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2115 A NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA E O DESAFIO DO JUDICIÁRIO PARA ULTRAPASSAR AS BARREIRAS DA DURAÇÃO RAZOÁVEL * THE NEW LAW OF THE WRIT OF MANDAMUS AND THE CHALLENGE OF THE JUDICIARY FOR OVERCOMING THE BARRIERS OF THE REASONABLE DURATION Rafael Sérgio Lima de Oliveira Mário Lúcio Garcez Calil RESUMO O presente trabalho versa sobre dois direitos fundamentais: o mandado de segurança e a celeridade processual. Trata-se de direitos cujas análises estão umbilicalmente ligadas. O writ foi criado com o intuito de oferecer ao cidadão brasileiro o rápido acesso à prestação jurisdicional. A ação em estudo é uma espécie de tutela diferenciada cujo objetivo é coibir com celeridade as ilegalidades e o abuso de poder praticados pelas autoridades públicas. A despeito dessa intenção, o remédio heróico nem sempre consegue ser ágil. As especificidades da ação em comento levam a interpretações sobre a participação dos sujeitos processuais capazes de atrasar o curso do feito. É preciso que entendimentos sobre os sujeitos do writ sejam revisados com os olhos da duração razoável do processo. Eis o desafio do Judiciário diante da nova lei do mandado de segurança, a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. É fundamental questionar se o novo diploma legal impôs a cada um dos sujeitos do mandamus o dever de celeridade processual. Mais do que isso, é necessário que o Judiciário interprete a nova lei com o objetivo de romper os obstáculos da duração razoável, imputando a cada um dos sujeitos processuais o dever de agilidade. PALAVRAS-CHAVES: DURAÇÃO RAZOÁVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUJEITOS PROCESSUAIS. ABSTRACT This work is about two fundamental rights: the writ of mandamus and speedy procedure. These are rights which analysis are umbilically linked. The writ was created with the objective to offer the Brazilian citizen rapid access to justice. The action under consideration is a different kind of authority whose objective is to quickly curb the illegalities and abuse of power by public authorities charged. Despite this intention, the writ can not always be fast. The specificities of the action lead to complications interpretative about the participation of the people of the process capable of delaying the course of the process. The understandings about the shares of the writ must be reviewed with the eyes of reasonable duration. This is the challenge of the Judiciary with the new * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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A NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA E O DESAFIO DO JUDICIÁRIO PARA ULTRAPASSAR AS BARREIRAS DA DURAÇÃO

RAZOÁVEL*

THE NEW LAW OF THE WRIT OF MANDAMUS AND THE CHALLENGE OF THE JUDICIARY FOR OVERCOMING THE BARRIERS OF THE

REASONABLE DURATION

Rafael Sérgio Lima de Oliveira Mário Lúcio Garcez Calil

RESUMO

O presente trabalho versa sobre dois direitos fundamentais: o mandado de segurança e a celeridade processual. Trata-se de direitos cujas análises estão umbilicalmente ligadas. O writ foi criado com o intuito de oferecer ao cidadão brasileiro o rápido acesso à prestação jurisdicional. A ação em estudo é uma espécie de tutela diferenciada cujo objetivo é coibir com celeridade as ilegalidades e o abuso de poder praticados pelas autoridades públicas. A despeito dessa intenção, o remédio heróico nem sempre consegue ser ágil. As especificidades da ação em comento levam a interpretações sobre a participação dos sujeitos processuais capazes de atrasar o curso do feito. É preciso que entendimentos sobre os sujeitos do writ sejam revisados com os olhos da duração razoável do processo. Eis o desafio do Judiciário diante da nova lei do mandado de segurança, a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. É fundamental questionar se o novo diploma legal impôs a cada um dos sujeitos do mandamus o dever de celeridade processual. Mais do que isso, é necessário que o Judiciário interprete a nova lei com o objetivo de romper os obstáculos da duração razoável, imputando a cada um dos sujeitos processuais o dever de agilidade.

PALAVRAS-CHAVES: DURAÇÃO RAZOÁVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUJEITOS PROCESSUAIS.

ABSTRACT

This work is about two fundamental rights: the writ of mandamus and speedy procedure. These are rights which analysis are umbilically linked. The writ was created with the objective to offer the Brazilian citizen rapid access to justice. The action under consideration is a different kind of authority whose objective is to quickly curb the illegalities and abuse of power by public authorities charged. Despite this intention, the writ can not always be fast. The specificities of the action lead to complications interpretative about the participation of the people of the process capable of delaying the course of the process. The understandings about the shares of the writ must be reviewed with the eyes of reasonable duration. This is the challenge of the Judiciary with the new

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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law of mandamus, the Law nº 12016, August 7, 2009. It is essential to question whether the new law has imposed on each subject of mandamus the duty to expedite. More than that, it is necessary that Judiciary to interpret the new law in order to break the barriers of the reasonable time, imputing to each of the subjects the obligation to expedite.

KEYWORDS: REASONABLE DURATION. WRIT OF MANDAMUS. PEOPLE OF THE PROCESS.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de analisar a regulação da participação dos sujeitos do mandado de segurança (MS) sob a perspectiva de um dos fundamentos do mandamus, qual seja, a celeridade. Como instituto destinado a garantir o acesso ágil ao Judiciário com vistas a coibir ilegalidade ou abuso de poder cometido por agente público (ou por quem faça suas vezes), a ação de segurança tem um rito próprio. A particularidade procedimental do writ lhe garante uma menor duração, porém também ocasiona entendimentos capazes de frustrar o intento de rapidez da ação constitucional.

Enraizado na doutrina inicial do direito fundamental, o instituto em análise nasceu como um meio pelo qual o cidadão pode se insurgir contra as autoridades estatais praticantes de atos manifestamente inconstitucionais e ilegais capazes de deteriorar direito certo e incontestável (Art. 113, item 33, da Constituição de 1934). A ideia orientadora da criação da ação foi a de oferecer ao cidadão uma tutela diferenciada, hábil e eficaz, para combater o desrespeito à legalidade praticado pelo Poder Público. Daí surge o fato do MS ter recebido, e ainda receber, por parte do legislador um tratamento diferenciado quanto, dentre outras coisas, à participação de seus sujeitos.

O fato da ação de segurança ser regulada por lei especial gera dúvidas em relação à aplicabilidade de regras constantes da lei geral ao rito mandamental. Embora o diploma geral seja destinado a procedimentos cujo objetivo principal não é a rapidez do processo, em algumas situações a incidência de suas regras sobre sujeitos processuais na condução do mandamus traz uma maior celeridade. Por outro lado, em outras circunstâncias, a aplicação de normas da lei geral sobre o mesmo tema ao mandado ocasiona o retardamento da prestação jurisdicional. Aí se encontra um dos motivos para o clamor por uma lei capaz de superar as barreiras da celeridade, imputando aos sujeitos do writ o dever de agilidade.

A investigação acerca da (in)existência desse diploma deve recair agora sobre a recente Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Após quase oitenta anos de experiência com o mandado (Art. 113, item 33, da Constituição de 1934), o Poder Legislativo Federal editou a referida lei – que é a quarta desde 1934 – para disciplinar a ação de segurança. O desafio do Judiciário é imprimir ao mandado de segurança uma marcha célere sob os comandos desse diploma. Nesse intento, é de fundamental importância a análise das condutas imputadas a cada sujeito processual (juiz, impetrante, impetrado, procurador público, promotor) no procedimento mandamental. Sob a égide da Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951 (antiga lei reguladora do writ), havia várias polêmicas sobre o rito

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do remédio heróico, cujo cerne das discussões versava sobre a participação dos sujeitos. Temas como identificação do sujeito passivo, prazo para a resposta e recurso do Poder Público, intervenção do Ministério Público (MP) e lapso para o Juiz sempre foram instáveis e diretamente relacionados com a rapidez do remédio heróico.

Agora, diante do desafio anteriormente apontado, é preciso questionar: a) a nova lei do mandado de segurança superou polêmicas de há muito existentes sobre a participação dos sujeitos processuais? b) se a superação ocorreu, quais os pontos de avanço? c) se não se rompeu as barreiras, é possível que o Judiciário, por meio de um esforço hermenêutico, consiga quebrar os obstáculos da agilidade?

Com o objetivo de oferecer à celeridade a merecida atenção no MS é que neste estudo analisaremos o desafio do Poder Judiciário de, diante do direito fundamental à duração razoável do processo, impor aos sujeitos do mandado de segurança o dever de agilidade do writ sob a égide da sua nova lei (Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009).

1. O Direito à Duração Razoável do Processo

Não é objetivo do presente trabalho a análise do direito fundamental ao processo tempestivo do ponto de vista erudito, razão pela qual passaremos a analisar desde já os aspectos dogmáticos desse direito fundamental.

Em solo pátrio, o direito à tempestividade processual de forma autônoma veio com a EC nº 45/2004, quando essa espécie normativa acresceu ao Art. 5º, da CF/88, o inciso LXXVIII, cuja redação é a seguinte:

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 2009a).

