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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: http://www.researchgate.net/publication/250987573 A political history of the Brazilian transition from military dictatorship to democracy ARTICLE in REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA · JANUARY 2006 DOI: 10.1590/S0104-44782005000200008 CITATION 1 DOWNLOADS 90 VIEWS 45 2 AUTHORS, INCLUDING: Adriano Codato Universidade Federal do Paraná 62 PUBLICATIONS 9 CITATIONS SEE PROFILE Available from: Adriano Codato Retrieved on: 21 June 2015

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 25: 83-106 NOV. 2005

    RESUMO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, 25, p. 83-106, nov. 2005

    Adriano Nervo Codato

    UMA HISTRIA POLTICA DA TRANSIOBRASILEIRA:

    DA DITADURA MILITAR DEMOCRACIA1

    Recebido em 7 de julho de 2005Aprovado em 5 de outubro de 2005

    O artigo trata da histria poltica brasileira do golpe poltico-militar de 1964 ao segundo governo deFernando Henrique Cardoso. Escrito sob a forma de um resumo explicativo, trs temas unificam a narrativasobre a transio do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrtico: o militar, o poltico e oburocrtico. Procura-se estabelecer inferncias causais entre o contedo, o mtodo, as razes e o sentido damudana poltica a partir de 1974 e a qualidade do regime democrtico na dcada de 1990. A explicaodestaca a necessidade de se analisar dois espaos polticos diferentes, mas combinados: as transformaesno sistema institucional dos aparelhos do Estado e as evolues da cena poltica. Conclui-se que as refor-mas econmicas neoliberais no apenas prescindiram de uma verdadeira reforma poltica que aumentassea representao, e de uma reforma do Estado que favorecesse a participao. As reformas neoliberaistiveram como precondio o arranjo autoritrio dos processos de governo herdados do perodo polticoanterior.

    PALAVRAS-CHAVE: poltica brasileira (1964-2002); regime ditatorial-militar; transio poltica; demo-cracia; neoliberalismo.

    I. INTRODUO: QUESTES DE TERMINO-LOGIA E PERIODIZAO

    No Brasil, o regime ditatorial-militar durou 25anos, de 1964 a 1989, teve seis governos inclu-indo um governo civil e sua histria pode serdividida em cinco grandes fases.

    Uma primeira fase, de constituio do regi-me poltico ditatorial-militar, corresponde, gros-so modo, aos governos Castello Branco e Costae Silva (de maro de 1964 a dezembro de 1968);uma segunda fase, de consolidao do regimeditatorial-militar (que coincide com o governoMedici: 1969-1974); uma terceira fase, de trans-formao do regime ditatorial-militar (o governoGeisel: 1974-1979); uma quarta fase, de desa-gregao do regime ditatorial-militar (o governoFigueiredo: 1979-1985); e por ltimo, a fase detransio do regime ditatorial-militar para um re-gime liberal-democrtico (o governo Sarney:

    1985-1989).

    J de incio, trs aspectos devem ser destaca-dos nesse longo perodo. Primeiro, o processo dedistenso poltica, depois chamado poltica deabertura e, por fim, transio poltica, foi ini-ciado pelos militares, e no por presso da soci-edade civil, ainda que ela tenha infludo, de ma-neira decisiva, menos no curso e mais no ritmodos acontecimentos. Segundo, esse processo tevesua natureza, andamento e objetivos determina-dos tambm pelos militares ou, mais exatamente,por uma de suas muitas correntes poltico-ideol-gicas. Por fim, ele correspondeu necessidadedos prprios militares resolverem problemas in-ternos corporao, e no a uma sbita conver-so democrtica de parte do oficialato2.

    1 Uma verso diferente deste artigo, destinada ao pblicoestrangeiro, aparecer em 2006 no volume organizado pormim (CODATO, 2006), sob o ttulo Political Transitionand Democratic Consolidation in Brazil: a HistoricalPerspective.

    2 Brbara Geddes nota que diferentes tipos deautoritarismo entram em colapso de modo caracteristica-mente diferentes [...]. Um estudo de 163 regimes autorit-rios em 94 pases oferece provas de que existem realmentediferenas entre os padres de colapso [...]. Classificandoos regimes autoritrios em trs subtipos, personalista,militar e de partido nico, Geddes argumenta que as tran-sies do governo militar comeam usualmente com divi-ses dentro da elite militar governante [...]. H [...] um

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    UMA HISTRIA POLTICA DA TRANSIO BRASILEIRA

    O controle que as Foras Armadas exerceramsobre o aparelho do Estado e sua presena osten-siva na cena poltica acabaram por importar umasrie de conflitos polticos e ideolgicos para oaparelho militar, subvertendo a hierarquia tradici-onal e as cadeias de comando da derivadas. Jobservada na literatura, a transformao do mo-delo poltico brasileiro (na expresso de Cardoso(1972)) no foi concebida originalmente comouma volta dos militares aos quartis, mas como aexpulso da poltica de dentro deles (MARTINS,1979-1980, p. 22).

    A faco que recuperou o controle do gover-no depois da posse do General Geisel na presi-dncia da Repblica, em maro de 1974 facomarginalizada politicamente quando o GeneralCosta e Silva tornou-se, em 1967, comandantesupremo da Revoluo (GASPARI, 2002a) ,possua dois objetivos estratgicos, um poltico,outro militar: restabelecer a estrutura e a ordemno interior do estabelecimento militar, assim comogarantir maior estabilidade institucional eprevisibilidade poltica ao regime ditatorial. Pararealizar a primeira dessas tarefas, a da disciplinainterna, seria preciso afastar gradualmente as For-as Armadas do comando global da poltica naci-onal e conter as atividades dos setores de infor-mao e represso do Estado, reduzindo, com isso,uma das fontes de poder da faco rival. As mu-danas impostas organizao e ao modo de fun-cionamento do aparelho do Estado, cujo trao maissaliente foi uma significativa centralizao do po-der na presidncia da Repblica, paralelamente auma concentrao do poder no Presidente da Re-pblica (CODATO, 1997), visavam justamenteenquadrar a extrema-direita, transferindo para acpula do Executivo as decises sobre prises,cassaes e eleies.

