A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO Conan Doyle

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A Histria do

EspiritismoArthur Conan Doyle

2 Ar thur ConanDoyle

A HISTRIADOESPIRITISMO ArthurConanDoyle Traduodooriginal: TheHistoryof Spiritualism (1926) Digitalizadapor: L.Neilmoris 2008 Brasil

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A Histria do

EspiritismoArthur Conan Doyle

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ndiceConanDoylee aHistriadoEspiritismo pag.6 Umachavedeabbadapag.7 Critriohistrico pag.8 ANovaRevelao pag.9 Oproblemadareencarnao pag.10 Ainvasoorganizada pag.12 Opreconceitoculturalpag.13 Notadotradutorpag.14 SirArthurConanDoyle EsbooBiogrfico pag.19 Prefcio pag.25 1 AHISTRIADOESPIRITISMO A HistriadeSwedenborg pag.27 2 EdwardIrving:osshakers pag.35 3 OProfetadaNovaRevelao pag.44 4 OEpisdiodeHydesville pag.53 5 ACarreiradasIrmsFoxpag.67 6 PrimeirasManifestaesnaAmrica pag.83 7 AAuroranaInglaterra pag.97 8 ProgressosContnuosnaInglaterra pag.108 9 ACarreiradeD.D.Home pag.117 10 OsIrmosDavenport pag.130 11 AspesquisasdeSirWilliamCrookesde1870atoanode1874pag.139 12 OsIrmosEddyeosHolmespag.150 13 HenrySladeeoDoutorMonckpag.165 14 InvestigaesColetivassobreoEspiritismo pag.179 15 ACarreiradeEusapiaPalladino pag.191 16 GrandesMdiunsde1870a1900:CharlesH.Foster,Madame dEsperamce,WilliamEglinton,StaintonMosespag.200 17 ASociedadedePesquisasPsquicas pag.217 18 Ectoplasma pag.234 19 FotografiaEsprita pag.251 20 VozesMedinicaseMoldagenspag.263 21 Espiritismofrancs,alemoeitaliano pag.273 22 GrandesMdiunsModernospag.286 23 OEspiritismoeaGuerra pag.300 24 AspectoReligiosodoEspiritismo pag.311 25 ODepoisdaMorteVistopelosEspritas pag.327 APNDICE1Notasaocaptulo4ProvadaassombraodacasadeHydesville antesdeserhabitadapelafamliaFoxpag.334

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APNDICE 2 Notas ao captulo 6 Bico de pena do lago Harris por Laurence Oliphant pag.339 APNDICE 3 Notas ao captulo 7 Testemunho adicional do professor e da senhorade Morganpag.341 APNDICE4Notasaocaptulo10OsDavenportseramjograisouespritas?pag.344

APNDICE5 notasaocaptulo16Amediunidadedoreverendo StaintonMoses pag.345 APNDICE 6 Notasaocaptulo25 Escritaautomticade Mr. Wales pag.347

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CONAN DOYLE E A HISTRIA DO ESPIRITISMO

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onanDoyle,cujonomerepercuteportodoomundo,umdosescritoresmais lidos da moderna literatura inglesa. O poder extraordinrio de sua imaginao, a comunicabilidade natural do seu estilo, a espontaneidade de suas criaes, fizeram dele um escritor universal, admirado e amado por todos os povos.NoBrasil,nossagenteoincluiu,hmuito,entreosseusdolosliterrios. tanto assim, que ainda agora a Melhoramentos est lanando as obras de Conan Doyle em edies sucessivas, divididas em trs linhas de lanamentos: a Srie SherlockHolmes,aSrieFicoHistricaeaSrieContoseNovelasFantsticas. No se precisaria de mais nada para demonstrar o interesse do pblico brasileiro pelas obras de Conan Doyle. Nem de mais nada para se demonstrar a grandezaliterriadesseverdadeirogigantedasletrasinglesas.Noobstante,astrs sries acima no abrangem toda a obra de Conan Doyle. O famoso precursor dos mtodos cientficos de pesquisa policial foi tambm um historiador, tendo escrito obrascomoTheGreatBoerWare Historyof theBritishCampaigninFranceand Flanders.Foiaindaumdosmaioresemaislcidosescritoresespritasdosltimos tempos,emtodo omundo,revelandoadmirvelcompreensodoproblemaesprita emseuaspectoglobal,comocincia,filosofiaereligio. Vemos, assim, que h mais duas series de obras a de histria e a de espiritismo que podem ser consideradas como os afluentes diretos deste verdadeirodeltaliterriodavidadeConanDoyle,queaHistriadoEspiritismo.

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UMA CHAVEDEABBADA

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este livro, realmente, todas as qualidades do escritor e do homem esto presentes.Neleconfinemosresultadosdetodos osseus estudos,detodas assuasexperincias.Tratase,pois,deumlivrodeinteressefundamental, paraoestudodavidaedaobradograndeescritor.Esnoochamaremosbsico, porque ele no est no alicerce, mas na cpula. aquilo a que os engenheiros chamamchavedeabbada.Paraqueoleitornopensequeestamosexagerando, vamostentarumarpidaexplicao desse fenmeno deconvergncia. Conan Doyle aplica neste livro as suas qualidades de escritores estilo direto, vivo, objetivo, extraordinria capacidade de sntese, preciso descritiva e narrativa,agilidadequase nervosanoencadeamentodoenredo,brilhoecoloridonas expresses. Aplica ainda a capacidade de anlise e a perspiccia sherloquianas, o rigor do mtodo histrico, a capacidade de viso panormica dos acontecimentos. Aoladodissotudo,temosagrande compreensohumanadosnumerososepisdiose problemas enfrentados, essa compreenso que o leva a explicar as quedas medinicasdealgunspersonagenseaperdoargenerosamenteosquenosouberam expliclas.Oescritoreohomem,depoisdeumavidaeumaobra,sefundemneste livro, que feito ao mesmo tempo de papel e tinta,msculos esangue, crebro e nervos. O historiador est presente neste livro, que sobretudo uma obra de histria, Oromancista e onovelista aqui esto,namltipla tessitura dasnarrativas quesesucedem,captuloporcaptulo.Oautorpolicial,naperspicciadeapreenso dos fatos,namaneiraseguracomque vaiconduzindooleitoratravsdosenigmas do enredo. O criador de fico histrica,no aproveitamento dos fatos reais paraa construodagrandetramadolivro,Oautordehistriasfantsticas,nacapacidade depenetraromistrio,deinvadiroreinodoinvisvel,deenxergaroqueapenasse entremostranoslampejosdasmanifestaesmedinicas.Oespritasemanifestano interesse pelos fatos e pela sua interpretao, na compreenso da grandeza e da importncia do movimento espiritista mundial, O mdico Arthur Conan Doyle, o homem voltado para os problemas cientficos, o pensador, debruado sobre as questes filosficas, e o religioso, que percebe o verdadeiro sentido da palavra religio todos eles esto presentes nesta obra gigantesca, suficiente para imortalizarumescritorque jnosehouvesseimortalizado. Esta, pois, uma obra de confluncia. Um delta literrio, no qual o fenmenoConanDoylese consuma,epeloqual,afinal,setranscendeasimesmo, paraseexpandirna universalidadedomovimentoesprita,comorevelaodivina.

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CRITRIO HISTRICO

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o sair a primeira edio desta obra, a revista inglesa Light comentou o equilbrioeaimparcialidadecomqueoautorseportounotratodoassunto Umaextensanota,assinadaporD.N.G.,acentuouque oscrticoshaviam sido agradavelmente surpreendidos, pois Conan Doyle, conhecido ento como ardoroso propagandista esprita, no a colorira com os mais carregados preconceitos a favor do assunto e dos seus corifeus E acrescentava o articulista: Uma obra de histria, escrita com prejuzos favorveis ou contrrios, seria, pelo menos,antiartstica,pecadojamaiscometidopeloautordeTheWhiteCompany, emnenhumdosseustrabalhos. Essaopinioconfirmaplenamenteoquedissemosacima,quantoaocritrio histrico seguido por Conan Doyle na elaborao deste livro. Alis, ele mesmo acentua esse critrio, ao falar do seu desejo de contribuir para que o Espiritismo tivesse a sua histria, apontando inclusive as deficincias de tentativas anteriores, como vemos no prefcio. Seu intuito, ao elaborar este livro, no era o de fazer propagandadesuasconvices,masodehistoriaromovimentoesprita.Paratanto, colocase numa posio serena e imparcial, como observador dos fatos que se desenrolamaosseusolhos,atravsdotempoedoespao. Reconhece a amplitude do trabalho a realizar e pede auxlio a outros. Encontra em Mrs. Lesiie Curnow uma colaboradora eficiente e dedicada, e com a sua ajuda prossegue nas investigaes necessrias, at completar a obra. o primeiro a reconhecer que no fez um trabalho completo, pois no dispunha de tempoerecursosparatanto.Mastemasatisfaodeverificarquefezoquelheera possvel,emaisdoqueisso,oqueerapossvelnomomento,diantedaextensoe complexidadedoassuntoedascondiesdoprprio movimentoespritadeento.

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A NOVA REVELAO

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onanDoyle,quenasceua22demaiode1859,emEdimburgo,faleceua7de julho de 1930, em Cowborough (Sussex). Em junho de 1887 escreveu uma cartaaoeditordarevistaLight,explicandoosmotivosdasuaconversoao Espiritismo.Essacartafoipublicada naediode2dejulhodomesmoano,daquela revista, que a reproduziu mais tarde,na edio de 27 de agosto de 1927. A 15 de julho de 1929, a Revista Internacional de Espiritismo, de Mato, dirigida por Cairbar Schutel, publicou no Brasila primeiratraduo integral dessa carta,que umdocumentovalioso,mostrando,comoacentuaarevista,queojovemmdicoem 1887 j revelava a mais ampla compreenso do Espiritismo e da sua significao paraomundo. Alm desse documento,ConanDoyleescreveuumpequenolivro,traduzido paraanossalnguaporGuillonRibeiroejemsegundaedio,intituladoANova Revelao, em que descreve minuciosamente o processo da sua converso. Posteriormente, escreveu outras obras doutrinrias de grande valor, como A Religio Psquica, na qual revela perfeita compreenso do problema religioso do Espiritismo,afirmandoacondioessencialmente psquicadareligioesprita. OleitorbrasileiroestranharqueConanDoylecomeceasuahistriapela vidaeaobradeSwedenborg,eque,depoisdepassarpeloepisdiode Hydesville, sserefiraaAllanKardecaotratar,nocaptulovinteeum,doEspiritismofrancs, alemoeitaliano. Kardec aparece, assim, como uma espcie de figura secundria, de influncia reduzida ao mbito nacional do movimento esprita francs. que, no movimentoesprita,comoemtodososmovimentos,ascoisasvosedefinindoaos poucos, atravs do tempo, no se mostrando logo com a preciso necessria. Somente agora,quasetrintaanosdepoisdamortedeConanDoyle,queafigurade Kardec, reconhecida h muito, nos pases latinos, como o codificador do Espiritismo, vai se impondo tambm, nas suas verdadeiras dimenses, ao mundo anglosaxo. Conan Doyle fez o que pde, como dissemos atrs, procurando traar a histria do Espiritismo de acordo com as perspectivas que a sua posio lhe proporcionava. Hoje, como se pode ver pela excelente edio da revista argentina Constancia,comemorativadoprimeirocentenriodoEspiritismo,acompreenso exatadaposiodeKardecse generaliza.EscritoresdaInglaterra,daAlemanha,dos Estados Unidos e do Canad proclamam, nas colaboraes para aquelenmero, a significaofundamentaldaobrado codificador.