Apesar da autonomização desse direito só ter ocorrido em 2004, é corrente na doutrina o ensinamento consistente na previsão da celeridade processual no direito brasileiro, desde antes da EC nº 45/2004, em razão do Estado de Direito (ARRUDA, 2006, p. 53-62), do direito à ordem jurídica justa (Art. 5o, XXXV, CF/88) (ARRUDA, 2006, p. 62-81; RAMOS, 2008, p. 58; TUCCI, 1997, p. 66), do devido processo legal (Art. 5o, LIV, da CF/88) (ARRUDA, 2006, p. 81-95; RAMOS, 2008, p. 58; TUCCI, 1997, p. 87) e, por último, da eficiência administrativa (Art. 37, caput, da CF/88) (ARRUDA, 2006, p. 109-129; RAMOS, 2008, p. 58). É necessária a referência ao Art. 125, inciso II, do CPC, cujo texto estabelece o dever do juiz de velar pela rápida solução do litígio.

Não dissentimos da doutrina referida, mas, ao menos para os fins deste trabalho, a discussão se mostra irrelevante, já que hodiernamente não se tem dúvida quanto à existência do direito fundamental à duração razoável na ordem constitucional brasileira.

1.1. Natureza Jurídica

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Quanto à natureza jurídica, até pela topologia do direito à duração razoável do processo, é correto dizer que se trata de um direito fundamental. A sua previsão na norma ápice encontra-se no título dos direitos e garantias fundamentais (Título II) e no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I). Por isso, independentemente de qualquer questionamento de natureza substancial, é correto dizer que formalmente o direito à duração razoável do processo é um direito fundamental.

Os direitos dotados de fundamentalidade são classificados na teoria de Robert Alexy (2008, p. 193-203) quanto ao seu objeto. Segundo aquele professor alemão, o direito a algo é composto por quatro elementos: a) o beneficiário (titular do direito); b) o destinatário (devedor); c) a conduta (objeto); d) e a relação. Na classificação de Alexy o ponto central é o objeto, ou seja, a conduta. As espécies de direito fundamental são catalogadas pelo autor de acordo com a conduta devida pelo destinatário da norma. Os objetos podem ser: a) ações positivas; b) ou omissões. Aquelas correspondem ao direito a prestações e estas ao direito de defesa. O direito prestacional exige do Estado uma conduta positiva consistente na obrigação de oferecer ao cidadão o bem ou serviço garantido pela norma. Já o direito de defesa requer do seu devedor, o Estado, uma conduta negativa cujo conteúdo é o dever de tolerar a ação ou inação do sujeito.

No nosso sentir o direito ao rito em tempo razoável exige do Estado tanto uma prestação como uma omissão. Todavia, concordamos com Carlos Henrique Ramos (2008, p. 82) e com Samuel Miranda Arruda (2006, p. 227) quanto à predominância das características prestacionais no direito ao processo célere.

É importante notar a existência de duas formas de atuação do Estado na satisfação dos direitos a prestações. Segundo Alexy, os direitos fundamentais a ações positivas podem ter como objeto ações fáticas ou ações normativas (2008, p. 201). A prestação devida pelo Estado pode ser concretizada por meio do oferecimento de bens e serviços, estando dentre estes os serviços de produção normativa. A consecução do direito ao processo tempestivo requer do Estado as duas formas de atuação, a fática e a normativa. Quanto a esta, deve o legislador prever procedimentos compatíveis com o direito tutelado e cujo trâmite denote o tempo mínimo necessário para o qualificado deslinde da causa (ZARIF, 2006, p. 145). Isto é, não basta a previsão de um procedimento único e ágil, tem o poder legiferante de procurar adequar os procedimentos aos objetivos de cada tutela jurisdicional. Essa, inclusive, é a lição professada por Donaldo Armelin:

Realmente, presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo da prestação à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o tônus de efetividade (1992, p. 45).

Por esse prisma, deve ser dado destaque ao mandado de segurança, ação de tutela jurisdicional específica destinada a uma tramitação célere (ALMEIDA, 2007, p. 432), razão pela qual a interpretação das suas normas procedimentais não pode perder de vista a duração razoável.

A efetivação da celeridade requer a edição de normas compatíveis, mas também exige do Poder Público ações fáticas consistentes no oferecimento de uma estrutura capaz de gerar um bom funcionamento do sistema de justiça. Deve o Estado oferecer ao cidadão

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um aparelho judiciário organizado e equipado para atender a demanda a contento e a tempo. Para o estudo ora desenvolvido, a ação normativa destinada a dar efetividade aos processos nos quais o cidadão combate ilegalidade ou abuso de poder cometido pelo Poder Público foi praticada pelo Legislativo, restando para o Judiciário o desafio de oferecer ao cidadão um processo célere.

Verificados esses pontos, afirma-se ter o direito à duração razoável do processo a natureza de direito fundamental de caráter predominantemente prestacional cuja satisfação pelo Estado demanda ações normativas e fáticas.

1.2. Conteúdo

Existem duas doutrinas sobre o conteúdo da duração do processo: a do prazo fixo e a do não-prazo (RAMOS, 2008, p. 59-61). Para aquela o legislador deve estabelecer um prazo de duração máxima do processo. Já a corrente do não-prazo aceita a determinação de critérios objetivos para a análise da lentidão sem a fixação de um lapso de duração máxima do feito. Dados como a complexidade da causa e o comportamento das partes e das autoridades podem oferecer ao fiscal da celeridade processual uma boa visão acerca da existência de morosidade ou não.

O Brasil acatou a doutrina do não-prazo (RAMOS, 2008, p. 60). Isso é constatado pelo fato de não existir na legislação um prazo máximo de duração dos procedimentos cíveis e em razão do Constituinte ter se referido à duração razoável (Art. 5º, LXXVIII, da CF/88), o que denota a intenção do mesmo de que a avaliação do processo deve se basear em circunstâncias ligadas ao caso concreto. Mencione-se também o fato da doutrina e da jurisprudência aceitar a classificação dos prazos processuais em próprios e impróprios. Segundo essa catalogação, os primeiros são destinados às partes e se não forem obedecidos acarretam a preclusão e, consequentemente, a perda do direito de praticar o ato processual (Art. 183, do CPC). Já os impróprios são destinados em regra aos Magistrados e se desobedecidos não acarretam nenhum prejuízo aos mesmos. Em razão dos prazos impróprios verifica-se que os lapsos estabelecidos para os Juízes servem apenas como um parâmetro, já que, pela ausência de sanção, não são dotados de força cogente.

1.3. Critérios de Avaliação da Eficácia da Duração Razoável

A observação da celeridade de um procedimento – como a que será feita aqui – requer a fixação de parâmetros de avaliação. Atualmente a melhor fonte para se buscar os critérios para a averiguação da tempestividade do rito judicial é a jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH). Esse Tribunal, segundo pesquisa empreendida por Samuel Arruda Miranda (2006, p. 148), tem como principal tema de julgamento a duração razoável do processo. Referido autor levantou dados e verificou que, no ano 2000, 78,84% das ações julgadas pela CEDH versaram sobre tempestividade processual (MIRANDA, 2006, p. 148). O Brasil ainda não possui uma jurisprudência sedimentada sobre o tema em voga. Percebe-se que aqui o uso do direito

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fundamental em tela ainda se restringe a um critério de interpretação das leis processuais.

Em razão dos fatos aqui narrados é que a seguir serão expostos os parâmetros adotados pela CEDH, valendo-se, para tanto, da pesquisa feita e exposta por Carlos Henrique Ramos em seu Processo Civil e o Princípio da Duração Razoável do Processo (2008).

Antes de mergulhar nos critérios balizadores da celeridade é preciso fixar qual o termo inicial e o final da contagem de tempo de um processo judicial. Quanto ao dies a quo (termo inicial), o Tribunal europeu entende ser ele a data da distribuição do feito. O Estado assume a responsabilidade de prestar o provimento jurisdicional em tempo hábil a partir do momento no qual o cidadão entrega ao Judiciário a sua causa. Essa regra é excepcionada quando se exige do jurisdicionado a prévia provocação administrativa (Art. 217, §§ 1o e 2o, da CF/88; Art. 8o, Parágrafo único, da Lei no 9.507/97; Art. 5º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009) ou a tramitação de um feito penal (Art. 110, do CPC). Nessas situações é computado também o tempo do feito administrativo ou penal.

Em relação ao dies ad quem (termo final), ele chega quando a sentença transita em julgado. A possibilidade de recurso denota que a matéria ainda não foi decidida, tendo em vista que se apresenta possível a mudança da decisão. Importante notar que, para a CEDH, quando se exigir a execução do julgado, essa deve ser computada no lapso processual. A ideia orientadora da Corte é de que o feito só se conclui quando a parte consegue o bem buscado no Judiciário.

Fixado o intervalo de tempo no qual deve ser avaliada a tempestividade do rito, cabe a nós expormos os parâmetros balizadores da celeridade. Adiante analisaremos quais os critérios observados pela CEDH para averiguar se o tempo entre o dies a quo e o dies ad quem foi razoável.

1.3.1. A complexidade da causa

A constatação da morosidade ou não no trâmite de um processo não pode passar ao largo das complicações acerca do julgamento do caso. Existem causas que, pela sua própria natureza, demandam mais tempo do que o comum para o seu bom deslinde. Esse fator deve ser levado em conta quando da averiguação da celeridade processual.

A aplicação da doutrina do não prazo demanda do investigador da tempestividade a perquirição sobre as diferentes situações circundantes do caso a ser julgado. Tais circunstâncias podem dizer respeito à matéria fática ou jurídica. Quando a complexidade é de ordem fática é importante lembrar que ela implica dois momentos distintos: o da produção da prova e o da intelecção dos meios de prova. Existem processos cuja prova é de fácil produção, mas de difícil entendimento, e, por outro lado, há casos nos quais a prova é de difícil produção, mas de fácil intelecção.