    A segunda tarefa, a da segurana do regime,equivalia a rever certos aspectos deste parainstitucionalizar um modelo poltico mais liberal,atravs da restaurao progressiva de algumas li-berdades civis mnimas. O objetivo final no eraexatamente revogar o autoritarismo e instituir a

    democracia, mas tornar a ditadura militar menosconservadora politicamente3.

    O projeto militar desdobrou-se num processopendular, em que se revezaram perodos de maiore menor violncia poltica, de acordo com umalgica menos instrumental e mais conjuntural, tra-duzindo a dificuldade do governo Geisel em con-trolar todas as variveis implicadas na poltica detransio. A poltica de liberalizao da ditaduramilitar brasileira continuou no governo Figueiredo(1979-1985), sob o nome de abertura poltica,graas normalizao da atividade parlamentar e manuteno do calendrio eleitoral, depois darevogao parcial das medidas de exceo (em1978) e efetuadas a anistia poltica e uma reformapartidria (em 1979). A realizao de eleies rela-tivamente livres, nos anos setenta e oitenta, ge-raram uma dinmica prpria (LIMA JNIOR,1993, p. 39), levando o processo de transio adiferenciar-se, em alguma medida, do projeto mi-litar original. Assim, no Brasil a relao entre vo-tao e democratizao (da esfera poltica) nofoi casual (LAMOUNIER, 1986), mas foi, at certoponto, inesperada. As eleies influram no cursodos acontecimentos ao acelerar o ritmo de trans-formao do regime, sem mudar, todavia, sua di-reo conservadora. A Nova Repblica (1985-1990), ltimo governo (ainda que civil) do ciclodo regime ditatorial-militar, encerra esse longoperodo de transio ao estabelecer a hegemoniapoltica do partido de oposio ao regime (1986),promulgar uma Constituio (1988) e realizar umaeleio popular para Presidente (1989).

    A dcada de noventa foi, de acordo com gran-de parte da literatura, o perodo da consolidaodo regime liberal-democrtico. Esse processocompreende os governos de Collor de Mello(1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) eFernando Henrique Cardoso (1995-2002). A con-solidao democrtica deu-se em um quadroinstitucional peculiar. O cenrio resultante da novaConstituio conjugou o presidencialismo como aforma de governo, o federalismo como a frmulade relao entre o Estado central e as unidadessubnacionais (MAINWARING, 1997), a coalizopoltica como a frmula de governabilidade

    consenso na literatura quanto ao fato de que a maioria dossoldados profissionais valoriza mais a sobrevivncia e aeficcia dos prprios militares do que qualquer outra coisa[...]. A maior parte da oficialidade se preocupa mais com aunidade das foras armadas do que com o controle ou nodo governo por militares (GEDDES, 2001, p. 221, 228,232 e 235, respectivamente).

    3 Para confirmar os propsitos no-democrticos do pro-jeto de liberalizao do regime, ver a longa entrevista doGeneral Geisel ao CPDOC (DARAJO & CASTRO,1997).

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    (ABRANCHES, 1988), tudo isso apoiado sobreum sistema partidrio fragmentado (NICOLAU,1996), pouco institucionalizado e demasiadamen-te regionalizado (ABRUCIO, 1998). Essa combi-nao institucional ou, para alguns, essa defor-mao institucional conduziu no final das con-tas o processo de transio para o seguinte ponto:uma democracia eleitoral, um Executivo imperiale um regime congressual que atua ora como cola-borador, ora como sabotador das iniciativas doPresidente, ator central do sistema poltico4.

    O objetivo deste artigo refazer a histria po-ltica nacional a partir de 1974 a fim de indicar asvariveis que influram na configurao polticae institucional do regime atual. Meu pressupos-to no apenas que a histria conta, o que umtrusmo, mas que h relaes causais entre o con-tedo, o mtodo, as razes e o sentido da mudan-a poltica da ditadura brasileira para a democra-cia brasileira.

    II. UM MODELO DE ANLISE

    Parece conveniente resumir a histria brasileirarecente em vista dos aspectos mais significativosda transio poltica (1974-1989) e da consolida-o democrtica (1989-2002), a fim de propor umainterpretao desse perodo. Tal recuo, por assimdizer, diante de uma Cincia Poltica baseada emhipteses gerais que se deduzem de uma tipologiada transio e de um modelo descritivo e normativode democratizao, indispensvel para se trans-por o ponto de vista puramente classificatrio etentar recuperar a dimenso histrica do processopoltico.

    A vasta literatura especializada em transiespolticas, surgida nos anos oitenta e noventa sobinspirao do paradigma institucionalista, promo-veu uma alterao importante nas anlises da mu-dana poltica. O modelo de referncia dominan-te, dito macro-estrutural, calcado em variveisexplicativas de tipo econmico e/ou social, viu-sequestionado por uma abordagem que passou aenfatizar fatores eminentemente polticos na com-preenso da passagem do autoritarismo de-mocracia.