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O PROBLEMA DA REENCARNAO

bastante conhecida a divergncia entre o que se convencionou chamar o Espiritismolatinoeoanglosaxo.Essadivergnciaseverificouemtornode um ponto essencial: a doutrina da reencarnao. Os anglosaxes, particularmente os ingls e americanos, aceitaram a revelao esprita com uma restrio, no admitindo o princpio reencarnacionista. Por muito tempo, esse fato serviu de motivo a ataques e crticas ao Espiritismo, o que no impediu que o movimentoseguissenaturalmenteoseucurso. A codificao kardequiana, cujos princpios giram praticamente em torno da lei da reencarnao, foi repelida pelos antireencarnacionistas. Vejase como ComamDoylese refereaoEspiritismofrancs,logonoinciodocaptulovinteeum destelivro:OEspiritismonaFranaseconcentranafiguradeAllanKardec,cuja teoria caracterstica consiste na crena da reencarnao. No obstante, o prprio Conan Doyle, e outros grandes espritas ingleses e americanos, admitiam a reencarnao.Earesistnciadomeiotemsidobastanteminada,naInglaterraenos EstadosUnidos,principalmentedepoisda ltimaguerra. Em A Nova Revelao, Conan Doyle se coloca numa posio curiosa, que dar ao leitor brasileiro uma ideia exata da sua atitude neste livro. Logo no prefcio,declaraquemuitosestudiosostmsidoatradospeloaspectoreligiosodo Espiritismo, e outros pelo cientfico, acrescentando: At agora, porm, que eu saiba, ainda ningum tentou demonstrar a exata relao que existe entre os dois aspectosdoproblema.Entendoque,semefossedadolanaralgumaluzsobreesse ponto, muito teria eu contribudo para a soluo da questo que mais importa humanidade. Istoeraescritoentre1927e28,cercadesessentaanosapsopassamento de Kardec. E todos sabemos que Kardec deixou perfeitamente solucionado o problema, ao apresentar o Espiritismo como uma doutrina trplice: filosfica, cientficaereligiosa.Vemos,assim,queConanDoyle,nestepontocomoemtantos outros,pensavaparalelamenteaKardec,esperando,porassimdizer,omomentoem queacodificaokardequianaaparecesseno mundo,semsuspeitarqueelajexistia eestavaalimesmo,aoseulado,paraldoEstreito daMancha. Emnada,porm,essesfatosprejudicamovaloreasignificaodestaobra. Servemmesmoparadocumentarumafasedoimensoprocessodedesenvolvimento doEspiritismo. Os estudiosos da doutrina e da sua histria tero neste livro uma viso panormica desse fato histrico extraordinrio, ainda no compreendido pelo mundo,queoaparecimentoeapropagaodeumanovarevelaoespiritual,nos temposmodernos.Enadamelhorparaexprimilodoqueaadmirvelimagemusada por Conan Doyle, logo no captulo primeiro, ao comparar as modernas

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manifestaesespritasaumainvasodevidamenteorganizada, invasodomundo porumexrcitoespiritual,incumbidodedominlopelaforadobem eorientlo paraosrumosfinaisdaperfeiohumana.

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A INVASO ORGANIZADA

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onanDoylesedefronta,nessecaptulo,comadificuldadedefixarumadata paraoaparecimentodoEspiritismo.LembraqueOsfatosespritasexistiram desde todos os tempos, e que os espritas ingleses e americanos costumam indicar como data inicial do movimento moderno a de 31 de maro de 1848, que assinalaoepisdiomedinicode Hydesville. Prefere, entretanto, comear a sua histria por Swedenborg, considerando queumainvasopodeserprecedidapelosexploradoresdevanguarda.Reconhece, assim, a existncia de uma poca a que podemos chamar a prhistria do Espiritismo, com os fatos da Antigidade e da Idade Mdia, e uma poca de preparaodo adventodoEspiritismo,j nostemposmodernos. Nessapocaaparecemospatrulheiros,oselementosqueexercemafuno depontasdelana,osqueefetuamumaespciedereconhecimentodoterrenoede preparaodainvasoorganizada,quevirlogomais.EssaconcepodeConan DoyleestdeplenoacordocomasexplicaesqueosEspritosderamaKardec,a respeito do assunto. S faltou a Conan Doyle, portanto, para bem colocar o problema, o conhecimento completo da codificao. Com esse conhecimento, o grande escritorno teria dvidas em admitir que oEspiritismo, como doutrina, s apareceu no mundo a 18 de abril de 1857 numa data exata aquela em que surgiramnaslivrariasdeParisosprimeirosvolumesdeOLivro dosEspritos. Fazendo justia a Swedenborg, aEduardo Irving,a AndrJackson Davis, oprofetadanovarevelao,sirmsFox,cujadolorosahistriacontadanestas pginas de maneira compreensiva e ampla, Conan Doyle historia, a seguir, a propagaodomovimentoespritanosEstadosUnidos,naInglaterra,naFrana,na Alemanha, na Itlia e nos demais pases, dedicando vrias pginas a mdiuns notveis como Home, os irmos Davenport, Eddy e Holmes, Slade, Eusapia Palladinoeoutros. Acompanhaodesenvolvimentodointeressepelosfatosespritasnosmeios cientficos,arealizaodasgrandesexperinciasderepercussomundial,comoas de Crookes, e trata, por fim, do papel do Espiritismo em face da guerra, do seu aspectoreligiosoedasdescriesdoAlmpelosEspritos.Temos,assim,umaobra monumental sobre o Espiritismo e o movimento esprita, escrita por um dos mais notveis autores do nosso tempo. A publicao desta obra em portugus vir contribuir grandemente para maior compreenso do Espiritismo em nosso pas, inclusivenosmeiosespritas.

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O PRECONCEITO CULTURAL

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o lanarem,pois,estaedio,oseditoresestoprestandoumgrandeservio aopblico brasileiroemgeraleaosespritasemparticular.Ascampanhas de difamao que se tm feito no Brasil contra o Espiritismo, a atitude sistemtica de oposio assumida pelos religiosos e pelos cientistas, e as prprias deficincias culturais do nosso meio, fazem que ainda prevaleam entre ns Os preconceitosantespritas,quemuitasvezessemanifestamdemaneiraaguda.Obras como esta, escritas por homens da envergadura intelectual de Conan Doyle, contribuiro forosamente para modificar essa situao, quebrando, com o seu poderoso impacto, sedimentaes e cristalizaes mentais pouco recomendveis entrepovoscivilizados. DiantedovastoevariadopanoramaqueConanDoylenosapresentaneste livro,acomearpelasideiasaindadelirantesdeSwedenborg,que,noobstante,era umdoshomensdotadosdemaiorcabedaldeconhecimentosqueomundojviu,at s experincias rigorosamente cientficas de sbios da envergadura de Crookes, o leitorminadopelasideiasfeitas,pelospreconceitosreligiososoucientficos,terde reconheceraimportnciado movimentoesprita. Existe um tipo especial de preconceito que dificulta a compreenso do Espiritismoemnossopas.oquepodemoschamarpreconceitocultural.Numa nao nova como a nossa, sem tradio cultural suficiente, com imensa massa de analfabetos,pontilhadaaquiealidepequenasilhasculturais,grandeoreceiodos intelectuais, de carem no ridculo perante os seus colegas do exterior. Por outro lado, a difuso das doutrinas materialistas, como o marxismo, em meios de insuficienteformaofilosfica eadifuso,nemsempreemcondiesadequadas, de princpios cientficos objetivos erroneamente considerados materialistas afastam muitas pessoas do conhecimento esprita. Um livro como este servir, e muito,paramostrarqueoshomenscultos,nomundointeiro,noosomenosporse interessarempeloEspiritismo.

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NOTA DO TRADUTOR

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ai para mais de um sculo, os fenmenos espritas, antes espordicos, mal interpretados e causadores de perseguies religiosas, entraram numa segunda fase a das manifestaes acintosas e sistemticas, pblicas e teimosas, abalando cpticos, acordando conscincias e amedrontando criminosos impunesemarginaisdoCdigoPenal.Foiem 1848,nosEstadosUnidos. O contacto entre dois mundos, antes separados pela divisria da Morte, deixavadeter oaspectomacabro,quelheemprestaramfolhetinistasecriadoresde fantasias,pararevestirodesuaveconversaentrecriaturasqueridasdeumedooutro lado da Vida.Comeou, entretanto, pelas chamadas mesasgirantes e falantes que, infelizmente,seprestaramzombariadosquetudoprocuramdenegriroucobrirde ridculo inclusive o sentimento que nutrimos pelos que nos deixaram. Transportadas para a Europa, as mesas girantes e falantes constituram, durante algumtempo,umdivertimentodesalo,naslongasefrias noitesdeinverno. Umhomemsisudo,entretanto,novianelasmerodivertimento,masuma coisamuitosria. E pagou arras ao esprito francs, tirando da dana das mesas uma filosofia, do mesmomodo que da dana das rs Galvani havia tirado princpios fundamentaisdaeletricidadeedomagnetismo.Esse homem,tpicorepresentanteda culturafrancesamdicoeastrnomo,filsofoepoliglota,telogoematemtico, fillogo e biologista passeou o seu Esprito equilibrado sobre todos os departamentosdosaberhumanodeseutempo,tudo referindoaoseixoscoordenados de um sistema, de modo que os seus variados conhecimentos no apresentavam fissuras nem hiatos, paradoxos nem incongruncias. Vale dizer que, luz dos conhecimentos modernos, ele sistematizou uma cincia nova, captou os princpios basilares de umanova filosofia uma filosofia espiritualista que, ao contrriode suas congneres,tudo estabelecia a posteriori, isto , base de fatos verificados e verificveis, assim oferecendo s criaturas honestas queremos dizer cientificamentehonestasoselementosparaasuperaodomaterialismoclssico edoagnosticismo comteano,queestavamavassalandomentesnobres,maslimitadas e presas aospreconceitosreligiosos,ouaestesfanaticamenteantagnicas. E como a base da fenomenologia era o fato das manifestaes das almas dos mortos e, por vezes, dos vivos tambm aconteceu uma coisa singularssima.DeumladoaIgreja,cujosdirigentesensinavamumavidaalmda morte, mas que nunca souberam, puderam ou quiseram provar, passou a atacar ferozmente os fatos e os nicos indivduos atravs dos quais essa prova cientificamentepossvel,equeofaziameofazemsemqualquerintuitodecombate oudedesdourosorganizaesreligiosas.PerdiaaIgrejaagrandeoportunidadede demonstrar a existncia da alma e o seu cortejo de conseqncias e, do mesmo

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passo,delevarosseusprofitentesparaumanovaetapa,almdeaelesanexarosque em nada criam passandoos de f imposta, do credo quia absurdum, ou do desinteresse e da negao sistemtica para uma f sistemtica, para uma f raciocinada, na qual os prprios dogmas e os ritos viriam a ser respeitados como valores histricos e como smbolos que tinham tido a sua funo no espao e no tempo e dos quais os Espritos se iam emancipando, medida de sua mesma evoluo.Dooutrolado,atradaspelosfatos,tomandocontactocomosseusmortos queridos,asmassasmenoscultas,oumesmoincultas,foram,porumcompreensvel sincretismo religioso, que a ortodoxia no tolerava, mas que, fina fora, aquelas queriamquesubsistisse,transformandooEspiritismonuma religioritualstica. Se, de um lado, o despreparo geral as empurrava nessa direo, foram acorooadaspelosantemas,pelasexcomunhes,pelapressopolticaexercidapela Igreja contra as massas espritas e principalmente contra os mdiuns. E o Espiritismo,quedeincioatraraaatenodascamadasmaiscultas,poucoapouco foi sendo por estas abandonado, ou praticado s ocultas, para que se no comprometesseminteressesmateriaissobretudoospolticosdadooprestgio que a Igreja desfrutava junto ao poder civil, mesmo nos pases em que havia separaolegalentreelaeoEstado. Entoadoutrinacaiunasmosdopovoeasuaprticaseabastardou. Mashouve umadiferenciaoentreneolatinoseanglosaxes. Nospasesdeorigemlatina,ondepredominamaIgrejaCatlica de todas amaisintoleranteosespritasforamexcludosdeseuseio.E,teimosamente,ela apresentouaqueledoqualpoderiaterfeitooseumelhoraliadocomoumadversrio temvel, comoumanova religio, emboralhe faltassem os requisitos essenciais de uma religio, a saber: um conjunto de dogmas, um ritual e uma hierarquia sacerdotal. De maneira que, se luta existe entre ela e o Espiritismo, no foi este quemaprovocou. Masnospasessaxnicosacoisadiferente. Com a predominncia do Protestantismo, os profitentes da religio esto mais ntima e solidamente ligados sua igreja: so eles e no os pastores que a administram e desenvolvem as obras assistenciais com um ritual mais pobre, enriquecem o Esprito peloestudo. Assim, airrupo dos fenmenos espritasno foiignoradanemamaldioada,masrecebidacomoumaprovadasobrevivnciada almaeumaconfirmaodosensinosbblicos. Por isso, pouco proliferam os centros espritas. Em compensao, h na lngua inglesa maisdecincomil ttulosdeobras sobre oEspiritismo. * Os estudiosos desses problemas no tm projetado a ateno sobre essa diferenciao do desenvolvimento do Espiritismo entre neolatinos e anglosaxes, paralhepenetrarascausaseoferecerelementosparaacompreensodointeressante fenmeno. Oassuntomereceateno. Na Frana, o Doutor Gustave Geley, a quem tanto deve a Medicina, fez notveisestudossobreoectoplasmaessenovoelementocujaimportnciacresce