No mandado de segurança, especificamente, não há a possibilidade de produção de prova (direito líquido e certo), razão pela qual é lícito dizer que as complexidades possíveis de envolver o julgamento da ação mandamental são as relativas à matéria jurídica (Súmula nº 625, do STF) e à intelecção dos meios de prova. Assim é porque a

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CF/88, em seu Art. 5º, inciso LXIX, exige a liquidez e a certeza do direito a ser guerreado pela via mandamental. Direito líquido e certo, como se verá no item 2, é aquele cuja prova pode ser documentalmente apresentada com a inicial.

O relevante para a análise pretendida neste artigo é notar a complexidade das causas julgadas via MS. As complicações capazes de verificar o ritmo ideal do feito dirão respeito apenas à matéria jurídica e à intelecção dos meios de prova.

1.3.2. O comportamento das partes

Conforme já explanamos no tópico referente à natureza jurídica do direito à duração razoável do processo, o devedor desse interesse jurídico é o Estado. Cabe ao Estado-juiz, inclusive, velar pela solução rápida do litígio (Art. 125, II, do CPC). É forçoso reconhecer, todavia, que o comportamento das partes é relevante para a celeridade da causa, podendo elas até ser as causadoras da morosidade do trâmite.

A CEDH reconhece o fato de em alguns casos a demora no desfecho do processo ser imputada às partes ou a uma delas (RAMOS, 2008, p. 93-98). Mencionado Tribunal chegou a estabelecer jurisprudência no sentido da proibição da parte causadora da mora pleitear a celeridade processual. O mais difícil no caso em questão é a constatação da culpa da parte. Para tanto, existem três correntes: a objetiva; a subjetiva; e a mista. Segundo a primeira, a parte praticante de atos processuais causadores de atraso, independentemente da sua intenção, é considerada responsável pela mora. Para a corrente subjetiva, só será considerada responsável pelo atraso a parte praticante de um ato com a intenção de retardar o feito. Já a teoria mista entende ser possível a previsão de condutas referentes a um padrão médio que, se praticadas, ensejam a responsabilidade do seu agente.

Concordamos com Ramos, autor para quem a responsabilidade pela demora só pode ser imputada às partes em casos excepcionais, motivo pelo qual a teoria mais justa é a que imputa a responsabilidade ao Estado, admitindo a culpa do jurisdicionado só quando este tenha intenção de retardar o feito (RAMOS, 2008, p. 97-98). Por isso, o desafio de imprimir celeridade a prestação jurisdicional por meio do writ é do Judiciário, Poder no qual se concentra os principais deveres estatais relacionados à duração razoável do processo.

1.3.3. O comportamento das autoridades

Às autoridades judiciárias não compete dar início ao processo, mas cabe a elas fazer o feito tramitar seguindo o seu curso natural (Art. 262, do CPC). Ou seja, o início do rito incumbe às partes, mas os impulsos posteriores à distribuição da ação são oficiais (princípio do impulso oficial).

Daí porque os Magistrados têm fundamental importância no desafio de tramitar o mandado de segurança em tempo razoável. Eles são o Estado e, como tal, devem empreender esforços no sentido de imprimir ao processo um ritmo capaz de ocasionar o

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deslinde da causa celeremente. Suas obrigações começam desde o momento em que se inicia a análise da duração do processo (distribuição da ação) e vão até o instante em que é satisfeito o direito da parte interessada. Nesse empreendimento, as autoridades judiciárias têm problemas de ordem fática e normativa.

Os problemas relacionados às circunstâncias fáticas dizem respeito à estrutura do Judiciário. Deve o Poder Julgador estar provido de recursos capazes de movimentar a máquina judiciária de maneira ágil. Essa missão está diretamente ligada ao dever do Estado de acabar com o tempo inútil do processo (RAMOS, 2008, p. 56). Esse é o lapso no qual o feito fica parado nas prateleiras da Justiça esperando o próximo andamento legal. Trata-se de um dos principais fatores causadores da mora da Justiça. Cabe registrar que o Judiciário hoje enfrenta uma grande procura da sociedade, o que só dificulta a resolução de tal problema. Apesar dos investimentos realizados nos últimos anos, ainda não há no Brasil uma estrutura do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia de Estado capaz de reduzir consideravelmente o tempo inútil do processo. Destaque-se que a questão estrutural é considerada de grande relevância nos julgamentos da CEDH. A referida Corte até deixa de aplicar sanções às nações morosas em virtude de problemas eventuais, mas o Tribunal europeu não exclui a responsabilidade das nações envolvidas em problemas estruturais (RAMOS, 2008, p. 100). Cabe ao Estado, personificado nos membros e servidores do Poder Judiciário, a principal responsabilidade de modificar a estrutura do Judiciário, a fim de fazer o mesmo conseguir apresentar resultados à sociedade em tempo hábil.

No aspecto normativo, a incumbência do Judiciário reside no dever de interpretar o ordenamento jurídico-processual sem se desvencilhar do direito do jurisdicionado à duração razoável do processo. A postura das autoridades judiciárias deve ser firme no sentido de fazer incidir as normas cujo objetivo é evitar a morosidade. As leis processuais brasileiras ainda dão aos litigantes a oportunidade de agir visando a lentidão, mas cabe ao Judiciário atuar de modo a inibir esse tipo de conduta (Art. 14-18, e Art. 273, inciso II, todos do CPC).

A pesquisa aqui empreendida foca-se exatamente nesse âmbito normativo, tendo como referência a posição dos sujeitos processuais na nova lei do mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009). Diante dos comandos desse novo diploma legal, o Judiciário tem o dever de impor a cada sujeito processual, inclusive aos próprios Magistrados, o cumprimento do princípio da celeridade processual. O problema reside em saber se a nova lei avançou ou não em alguns aspectos relacionados aos sujeitos e, caso não tenha avançado, se tal avanço é possível por meio de um esforço hermenêutico do Poder Julgador.

2. Considerações Iniciais sobre o Mandado de Segurança

A análise do trabalho em tela requer algumas considerações iniciais acerca do mandado de segurança. O instituto em voga apareceu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1934. A ação em análise foi regulamentada pela Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, tendo perdido status constitucional com a instalação do Estado Novo, visto que a Constituição de 1937 não previu o instituto do mandamus. Apesar de não se fazer presente na Carta do Estado Novo, o MS continuou a ter vida no

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lapso durante o qual vigorou essa Constituição em razão do Decreto-lei nº 6, de 15 de novembro de 1937, ter restaurado a ação de maneira atrofiada (ROCHA, 1987, p. 67-68). Ainda sob o pálio da Carta de 1937, o mandado recebeu nova regulamentação no Código de Processo Civil (CPC) de 1939. Em 1946, o instituto em tela revigora o seu status constitucional, quando passa a ter previsão no Art. 141, § 24, da Constituição de 1946. A partir daí o MS nunca mais perdeu sua estatura constitucional, pois esteve presente na Lei Fundamental de 1967 (Art. 150, § 21) – tendo sido mantido pela Emenda de 1969 – e na de 1988. Nesta, a ação de segurança é prevista no Art. 5º, inciso LXIX, cuja dicção é a seguinte:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (BRASIL, 2009a);

Lembre-se do fato da Lei Fundamental de 1988 ter tornado clara e garantida a possibilidade do mandado de segurança coletivo. No inciso LXX, do mesmo Art. 5º, da CF/88, lê-se:

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (BRASIL, 2009a);

Ressalte-se a revogação das normas referentes ao mandamus no CPC de 1939 ocorridas desde 1951, momento no qual foi editada a Lei nº 1.533, que vigorou até 10/8/2009. Nessa data foi publicada a nova lei regulamentadora do mandado de segurança, a Lei nº 12.016, de 7/8/2009. O novo diploma veio atender os clamores por uma legislação atual e completa, capaz de resolver problemas constatados durante os quase oitenta anos de vigência do heróico remédio.

A ação em estudo tem natureza jurídica de garantia constitucional e de instrumento processual. Sua criação teve como objetivo proteger o cidadão das autoridades públicas praticantes de atos ilegais (FERRAZ, 2006, p. 19). A função do MS é dar guarida eficaz e célere aos direitos individuais e coletivos perante os detentores da força pública (ROCHA, 1987, p. 64). Desde a criação do MS, encontra-se na sua previsão o objetivo de oferecer ao cidadão uma proteção suficientemente forte para igualar, ou até superar, a robustez das autoridades públicas. Daí a afirmação de Gregório Assagra de Almeida, consistente na natureza de tutela jurisdicional diferenciada do mandado de segurança (2007, p. 431). Segundo aquele autor, as características de uma tutela diferenciada são: a) requisitos específicos de admissibilidade; b) procedimento excepcional; c) eficácia potencializada do provimento (ALMEIDA, 2007, p. 432).