    Essa nova gerao de trabalhos, que poderiaser agrupada sob o ttulo pouco eufnico, masbem preciso, de transitologia5 possui trs ca-ractersticas que a distinguem das anlises macro-orientadas: (i) nfase no estudo dos atores polti-cos seus interesses, valores, estratgias etc. (emsintonia com a teoria da escolha racional e o indi-vidualismo metodolgico; em oposio, portanto,a explicaes classistas); (ii) destaque para osfatores endgenos de cada pas no estudo do cur-so do processo de transio (e no a fatores glo-bais do tipo transformaes no processo de acu-mulao capitalista); e (iii) adoo de um con-ceito minimalista e pouco exigente de democra-cia ( la Schumpeter: a democracia um mto-do de seleo de lideranas), nica forma, imagi-nou-se, de dar conta de uma srie de casos bas-tante diferentes entre si. Talvez o ponto mais pro-blemtico dessas abordagens tenha sido seu ex-cessivo conjunturalismo (REIS, REIS & VELHO,1997), freqentemente a reboque das incertezasda situao poltica e dos compromissos ad hocdos atores estratgicos.

    Em uma direo diferente daquela que retmunicamente o andamento da cena poltica e os fa-tores institucionais na explicao, penso que necessrio sublinhar os condicionantes polticose ideolgicos que presidiram o processo de cons-truo da democracia poltica no Brasil na ltimadcada. A dimenso histrica considerada es-sencial nessa abordagem6. A histria recente opano de fundo no longo e errtico processo deconstruo de uma ordem liberal-democrtica apartir do esplio do regime ditatorial-militar. Tra-ta-se de chamar a ateno, portanto, para essadimenso, quer por sua ausncia em algumas an-lises formalistas da transio/consolidao, querpela presena incidental dos fatos selecionadosem certas narrativas, reduzidos a meros exem-plos apenas para ilustrar um postulado ou confir-mar uma teoria.

    A legitimidade da abordagem tipolgica tpi-ca de certa Cincia Poltica no est, obviamen-te, em questo. Ela to til quanto as interpreta-es macro-sociolgicas inspiradas pela Sociolo-gia Poltica. O que est em questo na verdade a

    4 Ainda que suas prerrogativas institucionais, principal-mente legislativas, no se traduzam automaticamente nacapacidade efetiva de tomar decises e implement-las, aPresidncia da Repblica continuou como o centro do sis-tema poltico. Para uma discusso desses aspectos relacio-nados histria da transio brasileira, v. Kinzo (2001).

    5 O artigo de Monclaire (2001) apresenta uma competentediscusso dos estudos desse tipo.6 Para uma discusso mais detida dessa abordagem, v.Fernandes (2002).

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    UMA HISTRIA POLTICA DA TRANSIO BRASILEIRA

    natureza das variveis que integram a anlise ba-seada em modelos. Mais ainda, o que se discute se tais variveis so ou no uma traduo, em n-vel abstrato, de elementos concretos produzidoshistoricamente. Assim, a perspectiva adotada aquiconsidera mais produtivo determinar historicamen-te os aspectos abstratos arbitrariamente isoladospara fins hermenuticos e restituir aos protagonis-tas do processo poltico, sociologicamente conce-bidos como sujeitos j dados de interesses no es-pecificados, sua concretude social, examinando-os em sua constituio e em sua evoluo histri-ca (QUARTIM DE MORAES, 1985).

    Para que se possa elaborar uma interpretaodo perodo em questo, deve-se apresentar, emprimeiro lugar, um resumo dos fatos polticos,no sentido mais convencional do termo. Essas ocor-rncias so organizadas de acordo com uma novaproposta de periodizao dos regimes, tanto o dita-torial como o democrtico, em que o longo inter-valo entre 1964 e 2002 dividido em fases e asprprias fases, em etapas. Cada fase (podendo ouno sobrepor-se, como numa cronologia comum,a perodos de governo) corresponde efetivamentea um processo: constituio, consolidao, trans-formao etc. do modelo poltico. As etapas assi-nalam os momentos de virada no interior de cadafase e, tambm, entre uma fase e outra (que, emgeral, coincidem com crises polticas). Trata-se deuma indicao sumria dos intervalos do processopoltico, j que uma explicao efetiva desse pero-do implicaria abordar cada crise e os momentos deruptura nesse contnuo. Em segundo lugar, sodefinidos os parmetros de anlise do processopoltico brasileiro, de acordo com a histria polti-ca brasileira. Pretende-se sugerir que o programade mudana poltica pode ser mais bem compreen-dido quando se tem presente a conexo entre qua-tro aspectos: o contedo, a natureza, as razes e osignificado mais geral da transio de um regime aoutro. Por fim, em terceiro lugar, procura-se com-preender o movimento poltico entre 1974 e 2002 apartir de dois parmetros predefinidos: as transfor-maes na forma de Estado e as evolues da for-ma de regime. Cada uma dessas variveis recobreum espao poltico diferente. A primeira permitecaptar as modificaes nas relaes de fora entreos aparelhos e ramos do sistema estatal; a segun-da, as disputas na cena poltico-partidria(POULANTZAS, 1968). As anlises aqui so maisesboadas que desenvolvidas, j que envolvem umespectro muito variado de matrias. Trs temas

    procuram, ao final, unificar a narrativa: o militar, opoltico e o burocrtico. O estilo ensastico desteartigo deriva no apenas do nvel de abstrao, vis-to que o foco so os grandes processos, mas tam-bm de sua inteno principal: oferecer ao leitorum panorama razoavelmente fiel da histria polti-ca brasileira recente.

