alegria da posse.
Num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma velocidade
de tirar o fôlego, num mundo de incessantes novos começos, viajar esperançoso
parece mais seguro e muito mais encantador do que a perspectiva da chegada
(BAUMAN, 2007, p.28).
Tanto Bauman como Lipovetsky destacam aqui que grande parte dos produtos
duráveis são suscetíveis ao mundo da decepção “por ocasionarem prazeres apenas no
momento da aquisição ou do primeiro funcionamento: depois disso, não asseguram mais que
um conforto sem alegria” (LIPOVETSKY, 2007). O caso do iPhone não é diferente.
Enquanto que a aquisição deste traz consigo os valores semióticos da marca/produto, o
período seguinte da compra tem a tendência de sofrer com a decepção do usuário. Isso se dá
devido ao fato de o consumidor ser um colecionador de experiências e, por consequência,
considerar o antigo como velho e antiquado. Mesmo com a App Store lançando novos
aplicativos para novos usos do aparelho, o iPhone passa a ser apenas mais um conforto que
não apresenta experiências inéditas e espetaculares. Para combater a percepção de decepção e,
assim, manter a imagem do produto e da marca a frente das tendências de estilo, a Apple
utiliza a estratégia da obsolescência perceptiva com o principal objetivo de renovar os desejos
por inovações demandados pelo hiperconsumidor, a entender que:
para estimular o consumo, os atores da oferta não procuram mais produzir artigos de
má qualidade: renovam mais depressa os modelos, fazem-nos sair da moda
oferecendo versões mais eficientes ou ligeiramente diferentes. Trata-se de seduzir
pela novidade, de reagir antes dos prazos de concepção e de colocação de novos
itens no mercado (LIPOVETSKY, 2007, p.90).
Ao manter um período de aproximadamente um ano entre cada novo modelo, a Apple
consegue atender as necessidades efêmeras do consumidor, as quais desejam mais um produto
novo que satisfaça sua vontade de comprar do que um produto com inúmeras inovações e que
66
caia no mundo da decepção rapidamente. Atualmente apenas duas versões de iPhone ainda
são produzidas, sendo elas o iPhone 3G e o iPhone 4. Os modelos anteriores, ao terem sua
produção encerrada, passam a serem vistos como ultrapassados, aumentando a força da
obsolescência praticada pela empresa. Logo, após um período de aproximadamente dois anos
de seu lançamento, um modelo de iPhone torna-se obsoleto por percepção e dá lugar a um
novo.
A crescente valorização do novo, consequência da efêmera economia da velocidade,
mostrou-se proporcional à desvalorização do antigo. Na sociedade de hiperconsumo, o
consumidor deve apresentar um traço de caráter específico: a capacidade de descartar
experiências já vivenciadas, de deixá-las para trás e, assim, alimentar seu ávido desejo por
novidades. A sociedade do hiperinstante incentiva a supervalorização do novo e,
consequentemente, o produto antigo, ainda que funcional, perde seu espaço no imaginário
aspiracional consumidor. Este contexto, como visto anteriormente, pode ser conhecido como
resultado da estratégia da obsolescência perceptiva, a qual movimenta a civilização
hiperconsumidora sem interferir na mecânica dos produtos, mas sim nas tendências de estilo
contemporâneas. Como visto acima, a Apple consegue, a partir do uso da obsolescência
perceptiva, manter sua marca e produtos interessantes aos olhos do consumidor através da
constante renovação de seu portifólio, uma vez que a rápida troca atrasa, senão impede as
influências advindas da decepção pós-compra. Funcionando de acordo com a economia da
velocidade, essas manifestações da Apple também auxiliam a movimentação da sociedade,
visto que atualizam as tendências de estilo e impulsionam as vendas.