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dia a dia e que vem correndo parelha com o proto plasma na explicao dos fenmenos da vida que fez demonstraes insofismveis das materializaes parciais, atravs das moldagens em cera fervente, impossvel de obterse por qualquer outro processo que no o da materializao de mos que convidou cem cientistas para assistirem s suas experincias muitas das quais em plena luz e todas sob o mais rigoroso controle cientfico que foi presidente do Instituto de Metapsquica de Paris, onde se afirmou um legtimo pioneiro que fez avanar enormemente os conhecimentos da Psicologia com o seu Do Inconsciente ao Consciente o Doutor Geley, amos dizendo, assiste ao terrvel drama ntimo do Doutor Paul Gibier, essa outra figura de cientista, a quem tanto devem a Microbiologia e os trabalhos iniciados pelo ilustre Pasteur, dada a intolerncia da chamadacinciaoficial.Gibierteveque abandonaroslaboratrioseaprpriaptria, ondeoseutrabalhosehaviatornado impossvel,efoiabrigarsenosgrandescentros norteamericanos,deixandoumatristeadvertnciaaoutrafiguraaindamaisnotvel CharlesRichet. Comefeito,esse grandemestre,talvezomaiordeseutempo,que investigou tanto os fenmenos espritas, que, alm da sua obra clssica sobre Metapsquica,legounosTrintaAnosdePesquisasPsquicasqueassistiuaos testes de Geley com Kluski e com Eusapia Palladino que teve as mais notveis provasatravsdacorrespondnciacruzadaquecunhouovocbuloectoplasma,por foradetantoestudaressasubstncia,queumverdadeiroproteueumnovoestado da matria a responder pelos fenmenos fsicos, ou melhor, hiperfsicos, que se passamatravsdosmdiunsessehomem,quedesfrutavadorespeitodeseuspares como um legtimo mestre e uma das glrias da cultura francesa, convenceuse da legitimidade dos pontos de vista espritas, mas temeu aquelas forasnegativas que haviam sacrificado o Doutor Gibier. No teve a coragem de o confessar. Flo apenasemcartareservadaaoseuamigoe opositorErnestoBozzano,depoisdeter tido a franqueza de erigir dezenas de hipteses que jamais se prestariam a uma generalizao amplssima,comoahipteseesprita. Do outro lado, vemos na Inglaterra homens de cincia do melhor quilate organizando uma Sociedade de Pesquisas Psquicasque, desde 1882, vem fazendo estudos rigorosos, com muita circunspeco e que toma, por vezes, uma atitude hostil aos princpios espritas, mas acaba dando o testemunho dos fatos supranormais,emborafujasistemticamentedasgeneralizaesfilosficas. Quemso esseshomens? Dos mais categorizados: fsicos, qumicos, fisiologistas, matemticos, Membros da Sociedade Real, honraria rarssima concedida na Inglaterra a um homemdecincia. Da a atitude de Lord Dowding. Marechal do Ar da Inglaterra, primo do ltimo rei, Lord Dowding comandou a RAF (Royal Air Forces) durante a ltima guerra. Protestante, os fatos o convenceram das verdades espritas. Tanto bastou paraquetomasseatitudepblica. Como bom ingls,no compreendia quena comunidade britnica algum sofresserestriesnasualiberdade,daqualumafacetaimportantealiberdadede crena. Em consequncia, e liderados por ele, os Espritas ingleses conseguiram que o Parlamento Ingls, o mais respeitvel do mundo, votasse uma lei,

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reconhecendo o direito ao exerccio da mediunidade, com o que os sensitivos ficavam subtrados as perseguies religiosas, exercitadas nos termos de duas leis obsoletas,masnoprescritas:oVagrancyActeoWitchcraftAct,atravsdasquais maisde50.000mdiunsjhaviamsidomultadosoucondenadospenadepriso. Continuandoasuacampanha,isto,procurandolevarpordianteasconseqncias danova lei, foi obtido pelos espritas que oEstado Maiordas Foras Armadas da Inglaterradeterminassequeemtodososcorposdetropaondehouvesseinstalaes paraoservioreligioso,tambmashouvesseparaoficiaisesoldadosespritas. * A obra que tivemos a honra de traduzir de autoria de um membro da Sociedade de Pesquisas Psquicas da Inglaterra, geralmente conhecido do nosso pblicoporsuasnovelaspoliciais.Comoathojenoseescreveu,nogneroeem qualquer lngua, um trabalho semelhante, julgamonos no dever de escrever uma ligeira biografia de Sir Arthur Conan Doyle, para que o leitor brasileiro possa aquilatar do valor e das cogitaes de um dos mais nobres caracteres da passada geraodeescritoresedehomensdecincia. Aobranopoderiaserminuciosaecompleta.Passa,porm,emrevistaos maiores mdiuns da Europa e dos Estados Unidos, desde o sculo passado at o comeo deste sculo., assim,umroteiromagnfico. Afenomenologiaespritaaaparecebemdividida,porcaptulososmaiores mdiunssoapresentadosdivididosemgrupos,conformeassuaspeculiaridades. feitaumacrticamuitoequilibradaamdiunsepesquisadores.Oleitoratentover queoautornosaideumalinhadecentro,deumperfildeequilbrio,demodoque no ser nunca confundido com um crente fantico, de vez que , em todas as circunstncias, o observador percuciente, o filsofo sereno e o cientista que est convencidodaleidoprogresso,dosentidoamplssimodaevoluogeraldaVida. Ele no teme aquelas coisas que se apresentam na zona de penumbra do pesquisador,porqueusaaquiloquesabe,afimdeavaliaraquiloque lhefaltasaber. Sir Arthur Conan Doyle no nos apresenta uma histria puramente descritivado Espiritismo,mas,naverdade,umahistriafilosficadoEspiritismo. A sua obra nica no gnero preenche uma lacuna na estante dos espritasestudiososmostralhesummundodecoisasimportantesdireimesmo, indispensveis que ignoravam. E, nessa fase do nosso desenvolvimento intelectual,desbitovalorparaosestudantesdasnossasFaculdadesdeFilosofia. Achamola, sobretudo, inestimvel para os dirigentes de sociedades espritas.Maisesclarecidosporela,certamentedaronovorumoaostrabalhosditos de efeitos fsicos, j selecionando os mdiuns, j excluindo essa prejudicial assistncia de curiosos, j e nisto reside a sua melhor lio colocando a pesquisapsquicanumplanoisentodefanatismoreligioso,deintolernciapseudo cientfica, sem o que to cedo esses fenmenos no entraro nos ambientes universitrios, onde nem o professor Richet serve de exemplo, porque a atitude acadmica continua sendo a do avestruz: enterrar a cabea na areia e negar a tempestade. Este umlivroquenosfazpensar.

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Que o leiam os nossos homens de cincia que o leiam os nossos pensadores que o leiam aqueles que pensam que pensam. Os frutos no se faro esperar.

J ulioAbreuFilho

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SIR ARTHUR CONAN DOYLE ESBOO BIOGRFICO

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autor da obra que se vai ler era muito conhecido da juventude de uns cinquenta anos passados, como o criador de Sherlock Holmes. Naquele tempo lamos literatura neolatina no original e anglosaxnica atravs de boastraduesfrancesasouemnossalngua. Hojeamocidadelhistriasemquadrinhos,ondeovocabulriorepresenta apenasum dcimodoquemanejvamos. Onvelbaixou.Se,ento,eramasbiografiasumaspectopoucoexplorado emliteratura,hojepoucoseconhecedasvidasgrandesenobres.Tantoque,quando o autor destas linhas disse que estava traduzindo uma HISTRIA DO ESPIRITISMOdeSirArthurConanDoyle,despertouatenoporestascoisas:que o criadordeSherlockHolmestivessesido knighted,comosedizeminglsque fosse algomaisqueumescritorde contospoliciaisquetivessetidoacachimniade levar a srio o Espiritismoe fazer, com aquela proverbial seriedade dos escritores ingleses,umaHistriadoEspiritismo. Estavamcertosrelativamentecertososinterlocutoresdequemtraa estaslinhas.Pordoismotivos:oprimeiroqueonveldoscontospoliciaisbaixou o segundo que em geral se ignora,nos pases latinos, que os ingleses de cultura universitriano tomam cursos de tcnica superior como em geral os latinos e particularmente os brasileiros a fim de serem chamados doutores, ou como um meiofcildefazerdinheiro.umaquesto deeducao,hmuitoaliresolvidaena qualandamostateando,semcoragemdemodificaronossofigurino.Sobre oassunto bastaria recomendar trs livros de um nico escritor ingls, representativo de brilhanteperododaculturainglesaoperodovitorianoSirJohnRuskina saber:SesameandLulies,TheSevenLampsofArchitectureeTheStoneofVenice. Na verdade o ingls de certa classe, mesmo de qualquer classe, que houvesse atingido mais alto grau de cultura atravs da universidade, no tinha apenas um verniz:osconhecimentoseoambientelhehaviamlapidadooesprito,transformado acompreenso daVidaecriadonovosrumosparaoseucomportamentosocial. Porissooinglsdessesnveismaisaltosexerciaaprofisso,parcialmente, paraganhardosquepodiampagarsemseremexplorados,parcialmente,paraservir aosquenopodiampagar,masdeviamsentirqueasolidariedadehumananoera mero tema para discursos polticos de campanhas eleitorais. Paralelamente, esses homens de padro universitrio exercem uma atividade extra que, se por um lado contribuiparaoseuprprioprogressoespiritual,poroutroajudaolevantamentoda culturadopovo.

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Isto , sem dvida, um dos mais belos efeitos da concepo inglesa de religio esta no se separa da vida e a vida considerada como que vascular, segundo a expresso do Reverendo Stanley Jones, que assim explica: onde quer queafiramos,elasangrar. Destejeitotemoinglsumsentidoprticodereligio,quedeixadeser umafugaparaosplanosabstratos,queficamdepoisdostmulos,domesmopasso quetemuma noo maisobjetivadehumanismo quedeixadeserumaverbiagem excitante para ser uma soma de conhecimentos de imprescindvel aplicao Humanidade. Assim, no de admirar que um Churchill cultive a pintura ainda aos oitentaanosqueumJohnRuskinvparaocampocomosuniversitriostrabalhar nareparaodeestradasquesehaviamtornadointransitveisqueFredericMyers, Lord Balfour, Sir William Crookes, Sir Oliver Lodge e tantos outros, que se encontramnotopodasgraduaescientficasdevriasespecialidades,seapliquem, paralelamente, a outras atividades monetriamente improdutivas, mas que contribuemlargamenteparaobemestarespiritualdopovo. Ora,todosestesnomesdoltimogrupoderamexemplodecompreensode quanto o conhecimento do porqu da vida, do porqu da diversificao das existncias pode contribuir para o bemestar geral, depois de ter criado aquela serenidade espiritual que nos torna altamente conscientes e nos subtrai daquele fatalismo da massa muulmnica, que amesquinha a criatura. Mas no quiseram basearse em sermes mais ou menos sonoros nem nas citaes mais ou menos papagaiadasdetextosbblicos:basearamsenosfatos.Eseofenmenoespritaera umfatodanatureza,atentopoucoestudado,estudaramnobuscaramapreendera leiqueosrege.Enissonadaviramdaqueleridculoquepseudosbios oupseudo religiososprocuramlanarsobrecoisasqueignoram.Paraeles,verdadeirossbios, noexisteridculonemimoralidadenasleisdaNatureza,quesoasmesmasleisde Deus. Ridculo e imoralidade esto em ns, na nossa maneira de ver a vida constituem,porassimdizer,osculosdanossaobservao. MasvoltemosaSirArthurConanDoyle. * Estamosdizendoqueonveldocontopolicialhaviabaixado.Baixou,pelo menos daquela cota em que Conan Doyle havia elevado a produo do suposto criador desse gnero literrio o escritor francs Gaboriau. Mostranos a cronologia que o iniciador desse tipo de literatura foi um escritor americano, tambm esprita e certamente um mdium inconsciente de suas faculdades criptopsquicas o grande poeta americano Edgard Allan Poe, autor do Mary RogerCaseeoutroscontospoliciais.Masnodesgarremosfrisemosumcontraste essencial:enquantoopolicialatualviolento,Sherlocksuaveaqueleusaafora muscular, este o vigor do raciocnio. Dirseia que, mesmo antes de se tornar esprita,SirArthurmarcava,nasuaobrapopularssima,asuperioridadedoEsprito sobre a Matria, da Inteligncia sobre a Fora Fsica, do Conhecimento sobre a PistolaColt.