    III. A HISTRIA POLTICA DA TRANSIOBRASILEIRA

    O golpe de 1964 assinalou uma modificaodecisiva na funo poltica dos militares no Brasil.A ao final contra a democracia populista(1946-1964) ou, como preferem os conservado-res, a Revoluo, trouxe duas novidades. Nose tratava mais de uma operao intermitente dasForas Armadas com um objetivo preciso, quasesempre o de combater a desordem (a polticade massas) ou o comunismo (a poltica social)ou a corrupo (i. e., a poltica propriamentedita), mas de uma interveno permanente. A ga-rantia poltica que as Foras Armadas empresta-ram aos governos civis, notadamente no ps-1930,convertia-se agora num governo militar. H, defato, uma mudana de regime poltico. Da mesmaforma, no mais se tratava de um pronunciamiento,em que um chefe militar de prestgio ou um gru-po de oficiais se recusava a obedecer ao governo,mas de um movimento institucional das ForasArmadas (ODONNELL, 1975; CARDOSO,1982). Foi o aparelho militar, e no um lder pol-tico militar, que passou a controlar primeiramenteo governo (i. e., o Executivo), depois o Estado (eseus vrios aparelhos) e, em seguida, a cena pol-tica (i. e., as instituies representativas)7.

    Se essa ao est na origem da autonomia doaparelho militar sobre o mundo civil depois de1964, recorde-se que a presena dos oficiais nacena poltica nacional nunca foi novidade, princi-palmente depois da Revoluo de 1930.

    Contudo, as intervenes militares de 1937 (ogolpe do Estado Novo) ou de 1945 (o golpe quepe fim ao Estado Novo) nada tm a ver com um

    7 Esse novo gnero de interveno, mais burocrtico emenos provisrio, foi seguido, com algumas diferenas re-gionais, por todos os regimes militares da Amrica do Sul Brasil, Argentina, Chile e Uruguai nas dcadas de sessen-ta e setenta do sculo XX. Suzeley K. Mathias (2004)discute detalhadamente todos os aspectos relacionados aoprocesso de militarizao do Estado brasileiro nesse pe-rodo.

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    suposto padro moderador que as Foras Ar-madas desempenhariam em todas as crises polti-cas nacionais, mediando conflitos entre polticoscivis desde a Repblica (STEPAN, 1971). Essehipottico padro corresponde, na verdade, auma srie especfica de determinaes histricas,que so a fonte da autonomia poltica e da singu-laridade ideolgica exibidas pelo estabelecimentomilitar. Elas se devem basicamente: (i) centrali-zao do poder militar (em dois sentidos: da basepara o topo do aparelho burocrtico; da periferiapara o centro do sistema poltico); (ii) oscilaoideolgica das cpulas das Foras Armadas, entreo getulismo em 1937 (i. e., o autoritarismo) e oantigetulismo em 1945 e 1964 (i. e., o anti-populismo); (iii) averso dos oficiais polticade massas, representada, no caso, pelo incentivo mobilizao sindical e exaltao nacionalista (oque explicaria a oscilao anterior); e (iv) atitu-de dos militares em relao democracia ou, maisexatamente, sua recusa no do princpio do su-frgio universal, mas de suas conseqncias pr-ticas: os resultados eleitorais errados do pero-do 1945-1964 (QUARTIM DE MORAES, 1985).

    So precisamente essas determinaes hist-ricas, esse elitismo em sentido amplo, que estona base da interveno das cpulas das ForasArmadas no processo poltico em 1964. Cpulasque legitimam, ou melhor, justificam seu papeldirigente em funo da crise poltica na dcada de1960, informam a estratgia de modificao doregime ditatorial nos anos 1970, modelam a for-ma de governo desejada ao final dessa modifica-o na dcada de 1980 e preservam sua autono-mia poltica e institucional nos anos 1990.

    Do ponto de vista cronolgico, a histria pol-tica do regime ditatorial e da transio brasileirada ditadura militar para a democracia liberal podeser assim descrita:

    - Fase 1: constituio do regime poltico ditatori-al-militar (governos Castello Branco eCosta e Silva)

    etapa 1: maro de 1964 (golpe de Estado) outubro de 1965 (extino dos partidospolticos)8

    etapa 2: outubro de 1965 (tornada indire-ta a eleio de Presidente da Repblica) janeiro de 1967 (nova Constituio)

    etapa 3: maro de 1967 (posse de Costa eSilva) novembro de 1967 (incio da lutaarmada9)

    etapa 4: maro de 1968 (incio dos pro-testos estudantis) dezembro de 1968(aumento da represso poltica10)

    - Fase 2: consolidao do regime ditatorial-mili-tar (governos Costa e Silva e Mdici)

    etapa 5: agosto de 1969 (Costa e Silvaadoece; Junta Militar assume o governo) setembro de 1969 (Mdici escolhidoPresidente da Repblica11 )

    etapa 6: outubro de 1969 (nova Consti-tuio) janeiro de 1973 (refluxo da lutaarmada)

    etapa 7: junho de 1973 (Mdici anunciaseu sucessor) janeiro de 1974 (eleiocongressual (indireta) de Geisel)

    - Fase 3: transformao do regime ditatorial-mi-litar (governo Geisel)

    etapa 8: maro de 1974 (posse de Geisel) agosto de 1974 (anunciada a polticade modificao do regime)

    etapa 9: novembro de 1974 (vitria doMDB nas eleies senatoriais) abril de1977 (Geisel fecha o Congresso Nacio-nal)

    etapa 10: outubro de 1977 (demisso doMinistro do Exrcito) janeiro de 1979(revogao do Ato Institucional n. 5)

    - Fase 4: desagregao do regime ditatorial-mili-tar (governo Figueiredo)

    etapa 11: maro de 1979 (posse deFigueiredo) novembro de 1979

    8 Mediante o Ato Institucional n. 2 (de 27 de outubro de1965). O sistema pluripartidrio (1945-1965) transfor-mado em bipartidrio: um partido pr-regime, a Arena (Ali-ana Renovadora Nacional) e um partido de oposio aoregime, o MDB (Movimento Democrtico Brasileiro).