Todos esses requisitos estão no mandamus. Em relação ao primeiro, nem todos os direitos podem ser guerreados pela via do writ telado. Só podem ser pleiteados pelo instrumento em exame os direitos de natureza pública cujo conhecimento prescinda de instrução probatória. Prevaleceu a concepção profetizada pelo Ministro do Supremo

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Tribunal Federal (STF), Costa Manso, no seu voto do MS nº 333. Segundo o Ministro, a Constituinte de 1934 (Art. 113, item 33) exigiu a certeza e a incontestabilidade do direito pleiteado no writ para não haver dilação probatória no trâmite do feito. Para ele, então, direito certo e incontestável era aquele cuja prova é pré-constituída documentalmente. Essa foi a concepção dada à atual expressão direito líquido e certo (Art. 5º, inciso LXIX, da CF/88), que vem sendo usada desde a Carta de 1946. Registre-se o fato da complexidade da matéria jurídica não ser empecilho para a concessão do mandamus. A atual carta não exige – como fazia a de 1934 – que o ato acusado pelo writ seja manifestamente ilegal ou inconstitucional. Isto é, pouco importa se a ilegalidade ou a inconstitucionalidade é manifesta ou se é fruto de uma relevante controvérsia jurídica (Súmula nº 625, do STF). Para ser admitido o mandado, basta a desnecessidade de produção de prova.

Outro critério de avaliação do cabimento do mandado de segurança parte de um raciocínio por exclusão. O Art. 5º, inciso LXIX, da CF/88, diz só caber MS quando não é caso de habeas corpus ou habeas data. Se o direito a ser defendido for o de locomoção (habeas corpus – Art. 5º, LXVIII, da CF/88) ou o de obter ou retificar informações constantes de banco de dados governamentais sobre a pessoa do impetrante (habeas data – Art. 5º, inciso LXXII, da CF/88) não caberá o MS.

O último ponto sobre a especificidade dos requisitos é contra a conduta de quem pode ser proposto o MS. O writ em estudo foi criado para a defesa do direito dos cidadãos quando o responsável pela ameaça ou pela lesão for o Poder Público, seja ele no exercício originário do seu poder de império, seja ele no exercício delegado (caso dos agentes das pessoas jurídicas de direito privado no exercício de atribuições do Poder Público).

Quanto à excepcionalidade do procedimento, não resta dúvida em relação à existência desse requisito no MS. A própria desnecessidade de dilação de prova já demonstra um procedimento especial. As características são: prazos específicos, ausência de dilação probatória, inexistência de alegações finais etc..

Por último, é de se notar a diferenciada força do provimento de um MS. Há uma forte potencialização da decisão nele proferida. Isso pode ser verificado por dois fatores: a) a condenação no mandado é feita in natura, sendo inadmissível a transformação do bem pleiteado em perdas e danos (BUENO, 2009, p. 141; FERRAZ, 2006, p. 306; ROCHA, 1987, p. 100); b) a apelação de sentença proferida no MS, em regra, tem apenas o efeito devolutivo.

Todos esses caracteres demonstram a especificidade da tutela oferecida em sede de mandado de segurança, sobretudo pela facilitação de acesso à justiça com o condão de combater ilegalidade pública. É possível até afirma que na concepção do writ há um objetivo de favorecer o particular quando seus interesses forem sufragados pela força do Poder Público. Ressalte-se ser essa nota, segundo Donaldo Armelim, uma das características da tutela diferenciada:

A adoção de tipos de tutela diferenciada tende a favorecer o pólo ativo da relação processual, na medida em que são eles concebidos precipuamente com o propósito de acelerar a prestação jurisdicional. Por isso mesmo, indispensável se torna cautela na sua adoção, para se evitar a violação do tratamento isonômico das partes litigantes e a

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vulneração do princípio assegurador da paridade das armas no processo (ARMELIN, 1992, p. 46).

Há na idealização do MS a intenção de proporcionar ao sujeito ativo da ação uma aceleração do procedimento com o objetivo de oferecer ao detentor do direito violado ou ameaçado um provimento jurisdicional de maneira célere (ALMEIDA, 2007, p. 428; BUENO, 2009, p. 130; FERRAZ, 2006, p. 40; ROCHA, 1987, p. 69). Esse é o diferencial do writ em relação às vias ordinárias. Tanto é assim que o Art. 20, da Lei nº 12.016/2009, preceitua a prioridade do mandado em referência às outras ações, exceto ao habeas corpus.

Por isso, a análise dos pontos a seguir se baseará na regulação dada pela nova legislação em relação à posição/participação dos sujeitos processuais diante da necessidade de se imprimir ao mandado de segurança um rito considerado ágil.

3. A Participação dos Sujeitos no Mandado de Segurança

Um dos temas relevantes para a duração razoável do mandado de segurança é o referente aos seus sujeitos. A importância desse ponto para a duração do processo se deve ao fato de, conforme dito nos tópicos anteriores, a participação dos sujeitos (partes e autoridades) ser um dos critérios utilizados para aferir a celeridade processual. O comportamento das partes e das autoridades deve ser objeto de estudo na nova lei do mandado de segurança. É certo que a complexidade da causa também é tema relevante na apreciação da tempestividade do MS, mas, em razão da inexistência de dilação probatória, essa não foi o entrave mais agudo para a celeridade. Sob a égide da lei anterior os temas relevantes para a agilidade do writ giraram principalmente em torno do papel desenvolvido por cada um dos sujeitos processuais do MS.

Discussões acerca da legitimidade ativa da ação de segurança coletiva, de quem seja o sujeito passivo no mandamus individual e coletivo, do prazo para a apresentação das informações e da interposição do recurso, da obrigatoriedade da manifestação do Ministério Público e da vinculação do Magistrado ao prazo legal são debates que se ligam diretamente à celeridade da ação em estudo. Com a Lei nº 12.016/2009 há uma nova referência legislativa para o Judiciário enfrentar todos esses pontos. É cabível, então, a pesquisa sobre a regulação dada pelo novo diploma para os temas aqui mencionados.

3.1. Sujeito Ativo

Referente aos autores, a relevância do tema existe porque, do ponto de vista da celeridade, a ação de segurança deve ser preferida. A ampliação dos legitimados a propor mandado de segurança acarreta o fim de várias ações cujo rito é bem mais complexo que o do writ. Muitos pleitos propostos contra o Poder Público prescindem de dilação probatória. Se eles forem veiculados por meio do mandado de segurança, será eliminado tempo da prestação jurisdicional, tendo em vista que o MS, além de ter prazos bem menores do que os das vias ordinárias, também conta com um número

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menor de atos a serem praticados pela partes. O uso de procedimentos mais expeditos apresenta dupla vantagem para a duração do processo: primeiro porque ocasiona o fim do pleito de uma maneira mais ágil e, segundo, porque abre o espaço para que a máquina possa dedicar mais força nos casos que exigem ritos mais complexos. É preciso lembrar que a celeridade de uma causa não beneficia apenas as partes envolvidas com ela, mas todos os cidadãos necessitados do Judiciário. O fim de um processo oferece tempo das autoridades para cuidar de outros. Por isso, os procedimentos mais ágeis precisam ser estimulados de modo a fazer com que sejam vistos como instrumentos de combate à morosidade judiciária. A limitação dos legitimados a propor a ação de segurança retira da máquina judiciária a possibilidade de imprimir ao julgamento da lide um ritmo mais célere, ao mesmo tempo em que faz o Judiciário desperdiçar horas com procedimentos mais complexos quando poderia ser mais rápido valendo-se de ritos mais ágeis.

Note-se que referido estimulo foi dado para o procedimento do Juizado Federal. A Lei nº 10.259/2001 estabeleceu a competência absoluta das Varas do Juizado Especial Federal nos foros onde houver Juizado instalado. O legislador pretendeu com isso imprimir um rito mais célere ao Judiciário, levando para o procedimento acelerado do Juizado aquelas causas cuja resolução possa lá ocorrer. Essa conduta deve ser repetida pelo legislador, pois qualquer tipo de estímulo ao uso de procedimentos mais céleres ocasionará a aceleração da Justiça como um todo. Quanto a isso, percebe-se que o Legislativo agiu de modo inverso na nova lei do MS. Ao invés de se estimular o uso do writ retirando do ordenamento qualquer limitação desarrazoada para sua veiculação, o legislador repetiu a regra do Art. 18, da Lei nº 1.533/51, no Art. 23, da Lei nº 12.016/2009, determinando a extinção do direito de requerer mandado de segurança após cento e vinte dias da ciência do ato impugnado pelo interessado. Repugna-se esse dispositivo em razão de sua patente inconstitucionalidade. A despeito do STF ter súmula asseverando a constitucionalidade de norma como essa (Súmula nº 632), enxerga-se nela uma inconstitucionalidade porque há uma limitação a um direito fundamental sem a autorização de qualquer cláusula constitucional restritiva escrita ou não-escrita.

Apesar disso, deve-se destacar a ampla legitimação ativa para a proposição do mandado de segurança individual. Podem propor essa ação pessoas naturais, jurídicas e, inclusive, os entes despersonalizados detentores de capacidade judiciária (condomínios, órgão públicos etc.). É importante chamar atenção para a necessidade de se utilizar o mandado de segurança coletivo. As ações coletivas são fortes instrumentos de agilização da prestação jurisdicional. Por meio delas se julga um único processo cujos efeitos atingem diversos cidadãos. Com isso, vários processos são transformados em apenas um, que é resolvido de maneira célere e sem tirar do Judiciário o tempo que ele precisa destinar a outras ações. Por isso, é preciso se expandir os legitimados a propor mandado de segurança coletivo, a fim de se fomentar o uso da ação em estudo inclusive pela via coletiva.