Analisando o histórico do iPhone nos últimos quatro anos, é possível perceber os
resultados apresentados pela Apple devido ao uso da obsolescência perceptiva. Quando entrou
no mercado, em 2007, o iPhone 2G era vendido em apenas dois modelos e com preços altos:
U$ 499 pela versão de 4GB e U$ 599 pela de 8GB, alcançando um milhão de unidades
vendidas em pouco menos de três meses. Já consolidada no mercado, a linha de produtos
recebeu seu novo modelo, o iPhone 3G, lançado um ano depois e vendido a U$ 199 por 8GB
e U$ 299 por 16GB. Em outras palavras, após um ano de construção de exclusividade e
identidade do iPhone, a nova versão chegava às lojas pela metade do preço e com o dobro de
capacidade de armazenamento. Fora isso, é claro, algumas mudanças foram adicionadas à
nova versão como melhor conexão de internet, design levemente diferenciado e sistema
operacional atualizado. Em apenas três dias, o iPhone 3GS vendeu seu primeiro milhão de
aparelhos. A diminuição considerável do preço do novo modelo não apenas atraiu novos
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clientes como também incentivou a troca da primeira geração. Somado a isso, a Apple
anunciou antes do lançamento do iPhone 3G a facilidade de transferência de dados de um
“antigo” iPhone para um recém-comprado47
, evidenciando que existia ali um interesse de
troca por parte de indivíduos que já utilizavam o iPhone 2G.
O iPhone 3GS chegou 11 meses depois nos valores de U$ 199 por 16GB e U$ 299 por
32GB e vendeu um milhão de aparelhos em dois dias. A nova versão trazia o mesmo design
(em duas cores: branco e preto), porém com melhor desempenho de hardware, tendo como
principais mudanças um processador mais rápido, o dobro de memória RAM e, mais evidente,
maior capacidade de armazenamento de dados. Aqui, a obsolescência perceptiva aparece com
menos sutileza, visto que o lançamento do iPhone 3GS foi marcado também pela
descontinuação da linha original, o iPhone 2G. As repercussões trazidas por tal manifestação
da Apple, se analisadas sob o panorama da economia da velocidade, são o “envelhecimento”
do primeiro modelo frente aos olhos consumidores e o incentivo à troca pelo novo,
principalmente. Em uma sociedade em que se supervalorizam o novo produto e as novas
tendências, a posse de um produto que teve sua produção encerrada é visto como
ultrapassado, antiquado frente à sociedade. Somado a isso, o sentimento de exclusividade e de
pertencimento acompanham a velocidade acelerada do mercado, sendo aspiracionais apenas
para as novas tendências de estilo. Logo, aquele consumidor possuidor de iPhone 2G que
resistiu à compra do 3G, encontra-se sob a pressão psicológica de trocar seu antigo modelo
pelo mais recente, com novas capacidades e o quádruplo de memória (se considerar a versão
8GB para a 32GB), visto que seu atual aparelho passou a ser visto como “antiguidade”. A
obsolescência, portanto, é marcada aqui não pelo conjunto de novos atributos ou pela
necessidade do indivíduo em se sentir atual, mas pela soma de ambos através da motivação
hedonista em se sentir melhor ao comprar um iPhone de última geração. A capacidade de
32GB, por exemplo, pode ser vista tanto como atributo funcional como perceptivo, uma vez
que pode armazenar mais conteúdo que as versões anteriores (quase dez mil músicas), porém
seu usuário pode nem conhecer tantas músicas. Dessa forma, mesmo tendo atributos
superiores, o consumidor não necessariamente consegue usufruir de todo esse potencial, o que
evidencia a compra pelo prazer.
Após um ano, chega às prateleiras o novo iPhone 4, ao mesmo preço de seu antecessor
e com mesma capacidade de armazenamento, porém com um design modificado e com
47 http://support.apple.com/kb/HT2109
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características renovadas como tela maior, melhor processador, câmera e resolução. Como
apontado anteriormente, o iPhone 4 quebrou todos os recordes de venda da Apple, com mais
de 600 mil pedidos de pré-venda e 1,7 milhões de unidades vendidas em menos de três dias.
O lançamento do novo modelo marcou o encerramento da produção de um mais antigo, o
iPhone 3G e, mais importante, o lançamento do iPhone 3GS em versão de 8GB, vendido à U$
49 atualmente, em paralelo à descontinuação dos modelos de 16GB e 32GB. Essa atitude
evidencia a intenção da Apple em reforçar sua estratégia de obsolescência perceptiva, visto
que os indivíduos que quiserem um iPhone de alta capacidade de armazenamento terão que
optar entre um novo iPhone 4 ou um usado iPhone 3GS. No entanto, ao mesmo tempo que
pode ser considerada uma estratégia de obsolescência, a descontinuação dos antigos modelos
de iPhone 3GS pode ser visto como oportunidade à outros indivíduos, uma vez que o modelo
de 8GB apresenta baixo preço (com plano nos Estados Unidos) frente à nova versão e ao
mercado, sendo assim uma nova chance para quem aspira a marca, mas não dispõe de poder
aquisitivo para comprar os modelos mais caros.