    9 Primeira ao da Aliana Libertadora Nacional (ALN)em So Paulo sob a direo de Carlos Marighella.10 Aps a edio do Ato Institucional n. 5 (de 13 dedezembro de 1968).11 A eleio do sucessor de Costa e Silva foi feita a partirda consulta ao Alto Comando das Foras Armadas(MARTINS FILHO, 1995, p. 184).

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    UMA HISTRIA POLTICA DA TRANSIO BRASILEIRA

    (extino dos partidos polticos Arena eMDB)

    etapa 12: abril de 1980 (greves operriasem So Paulo) agosto de 1981 (Golberypede demisso do governo)

    etapa 13: novembro de 1982 (eleies di-retas para governadores dos estados;maioria oposicionista na Cmara dosDeputados) abril de 1984 (derrotada aemenda das eleies diretas12)

    etapa 14: janeiro de 1985 (vitria da opo-sio na eleio para Presidente da Rep-blica) maro de 1985 (posse de JosSarney)13

    - Fase 5: transio, sob tutela militar, para o regi-me liberal-democrtico (governoSarney)

    etapa 15: abril-maio de 1985 (faleceTancredo Neves; emenda constitucionalrestabelece eleies diretas para Presidenteda Repblica) fevereiro de 1986 (anun-ciado o Plano Cruzado contra a inflao)

    etapa 16: novembro de 1986 (vitria doPMDB nas eleies gerais) outubro de1988 (promulgada nova Constituio)

    etapa 17: maro de 1989 (incio da campa-nha para as eleies presidenciais) de-zembro de 1989 (Collor de Mello venceas eleies presidenciais)

    - Fase 6: consolidao do regime liberal-demo-crtico (governos Collor, Itamar Fran-co e Fernando Henrique Cardoso)

    etapa 18: maro de 1990 (posse do Presi-dente eleito, Fernando Collor de Mello;anunciado o Plano Collor I) janeiro de1991 (anunciado o Plano Collor II)

    etapa 19: dezembro de 1992 (impedimentodo Presidente Collor; o vice-PresidenteItamar Franco assume a Presidncia daRepblica) julho de 1994 (lanado oPlano Real)

    etapa 20: janeiro de 1995 (posse do Pre-sidente eleito, Fernando Henrique Cardo-so) junho de 1997 (aprovada a emendaque permite a reeleio do Presidente daRepblica e dos titulares dos poderesExecutivos municipais e estaduais)

    etapa 21: janeiro de 1999 (posse do Pre-sidente reeleito, Fernando Henrique Car-doso) outubro-novembro de 2000 (vi-tria dos partidos de oposio nas elei-es municipais)

    etapa 22 : julho de 2002 (incio da cam-panha para as eleies presidenciais) janeiro de 2003 (posse do Presidente elei-to, Lus Incio Lula da Silva)

    Essa periodizao simplificada do cenrio po-ltico assinala os limites temporais do regime dita-torial (1964-1974), do perodo de transio (1974-1989) e do intervalo da consolidao de um novoregime nacional (1989-2002)14. Ela no indica,contudo, os traos mais significativos da polticabrasileira contempornea, nem permite estabele-cer inferncias causais que expliquem a sucessode acontecimentos ou a passagem de uma fase aoutra. Parece impossvel, em todo caso, compre-ender a transio poltica e a consolidao demo-crtica independentemente do processo polticoconcreto. Este depende, por sua vez, da trajetriahistrica nacional, assim como das condies his-tricas dadas em funo dessa trajetria ou, nafalta de um nome melhor, dos contextos e dainterao entre os atores: no caso, as ForasArmadas (como agente poltico), o Estado (comoorganizao institucional) e a sociedade (como oconjunto de agentes sociais).

    12 O ponto mximo da campanha pelo restabelecimentodas eleies diretas para Presidente da Repblica, que co-meara em janeiro de 1984, em Curitiba, ocorreu em abrildo mesmo ano quando um comcio com as principais figu-ras de oposio ao regime reuniu quase 1 milho de pessoasno Rio de Janeiro (no dia 10) e mais de um milho em SoPaulo (no dia 16). No dia 25, o Congresso Nacional rejeitoua Emenda Constitucional que previa eleies diretas j parao ano seguinte (1985). Para uma discusso da relao des-ses movimentos sociais com o processo de mudana doregime, v. o artigo de Rodrigues (2001).13 O PDS (Partido Democrtico Social), agremiao pol-tica herdeira da Arena, dividiu-se em 1984 e a faco dissi-dente apoiou a candidatura Tancredo Neves para a presi-dncia da Repblica (tendo Jos Sarney como vice-candi-dato).

    14 Cruz (2005) sugeriu uma periodizao mais simplificadado regime, dividindo-o em ciclos a cada dez anos: 1964(incio: golpe de Estado); 1974 (inflexo: transio polti-ca); 1984 (fim: pice do movimento oposicionista).

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    A interao desses trs elementos ForasArmadas, Estado e sociedade pode, contudo,tornar-se meramente formalista caso no sejamtomados como unidades historicamente determi-nadas. J se indicou acima a origem do poder doaparelho militar sobre as demais instituies e suadistncia ideolgica em relao democracia real.No h espao aqui para desenvolver os outrostpicos. Sublinhe-se apenas que uma compreen-so mais extensa do Estado implica tom-lo comofeixe de instituies, organismos, aparelhos e agn-cias burocrticas, cuja configurao no indife-rente, de um lado, evoluo das relaes de hie-rarquia e subordinao entre os diversos centrosde deciso e, de outro, s articulaes concretasdesses aparelhos (e de seus respectivos ocupan-tes) com as classes e grupos sociais. Da mesmaforma, a sociedade resulta de um padro espe-cfico de desenvolvimento capitalista (um mo-delo de desenvolvimento a partir de um modode produo), graas combinao peculiar, nombito de uma formao social concreta, entre aestrutura produtiva e a estrutura de classes(ABRANCHES, 1979; MARTINS, 1985).