Já transcrevemos em linhas anteriores o dispositivo constitucional no qual se prevê o mandamus coletivo (Art. 5º, LXX, da CF/88). Nele se viu constitucionalmente legitimados para propor a ação os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e as organizações sindicais, entidades de classes ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há, pelo menos, um ano. A Lei nº 12.016/2009 regulamentou esse ponto no seu Art. 21, que assim diz:

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Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante (BRASIL, 2009g).

Constatamos na novel legislação alguns avanços. Em relação aos partidos políticos, vê-se o rompimento de uma barreira na medida em que o novo texto é cristalino quanto à legitimidade do partido político representado no Congresso para impetrar MS mesmo quando os beneficiários não sejam seus integrantes. O dispositivo exige sempre a presença de um interesse partidário legítimo, que pode se referir ou aos seus integrantes ou à finalidade do partido. O diploma põe fim a uma discussão sobre os possíveis pleitos a serem veiculados por meio do MS impetrado por partido político. Venceu a tese ampliadora do uso do writ e aceleradora da prestação jurisdicional, já que os entes partidários não ficarão restritos a impetrar o mandado apenas em benefício de seus filiados. Questões de interesses de grupos relacionadas às finalidades dos partidos poderão ser discutidas na Justiça por meio de um único processo de rito célere, poupando o Judiciário de se debruçar em vários feitos para resolver a mesma questão.

Quanto às organizações sindicais, entidades de classe e associações, os avanços estão na expressa autorização para a impetração mesmo quando o interesse em voga seja de parte dos membros ou associados – entendimento que já era objeto da Súmula nº 630, do STF – e na explícita dispensa de autorização especial para a impetração. Em relação ao primeiro ponto, não tinha sentido se vedar a entidade associativa de pleitear pela via do mandamus direitos de parte de seus associados. Tal questão pode ser solucionada pelo brocardo jurídico que expressa quem poder o mais poder o menos. A força representativa da entidade não se altera se o pleito por ela patrocinado se refere a parte de seus associados ou a todos eles. Referente à segunda questão (desnecessidade de autorização especial), o acerto do legislador reside em não confundir representação processual com substituição processual. A segurança coletiva é uma espécie de processo coletivo e não um processo individual no qual o titular do direito confere a outrem poderes de representação. Os avanços aqui apontados potencializam a legitimação das organizações sindicais, das entidades de classe e das associações e, por via de consequência, ocasionam os mesmos efeitos agilizadores da prestação jurisdicional apontados na potencialização da legitimidade dos partidos políticos.

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A despeito dos avanços antes mencionados, também é possível encontrar no diploma em análise omissão e retrocesso. Quanto àquela, deve-se destacar, com Gregório Assagra de Almeida, que o rol expresso no Art. 5º, LXX, da CF/88, é apenas exemplificativo, admitindo-se sua ampliação para todos aqueles a quem o Art. 5º, da Lei nº 7.347/1985, confere legitimação para propor ação civil pública (ALMEIDA, 2007, p. 605). Como a proposta aqui apresentada amplia um direito fundamental, nada há de inconstitucional nela. Era juridicamente possível ao legislador editar norma desse teor a fim de conferir maior eficácia ao mandado de segurança coletivo.

O retrocesso da legislação está na exclusão dos direitos difusos do âmbito de proteção do writ coletivo. O Parágrafo único, do Art. 21 acima transcrito, assevera ser protegido pelo MS transindividual apenas os direitos coletivos e individuais homogêneos. É inconcebível a vedação ao Partido Verde, por exemplo, de impetrar um mandado de segurança contra ato de autoridade ambiental concessivo de licença cujo procedimento prescindiu das formalidades legais. Assim como também é inconcebível a proibição de um partido político defensor da moralidade pública impetra mandado de segurança contra edital de licitação ou concurso público eivado de vícios. Não nos filiamos à corrente segundo a qual os direitos difusos não poderiam ser dotados da liquidez e certeza necessárias para o cabimento do MS. Se por um lado existem direitos difusos cuja certeza e liquidez são quase impossíveis, por outro também há aqueles que podem ser comprovados documentalmente. As falhas de um procedimento de licença ambiental podem ser aferidas pela própria análise dos autos do processo administrativo. O mesmo se diga em relação a um edital de um concurso público. Nesse ponto, sentimos um retrocesso do legislador capaz de interferir no desafio do Judiciário de imprimir ao MS uma marcha para acelerar a prestação jurisdicional.

3.2. Sujeito Passivo

Quanto ao sujeito passivo do MS, as controvérsias tangentes à celeridade versam sobre a identificação do sujeito passivo, ao prazo para a autoridade prestar informações e ao lapso para a Fazenda apresentar sua defesa e seu recurso.

A conclusão de quem seja o réu no writ influencia na duração do processo. Se se afirma ser o sujeito passivo a autoridade coatora (agente público responsável pelo ato), a indicação errônea de quem seja ela acarreta a extinção do feito por falta de condição da ação (legitimidade passiva ad causam – Art. 267, VI, do CPC). Por outro lado, se o sujeito passivo do MS é a pessoa jurídica a quem se vincula a autoridade responsável pela conduta questionada, o apontamento equivocado não ocasionará a extinção do feito, vez que o importante para a análise da legitimidade não é o responsável pelas informações, mas quem seja o sujeito passivo da demanda.

A relevância do tema para o estudo em análise se deve ao fato da extinção do processo por conta da equivocada indicação retardar o direito do cidadão de acesso à justiça. A eliminação de um processo, apesar da possibilidade da sua repropositura, atrasa a satisfação do direito do jurisdicionado. Lembre-se que a avaliação da morosidade tem início com a distribuição do feito e fim com a entrega do bem da vida pretendido (item 1.3 supra). Se a autoridade coatora for considerada o sujeito passivo, deverá ocorrer a extinção do feito nos casos do seu equivocado apontamento (ASSISb, 1997, p. 45). Mas

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não se concebe o fim do processo em razão da errônea indicação se for considerada sujeito passivo a pessoa jurídica. Daí a discussão do tema partir da definição de quem seja a parte demandada no MS.

Sob a égide da Lei nº 1.533/51, o debate se afigurava relevante porque nesse diploma só era exigida a notificação da autoridade coatora para prestar ao Juízo as informações (Art. 7º, inciso I, da Lei nº 1.533/1951). Não se exigia a notificação/intimação/citação do representante da entidade pública. Esse silêncio legal gerou controvérsias quanto ao papel do ente público no MS. Daí o clamor por uma lei capaz de, baseada nos preceitos do direito processual e administrativo, oferecer à ação em estudo uma regulação condizente.

A Lei nº 12.016/2009 regulou a matéria com as seguintes letras:

Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;

II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;

III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

Como se constata, o texto legal veio para dirimir a questão, mas assim não fez. O Legislativo não observou os cânones do direito processual e administrativo para poder tratar a matéria com a coerência merecida. A ausência da devida regulação faz necessário lançar mão das opiniões doutrinárias vigentes sob o pálio da lei anterior.

A despeito de a doutrina brasileira apresentar várias opções para o levantado problema, a análise será centralizada nas mais discutidas hodiernamente, quais sejam: a) o sujeito passivo é a autoridade coatora (ROCHA, 1987, p. 180); b) o demandado no MS é a pessoa jurídica de direito público a quem está vinculada a autoridade coatora, sendo esta o representante da entidade em juízo (ALVIM, 1995, p. 352; ASSISb, 1997, p. 89; BARBI, 2001, p. 125; BUENO, 2009, p. 24); c) o remédio heróico tem como sujeito passivo a pessoa jurídica a qual se vincula a autoridade coatora, cabendo ao responsável pelo ato apenas a prestação de informações e a defesa é incumbência da competente Procuradoria (CUNHA, 2007, p. 373; FERRAZ, 2006, p. 119).

O conceito de parte é bem expressado por Chiovenda. Para ele,

Parte é aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada (CHIOVENDA, 2000, p. 278).

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Para se constatar quem é o réu da garantia em exame, deve ser observado em face de quem se requer a atuação da vontade legal. Para os doutrinadores cuja concepção indica a autoridade coatora como sujeito passivo, a voluntas legis é demandada em face da autoridade impetrada. Essa opinião se apresenta problemática, e o Art. 7º da novel legislação não avançou em relação ao tema. Essa concepção tem respaldo se for observado o chamamento do demandado ao processo (Art. 7º, I). A nova lei até previu a comunicação do representante judicial da pessoa jurídica sobre o feito (Art. 7º, II), mas mencionou que a entidade só ingressará no processo se assim o quiser. Ou seja, a lei parece atribuir ao agente público a condição de réu e conferir à entidade a discricionariedade de apreciar se é o caso de ingressar no feito ou não. Essa interpretação, todavia, não se sustenta diante do ordenamento jurídico como um todo.