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E j que entramos por este raciocnio, sejanos permitido admitir que as cidades, como as famlias, parece que tm um certo poder atrativo para determinadostiposdeEspritos. Dirseia que elas possuem aquilo que os orientais chamam de karma coletivo, como o possuem as famlias, e que nos indivduos uma espcie de magnetismo espiritual. No ser isso que cerca de encanto a vida de certas universidadesedecertascidades,como,porexemplo,Florena? NoestarnomesmocasoacidadeescocesadeEdimburgo?Deondeoseu nome? De um certo rei Edwin, de Northumberland, que a fundou no sculo VII? EdimburgoquefoielevadaacidadeporCarlos3em1633,consideradamaisuma cidadeintelectualdoqueindustrial,postoquesejaumimportantecentrodetecidos de l, algodo e seda tinha fbricas de cristais, destilarias e fundies, alm de importanteindstrialivreira.Masosseusestabelecimentosdeensinoentreosquais sedestacamauniversidade,aescolademedicina,oconservatriodebelasartesea escoladearteseofcios,lhevaleramoepteto deNovaAtenas. Entre os filhos notveis que a honram e dos quais Sir Arthur Conan Doyle no dos menos celebrados contamse John Ogilby, nascido em 1600, tradutor e editor das obras de Virglio e de Homero e das Fbulas de Esopo a famliaBlair,entrecujosmembros sobressaemJohnBlair,ligadohistriadesua independncia e Hugh Blair (1718, 1800), notvel orador e professor na universidade de Saint Andrews, onde seu nome foi ligado cadeira de retrica e belas letras a clebre famlia Napier ou Neper, segundo a grafia latina, onde aparecem destacados vultos na Marinha e no Exrcito, mas cujo tronco ilustre foi John Napier ou Joannis Neper, grande matemtico e inventor dos logaritmos ditos neperianos, cuja publicao apareceu com este longo ttulo, ao gosto da poca: LogarithmorumcanonisdescriptoseuArithmeticorumsupginasutatwnummarabilis abbreviatio, ejusque usus in utraque trigonometria, ut etiam in omni logistica matemtica amplissimi, jacilimi et expeditissimi explicatio, auctore ac inventore JoanneNepero,barone Merchistonii,Scoto(1614). NoesqueamosDavidHume,filsofoehistoriador(1711.1776),quenos deixouumTratadosobreaNaturezaHumana,EnsaiosMoraisePolticos,Histria Natural daReligio, Ensaios Sobrea Imortalidade da Alma,alm de vrios outros trabalhossobremoralereligioe,deparceriacomoutrosadvogados,umaHistria da Inglaterra. Por fim destaquemos um tpico escritor escocs Sir Walter Scott (17711832).Iniciandoseem1802,comoCantodaFronteiraEscocesa,escreveu maistrintaobras,entreasquaissomundialmenteconhecidaseapreciadasADama doLago,queinspirouaRossiniaperadomesmonome,GuyManneringAPriso deEdimburgoANoivadeLammermoor,deondefoiextradoolibretodaperade Donizetti, Lucia de Lanrmermoor A Formosa Donzela dePenh e Ivanhoe, talvez, desuasobrasamaisconhecidaequecontamaiornmerode tradues. Toda essa tradio magnfica de sua cidade deve ter infludo poderosamente na formao espiritual de Sir Arthur. Sabese que seu av era o caricaturista de nomeada John Doyle, sobre o qual, entretanto, temos poucas indicaes. Os traos genealgicos de que dispomos dizem que seu pai, Charles Doyle,eraumartista.Quemseriaesseartista?CertamenteeraSirFrancisHastings CharlesDoyle,poetanascidonoCondadodeYork,em1810emortoem1888.Foi

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funcionrio da administrao e publicou vrias obras, entre as quais Poemas DiversosDoisDestinosdipo,ReideTebasOsFirneraisdoDuqueAvoltados Guardas, etc. Foi professor de potica na Universidade de Oxford, entre 1867 e 1872. Teve,assim,ojovemArthurumambientepropcio,queremsuacasaeem sua ptria, quer no estrangeiro, onde seu pai esteve a servio do governo, pois se sabequeonossobiografadofezpartedesuaeducaonaAlemanha.Nascidoa22 demaiode1859,suaeducaofoifeitasucessivamentenoStonyhurstCollege,na Alemanha e na Universidade de Edimburgo, onde, em 1881, terminou o curso de medicina(M.B.)equatroanosmaistardeodoutoradoemmedicina(M.D.)Sabese queviajoumuitopelasregiesrticasepelacostaocidentaldafrica. Escreveualgumasobrasnajuventude,quedevemterpassadoinadvertidas ou que ele prprio teria retirado da circulao, pois a primeira citada cronologicamente A Study in Scarlet, publicada em 1887, quando j estava clinicandoemSouthsea.NoanoseguintepublicououtroromanceMicahClarck. AhistriadarebeliodeMonmouth.ThesignofFour,em1889eem1891The WhiteCompany,queobtevegrandesucesso,equefoiseguidaporumromanceda pocadeDuGuesclin. Nesse ano de 1891 Sir Arthur Conan Doyle conquistou imensa popularidade com as Aventuras de Sherlock Holmes, que apareciam em The Strend Magazine. Como indicamos pouco antes, dizem que o seu inspirador foi EmileGaboriau,escritorfrancsquehaviafracassadonogneroromanceequeem 1866 publicara, com estrondoso sucesso, em folhetim em Le Pays, um romance judiciriopolicialintituladolAffaireLevouge,quelhevaleragrandenomeadaeo sucessoparamaisdezoutrasobrasnognero. possvel. Mas mais provvel que, dadas as inclinaes artsticas e literriasdeSirArthur,tivesseeleconhecidotodaaobradeEdgardAllanPoe,que ,aonossover,overdadeirocriadordocontoedoromancepolicial,querquantos caractersticas literrias, quer quanto precedncia histrica. Em nossa opinio, o criadordeSherlockestmaisprximodosmtodosderaciocniodePoe,quedosde Gaboriau. ComaimportncialiterriaeapopularidadedeSherlock,cujasaventuras se iniciam em A Study in Scarlet, a prtica da medicina de Sir Arthur Conan Doylepassaparasegundo plano,medidaquecresceoescritor.Em1893reaparece oherinasMemriasde SherlockHolmes,seguidasdeOCodosBaskervilles, em1902edeAVoltade SherlockHolmesem1905. Enganamse, porm, os que pensam que Sir Arthurhaja cultivado apenas este gnero literrio. J em 1896 publicava ele estudos histricos em As ExploraesdoGeneralGerardeemAsAventurasdeGerard.Antes,porm,em 1894, havia publicado A Histria de Waterloo, na qual Sir Henry Irving havia tomadopartetosaliente.Em1909 lanouTheFiresojFateeTheHouseofTem perieyeem1913outrovolume interessante ThePoisonBelt. ApenadeSirArthurConanDoyleesteve,entretanto,aoserviodaptria, nosmomentoscrticos.Semserumpoltico,naacepolimitadadovocbulo,soube ele prestar valiosos servios polticos ao seu pas. Pode a gente discordar de seu ponto de vista particular, em relao tese por ele defendida mas h que

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reconhecerseque ele noprocurouserviraum partido,mascomunidadebritnica. E o fez com honestidade e com elegncia. assim que, em defesa do Exrcito Britnico na frica do Sul, publicou em 1900 The GreatBoer War e, dois anos depois, um estudo mais minucioso dessa guerra, intitulado The War in South AfricaitsCausesandConduct. DuranteaprimeiraGrandeGuerrasuapenaesteveaoserviodosAliados. Escreveu abundantemente.Entre outros trabalhos,largamente traduzidos, podemos citarCauseand ConductoftheWorldWar,quelogroutraduesemdozelnguas. Suas preocupaes pelas colnias inglesas no eram do tipo das de um agentedogoverno,masdasdeumpensadorderaa.Iniciandosenessegnerocom aguerradosboers,podearigordizersequeaquelesdoislivrospoucoantescitados foramprecedidosporTheTragedyoftheKorosko,em1898,queumapequena histria do Sudo angloegpcio e The Green Flag, que versa ainda assuntos africanos. Nestegruposeincluiumaobralanadaem1906,consideradaasuaobra prima SirNigel. Comoobrasmenoresedetemasvariadostodas,porm,defendendouma tese de subido interesse, podem citarse, cronologicamente, a partir de 1894, at 1912, as seguintes: Round the Red Lamp, The Stark Mumro Letters, A Duet with an Occasional Chorus, Tlironglt the Magic Door, A Modern Morality Plity,TheCrimeof theCongo, SongsoftireRadeTireLastWorld. Entre as suas ltimas obras uma se conta, de grande importncia e que alcana seis volumes, publicados entre 1915 e 1920: History of the Britislr CompaigninFranceandFlandersequerepresentaasualtimacontribuioparaa suaterraeparaasuagenteno setorpolticopropriamentedito. * que, a essa altura, grandes mdiuns ingleses, americanos e da Europa continental haviam chamado a ateno de conspcuas figuras do mundo cientfico ingls. Os fenmenos que em ingls se diziam do neoespiritismo provocavam estudosepolmicas,entusiasmoserevoltas.Em1882,fundarase,emrazodisto,a Society for Psychical Research os nomes mais brilhantes dos cus da cincia se haviamligadoaessacriteriosaorganizaoque,se crticasmerece,certamentepor sua teimosia em no querer reconhecer numa fenomenologia amplssima e constatada sob os mais rigorosos mtodos de ensaio, que a geratriz de tantos fenmenos eram os Espritos dos mortos e, por vezes tambm, os Espritos dos vivos. QuenomesprestigiavamaSOCIETYFORPSYCHICALRESEARCH? Os mais brilhantes, com efeito, entre outras notabilidades, o Professor Sidgwick,Sir WilliamCrookes,F.W.H.Myers,FrankPodmore,ProfessorJomes H. Hyslop, Doutor R. Hodgson, Professor Charks Richet, Sir Oliver Lodge, ProfessorC.G.Jung,SirWilliamBarrett,DoutorGustaveGeley,DoutorEdmund Gurney,ProfessorVonSchrenckNotzing,ProfessorHenryBergsonetantosoutros, muitos dos quais erammembros da SociedadeReal e da Academia Francesa, vale dizer,portadoresdasmaisaltasdistineshonorficas.

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Sir Arthur Conan Doyle ingressou na Sociedade de Pesquisas Psquicas. ConvencidodofenmenodamanifestaodoEspritodosmortos,aderiucausado Espiritismo.Fezpesquisas,porcontaprpria,comosmaioresmdiunsdaEuropa. Lobrigando o alcancereligioso e filosfico detais fenmenos, a eles se dedicou e procurouservircomahonestidadeecomaseguranaquelhepermitiamumcarter inteirioeumaenorme bagagemdeconhecimentoscientficos. Noselimitouavereouvir.Viajou,fazendoconfernciasdepropaganda. EstevemaisdeumaveznosEstadosUnidos,nafrica,naEuropacontinentaleno Oriente,ataAustrliaeaNovaZelndia. Entre outros escritos sobre o assunto publicou em 1918 A New Revelation,doisvolumesderecordaesdessasviagens,dosquaisoltimo,sado em1924,temporttuloMy MemoriesandAdventures. Em 1926 lanou em dois volumes History o! the Spiritualism, que tivemos o ensejo de traduzir agora para a editora O Pensamento, precedendoa destasligeirasnotasbiogrficasedeumprefcioediobrasileira. PodedizersequeanicaHistriadoEspiritismosurgidaatagora.Fora delaoqueapareceuataquinopassadeestudolimitadonotempoenoespao e que, de forma alguma pode emparelharse com o presente volume onde, alm da histria descritiva, se encontra, realmente, muito de filosofia da histria do Espiritismo. Estasnotasforamescritasparamostraraoleitormenosfamiliarizadocom asletrasinglesasqueSirArthurConanDoylenoapenasocriadordeSherlockeo escritor de contos policiais: uma figura expressiva nas letras inglesas e uma das figurasaqueoEspiritismoinclusiveoEspiritismodefeioreligiosamuito deve.EmplanointernacionalasuaobraseinscrevelogodepoisdadeAllanKardec esealinhacomadessesluminaresquesechamaramErnestoBozzano,LonDenis, CamilleFlammarion,AlexanderAksakof,Vale OweneStaintonMoses. Os espritas de fala portuguesa esto de parabns com a apresentao em nossalngua,daobramagnficadeSirArthurConanDoyle.