    IV. ALGUMAS VARIVEIS DE ANLISE PO-LTICA

    A anlise da dinmica poltica da transio exi-ge que se respondam pelo menos quatro pergun-tas bsicas:

    1) O que muda? Isto : que instituies polti-cas so suprimidas, restauradas ou trans-formadas nesse processo de evoluo pol-tica?

    2) Como muda? Isto : qual a natureza do pro-cesso que governa a mudana?

    3) Por que muda? Ou seja: quais as razes dasubstituio de um modelo poltico por ou-tro?

    4) Em que direo muda? Ou seja: qual o sig-nificado mais amplo que se pode atribuir mudana poltica?

    A primeira pergunta o que muda no regimeao longo do tempo? pede que se defina a nature-za (conservadora, liberal, radical) e a amplitude(maior, menor) das transformaes poltico-institucionais introduzidas no modelo poltico pelaelite (militar) dirigente. Dessa perspectiva, a abor-dagem do problema est colada histria poltica,mas no se reduz a uma simples crnica dos acon-

    tecimentos sob a forma de um resumoexplicativo15. No sentido prprio do termo, no uma cronologia (i. e., uma disposio dos fatosnuma seqncia temporal reconhecvel, um de-pois do outro), mas uma periodizao: uma sub-diviso temporal do espao poltico que diz res-peito ao aberta ou velada das classes sociais egrupos polticos e militares. Essa periodizao geraldeve ser complementada por uma periodizao es-pecificamente poltica, o que implica em dispor,em seqncia, diferentes regimes polticos atra-vs do tempo, regimes esses que esto ligados luta partidria na cena poltica (POULANTZAS,1968). No caso especfico dos regimes de dita-dura militar h, no mnimo, duas complicaesimportantes: as classes no so os nicos ato-res do processo poltico (e nem os mais impor-tantes) e os partidos tendem a perder sua funode representao, que transferida para o apare-lho de Estado. Essa transferncia comporta tam-bm algumas dificuldades e complexidades, o queexplica a concorrncia entre setores das ForasArmadas e a elite estatal civil (os tecnocratas).Em resumo, ficamos assim: as cpulas das For-as Armadas se incumbem das questes polticase ideolgicas e a elite estatal (civil), das questesde economia (CODATO, 2005).

    Assim, uma periodizao mais completa e ri-gorosa que a feita aqui deveria abranger as trans-formaes no sistema estatal (e.g.: os desloca-mentos dos centros de poder, as alteraes nassuas hierarquias respectivas, bem como seu graude militarizao) e as evolues/involuesinstitucionais da cena poltica (e.g.: a ampliaoou restrio das liberdades, e sua influncia tantosobre os movimentos da sociedade civil quantosobre a dinmica partidria). Esses dois nveis ouregies do espao poltico no so apenascorrelatos, mas se determinam mutuamente. Nose compreende a introduo, no regime, de certasinstituies e prticas liberais sem ter presente,por exemplo, a alterao nas correlaes de foraentre os aparelhos (e seus respectivoscontroladores) que integram o sistema estatal. Ogoverno Geisel e o domnio do Presidente sobrea Presidncia o melhor caso disso que se querdizer.

    15 Bayart (1976) classifica trs histrias do regime autori-trio brasileiro assim: Skidmore (1967 e poderamos in-cluir SKIDMORE, 1988), Schneider (1971) e Fiechter(1974).

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    A segunda pergunta como muda o regime? equivale exposio do processo poltico, comnfase principalmente na ao dos atores estra-tgicos (MARTINS, 1979-1980, p. 20-21) e nareao dos outros atores estratgicos diante daao dos primeiros. Conforme Luciano Martins,trata-se de saber quem detm a iniciativa do pro-cesso, quem detm o controle sobre ele (uma vezque, da primeira, no se segue o segundo, comoseria bvio), como se d o arranjo ou se costu-ram as coalizes polticas que levam evoluodo programa de mudana e qual , dentre os pro-jetos polticos de transformao do regime, o pre-ponderante (MARTINS, 1988, p. 113). A narrati-va aqui obedece, em geral, lgica da causa eefeito. Mas sempre arriscado isolar uma vari-vel independente que seja capaz de explicar todoo processo poltico. Como h sempre umainterao no apenas entre os atores polticos e osagentes sociais, mas tambm entre os atores e asinstituies polticas, e uma vez que suas respec-tivas performances dependem justamente dessainterao, seria mais prudente pensar nainterdependncia das variveis (polticas, econ-micas, sociais, ideolgicas etc.) e na mudana, aolongo do tempo, da natureza, importncia e signi-ficado dessas mesmas variveis16, que so histo-ricamente determinadas. No basta indicar que aauto-reforma do regime resultou de uma decisodo Presidente militar para enquadrar a burocraciamilitar, como parece ser o caso da compreensode Elio Gaspari (2003; 2004). Posto em movi-mento, o processo de reforma do regime ditatori-al-militar tende a superar (para o bem ou para omal) o projeto original.