Primeiramente é preciso ressaltar a força normativa do princípio da impessoalidade sobre a Administração Pública (Art. 37, da CF/88). Uma das facetas desse cânone indica a responsabilidade da pessoa jurídica pública pelo ato praticado pelo agente público a ela vinculado (SILVA, 2004, p. 648; DI PIETRO, 2006, p. 85). O agente, perante o particular, não atua em nome próprio, e sim em nome da entidade pública. A responsabilidade da autoridade é com o ente com quem ela tem uma relação de trabalho. Já quem tem o compromisso com o particular é o Estado. Por isso, é irrazoável imaginar que na ação de segurança a atuação da vontade da lei é pedida em face do agente público. Ela é pedida diante da pessoa jurídica, verdadeira devedora da legalidade. Ademais, o patrimônio objeto da querela judicial é o da entidade pública. Se o resultado da ação for favorável ao impetrante será o erário quem suportará o peso dessa decisão. Nesse diapasão, a exclusão da entidade pública do pólo passivo da ação de segurança agride frontalmente o Art. 472, do CPC, cujo sentido é o efeito da decisão apenas para as partes envolvidas na demanda. É forçoso reconhecer que para a sentença proferida no mandamus valer para a Administração Pública a entidade tem que ser parte no processo. Por esses dois motivos de ordem administrava e processual, entendemos como inconcebível a atribuição de sujeito passivo à autoridade coatora no MS.

Andou mal o legislador quando disse, no inciso II, do Art. 7º, da nova lei do MS, que a entidade pública ingressará na ação apenas se assim quiser. Pode-se, todavia, tentar adaptar a interpretação do dispositivo à opinião daqueles para quem o sujeito passivo do writ é a pessoa jurídica e o seu representante, excepcionalmente, a autoridade coatora. Nesse viés, a Lei nº 12.016/2009 (Art. 7º, II) teria apenas conferido ao órgão de representação judicial a discricionariedade dele – órgão procuratório – atuar no feito ou não. Essa inteligência não é mais correta que a anterior. Tal entendimento fere a Constituição Federal na medida em que a representação judicial da União e dos Estados e do Distrito Federal é constitucionalmente atribuída, respectivamente, à Advocacia-Geral da União e às Procuradorias dos Estados/Distrito Federal (Art’s. 131 e 132, da CF/88) (CUNHA, 2007, p. 373; FERRAZ, 2006, p. 119). Além do mais, também há inconstitucionalidade nessa opinião porque a ampla defesa – direito fundamental garantido a todos no Art. 5º, LV – tem como uma de suas facetas a garantia de uma defesa juridicamente técnica, o que aponta para o direito de ser defendido por profissional devidamente habilitado para tanto. Esses profissionais estão nos órgãos de representação judicial dos entes públicos (Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral dos Estados/Distrito Federal e Procuradoria-Geral dos Municípios).

Só resta, então, uma interpretação da nova norma consoante o ordenamento jurídico vigente. Tal intelecção no nosso sentir só é possível se forem observados os seguintes

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pontos: a) a atribuição de sujeito passivo do MS à pessoa jurídica pública a qual pertence o agente responsável pelo ato; b) a responsabilidade de representação judicial das entidades aos órgãos dotados de profissionais devidamente habilitados para tanto.

Note-se que esse entendimento não só é possível como se apresenta como o mais correto. Inicialmente é preciso destacar que a hermenêutica das leis não pode se restringir a diplomas legais isolados, devendo ser observado o ordenamento como um todo. É preciso atentar para o que Emilio Betti chama de cânone da coerência do sentido (ou princípio da totalidade). Sobre esse princípio ensina o autor:

Esse cânone vem esclarecer as interrelações e a coerência existentes no seio dos elementos individuais do discurso, tal como sucede com qualquer manifestação do pensamento e a sua relação mútua com o todo que integram. É essa relação dos elementos entre si e com o seu todo comum que permite o esclarecimento e a elucidação recíproca das formas significativas na relação entre o todo e as suas partes, e vice-versa (BETTI, 2002, p. 87).

Assim, realizando-se o devido distanciamento do Art. 7º, da novel legislação, para possibilitar a visualização do todo, se aborda, além dos tópicos já esboçados (princípio da impessoalidade, efeitos subjetivos da sentença, representação judicial das entidades públicas), os seguintes pontos.

É preciso observar que o único ato incumbido à autoridade coatora no MS são as informações (CUNHA, 2007, p. 373). Aliás, o texto legal é expresso em determinar a notificação da autoridade coatora a fim de que ela preste as informações. Não se fala da notificação para o agente público se defender ou da incumbência da autoridade representar a entidade pública. Se o agente fosse o réu, ele seria notificado para apresentar sua defesa, enquanto que se ele fosse o representante da entidade, ele seria notificado para apresentar a defesa do Poder Público. Mas, o legislador não adotou nenhuma dessas posições. Segundo ele, ao agente praticante do ato só cabe informar o Juízo as circunstância sob as quais fora praticada a conduta. Tanto é assim que o STJ tem entendimento que se coaduna com o dito. Segundo a 5ª Turma daquele Tribunal, o recurso contra decisão concessória de MS é incumbência dos Procuradores da entidade. Referida 5ª Turma, em acórdão recente, entendeu que a sentença do mandado só transita em julgado após a intimação do membro do órgão responsável pela representação judicial da entidade[1].

Vale trazer a baila, também, o obstáculo lembrado por Carlos Augusto de Assis. O autor aponta como óbice à atribuição de réu ao agente público o fato de a mudança de autoridade ocupante do cargo competente para a prática do ato acarretar a mutação do sujeito passivo da demanda (ASSISb, 1997, p. 48). Se o praticante do ato é substituído por outro agente, este último é quem será chamado ao mandado para prestar as informações. Esse é mais um obstáculo à concepção da autoridade coatora como sujeito passivo.

Acreditamos que a razão quanto ao motivo da lei exigir a notificação da autoridade esteja com Celso Agrícola Barbi. Segundo o autor, a previsão legal de notificação da autoridade coatora tem raízes nos writ’s do direito anglo-saxão, regime no qual não se concebe a abstração capaz de atribuir à Administração personalidade jurídica. Em razão disso, lá, os writ’s são propostos contra as autoridades públicas (BARBI, 2001, p. 124).

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Todavia, o autor ressalta que a mesma concepção não pode ser transportada para o ordenamento pátrio, sendo correto interpretar a norma (Art. 7º, I, da Lei nº 1.533/1951) dentro dos conceitos do sistema jurídico brasileiro.

Plausíveis também são as considerações de Leonardo José Carneiro da Cunha, autor pernambucano para quem a indicação da autoridade impetrada serve para identificar o agente com atribuição para cumprir a ordem exarada no writ (CUNHA, 2007, p. 373).

Entendemos que a nova legislação deveria ter repetido o que dizia o CPC de 1939 (Art. 322, inciso II), cujas palavras determinavam a citação do representante judicial da entidade. Esse diploma legal além de mandar notificar a autoridade impetrada para apresentar informações também ordenava a citação da pessoa jurídica por meio de seu representante. O fato de ser notificada a autoridade coatora não quer dizer que o pedido é veiculado em face dela. Cabe a ela apenas a apresentação das informações, devendo o ente – sujeito passivo da demanda – ser defendido pelo órgão com a atribuição constitucional/legal para tanto.

Por essas razões é que, apesar dos problemas existentes na Lei nº 12.016/2009, acreditamos ser a pessoa jurídica a qual se vincula a autoridade o réu do remédio heróico. Destaque-se ser esse o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal (STF) [2], mas ainda vacilante. Tanto é assim que se encontram decisões dos órgãos do STF[3] e do STJ[4] extinguindo o feito sem resolução do mérito por conta da errônea indicação da autoridade coatora. Por outro lado, já há construções de teorias admitindo a não extinção do feito por indicação errônea em algumas hipóteses. É o caso da teoria da encampação. Segundo a mencionada teoria, se a autoridade erroneamente indicada como coatora defender o conteúdo do ato entende-se que ela o encampou e, a depender da coexistência de outros requisitos, poderá ser considerada como autoridade impetrada. Segundo julgados do STJ, os requisitos para a concretização da teoria da encampação são: a) ser a autoridade equivocadamente apontada superior hierárquico do agente correto; b) ausência de modificação da competência jurisdicional prevista na Constituição; c) e a defesa do mérito do ato por parte da autoridade erroneamente indicada[5].

Vale lembrar que há julgado relatado pelo Ministro Luiz Fux no qual se admitiu a intimação do impetrante para indicar a correta autoridade, exigindo-se apenas que a equivocada autoridade pertença aos quadros da mesma pessoa jurídica a que pertence o correto agente público[6]. Essa é a hermenêutica que se coaduna melhor com o entendimento de que a autoridade coatora não é a ré no MS. Se a pessoa jurídica é quem é o sujeito passivo do remédio em exame, é suficiente para a legitimidade passiva ad causam que a autoridade correta seja do mesmo quadro daquela equivocadamente apontada.

O que não se pode admitir é a continuação do feito quando o agente indicado pertencer ao quadro de pessoa jurídica distinta daquela a que pertence a autoridade responsável pelo ato. Nesse caso, se se admitir a modificação da autoridade, admitir-se-á a alteração do sujeito passivo da demanda (a pessoa jurídica a qual se vincula o agente indicado). Isso, com certeza, fere o Art. 267, inciso VI, do CPC. Entendemos correta a decisão extintiva do writ of mandamus sem resolução do mérito quando a autoridade erroneamente indicada se vincula a pessoa jurídica diferente daquela a qual pertence o agente correto[7].