A previsão para o lançamento do novo iPhone 5, em contrapartida às manifestações
passadas lançadas no meio do ano, é para outubro de 2011. Apesar de haver poucos dados
disponíveis a respeito do novo aparelho, a espera dos hiperconsumidores gera novos boatos
sobre o assunto a cada momento, o que prova a força que a linha iPhone conseguiu construir
ao longo dos anos. Independentemente se terá um novo design, melhorias de performance ou
novas características, o iPhone 5 já construiu parte de seu mundo possível desde o lançamento
do iPhone 4, não por manifestações da Apple, mas pela demanda por novidades do
hiperconsumidor contemporâneo; este especula sobre o que poderá vir de novo, como será o
novo design, o novo sistema operacional, os novos aplicativos. Uma coisa é quase certa: o
lançamento do iPhone 5 provavelmente resultará na descontinuidade da produção do iPhone
3GS 8GB e, talvez, o lançamento do iPhone 4 8GB com a mesma intenção da versão passada.
Mesmo ainda não lançado, o iPhone 5 já possui presença na mídia e, por conta da construção
prematura de seu mundo possível, deverá bater o recorde de vendas de seu antecessor.
Produtos como o iPod e o iPad, citados anteriormente, apesar de não serem o foco
desta pesquisa, vale ressaltar que também são produtos que aplicam a obsolescência
perceptiva, o que evidencia ser uma estratégia muito utilizada pela Apple para manter sua
demanda satisfeita ao mesmo tempo que mantém sua identidade de marca atual e interessante.
No caso do iPhone, a utilização da obsolescência perceptiva é justificada dentro do contexto
da sociedade de hiperconsumo, a qual abre espaço para estratégias como essa surgirem e
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tornarem-se importantes para a movimentação da economia da empresa e da sociedade. Como
consequência direta da supervalorização do novo em detrimento do antigo, o iPhone consegue
conquistar e manter conquistados clientes antes mesmo de lançar um novo modelo, através da
efemeridade de seus produtos frente ao mercado. Aqui, o período de um ano entre cada
lançamento torna-se ideal ara o hiperconsumidor, pois é o tempo no qual consegue desfrutar
de seu aparelho e trocá-lo antes de se tornar monótono. Dessa mesma forma, a
descontinuidade das linhas mais antigas funciona de forma natural e não proposital, pois não
há motivos para continuar a produção de produtos vistos como antigos pelos consumidores.
Assim, a obsolescência se consolida na produção de iPhones, na medida em que a demanda
efêmera é atendida pelos avanços tecnológicos da Apple que, ao descontinuar uma linha por
motivos lógicos, alimenta ainda mais o desejo do hiperconsumidor pelo novo.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comprova-se, através deste trabalho, a importância da estratégia da obsolescência
perceptiva para a atual organização social e, principalmente, para o indivíduo consumidor.
Com o auxílio dessa estratégia, a sociedade contemporânea consegue manter a demanda
efêmera hiperconsumidora satisfeita e ansiosa por novidades, ao mesmo tempo em que
movimenta a economia e as tendências de estilo.
Como apresentado em seu histórico, a sociedade de hiperconsumo orbita em torno do
agente comprador, o Homo Consumans (BAUMAN, 2007): são sob suas vontades que se
desenvolvem novos produtos, novas tendências de estilo e novas manifestações de marcas,
vontades as quais têm como foco a busca pela felicidade do indivíduo. Tal manifestação
hedônica, em uma sociedade que valoriza as trocas rápidas de valores e mercadorias, é, muitas
vezes, representada através de experiências de consumo, visto que funcionam como
enunciações da identidade individual do consumidor. Dessa forma, pode-se dizer que quanto
mais um sujeito consome, mais próximo da felicidade esse estará.
A estratégia da obsolescência perceptiva surgiu, portanto, em um contexto no qual o
indivíduo deseja consumir o máximo que puder o quanto antes, sendo chamado por
Lipovetsky de colecionador de experiências, no caso de consumo. Isso se dá devido ao fato
de a alegria da compra ser maior que a alegria da posse, sendo esta influenciada pela
dimensão da decepção pós-aquisição e consequentemente influenciando a uma compra
seguinte. Assim, de acordo com os conceitos da economia da velocidade (LIPOVETSKY,
2007) e dos começos perpétuos, a sociedade de hiperconsumo valoriza a efemeridade dos
produtos, não só para movimentar a economia, mas, antes disso, para satisfazer a constante
demanda do indivíduo consumidor. A obsolescência perceptiva, por sua vez, encaixa-se nesse
cenário na medida em que trabalha de forma cíclica, acelerando as trocas de tendências de
estilo, das prateleiras das lojas e ainda ajudando a empresa que se utiliza dessa estratégia.