    A terceira pergunta por que o regime muda? remete ao entendimento das contradies doprprio modelo e suas dificuldades de: (i)legitimao poltica; (ii) organizao interna e (iii)evoluo institucional. Esses no so, obviamen-te, problemas simples nem para os analistas dapoltica ditatorial, nem para os constitucionalistasda poltica ditatorial. A natureza e amplitude da

    mudana esto condicionadas ao tipo de respostaque a elite detentora da iniciativa d-lhes.

    O problema da legitimao do regime militar,por exemplo, est posto desde seu primeiro dia.Os governos militares devem estimular um con-senso ativo, o que envolveria algum grau de mo-bilizao social com todos os riscos a implcitos,ou devem apoiar-se num consenso passivo, isto, tcito, como nas democracias liberais?17

    O problema da evoluo institucional tem, primeira vista, duas faces. Uma que se refere aoEstado e seus ocupantes, outra que se refere sociedade civil e seus movimentos.

    Esquematicamente, a primeira dimenso estligada controvrsia sobre a nova funo da Pre-sidncia da Repblica (quais os limites de suasprerrogativas?) e sobre a sucesso presidencial(como escolher o sucessor?; e depois: quem indi-car?). Deveria a Presidncia ser o locus de coor-denao poltica e superviso ideolgica do siste-ma estatal, ficando os ministrios, conselhos ecomisses com a funo executiva propriamentedita? Esse parece ter sido seu figurino no governoMdici. Ou ela deveria ser o aparelho que, de fato,concentra o poder de Estado, como no governoGeisel? O Presidente deveria ser considerado merodelegado da Revoluo ou comandante supre-mo das Foras Armadas?18 Visto que o regimeno criou uma regra clara para a rotatividade nopoder, nem assumiu, para fins de consumo inter-no e externo, a figura do ditador, como no casodo Chile, o conflito em torno da sucesso tendeua ser sempre o mais agudo e difcil de todo o pe-rodo militar (MARTINS FILHO, 1995).

    J do lado da sociedade, a evoluo institucionaldo regime est diretamente ligada num primeiromomento represso (tanto seu grau, quanto seusclientes preferenciais). Em seguida, o ponto cen-tral do processo passa a ser a liberalizao. Umavez abolida a censura, liberados os presos polti-cos, concedida a anistia, garantido o habeas

    16 Couto (1998) sugere um modelo bastante complexopara entender o processo de transio poltica e econmicano Brasil na dcada de noventa. Ele argumenta que se devaintegrar na anlise do sistema poltico trs dimenses si-multaneamente: as instituies (e suas mudanas), os ato-res (e suas converses) e o contexto poltico-social, que emcada conjuntura diferente.

    17 Esse tpico foi discutido, a propsito da Espanha deFranco, por Juan Linz (1964). Cardoso (1972) prefere fa-lar em autenticao do regime e no em legitimao pol-tica.18 Para uma discusso particularmente ilustrativa desseltimo problema, v. Gaspari (2004). Sobre o primeiro, v.Cardoso (1975), Lafer (1975) e Codato (1997).

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    corpus, revogado o bipartidarismo, at onde aoposio legal poderia ir? Quais os limites da con-testao? O que era, do ponto de vista do grupopoltico-militar que dirige a transformao do re-gime, inegocivel?

    A questo da organizao interna , natural-mente, o problema do arranjo especfico do siste-ma institucional dos aparelhos do Estado. Comoordenar e posteriormente coordenar a relao en-tre as partes civil e militar do sistema estatal? Comoforjar uma nova estrutura de autoridade? Com baseem que critrios recrutar a elite estatal? Comoorganizar o processo decisrio? Qual o limite dainfluncia dos militares sobre as questes polti-cas? etc.19 Problemas to mais delicados ao seobservar que, sob o procedimento mais geral dehipertrofia do Estado nos regimes ditatorial-mi-litares, se desenvolvem uma srie quase infinitade desajustes administrativos e distoresorganizacionais. Pelo lado da burocracia:indefinio de fronteiras funcionais formais entreos ramos do Estado; sobreposio de funes ecompetncias, fonte praticamente inesgotvel deconflitos burocrticos; expanso de prerrogativase extravasamento das esferas de competncia, quegeram novos focos de atrito; acirramento da com-petio interburocrtica, desencadeada pelo mo-vimento de conquista de espaos polticos e no-vos recursos de poder por parte de determinadasagncias; por fim, transformao das agnciasburocrticas em agncias de representao de in-teresses. Pelo lado dos burocratas: estreitamentode vnculos com aliados externos, i. e., sociais,como mecanismo de suporte amplamente utiliza-do no jogo interno de poder; articulao de alian-as entre segmentos do aparelho burocrtico e suasclientelas, gerando arenas privilegiadas e um esti-lo personalista de gesto etc.20

    A ltima pergunta qual a direo da mudanapoltica? exige que se distingam certas altera-

    es (de grau) que podem ser introduzidas no re-gime poltico, sem implicarem a transformaodo regime no seu oposto (uma mudana de natu-reza, por assim dizer). A cpula militar que dirigeo processo de transio tem todo o interesse ape-nas na primeira alternativa. Ela equivale institucionalizao do regime ditatorial, mas soboutra forma poltica. Trata-se, paradoxalmente,de um autoritarismo sem ditadura. O fundamental que o processo decisrio continue centralizadono poder Executivo, os militares continuem con-trolando, mesmo distncia, os centros de poderreal, a atividade dos partidos polticos fique res-trita aos perodos eleitorais, o poder do Legislativopermanea pouco mais que ornamental e, comolembrou Luciano Martins, a expresso da vonta-de popular no implique qualquer tipo de partici-pao autnoma da sociedade (MARTINS, 1979-1980, p. 31).