J ulioAbreuFilho

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PREFCIO

E

sta obra surgiu de pequenos captulos sem conexo, terminando numa narrativa que abrange, de certo modo, a histria completa do movimento 1 esprita . Sua gnese requer uma ligeira explicao. Euhavia escrito alguns estudos sem qualquer objetivo ulterior a no ser o de me proporcionar, e a outras pessoas,umavisoclaradoquesemeafiguravaepisdiosimportantesnomoderno desenvolvimentoespiritualdognerohumano. Compreendiam estudos sobre Swedenborg, Irving, A. I. Davis, sobre o incidente de Hydesville, sobre a histria das irms Fox, sobre os Eddys e sobre a vidadeD.D.Home.Estesjseachavamprontos,quandomeocorreuaideiadeir mais adiante, dando uma histria mais completa do movimento esprita, mais completadoqueasatentopublicadasumahistriaquetivesseavantagemde ser escrita de dentro e com um pessoal conhecimento ntimo dos fatores caractersticosdesse modernodesenvolvimento. realmentecuriosoqueessemovimento,quemuitosdensconsideramos como o mais importante na histria do mundo desde o episdio de Jesus Cristo, jamaistenhatidoum historiador,entreosqueaeleestavamligados,eque possusse umalargaexperinciapessoaldeseudesenvolvimento.Mr.FrankPodmorereuniu um grande nmero de fatos e, desprezando os que no se ajustavam aos seus propsitos, esforouse por sugerir a desvalia dos restantes, especialmente os fenmenos fsicos que, no seu modo de ver, eram principalmente tidos como produtodafraude.HumahistriadoEspiritismoporMr.McCabe,quereduztudo a fraude e que , elamesma, uma fraude, desde que o pblicocompraria umlivro com esse ttulo certo de que era um registro ao invs de uma mistificao. H tambm uma histria por J. Arthur Hill, escrita do ponto de vista estritamente da pesquisa psquica e que se acha muito longe dos fatos reais provveis. A seguir temos:ModernoEspiritismoAmericano:umRegistrodeVinteanoseMilagres do Sculo XIX, pela grande e esplndida propagandista que a Senhora Emma1

Em ingls a forma corrente spiritualism e suas derivaes, para significar o Espiritismo e outros vocbulos derivados. Allan Kardec criou a voz do espiritismo e as suas derivaes, para exprimir, evitandoasnaturais confusesquealinguagemcientfica efilosficano poderiapermitir,umramodo espiritualismo, Isto , da doutrina que admite Deus e a alma. Este ramo, alm de admitir Deus, causa primeira, e a alma ou esprito, fora atuante e inteligente da natureza, instrumento do Criador para a evoluo geral da vida, admite, ainda, que o ser humano tem vidas sucessivas, solidrias e sempre progressivas,aomenos nasuafeio moralequeDeusnocastiganempremia:anossaexistncia,boa ou m, consequncia de uma existncia anterior. Os vocbulos cunhados por Allan Kardec hoje se achamemtodososgrandeslxicons,muitoemboranaInglaterraenosEstadosUnidostambmseusem, emrelaoaoEspiritismo,eparaevitarconfuses,aformanewspiritualismesuasderivaes.Nota doTradutor

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HardingeBritten,masesteslivrosapenasseocupamdefases,emborasejammuito valiosos. Finalmente eomelhordetodoshaSobrevivnciadoHomemaps a Morte, pelo Reverendo Charles L. Tweedale. Mas se trata, antes, de uma bela exposiorelacionadacomaverdadedocultodoqueumahistriacontinuada.H histrias gerais do Misticismo, como as de Ennetnoser e Howitt, mas no h nenhuma histria clara e compreensiva dos desenvolvimentos sucessivos desse movimento universal. Quando este entrava para o prelo apareceu um utilssimo compndio de fatos psquicos, por CampbellHolms. O seu ttulo Os Fatos da Cincia Psquica e a Filosofia indica, entretanto, que no pode ser apresentado comoumahistriametdica. claro que semelhante trabalho necessitava muito de investigao muitomaisdoquelhepoderiadedicaremminhavidaocupadssima.verdadeque, dequalquermodo,omeutempoeradedicadoaele,masaliteraturavastaehavia muitos aspectos do movimento que me atraam a ateno. Em tais circunstncias soliciteieobtivealealcooperaodeMr.W.LeslieCurnow,cujosconhecimentos do assunto e cuja habilidade demonstravam ser inapreciveis. Ele trabalhou assiduamente nessa vasta mina separou minrios e escria e deume enorme assistncia em todos os sentidos. Inicialmente eu no esperava mais que matria prima,masocasionalmenteelemeapresentavametalpuro,doqualmeservi,apenas alterandoodemaneiraateromeupontodevistapessoal.Nopossoexprimiraleal assistncia que me foi dada e seno inclui o seunome com o meunotopodeste livro,foipormotivosque ele compreendeecomosquaisconcorda.

ArthurConanDoyleThePsychicBookshop, AbbeyHouse, VictoriaStreet.S.W.

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1 A HISTRIA DO ESPIRITISMO A Histria de Swedenborg

impossvelfixarumadataparaasprimeirasapariesdeumaforainteligente exterior, de maior ou menor elevao, influindo nas relaes humanas. Os espritastomaramoficialmenteadatade31demarode1848comoocomeo dascoisaspsquicas,porqueomovimentofoiiniciadonaqueladata.Entretantono h poca na histria do mundo em que no se encontrem traos de interferncias preternaturais e o seu tardio reconhecimento pela humanidade. A nica diferena entre essesepisdioseomoderno movimentoque aquelespodemserapresentados comocasosespordicosdeextraviadosdeumaesferaqualquer,enquantoosltimos tm as caractersticas de uma invaso organizada. Como, porm, uma invaso poderia ser precedida por pioneiros em busca da Terra, tambm o influxo esprita dosltimosanospoderiaseranunciadoporcertonmerodeincidentes,susceptveis deverificaodesdeaIdadeMdiaeatmaisparatrs.Umadatadeveserfixada para incio da narrativa e, talvez, nenhuma melhor que a da histria do grande videntesuecoEmmanuelSwedenborg,quepossuibonsttulosparaserconsiderado opaidonossonovoconhecimentodosfenmenossupranormais. Quando os primeiros raios do sol nascente do conhecimento espiritual caram sobreaTerra,iluminaram a maior eamais altaintelignciahumana,antes que a sua luz atingisse homens inferiores. O cume da mentalidade foi o grande reformadoremdiumclarividente,topoucoconhecidoporseusproslitos,qualfoi oCristo. ParacompreendercompletamenteumSwedenborgprecisopossuirseum crebrodeSwedenborgeistonoseencontraemcadasculo.Eainda,pelanossa fora de comparao e por nossa experincia dos fatos desconhecidos para Swedenborg,podemos compreender,mais claramente do queele, certas passagens desuavida.Oobjetodopresenteestudonotratarohomemcomoumtodo,mas procurar situlo no esquema geral do desdobramento psquico aqui abordado, do qualasuaprpriaIgreja,nasua estreiteza,oimpediria. Swedenborgera,sobcertosaspectos,umavivacontradioparaasnossas generalizaes psquicas, porque se costuma dizer que as grandes inteligncias esbarramnocaminhodaexperinciapsquicapessoal.Umalousalimpa,porcerto, maisaptaparanelaescreverseumamensagem.OcrebrodeSwedenborgnoera uma lousa limpa, mas um emaranhado de conhecimentos exatos de susceptvel aquisionaqueletempo.Nuncaseviutamanhoamontoadodeconhecimentos.Ele era, antes de mais nada, um grande engenheiro de minas e uma autoridade em metalurgia. Foi o engenheiro militar que mudou a sorte de uma das muitas campanhas de Carlos 12, da Sucia. Era uma grande autoridade em Fsica e em

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Astronomia,autor deimportantestrabalhos sobreasmarsesobrea determinao das latitudes. Era zoologista e anatomista. Financista e poltico, antecipouse as conclusesdeAdamSmith.Finalmente,eraumprofundoestudiosoda Bblia,que se alimentara de teologia com o leite materno e viveu na austera atmosfera evanglicaalgunsanosdevida.Seudesenvolvimentopsquico,ocorridoaosvintee cinco anos, no influiu sobre a sua atividade mental e muitos de seus trabalhos cientficosforampublicadosapsessadata. Comumatalmentalidade,muitonaturalque fosse chocadopelaevidncia dasforassupranormais,quesurgemnocaminhodetodopensador,masoqueno natural que devesse ele ser o mdium para tais foras. Em certo sentido a sua mentalidade lhe foi prejudicial e lhe adulterou os resultados, posto que, de outro lado,lhetivessesidodegrande utilidade.Paraodemonstrarbastaconsiderarosdois aspectossobosquaisoseutrabalho podeserencarado. O primeiro o teolgico. maioria das pessoas que no pertencem ao rebanhoescolhidoafiguraseoladointileperigosodeseutrabalho.Porumlado, aceitaaBbliacomosendo,demodomuitoparticular,umaobradeDeusporoutro lado,sustentaquea suaverdadeirasignificaointeiramentediferentedeseubvio sentido e queele e s ele ajudado pelos anjos, capaz de transmitir aquele verdadeirosentido.Essapretensointolervel.AinfalibilidadedoPapaseriauma insignificncia comparada com a infalibilidade de Swedenborg, se tal fosse admitido.PelomenosoPapainfalvelquandoprofereum veredictoemmatriade doutrina exctedra, acolitado por seus cardeais. A infalibilidade de Swedenborg seriauniversaleirrestrita.Almdissosuasexplicaesnemaomenosseacomodam razo. Quando, visando apreender o verdadeiro sentido de uma mensagem de Deus,temosqueadmitirqueumcavalosimbolizaumaverdadeintelectual,queum burro significa uma verdade cientfica, uma chama quer dizer melhoramento, e assimpordiantecomumainfinidadedesmbolos,parecequenosencontramosno reino da imaginao, que apenas pode ser comparado com as cifras que alguns crticos engenhosos pretendem ter descoberto nas peas de Shakespeare. No assim que Deus manda a Sua verdade a este mundo. Se tal ponto de vista fosse aceito,ocredodeSwedenborgseria apenasamatrizdemilheresiasregrediramose iramos encontrarnos novamente entre as discusses e os silogismos dos escolsticos medievais. As coisas grandes e verdadeiras so simples e compreensveis. A teologia de Swedenborg nem simples nem inteligvel. E isto representaasuacondenao. Entretanto,quandoentramosnasuafatiganteexegesedasEscrituras,onde cada coisa significa algo diferente daquilo que obviamente significa, e quando chegamos a alguns dos resultados gerais de seu ensino, eles no se acham em desarmonia com o moderno pensamento liberal, nem com o ensino recebido do OutroLado,desdequeseiniciaramascomunicaes.Assim,aproposiogeralde que este mundo um laboratrio de almas, um campo de experincias, no qual o material refina o espiritual, no sofre contestao. Ele repele a Trindade no seu sentido comum, mas a reconstitui de maneira extraordinria, que tambm seria impugnadaporumUnitrio.Admitequecadasistematemasuafinalidadeequea virtudenoprivativadoCristianismo.Concordacomoensinoespritaemprocurar overdadeirosentidodavidadeJesusCristonoseupodercomoexemploerepelea

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expiao e o pecado original. Vno egosmo a raizde todo o mal e admite como essencialumegosmosadio,naexpressodeHegel.Quantoaosproblemassexuais, suas ideias so liberais at ao relaxamento. Considera a Igreja de absoluta necessidade,semoqueningumseentenderiacomoCriador.Emtamanhaconfuso de ideias, espalhadas a torto e a direito em grandes volumes, escritos num latim obscuro, cada intrprete independente seria capaz de encontrar sua nova religio particular.MasnoaqueresideomritodeSwedenborg.Essemritorealmente seria encontrado em suas foras psquicas e nas suas informaes psquicas, que teriam sido muito valiosas se jamais de sua pena houvesse brotado uma palavra sobre Teologia. para essas foras e para essas informaes que nos voltamos agora. Aindamenino,Swedenborgteveassuasvises.Masessedelicadoaspecto desuanaturezafoiabafadopelaextraordinariamenteprticaeenrgicaidadeviril. Entretanto,por vezesveioelatona,emtodaasuavidaemuitosexemplosforam registrados, para mostrar que possua poderes geralmente chamados vidncia distncia,noqualparecequeaalmadeixaocorpo e vaibuscarumainformao distncia,voltandocomnotciasdoquesepassaalhures.Noumapeculiaridade rara nos mdiuns e pode ser comprovada por milhares de exemplos entre os sensitivosespritasmasraranosintelectuaisetambmraraquandoacompanhada porumestadoaparentementenormaldocorpoquandoocorreo fenmeno. Assim,noconhecidssimocasodeGothenburg,ondeovidenteobservoue descreveuumincndioemEstocolmo,atrezentasmilhasdedistncia,comperfeita exatido, estava ele num jantar com dezesseis convidados, o que e um valioso testemunho,OcasofoiinvestigadonadamenosquepelofilsofoKant,queeraseu contemporneo. No obstante, esses episdios ocasionais eram meros indcios de foras latentes,quedesabrocharamsbitamenteemLondres,emabrilde1744.denotar se que, conquanto ovidentefossede boa famlia sueca e educado entre anobreza sueca, foi nada menos que em Londres que os seus melhores livros foram publicados, que a sua iluminao se iniciou e, finalmente, que morreu e foi sepultado. Desde o dia de sua primeira viso at a sua morte, vinte e sete anos depois,esteveeleemcontnuocontatocomooutromundo. Namesmanoitediz deomundodosEspritos,docu.edoinferno,abriuseconvincentementepara

mim,eaencontreimuitaspessoasdemeuconhecimentoedetodasascondies. Desde ento diariamente o Senhor abria os olhos de meu Esprito para ver, perfeitamente desperto, o que se passava no outro mundo e para conversar, em plenaconscincia,com anjoseEspritos .Em suaprimeira viso Swedenborg fala de uma espcie de vapor que se exalavadosporosdemeucorpo.Eraumvaporaquosomuitovisvelecaianocho, sobreotapete.umaperfeitadescriodaquelesectoplasmasqueconsideramosa basedosfenmenosfsicos.Asubstnciafoichamada,tambm,ideoplasma,porque instantaneamentetomaaformaquelhedoEsprito.Noseucaso,conformeasua descrio, ela se transformava em vermes, o que representava um sinal de que os seusGuiaslhedesaprovavamoregimealimentareeraacompanhadaporumaviso pelaclarividncia,dequedeviasermaiscuidadosoaesse respeito.