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O correto é a interpretação do ordenamento de modo a favorecer a efetividade da Constituição, vendo-a de forma una. Não resta dúvida de que o entendimento consistente na atribuição de sujeito passivo à pessoa jurídica potencializa o mandado e, ao mesmo tempo, favorece a sua duração razoável. Exigir do cidadão a correta indicação do agente dificulta o acesso ao mandamus porque a estrutura da Administração Pública é complexa e, por isso mesmo, ocasiona o equívoco. O melhor é reconhecer a condição de sujeito passivo do ente e admitir a correção da autoridade coatora de ofício ou por meio de emenda à inicial. Evita-se a extinção do feito e o retardamento da prestação jurisdicional, além de acarretar a economia processual por meio do aproveitamento de atos já praticados.

Concordamos com Leonardo Cunha e Sérgio Ferraz quando eles afirmam ser a função da autoridade a de informar o Juízo acerca dos fatos (CUNHA, 2007, p. 373; FERRAZ, 2006, p. 119). Não cabe a autoridade defender a conduta guerreada via writ. Essa afirmação baseia-se nos Art’s. 131 e 132, da CF/88, dispositivos que, respectivamente, atribuem à Advocacia-Geral da União e às Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal a função de representar judicialmente a União e os Estados e o Distrito Federal. Além disso, se não for dada oportunidade de a pessoa jurídica se defender tecnicamente, ficará prejudicada a ampla defesa.

Na ação de segurança deve ser notificada a autoridade coatora para prestar informações e ser citada a pessoa jurídica na pessoa do seu representante judicial, devendo aquela informar o Juízo e este defender o ato. Eis a interpretação capaz de fazer o Judiciário romper as barreiras da celeridade.

Quanto ao prazo para a apresentação das informações, o inciso I, do Art. 7º, do novo diploma, estabelece o lapso de dez dias. Não se aplica aqui o Art. 188, do CPC, a fim de se multiplicar o referido lapso por quatro. A inaplicação do prazo em quádruplo se deve a dois motivos. Primeiro porque o prazo das informações é específico, não incidindo na espécie a regra geral (CUNHA, 2007, p. 60). Segundo porque a autoridade coatora não apresenta defesa/contestação/resposta, ela apenas presta as informações.

Em relação ao sujeito passivo (a entidade pública), o inciso II, do Art. 7º, da Lei nº 12.016/2009, equivocadamente não menciona qualquer prazo para o órgão representativo se manifestar. A despeito desse silêncio, não será condizente com os propósitos do mandado de segurança a aplicação da regra geral (prazo de quinze dias multiplicado por quatro – Art. 297 c/c o Art. 188, ambos do CPC). A hermenêutica obediente ao direito à duração razoável confere ao representante judicial da entidade o mesmo lapso oferecido para a autoridade apresentar as informações. A aplicação da regra geral conduzirá ao insucesso do mandado, pois deixará de ser uma ação específica destinada a uma prestação jurisdicional célere.

O procedimento para a interposição dos recursos não foi objeto de regulação da Lei nº 12.016/2009. Citado diploma repetiu o mesmo erro da legislação anterior, regulando apenas o rito na primeira instância (CUNHA, 2007, p. 61). Com isso, provavelmente não se avançará na diminuição do prazo para a entidade pública recorrer. Para os objetivos deste trabalho o mais importante é a apelação, visto que é ela quem impede o trânsito em julgado (termo final para a avaliação da duração razoável) da decisão final. A nova lei quase se resume a estatuir que “da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação” (Art. 14). Essa espécie recursal está regulada na lei geral, o

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que ocasionará a aplicação daquela lei à apelação do MS. Assim, o Poder Público terá trinta dias para recorrer da sentença (Art. 508 c/c Art. 188, do CPC). A vontade do Constituinte seria melhor atendida se o legislador tivesse excluído do rito do MS a aplicação do Art. 188 do CPC.

Uma novidade quanto aos recursos é a menção legal da possibilidade de a autoridade coatora apresentar o seu próprio recurso (Art. 14, § 2º, da Lei nº 12.016/2009). Destaque-se a inaplicação ao prazo recursal da autoridade coatora do Art. 188, do CPC. Esse dispositivo só é aplicado à Fazenda Pública – pessoas jurídicas de direito público interno – e ao Ministério Público. Assim, a autoridade impetrada terá o prazo de quinze dias para apelar.

3.3. O Ministério Público

A participação ministerial no mandado é outro ponto relevante para a celeridade. O Art. 12, da Lei nº 12.016, exige, após o decurso do prazo para as informações da autoridade coatora, a oitiva do MP no prazo improrrogável de dez dias. Diz o dispositivo:

Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7o desta Lei, o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias (BRASIL, 2009g) (grifo nosso).

A investigação parte do ponto acerca da função do Parquet no mandamus. No passado já se questionou se a atribuição do órgão era a defesa da entidade pública ou se era a de fiscal da lei. Tal questionamento se deveu ao fato de nos regimes constitucionais anteriores o Ministério Público Federal (MPF) ter a função de representar judicialmente a União (ALMEIDA, 2007, p. 476-477; BARBI, 2000, p. 166; ROCHA, 1987, 196-197). Atualmente, essa dúvida não existe porque a CF/88 expressamente proibiu a atribuição de função representativa ou consultiva das pessoas públicas ao MP (Art. 129, inciso IX).

A atribuição conferida ao Parquet pelo dispositivo transcrito é a de fiscal da lei. Tal constatação não é suficiente para encerrar as discussões sobre a atuação do MP no mandado. Indaga-se ainda se a intimação do membro ministerial é imprescindível em todos os mandamus ou só naqueles nos quais se verifique uma das hipóteses do Art. 82, do CPC, ou de outras legislações específicas. Em outras palavras, o importante para determinar a atuação do órgão da Justiça Pública é o procedimento eleito ou a matéria sobre a qual se discute no curso do processo? Sentimos que o Legislativo teria avançado em relação à legislação anterior se tivesse regulado a matéria, preferencialmente determinando quais as matérias veiculadas no âmbito da ação de segurança reclamariam a intervenção ministerial. Como isso não foi feito, só resta ao Judiciário interpretar o dispositivo legal com a vista na celeridade.

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Ao sentir dos autores deste trabalho, a interpretação correta do Art. 12, da Lei nº 12.016/2009, é aquela que o liga ao Art. 82, do CPC, e a outras legislações específicas, para só exigir a intimação do Ministério Público nos casos previstos no citado dispositivo do Código de Ritos e nas legislações especiais. Não se concebe que um direito pleiteado exija a intimação ministerial se for pedido pela via da ação de segurança, mas prescinda dessa intimação se for suplicado pelas vias ordinárias. A exigência indiscriminada de intimação do Parquet não casa com a característica de celeridade do writ. Se o mandado é uma ação específica para a defesa ágil de interesses do cidadão contra o Poder Público, não se pode dizer que a intimação do MP é imprescindível, tendo em vista que a espera pela manifestação ministerial, ao invés de acelerar o writ, o atrasa.

Não entendemos como razoável a interpretação que diz caber ao Ministério Público se manifestar no mandado porque em tal ação se discute a legalidade da Administração Pública. Se assim é, deveria o MP ser chamado para todos os processos contra as entidades públicas. Também não concordamos com o argumento no sentido da Lei do Mandado de Segurança ser norma específica e exigir a intervenção ministerial. Trata-se sim de lei específica, mas nesse ponto ela deve ser interpretada com a lei geral do Processo Civil, tendo em vista todo o intuito de celeridade do mandado. Lembre-se que um dos fatores para se avaliar a duração do processo é a complexidade da causa (item 1.3.1). Se a causa é a mesma, não há porque impor ao rito cujo objetivo é a agilidade um passo não exigido nas vias comuns.

Ressalte-se, ainda, o fato de na práxis ministerial membros do Parquet já proferirem no MS o parecer de não interesse. Nesse documento os Procuradores da República e Promotores de Justiça analisam a matéria discutida e, quando não verificam assunto tangente às atribuições do órgão, manifestam-se apenas para dizer que a matéria discutida no writ foge das funções impostas ao MP. Apesar dessa conduta, o Ministério exige a sua intimação fundamentada na alegação de que a ausência de interesse ministerial só pode ser constatada por um de seus membros. Insistimos na ideia de que o MS é apenas um procedimento diferenciado de prestação jurisdicional, motivo pelo qual devem ser modificadas nele apenas as condutas que casarem com o seu propósito de celeridade. Se não se suplica a intimação do MP em todos os processos para que seu membro analise se é caso de intervenção ou não, não se pode guerrear o mesmo no writ em estudo. A necessária intimação do órgão da Justiça Pública não se coaduna com nenhuma das especificidades do mandado, motivo pelo qual entendemos como irrazoável a exigência indiscriminada de intimação do Parquet.

Destaque-se, todavia, o fato de esse não ser o entendimento majoritário (ALMEIDA, 2007, p. 481-482; BUENO, 2009, p. 133-135; CUNHA, 2007, p. 387; FERRAZ, 2006, p. 301). Na doutrina, prevalece o entendimento de que a intimação do MP é obrigatória.