No caso do iPhone, seu sucesso se dá, em parte, à produção de novos modelos
anualmente que, por consequência, encerram a produção de versões antigas, mantendo os
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mais recentes mais desejados. Ao utilizar a obsolescência perceptiva, a Apple coloca sua
marca e produtos como aspiracionais frente ao hiperconsumidor, ávido por suas novidades
tecnológicas e, assim, a empresa consegue manter-se desejável e interessante ao indivíduo.
Dessa forma, a rápida troca de tendências de estilo inibe, senão impede, a dimensão da
decepção pós-compra, permanecendo a marca/produto atuais e aspiracionais. Ao analisar o
caso do iPhone, nota-se que o uso da obsolescência tornou-se essencial para a linha de
smartphones, pois recordes de vendas são quebrados a cada lançamento devido à habilidade
da Apple em manejar sua dimensão evolutiva (SEMPRINI, 2010) e apresentar novos modelos
antes que o antecessor se torne monótono aos olhos do consumidor.
Somado a isso, a obsolescência dos iPhones alimenta os desejos efêmeros
hiperconsumidores, uma vez que o indivíduo está disposto a colecionar experiências de
consumo. Dessa forma, a vida “útil” de apenas dois anos de um modelo pode ser considerada
“aceitável” para o consumidor, visto que esse não deseja um produto mais antigo que isso.
Logo, a utilização da obsolescência perceptiva, neste caso, torna-se uma via de duas mãos: de
um lado ela auxilia a prosperidade da sociedade de hiperconsumo, satisfazendo as
necessidades efêmeras do indivíduo e movimentando a economia; de outro lado ela fortalece a
empresa/marca Apple frente ao mercado que, com mais recursos e mais exposição pública,
consegue desenvolver melhores produtos mais rapidamente.
Contudo, a partir das análises realizadas nesta pesquisa, foi comprovado que a
estratégia da obsolescência perceptiva tornou-se uma, senão a maior, das ferramentas que
auxiliam a efemeridade mercadológica apresentada no cenário contemporâneo. Através dessa,
empresas e corporações conseguem movimentar a sociedade hiperconsumidora, visto que
atualizam o giro de mercadorias, as tendências de estilo e as vontades individuais de forma
cíclica e sinérgica. No caso da Apple, a utilização da obsolescência na linha de iPhones
mostrou ter sido essencial para o sucesso do produto, o qual se baseia na instantaneidade das
experiências de consumo e na constante alimentação por novidades dos hiperconsumidores.
Portanto, através da análise do caso do iPhone, foi possível identificar a importância da
obsolescência perceptiva para a Apple e para a sociedade de hiperconsumo. Para a Apple, o
sucesso do iPod e do iPhone comprovaram a eficácia dessa estratégia em números de vendas,
assim como o crescimento da marca e empresa no cenário mundial. Para o consumidor de
iPhone, a constante atualização de modelos mantém seu interesse pela linha de produtos e
pela marca, visto que um período maior que o apresentado pode acarretar em decepções pós-
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compra. Para a sociedade, a obsolescência encaixa-se de forma ideal: atualiza as tendências de
estilo que mantém o consumidor interessado em comprar, interesse o qual aumenta a
quantidade de oferta e auxilia a movimentação econômica contemporânea. Logo, a estratégia
da obsolescência perceptiva provou ser de grande ajuda à atual organização social,
satisfazendo todos os astros envolvidos nesse sistema solar, o qual tem o consumidor e seu
hedonismo como seu sol.
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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bookman, 2007.
ALMEIDA, Maria I. M. de; EUGENIO, Fernanda; ROCHA, Everardo. Comunicação,
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BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio
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CRIANÇA, a alma do negócio. Direção de Estela Renner. São Paulo. Maria Farinha
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KOTLER, Philip. Administração de Marketing: a edição do novo milênio. 10 ed. São Paulo:
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LEONARD, Annie. The story of stuff: how our obsession with stuff is trashing the planet, our
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ROCHA, Everardo. Representações do Consumo: estudo sobre a narrativa publicitária. Rio de
Janeiro: PUC-Rio –Mauad X, 2006.
SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-Moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade
contemporânea. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.