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Que que pode fazer o mundo com essa narrativa? Dizerque talhomem eraumloucomas,nosanosqueseseguiram,suavidanodeusinaisdefraqueza mental. Ou podiam dizer que ele mentia. Mas este era famoso por sua estrita vivacidade.SeuamigoCuno,banqueiroemAmsterdam,assimdiziadele:Quando

me olhava, com os sorridentes olhos azuis,era como se eles estivessem falando a prpriaverdade .Seriaentoautosugestionadoehonestamenteenganado?Temosque enfrentar a circunstncia de que, em geral, as observaes que fazia eram confirmadasdesde ento pornumerosos observadores dos fenmenos psquicos. A verdadequefoioprimeiroe,sobvriosaspectos,omaiormdium,deummodo geral que estava sujeito a erros tanto quanto aos privilgios decorrentes da mediunidadequespeloestudodamediunidadeseuspoderessero compreendidos eque,noesforode oseparardoEspiritismo,asuaNova Igrejamostrouabsoluta incompreenso de seus dons e da posio que a ela cabia no esquema geral da Natureza. Como um grande pioneiro do movimento esprita, sua posio tanto compreensvel quanto gloriosa. Como uma figura isolada com poderes incompreensveis, no h lugar para ele em qualquer esquema do pensamento religioso,pormaislargamente compreensivoqueseja. interessante notar que ele considerava os seus poderes intimamente relacionados com o sistema respiratrio. Como o ar e o ter nos envolvem, possvelquealgunsrespiremmaisterdoqueare,assim,alcancemumestadomais etreo.Semamenordvidaestaumamaneiraelementaregrosseiradeconsiderar as coisas. Mas essa ideia se derrama no trabalho de muitas escolas de psiquismo. LourenceOliphant,quealisnotinhaligao comSwedenborg,escreveuumlivro, Sympneumata, para o provar, O sistema indiano de Ioga, repousa sobre a mesma ideia. Entretanto, quem quer que tenha visto um mdium cair em transe, deve ter notadoacaractersticainspiraodearcomqueseiniciaoprocessoeasprofundas expiraescomquetermina.ParaaCinciadofuturoaquiestumpromissorcampo deestudos.Nisto,comoemqualqueroutroassuntopsquico,necessriocautela.O autorconheceumuitoscasosemqueocorreramlamentveisresultadosqueforama consequncia de um desavisado emprego da respirao profunda nos exerccios psquicos. Comoaforaeltrica,ospoderesespirituaistmumempregovariado,mas oseumanejo requerconhecimentoseprecaues. Swedenborgresumeoassuntodizendoquequandosecomunicavacomos Espritos, durante uma hora respirava profundamente, tomando apenas a quantidade de ar necessria para alimentar os seus pensamentos. De lado essa peculiaridade,Swedenborgeranormalduranteassuasvises,conquantopreferisse, naocasio,estars.Parecequeteveo privilgiodeexaminarvriasesferasdooutro mundo e, conquanto as suas ideias sobre teologia tivessem marcado as suas descries, por outro lado a sua imensa cultura lhepermitiu excepcional poder de observao e de comparao. Vejamos quais os principais fatos que suas jornadas nostrouxerameatondeelescoincidemcomosque,desdeento,tmsidoobtidos pelosmtodospsquicos. Verificou que o outro mundo,para onde vamos aps amorte, consiste de vrias esferas, representando outros tantos graus de luminosidade e de felicidade cadaumdensirparaaquelaaqueseadaptaanossacondioespiritual.Somos

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julgados automaticamente, por uma lei espiritual das similitudes o resultado determinado pelo resultado global de nossa vida, de modo que a absolvio ou o arrependimentonoleitodemortetmpoucoproveito. Nessas esferas verificou que o cenrio e as condies deste mundo eram reproduzidas fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade. Viu casas ondeviviamfamlias,templosondepraticavamoculto,auditriosondesereuniam parafinssociais,palciosondedeviammoraroschefes. A morte era suave, dada a presena de seres celestiais que ajudavam os recmchegados na sua nova existncia. Esses recmvindos passavam imediatamenteporumperododeabsolutorepouso.Reconquistavamaconscincia empoucosdias,segundoanossacontagem. Havia anjos e demnios, mas no eram de ordem diversa da nossa: eram sereshumanos,quetinhamvividonaTerraequeoueramalmasretardatrias,como demnios,oualtamentedesenvolvidas,comoanjos.Demodoalgummudamoscom amorte.Ohomemnadaperdepelamorte:sobtodosospontosdevistaaindaum homem,conquantomaisperfeitodoquequandonamatria. Levou consigo no s as suas foras, mas os seus hbitos mentais adquiridos,assuaspreocupaes,osseuspreconceitos. Todas as crianas eram recebidas igualmente, fossem ou no batizadas. Cresciamnooutromundojovenslhesserviamdemes,atquechegassemasmes verdadeiras. Nohaviapenaseternas.Osqueseachavamnosinfernospodiamtrabalhar para a sua sada, desde que sentissem vontade. Os que se achavam no cu no tinhamlugarpermanente: trabalhavamporumaposiomaiselevada. Havia o casamento sob a forma de unio espiritual no mundo prximo, onde um homem e uma mulher constituam uma unidade completa. de notarse queSwedenborgjamaisse casou. No havia detalhes insignificantes para a sua observao no mundo espiritual.Faladearquitetura,doartesanato,dasflres,dosfrutos,dosbordados,da arte, da msica, da literatura, da cincia, das escolas, dos museus, das academias, dasbibliotecasedosesportes.Tudoissopodechocarasintelignciasconvencionais, conquanto se possa perguntar por que toleramos coroas e tronos enegamos outras coisasmenosmateriais. Os que saram deste mundo velhos, decrpitos, doentes, ou deformados, recuperavam a mocidade e, gradativamente, o completo vigor. Os casais continuavam juntos, se os seus sentimentos recprocos os atraam. Caso contrrio, eradesfeitaaunio.Doisamantesverdadeirosnososeparadospelamorte,de

vezqueoEspritodomortohabitacomodosobrevivente,atmortedesteltimo, quandoseencontrameseunem,amandosemais ternamentedoqueantes.Eis algumas amostras tiradas da massa enorme de informaes mandadas porDeusatravsdeSwedenborg.Elastmsidoreiteradaspelabocaepelapenados nossos iluminados espritas. O mundo as desprezou, taxandoas de concepes insensatas. Contudo, estes novos conhecimentos vo abrindo caminho quando forem aceitos inteiramente, a verdadeira grandeza da misso de Swedenborg ser reconhecida,desdequeseponhade ladoasuaexegesebblica.

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A Nova Igreja, fundada para divulgar os ensinos do mestre sueco, converteuseemelementonegativo,emvezdeocuparoseuverdadeirolugar,como fonte e origem do conhecimento psquico. Quando, em 1848, desabrochou o movimento esprita quando homens como Andrew Jackson Davss o sustentavam atravsdeescritosfilosficosede poderespsquicos,quedificilmentesedistinguem dosdeSwedenborg,aNovaIgrejateriafeitobememsaudaressedesenvolvimento, quecoincidiacomasindicaesdeseuchefe. Em vez disso preferiram, por motivos difceis de compreender, exagerar cadapontodivergenteedesconhecertodos ospontoscoincidentes,atqueosdois corposfossemimpelidosparaofrancoantagonismo.Naverdade,todososespritas deveriamhomenagearSwedenborg,cujobustoeraparaencontrarseemcadatemplo esprita,porseroprimeiroe omaiordosmodernosmdiuns.Poroutrolado,aNova Igreja deveria afogar as pequenas diferenas e integrarse de corao no novo movimento,contribuindoassuasigrejaseassuasorganizaesparaacausacomum. Examinando a vida de Swedenborg difcil descobrir as causas que levaram os seus atuais sectrios a encarar com receio as outras organizaes psquicas. Aquele fez ento aquilo que estas fazem agora. Falando da morte de Polhem,dizovidente:Elemorreusegundafeiraefaloucomigoquintafeira.Eu

tinhasidoconvidadoparaoentrro.Eleviuocochefnebreepresenciouquandoo fretro baixou sepultura. Entretanto, conversando comigo, perguntou porque o haviamenterrado,seestavavivo.Quandoosacerdotedissequeeleseergueriano DiadoJuzo,perguntouporqueisso,seelejestavadep.Admirousedeumatal coisa, ao considerar que, mesmo agora, estava vivo. Isto est perfeitamente concorde com a experincia de um mdium atual. Se Swedenborg estava certo, tambmosmdiunsesto.Denovo:Brahefoidecapitados10damanhefalou comigos10danoite.Estevecomigo,quasequeininterruptamente,durantealguns dias .Tais exemplos mostram que Swedenborg no tinha mais escrpulos em conversarcomosmortosdoqueoCristo,quandonomontefalouaMoisseElias. Swedenborghaviaexpostoassuasideiascommuitaclareza.Considerando as, entretanto, h que levarse em conta a poca em que viveu e a sua falta de experincianadireoenosobjetivosdanovarevelao.Essepontodevistaque Deus,porbonsesbiospropsitos,tinhaseparadoomundodosEspritosdonosso, equeacomunicao noerapermitida,salvorazespoderosasentreasquaisno se poderia contar a mera curiosidade. Cada estudante zeloso do psiquismo concordar com isto e cada esprita zeloso opese a que a coisa mais sria do mundosejatransformadanumaespciedepassatempo.Soboimpriodepoderosas razes,nossarazoprincipalquenumapocadematerialismocomoSwedenborg jamaisimaginou,estamosnosesforandoporprovaraexistnciaeasupremaciado Espritodemaneiratoobjetivaqueosmaterialistassejamencontradosebatidosno seuprprioterreno.Seriadifcilimaginarumarazomaisfortequeestaentretanto temos o direito de proclamar que, se Swedenborg vivesse agora, seria o chefe do nossomodernomovimento psquico. Alguns de seus proslitos, entre os quais o Doutor Garth Wilkinson, fizeram a seguinteobjeo: O perigo para o homem de falar com os Espritos