Ainda na vigência da Lei nº 1.533 existia a discussão acerca da natureza do prazo concedido pela lei para a manifestação do MP. Discutia-se se o lapso era próprio ou impróprio. Gregório Assagra de Almeida manifestava sua opinião no sentido de a intimação do MP não ser o bastante. Segundo o autor, o feito só podia continuar quando o MP se manifestasse sobre o mérito da demanda (ALMEIDA, 2007, p. 482). Isto é, o autor pregava que o prazo previsto para o MP era impróprio. Já Cassio Scarpinella Bueno, Leonardo Cunha e Sérgio Ferraz doutrinavam no sentido de o órgão ser intimado, mas entendiam os autores que a ausência de manifestação após os cinco dias

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previstos no Art. 10, da Lei nº 1.533/51, não impedia a continuação do feito (BUENO, 2009, p. 134; CUNHA, 2007, p. 387; FERRAZ, 2006, p. 301). Para eles, o prazo para o Parquet era próprio. Nesse ponto, vemos um avanço na nova lei, pois a mesma é explícita na determinação da continuidade do feito após o prazo para manifestação ministerial, independentemente de o membro ter emitido seu parecer ou não (Art. 12. Parágrafo único). Não há dúvida de que essa regra contribuirá para a duração razoável do MS.

Também destacamos o avanço na alteração do prazo para manifestação do MP. Apesar de o Art. 12 transcrito ter aumentado o prazo para o parecer de cinco para dez, houve um avanço porque o prazo anteriormente previsto era irrazoável. Com ele não se permitia uma administração da quantidade de feitos sob a responsabilidade do MP. A exiguidade anteriormente existente ocasionava a ausência de cobrança. Agora, com um prazo razoável para a elaboração do parecer, será possível para as instâncias correcionais do MP exigir de seus membros o atendimento do lapso.

3.4. O Magistrado

O papel do Juiz é o mais importante para a duração razoável de qualquer processo. Tanto é assim que o Art. 125, II, do CPC, impõe ao Magistrado o dever de velar pela rápida solução do litígio. Ele representa o órgão Estatal sobre o qual recai a responsabilidade da prestação jurisdicional em tempo razoável. Como se viu em linhas atrás (item 1.3.2), a imputação de culpa às partes pela mora processual só é admitida nas situações nas quais fica comprovada a intenção de retardamento. A regra é a de que o devedor da agilidade processual é o Estado-juiz, motivo pelo qual deve o Magistrado tomar para si a responsabilidade de imprimir ao feito a rapidez merecida.

Esse dever merece mais atenção ainda nos processos de mandado de segurança. Até aqui já se disse que uma das principais características da ação em voga é a celeridade. Por isso, o Juiz, a quem incumbe impulsionar o MS, tem o dever de fazer as partes e a sua serventia obedecer ao rito especial do writ, interpretando-o com base no princípio da celeridade. A obediência ao devido processo legal é fundamental para a observância da tempestividade processual. No mandado de segurança, essa nota se agrava em razão de o procedimento do remédio ser montado com o objetivo de celeridade. Proposto o writ deve ser notificada a autoridade coatora e citada a pessoa jurídica para no prazo de dez dias apresentar, respectivamente, informações e defesa. Findo esse prazo, deve ser intimado o MP (em nossa opinião só se se verificar as hipóteses legais do CPC e das leis específicas) para apresentar parecer no prazo de dez dias. Transcorrido esse lapso, tenha ou não o Parquet apresentado o parecer, devem os autos ser conclusos para que a sentença seja proferida em trinta dias.

Vale salientar que o prazo judicial é impróprio, razão pela qual a falta de sentença não implica nenhuma conseqüência processual. Lembre-se, todavia, que a determinação legal deve ser atendida em respeito à duração razoável do processo. A obediência ao devido processo legal é uma das formas de garantir a duração célere do feito. O devido processo merece respeito na sua vertente procedimental exatamente para que não existam arbitrariedades na aplicação da lei. A desconsideração do prazo, se não for justificada, deve ensejar a responsabilidade estatal pelo atraso.

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Não há como negar, por outro lado, que o prazo estabelecido pela Lei nº 1.533 para o Judiciário era exíguo para a complexidade das matérias jurídicas enfrentadas em muitas ações de segurança e para a quantidade de processos pendentes de resolução pelo sistema de justiça. O melhor, com certeza, foi a revisão empreendida pela Lei nº 12.016/2009 (Art. 12) que, a despeito de ampliar o prazo para o Judiciário, avançou em direção à duração razoável do processo ao estabelecer lapso mais condizentes com a realidade forense. Agora, os Magistrados têm trinta dias para proferir a sentença mandamental. Lapso razoável e, por isso, passível de ser cobrado ao Poder Judiciário.

Outro ponto merecedor de atenção é a concessão da liminar (Art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009). A decisão liminar não vem para atender a duração razoável do processo, pois, como já se disse, a tempestividade processual só pode ser aferida após o trânsito em julgado. Enquanto não houver sentença definitiva transitada em julgado não se pode avaliar a duração processual. A liminar serve para garantir o acesso à justiça, evitando que o bem litigado pereça antes do fim do processo. A celeridade, então, só pode ser garantida com a decisão final transitada em julgado.

Por último, cabe registrar que a Lei nº 12.016 impõe ao Magistrado o dever de priorizar o trâmite do MS em detrimento de outras ações, exceto a de habeas corpus (Art. 20).

CONCLUSÃO

O tema sobre o qual dissertamos é apenas alguns dos pontos influenciadores da tempestividade do mandado de segurança. Podemos dizer serem os sujeitos processuais os principais causadores da mora/celeridade do processo, mas o tema não diz respeito só a eles.

A importância dos sujeitos deve-se ao fato deles, de forma direta ou indireta, conduzir o processo. São as partes, o Ministério Público e, principalmente, o Magistrado quem têm uma compreensão do mandado e é esse entendimento que será capaz de conferir ao writ uma rapidez. A agilidade do mandamus será cobrada do Poder Judiciário, verdadeiro devedor do direito fundamental a um processo célere. Sem a ideia consistente na concepção do mandado como meio para a aceleração da prestação jurisdicional, o Judiciário não conseguirá fazer a garantia em estudo cumprir sua missão.

Nesse intuito, estudamos a regulação dada à participação dos sujeitos do mandado de segurança pela Lei nº 12.016/2009 com o objetivo de investigar se esse diploma trouxe soluções para o desafio do Judiciário diante das barreiras da duração razoável. Quanto ao sujeito ativo, verificou-se que o Judiciário terá de admitir a proposição do MS coletivo por partidos políticos com representação no Congresso Nacional para defender interesses ligados aos seus filiados ou às suas finalidades partidárias. Superou-se o entendimento de que só cabia o writ impetrado pelos partidos se fosse para beneficiar seus filiados. A novel legislação também rompeu barreiras quando expressou a possibilidade de organização sindical, entidade de classe e associação propor MS coletivo em benefício de interesses de parte ou do todo de seus membros, independentemente de autorização específica. Apesar dos avanços, vemos como um lapso a não ampliação do rol de legitimados a propor a ação de segurança coletiva e a retirada dos direitos difusos do objeto de proteção do mandado transindividual.

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Tangentemente ao sujeito passivo, agiu bem o legislador ao determinar a comunicação da impetração ao órgão de representação da entidade pública interessada. Porém, pecou em condicionar o ingresso do ente no feito à vontade do Poder Público. Nesse ponto, entendemos que o desafio do Judiciário será aplicar à compreensão do mandado preceitos de direito administrativo e processual para fixar a legitimidade passiva no MS na pessoa jurídica a qual pertence a autoridade responsável pelo ato, determinando a notificação desta para apresentar informações no prazo de dez dias e a citação daquela para se defender no mesmo interregno. Seria condizente com o propósito do writ se a Lei nº 12.016/2009 tivesse excluído do seu procedimento a aplicação do Art. 188 na fase recursal.

Em relação ao Ministério Público, é preciso se entender que a ação de segurança é apenas um procedimento de rito célere. Por isso, não existe razão para se exigir a intervenção ministerial no writ e não a cobrar em outro feito. O que importa para determinar a intimação do Parquet é a matéria sobre a qual versa o feito e não o procedimento. Por isso, entendemos que a intimação ministerial no remédio em exame só deve ocorrer nos casos previstos no CPC e na legislação especial. Andou mal o legislador quando não especificou quais as matérias que reclamam a intervenção ministerial no mandamus, mas tal ausência pode ser suprida pela interpretação conjunta com as normas do CPC. Enxergamos um avanço na expressa menção da continuidade do feito independentemente de o MP ter proferido ou não seu parecer no prazo de dez dias que a nova lei lhe concede.

O mais importante para a duração do mandado de segurança é o Magistrado. Cabe a ele velar pela rápida solução do litígio. Ele é o Estado-juiz devedor da prestação jurisdicional em tempo hábil. No writ of mandamus essa obrigação só se agrava porque essa ação foi criada com o objetivo de acelerar a prestação jurisdicional nos casos de violação de direitos por autoridades públicas. É a ele, ao Juiz, que lançamos o desafio de interpretar a Lei nº 12.016/2009 sob o fundamento da celeridade, imputando a cada um dos sujeitos processuais o dever de agilidade na tramitação da ação de segurança.

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[1] STJ, REsp nº 704.713/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18/9/2008.

[2] STF, RE-AgR 412430/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13/12/2005.

[3] STF, MS-QO nº 22970/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, j. 5/11/1997.

[4] STJ, REsp nº 653602/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 26/4/2005.

[5] STJ, MS 12148/DF, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. 27/8/2008.

[6] STJ, REsp nº 806467/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 7/8/2007.

[7] STJ, MS nº 13.696-DF, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 24/9/2008, Informativo nº 369.