que ns todos estamos ligados aos nossos semelhantes e, estando cheios de

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maldades, teramos que enfrentar esses Espritos semelhantes, e eles apenas confirmariamonossopontodevista. Aistoresponderemosapenasque,conquantoespecioso,estprovadopela experinciaque falso.Ohomemnonaturalmentemau.Ohomemmdiobom. Osimplesatodacomunicaoesprita,nasuasolenidade,despertaoladoreligioso. Assim, via de regra,no a m influncia, mas a boa, que encontrada, como o provamosbelosemoralizadosregistrosdassesses.Oautorpodedarotestemunho deque emcercadequarentaanosdetrabalhopsquico,duranteosquaisassistiua inmerassessesemmuitoslugares,jamais, numanicaocasio,ouviuumapalavra obcena ou qualquer mensagem que pudesse ferir os ouvidos da mais delicada mocinha.Outrosveteranosespritasdoomesmotestemunho. Assim, enquanto absolutamente certo que os maus Espritos sejam atrados para umambiente mau,na prtica atual muitoraro que algum seja por elesincomodado.SetaisEspritosaparecerem,oprocedimentocorretonorepeli losantesconversarrazovelmentecomeles,esforandoseporquecompreendam sua prpria condio e o que devem fazer por seu melhoramento. Isto ocorreu muitasvezes naexperinciapessoaldo autor,ecomosmaisfelizesresultados. Algumasinformaespessoais sobre Swedenborgcabemcomo termo a este ligeirorelatodesuasdoutrinas.Visase,assim,antesdetudo,indicarasuaposio noesquema geral. Deveeletersidomuito frugal,prticoetrabalhadorumrapazenrgico e umvelhomuito amvel.Parecequeavidaoconverteunumacriaturamuitobondosa e venervel. Era plcido, sereno e sempre disposto conversao, que no descambavaparaopsiquismo senoquandoqueriaoseuinterlocutor.Otemadessas conversaserasemprenotvel,masele seafligiacomagagueiraquelhedificultavaa pronunciao. Era alto, delgado, de rosto espiritual, olhos azuis, peruca at os ombros,roupasescuras,calescurtos,fivelasnossapatosebengala. SustentavaSwedenborgqueumadensanuvemsehaviaformadoemredor da Terra, devido grosseria psquica da humanidade e que de tempos em tempos havia um julgamento e uma limpeza, assim como a trovoada aclara a atmosfera material.Viaqueomundo,jemseusdias,entravanumasituaoperigosa,devido semrazodasIgrejasporumlado,eareaocontraaabsolutafaltadereligio, causada por isto. As modernas autoridades em psiquismo, especialmente Vale Owen,falaramdessanuvemcrescenteehumasensaogeraldequeonecessrio processodelimpezageralnotardar. Uma notcia sobre Swedenborg, do ponto de vista esprita, no pode ser melhor conduzida do que por estas palavras, extradas de seu dirio: Todas as

afirmaesemmatriadetecilogiaso,comosempreforam,arraigadasnocrebro e dificilmente podem ser removidas e enquanto a estiverem, a verdade genuna no encontrar lugar. Era ele um grande vidente, um grande pioneiro doconhecimento psquico e sua fraqueza reside naquelas mesmas palavras que escreveu. Ageneralidadedosleitoresquequiseremirmaisadianteencontrarosmais caractersticos ensinos de Swedenborg em suas obras: Cu e Inferno, A Nova Jerusalm e Arcana Coelestia. Sua vida foi admiravelmente descrita por Garth Wilkinson, Trobridge e Brayley Hodgetts, atual presidente da Sociedade Inglsa

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Swedenborg.Adespeitodetodo oseusimbolismoteolgico,seunomedeve viver eternamente como o primeiro de todos os homens modernos que descreveram o processodamorteeomundodoalm,oquenosebaseianovagoextticoenas visesimpossveisdasvelhasIgrejas,mascorresponde atualmentesdescriesque nsmesmosobtemosdaquelesqueseesforampornostrazerumaideiaclaradesua novaexistncia.

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2 Edward Irving: os shakers

A

histria de Edward Irving e sua experincia, entre 1830 e 1833, com as manifestaes espritas, so de grande interesse para o estudante de psiquismo e ajuda a vingar o abismo entre Swedenborg, de um lado e AndrewJacksonDavis,dooutro. Osfatossoosseguintes: Edward Irving pertence quelamais pobre classe de trabalhadores braais escoceses, que produziu tantos homens de valor. Da mesma origem e da mesma poca de Thomas Carlyle, Irving nasceu em Annan, em 1792. Depois de uma juventude dura e aplicada ao estudo, desenvolveuse como um homem muito singular.FsicamenteeraumgiganteeumHrculesemforaseufsicoesplndido seraestragadopelahorrvelsalinciadeumolho,defeitoque,comoopaleijado deByron,decertomodopareciaapresentarumaanalogianasesquisiticesdocarter. Sua inteligncia era mscula, ampla e corajosa, mas destorcida pela primeira educaonaacanhadaescoladaIgrejaEscocesa,onde osdurosecruispontosde vistadosvelhosConvencionaisumProtestantismoimpossvel,querepresentava a reao contra um Catolicismo impossvel jamais envenenou a alma humana. Sua atitude mental era estranhamente contraditria, pois, se havia herdado essa atrapalhada teologia, deixara de herdar muito daquilo que o patrimnio do mais pobre escocs. Opunhase a tudo quanto fosse liberal e at mesmo elementares medidasdejustia,comoaLeideReformade1832,queneleencontrouumaforte oposio. Esse homem estranho, excntrico e formidvel tinha tido o prprio ambiente no sculo XVII, quando os seus prottipos se reuniam nas charnecas de Galloway e exterminavam ou, possivelmente, atacavam a brao os drages de Claverhouse. Mas a vida continuou e ele teve que escrever o seu nome de certa maneiranosanaisdesuapoca.SabemosdesuaextremamocidadenaEsccia,da rivalidade com seu amigo Carlyle no afeto pela inteligente e viva Jane Welsh, de seusgiroseexibiesdefora,desuacurtacarreiracomo violentomestreescolaem Kirkcaldy, de seu casamento com uma filha de um ministro naquela cidade e, finalmente,desuanomeaoparacura,ouassistentedograndeDr.Chalmers,que era ento o mais famoso clrigo da Esccia e cuja administrao na parquia de GlasgowumdosmaisinteressantescaptulosdahistriadaIgrejaEscocesa.Neste cargo ele adquiriu, no trato dos homens, o conhecimento com as classes mais pobres, oqueconstituiamelhoreamaisprticapreparaoparaavida.Semisto ningumrealmente completo. Aesse tempohaviaumapequenaigrejaescocesaemllattonGarden,forade Holborn,emLondres,quetinhaperdidooseupastoreseachavaemposiocrtica, quer espiritual, quer financeiramente. A vacncia foi oferecida ao assistente do

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Doutor Chalmers que, depois de alguma reflexo, aceitoua. A a sua eloquncia sonoraeassuasluminosasexplicaesdoEvangelhocomearamaatrairaateno e, sbitamente, o estranho gigante escocs ficou na moda. A rua humilde, nas manhsdedomingo,ficavaatravancadadecarruagens,ealgunsdosmaisnotveis homens de Londres, bem como senhoras, acotovelavamse dentro do pequeno templo.evidentequetamanhapopularidadenopodiadurarequeocostumedo pregador de expor o texto durante uma hora e meia era muito para a elegncia londrina, embora aceitvel ao norte de Tweed. Finalmente foi removido para uma igrejamaioremRegentSquare,comcapacidadeparaduasmilpessoaseondehavia assentossuficientesparaseacomodaremdemaneiradecente,emboraopregadorj no despertasse o interesse dos primeiros dias. De lado a sua oratria, parece que Irving foi um pastor consciencioso e muito trabalhador, que lutava continuamente para satisfazer as necessidades materiais dos mais humildes elementos de seu rebanho,semprepronto,diaenoite,nocumprimentode seudever. Noobstante,logocomearamaslutascomasautoridadesdesuaIgreja.O assuntoemdisputaconstituiuumabonitabaseparaumaquerelateolgicadaquele tipoque fezmaismalaomundodoqueavarola.AquestoeraseoCristotinhaem Siapossibilidadede pecar,ouseaDivinaPorodoSeuSerconstituaumabarreira absolutacontraas tentaesfsicas. SustentavamunsqueaassociaodeideiascomoCristoepecadoerauma blasfmia,Oteimosoclrigo,entretanto,replicava,comalgumasmostrasderazo, que a menos que o Cristo tivesse a capacidade de pecar e a ela resistisse vitoriosamente,oseudestinoterrenonoeraomesmoqueonosso esuasvirtudes despertavammenosadmirao.OassuntofoidiscutidoforadeLondrescommuita seriedade e por um tempo enorme, tendo comoresultado umadeclarao unnime do presbitrio, condenando o ponto de vista do pastor. Entretanto, tendo a sua congregao, por sua vez, manifestado uma inqualificvel aprovao, ele pde desprezaracensuradeseusirmosoficiais. Masummaiorobstculoseachavasuafrente.OencontrodeIrvingcom elelevou oseunomeavivercomo vivemtodos osnomes aqueseassociamreais xitosespirituais.. Inicialmente h que considerar que Irving estava profundamente interessado nas profecias bblicas, especialmente nas vagas e terrveis imagens de SoJoo,eosestranhosvaticniosdeDaniel.Refletiumuitosobreosanoseosdias marcantes do perodo de ira que devia preceder a Segunda Vinda do Senhor. Por aquela poca pelas alturas de 1830 havia outros profundamente imersos nas mesmassombriasespeculaes.Entreestescontavaseumricobanqueiro,chamado Drumond,donodegrandecasadecampoemAlbury,pertode Guildford.Nessacasa aquelesestudiososdaBbliacostumavamreunirsedevezemquando,discutindoe comparando seus pontos de vista to minuciosamente que no era raro que suas sessessealongassemporumasemana,sendoosdiasinteiramenteocupadosdesde o almoo at o jantar. Este grupo era chamado os profetas de Albury. Excitados pelos sucessos polticos que haviam levado Lei da Reforma, todos eles consideraramqueasbasesmaisprofundastinhamsidoabaladas.difcilimaginar qual teria sido a sua reao se tivessem chegado a testemunhar a Grande Guerra. Seja como for, estavam convencidos de que estaria prximo o fim de tudo e

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buscavamimpacientessinaiseportentos,torcendoasvagasesinistraspalavrasdos profetasde todasasmaneirasemfantsticasinterpretaes. Por fim, acima do montono horizonte dos acontecimentos apareceu uma estranha manifestao. Havia uma lenda de que os dons espirituais dos primeiros diasreapareceriamantesdofim,eentreelesaparentementeestavaoesquecidodom daslnguas,voltandocomopatrimniodahumanidade.Comeouem1830aooeste daEsccia,ondeossensitivosCampbelleMacDonalddiziamqueosanguecltico sempre tinha sido mais sensvel s influncias espirituais do que a mais pesada corrente teutnica. Os Profetas deAlbury exerciama maioratividade intelectual e umemissriofoimandadopelaIgrejadeMr.Irvingparainvestigarerelatarocaso. Verificousequeacoisaeraexata.Aspessoastinhamboareputaoeumadelas,na verdade uma senhora cujo carter poderia antes ser descrito como de santa. As estranhas lnguas em que ambos falavam, por vezes eram ouvidas e suas manifestaeseramacompanhadaspormilagresdecuraeoutrossinais.claroque no havia fraude ou mistificao, mas um verdadeiro influxo de alguma fora estranhaquelevavaagentede retorno aostemposapostlicos. Osfiisesperavamansiososnovosacontecimentos. Estes nose fizeram esperar:irromperam na prpria Igreja de Irving. Foi emjulhode1831quecorreuoboatodequecertosmembrosdacongregaotinham sido tomados de maneira estranha em suas prprias residncias e que discretas manifestaes ocorriamna sacristia eoutros recintos fechados. O pastor e os seus conselheiros estavam perplexos, sem saber seuma demonstrao mais pblica iria ser tolerada, O caso resolveuse por simesmo, por uma espcie deacordocom os Espritose,emoutubrodomesmoano,oprosaicoserviodaIgrejadaEscciafoi sbitamente interrompido pelos gritos de um possesso. Foi to rpido e com tamanhaviolncia,tantonoserviomatinal,quantonodanoite,queseestabeleceuo pnico na igreja de tal modo que, se no fosse pela trovejante splica do gigante pastor: Oh! Senhor serena o tumulto do povo! talvez se tivesse seguido uma tragdia.Tambmhouvemuitosussurroemuitosbradosdosvelhosconservadores. Como quer que seja, a sensao foi considervel e os jornais do dia apareceram cheiosdecomentrios,que estavamlongedeserfavorveiserespeitosos. Osgritosvinhamdehomensedemulherese,noprimeirocaso,sereduziam a rudos ininteligveis, que tanto eram meros grunhidos quanto linguagem inteiramente desconhecida. Sons rpidos, queixosos e ininteligveis , diz uma testemunha,Haviaumaforaeumsomcheio ,dizumaoutra,dequepareciam incapazes os delicados rgos femininos . Rebentavam com assombro e terrvel fragor , diz uma terceira. Muitos, entretanto, ficavam fortemente impressionados com aqueles sons entre eles, Irving. H na voz um poder de impressionar o

coraoedominaroEspritodemaneiraquejamaissenti.Humacadncia,uma majestadeeumaconstantegrandezaquejamaisouvifalardecoisasemelhante. muitoparecidocomosmaissimpleseosmaisantigoscantosnoserviodacatedral de tal modo que cheguei a pensar que aqueles cantos, cuja reminiscncia pode chegaraAmbrso,StoasinspiradasprecesdaIgrejaprimitiva .Entretanto, em breve, palavras ininteligveis em ingls foram adicionadas aos estranhos rudos. Em geral eram jaculatrias e preces, sem bvios sinais de carter supranormal, salvo que se manifestavam em momentos inadequados e

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independentes da vontade de quem as proferia. Nalguns casos, entretanto, essas foras atuavam at que o sensitivo fosse, sob sua influncia, capaz de longas arengas,deexporaleidamaisdogmticamaneira,sobrepontosdedoutrinaefazer censurasque,incidentementeeramcarapuasparaosofrido pastor. Pode ter havido de fato houve, provvelmente uma verdadeira origem fsicaparataisfenmenosmaselessetinhamdesenvolvidonumterrenodeestreita e fantica teologia, destinada a levlos a runa. O prprio sistema religioso de Swedenborgerademasiadamenteacanhadoparareceberaplenitudedessesdonsdo esprito.Demodoquepodeimaginarseaquesereduziram,quandorecebidosnos estreitos limites de uma igreja escocesa, onde cada verdade h de ser virada e revirada at ajustarse a algum xito fantstico. O bom vinho novo no pode ser guardado em insuficientes odres velhos. Tivesse havido uma revelao mais completa,ecertamenteoutrasmensagensteriamsidorecebidasdeoutrasmaneiras, as quais teriam apresentado o assunto em suas justas propores e um dom espiritual teria sido comprovado por outros. Mas ali no havia desenvolvimento: havia o caos. Alguns daqueles ensinos no se acomodavam ortodoxia e, assim, foram considerados obra do diabo. Alguns dos sensitivos condenavam os outros como herticos. Levantavasevozcontravoz.Opiordetudoquealgunsdosoradoresse convenceramdequeseusdiscursoseramdiablicos.Parecequesuarazoprincipal queosdiscursosnoseacomodavamssuasprpriasconvicesespirituais,oque nospoderiaparecerantesumaindicaodequeeramanglicos.Tambmentravam pelo escorregadio caminho da profecia e ficavam envergonhados quando suas profeciasnoserealizavam. Alguns fatos constatados atravs desses sensitivos e que chocavam a sua sensibilidade religiosa poderiam ter sido melhor compreendidos por uma gerao maisesclarecida. Assim, admitese que tenha sido um dos estudiosos da Biblia que tenha dito, em relao Sociedade Bblica, que ela era um curso em toda a Terra, cobrindo o Esprito de Deus, pela letra da palavra de Deus . Certo ou errado, parecequeoenunciadoindependedequemoanunciaeseachadepleno acordo com osensinosespirituaisqueatualmenterecebemos. Enquantoaletraforconsideradasagrada,tudopodeserprovadoporaquele livro,inclusive opuromaterialismo. UmdosprincipaisiniciadoseraumtalRobertBaxterequenodeveser confundidocomo Baxter,que,unstrintaanosmaistarde,estavaligadoanotveis profecias.ParecequeesseRobertBaxtereraumcidadoslido,zeloso eprosaico, queviaasEscriturasmaisdopontodevistadeumdocumentolegal,comumvalor exato para cada frase especialmente para aquelas frases que serviam ao seu prprio esquema hereditrio da religio. Era um homem honesto, com uma conscincia inquieta, que o preocupava continuamente com os menores detalhes, enquantoodeixavaimperturbvelemrelaolargaplataforma,sobreaqualeram construdas as suas opinies. Esse homem era fortemente afetado pelo influxo do Espritoou,parausarasprpriaspalavras,asuabocaeraabertapelafora .De acordocomele, odia14dejaneirode1832foi ocomeodaquelesrsticos1260, diasquedeveriamprecederaSegundaVindaeofimdomundo.

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Tal profecia deveria ter sido particularmente simptica a Irving, com os seussonhosmilenrios.Masmuitoantesqueaquelesdiassetivessemcompletado, Irvingestavaemseujazigoe Baxtertinharepudiadoaquelasvozesque,aomenos naquelecaso,ohaviam enganado. BaxterhaviaescritoumfolhetocomopomposottulodeANarrativade FatosCaractersticosdeManifestaesSupranaturais,emMembrosdaCongregao de Irving e outras pessoas, na inglaterra e na Esccia, e inicialmente no Prprio Autor. A verdadeespiritualno poderia viratravs de uma tal mente, do mesmo modonoopoderiaaluzbrancaatravsdeumprismae,aindanessecaso,hque admitiraocorrnciademuitascoisasaparentementesobrenaturais,demisturacom muitas duvidosas e algumas absolutamente falsas. O objetivo do folheto principalmenteabjurarosseusmausguiasinvisveis,demodoapodervoltarsoe salvoao seiodaIgrejaEscocesa.Observese,entretanto,queumoutromembroda congregao de Irving escreveu um panfleto de resposta com um ttulo enorme, mostrandoqueBaxterestavacertoenquantoinspiradopeloEsprito,esatniconas suas errneas concluses. Esse folheto interessante por conter cartas de vrias pessoas que possuiam o dom das lnguas, mostrando que eram gente de cultura e incapazesdeumamistificaoconsciente. Quedirdetudoissoumimparcialestudiosodopsiquismo,familiarizado com os dois modernos aspectos? Pessoalmente parece ao autor que tenha sido um verdadeiro influxo psquico, mascarado por uma acanhada teologia sectarista da descrio literal, pelo que foram censurados os Fariseus. Se lhe permitido aventurarumaOpinio,estaqueo perfeitorecipientedoensinoespritaohomem culto, que abriu caminho atravs de todos os credos ortodoxos e cuja mente receptiva e ardente uma superfcie limpa e pronta para registrar uma nova impresso exatamente como a recebe. Tornase, assim, um verdadeiro filho e discpulodos ensinosdo outromundoetodos os outrostiposdeespritasparecem acomodados.Istonoalteraofatodequeanobrezapessoaldocarterpodefazerdo iniciado honesto um tipo muitssimo mais elevado do que o simples esprita mas isto s se aplica atual filosofia. O campo do Espiritismo imensamente vasto e nele cadavariedade decristo,comodemaometano,de hinduoudeparsipodeviver emfraternidade.MasasimplesadmissodoretornodoEspritoedacomunicao nosuficiente.Muitosselvagensoadmitem.Necessitamostambm,umcdigode moral.EseconsideramosoCristocomoummestrebenevolenteoucomoumdivino embaixador,Seuensinoticoatual,deumaformaoudeoutra,mesmoquandono conjugadocomoseunome,umacoisaessencialaosoerguimentodahumanidade. Mas deve ser sempre controlado pela razo e aplicado conforme o esprito e no conformealetra. Isto, porm, uma digresso. Nas vozes de 1831 h sinais de verdadeira forapsquica. umareconhecidaleiespiritualquetodamanifestaoPsquicasofreuma distoroquandoapreciadaatravsdeummdiumdeestreitosectarismoreligioso. tambm uma lei que as pessoas presunosas e infatuadas atraem Espritos malvolosesoalvodoespritodomundo,dosquaissetornamjoguetesatravsde grandes nomes e de profecias que as tornam ridculas. Tais foram os guias que

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desceramsobreorebanhodeMr.Irvinge produziramdiversosefeitos,bonsemaus, conformeoinstrumentoempregado. A unidade da Igreja, que tinha sido sacudida pela prvia censura do presbitrio,noresistiuaessenovogolpe.Houveumagrandecisoe oprdio foi reclamado pelos administradores. Irvng e os partidrios que lhe ficaram fiis andaramprocuradeumnovolocal,evieramencontrlonasalaqueusavaRobert Owen,osocialista,filantropoelivrepensador,destinado,vinteanosmaistarde,aser umdospioneirosconversosdoEspiritismo.A,noGrays InnRoad,Irvingreuniu os fiis. No se pode negar que a Igreja, tal qual a organizou, com o seu anjo, os seus presbteros, seus diconos, suas lnguas e suas profecias, era a melhor reconstituio da primitiva Igreja Crist jamais realizada. Se Pedro ou Paulo se reencarnassememLondresteriamficadoconfusose,at,horrorizadosanteaIgreja de So Paulo ou a Abadia de Westminster mas certamente teriam sentido uma atmosfera perfeitamente familiar na reunio presidida por Irving. Um sbio reconhecequehinmerasdireesparanosaproximarmosdeDeus.Amentedos homenseoespritodostempos variamdereaesgrandecausacentraleapenas podemos insistir numa caridade muito ampla para consigo mesmo e para com os outros.Parecequeeraissooquefaltavaa Irving. Erasemprepelomodelodaquiloqueeraumaseitaentreseitasquemediao universo. Haviaocasiesemque ele eravagamenteconscientedissoepossvelque aquelas lutas com Apollyon, de que ele se lamenta, com o Bunyan e os velhos Puritanos que costumavam lamentarse, tenham sido uma estranha explicao. Apollyonera,realmente,oEspritodeVerdadeealutainteriornoeraentreaFe oPecado,masrealmenteentreaobscuridadedodogmaherdadoealuzinerente razo instintiva, dom de Deus erguendose para sempre em revolta contra os absurdosdohomem. MasIrvingviveumuitointensamenteeassucessivascrisesporquepassou o esgotaram. Essas discusses com telogos teimosos e com recalcitrantes membros de seurebanhosenosafiguramcoisastriviais,quandovistasadistnciamasparaele, comaquelaalmadevotada,ardenteetempestuosa,eramvitaiseterrveis.Parauma intelignciaemancipada,umaseitaououtraindiferentemasparaIrving,querpela herana,querpelaeducao,aIgrejaEscocesaeraaArcadeDeuseeleoseufiele zeloso filho que, conduzido pela sua prpria conscincia, tinha avanado e encontradoaslargasportasqueconduzemSalvaofechadasssuascostas.Era umgalhocortadodarvoreeiasecando.umacomparaoe maisqueisto,porque se tornou, fsicamente, uma verdade. Aquele gigante da meiaidade murchou e encolheu.Seuarcabouovergou.Asfacestornaramsecavadaseplidas.Osolhos brilhavamdefebrefatalqueoconsumia.Eassim,trabalhandoatofim,tendonos lbiosaspalavras:Seeumorrer,morrereicomoSenhor ,asuaalmapassoupara aquela luz mais clara e mais dourada, na qual o crebro encontra repouso e o Espritoansiosoentra numapazenumaseguranajamaisencontradasnavida. Alm desse incidente isolado da Igreja de Irving, houve uma outra manifestao psquica naqueles dias, que levou mais diretamente revelao de Hydesville. Foi o desabrochar de fenmenos espritas nas comunidades dos

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shakers, nos Estados Unidos, e que despertou menos ateno do que merecia. Parece que de um lado essa boa gente se ligava aos shakers, e do outro aos refugiadosdasCevennes,vindosparaaInglaterraparasesubtrairemperseguio deLuisXIV. Mesmo na Inglaterra as suas vidas inofensivas no os livraram da perseguio dos fanticos e eles se viram forados a emigrar para os Estados Unidos, durante a Guerra da Independncia. A fundaram estabelecimentos em vrioslugares,vivendovidasimpleselimpa,nacomunidadedeprincpios,sbriae castamente,na sua palavra de ordem. No de admirar que anuvem psquica das foras do alm pouco a pouco descesse sobre a Terra e encontrasse repercusso naquelascomunidadesaltrusticas.Em1837existiamsessentadessesgruposetodos eles respondiam de vrias maneiras nova fora. Ento guardavam muito cuidadosamente a experincia para si mesmos, porque, como os seus maiores posterormente exploravam, certamente teriam sido levados para os hospcios se tivessem revelado o que ento ocorria. Entretanto, logo depois apareceram dois livroscontandoassuasexperincias:SantaSabedoriaeOpapelsagrado. Parecequeosfenmenosseiniciaramcomoscostumeirossinaisdeavisos, seguidospelaobsesso,dequandoemvez,dequasetodaacomunidade.Cadaum, homemoumulher,demonstravaestarpreparadoparaamanifestaodosEspritos. Entretantoosinvasoresschegavamdepoisdepedirpermissoenosintervalosno interferiam no trabalho da comunidade. Os principais visitantes eram Espritos de PelesVermelhas,quevinhamemgrupos,comoumatribo. Umoudoispresbteros deveriam estarna sala de baixo,a batiam porta e os ndios pediamlicena para entrar.Dadaalicena,todaatribodeEspritosde ndiosinvadiaacasaeempoucos minutospor todaaparteouviase oseuWhoop!Whoop!Osgritosdewho