    O passo para se institucionalizar o autoritarismo(no sentido acima) no significa, porm, que oregime ditatorial era pouco ou nadainstitucionalizado21, mas que o arranjo institucionalem vigor no era funcional nem estvel, da ascrises polticas freqentes (1965, 1968, 1974,1977, 1981 etc.); que, portanto, ele deveria serreformado para suportar essas crises, sem queisso implicasse uma regresso populista (ao pr-1964) ou um avano democrtico.

    Esses no so os nicos parmetros da anliseda histria poltica do regime poltico. Mesmo assadas s questes formuladas no podem, natu-ralmente, ser elaboradas em poucas pginas. Sejacomo for, talvez algumas respostas possam ser-vir de fio condutor para se compreender o senti-do mais geral da cronologia j esboada e, maisimportante, identificar certos determinantes his-tricos para explicar a substituio do regimeautoritrio pelo autoritarismo, conforme minhahiptese.

    V. A DINMICA DA ABERTURA POLTICA NOBRASIL

    O pressuposto mais geral para a anlise domovimento de abertura poltica no Brasil consisteem que a revogao dos regimes polticos ditato-riais e o restabelecimento de formas de governo

    19 Cardoso nota que, durante o regime autoritrio, oconflito entre Executivo-Legislativo desloca-se para o Exe-cutivo e h, efetivamente, uma concorrncia entretecnocratas e militares no processo de tomada de deci-ses (CARDOSO, 1982).20 Para uma viso geral dessas questes, v. MARTINS,1985 e ABRANCHES, 1978. Para a anlise de alguns ca-sos, v. Lima Jnior e Abranches (1987). Para uma discus-so referida ao tema da transio, v. Diniz e Boschi(1989).

    21 Para Linz (1973), ao contrrio, tratava-se to-somentede uma situao autoritria.

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    democrticas, semidemocrticas ou semiditatoriaisno so alcanadas necessariamente por sua der-rubada ou mediante um golpe de Estado, ou aindapela ascenso do movimento popular(POULANTZAS, 1975). Ela pode resultar tam-bm e, no caso do Brasil, principalmente, de pro-cessos evolutivos de mudana. Schmitter sugereque, desse modo, a transio para a democraciaimplica duas possibilidades: (i) ou h uma trans-ferncia de poder dos militares para os polticosaliados ao regime; (ii) ou h uma submisso(negociada) dos militares aos polticos da oposi-o moderada ao regime (ODONNELL &SCHMITTER, 1988). No caso do Brasil, houveum pouco das duas coisas, sem que houvesserealmente uma delas. Os militares no transferi-ram todo o poder ao partido do governo (Arena,depois PDS). Eles conservaram posies estrat-gicas no aparelho do Estado e sua capacidade devetar certas iniciativas dos polticos civis em te-mas constitucionais e institucionais, como se viuna dcada de 1980 (a comparao com o casoargentino fala por si). A conciliao promovida pelaelite poltica foi to ampla que, uma vez derrotadaa alternativa para a transformao do modelo po-ltico pela via eleitoral, em 1984, tanto represen-tantes do regime quanto opositores do regime for-maram o primeiro governo civil, aps a aprova-o das Foras Armadas22.

    conveniente reparar que o restabelecimentode formas democrticas de governo apenas umdos resultados possveis da transformao polti-ca dos regimes autoritrios (MARTINS, 1988,p. 108). Como j observado por Moiss, as tran-sies de regime no democrticos nos anos[19]70 e [19]80 [...] comearam como transiesdo autoritarismo para outra coisa, mas no hnada que assegure que essa outra coisa [fosse]necessariamente um regime democrtico(MOISS, 1994, p. 88). A tentao da teleologia,presente em alguns estudos que pretendem iden-tificar na transio poltica uma trajetria em dire-

    o a um ponto que, de qualquer forma, seria arealizao plena da democracia liberal, parece en-ganoso em pelo menos dois sentidos. De um lado,porque certos analistas pressupem que o objeti-vo estratgico dos militares que dirigem o pro-cesso (era) restabelecer a democracia. De ou-tro, porque igualmente se eximem de estimar osrestos de autoritarismo nas instituies do novoregime e avaliar se e como eles podem afetar aestrutura institucional e a dinmica poltica demo-crtica. Aqui seria prudente evitar os estudos cons-titucionais comparados.

    V.1. O contedo da mudana poltica: institui-es liberais, prticas autoritrias

    O projeto original da faco militar que passoua controlar o processo poltico aps 1974, repre-sentada pelas figuras dos generais Ernesto Geisele Golbery do Couto e Silva (os castellistas23),foi muito mais de mudana poltica que de trans-formao poltica. A variante adotada deveria com-portar uma liberalizao do regime ditatorial, masno necessariamente a democratizao do siste-ma poltico (STEPAN, 1988, p. 12-13)24. NaEspanha, enquanto a transio democrtica se-guiu uma via condicional cada instituio demo-crtica introduzida no sistema poltico exigia (isto

    22 Vencido o movimento pela restaurao do sufrgio po-pular para Presidente, o Colgio Eleitoral reuniu-se em 15de janeiro de 1985 e elegeu Tancredo Neves (PMDB) por480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf (PDS). Tancredoadoeceu, no assumiu e em seu lugar tomou posse da Pre-sidncia da Repblica em 15 de maro de 1985 Jos Sarney,ex-lder do partido de apoio ditadura.

    23 Adeptos do Marechal Castello Branco, primeiro Presi-dente do regime ditatorial brasileiro. Os castellistas socomumente associados, de maneira equivocada, a posiesliberais, enquanto seus opositores nas Foras Armadas,a linha dura, so associados a posies radicais. Maisfiel aos fatos, uma diviso desses grupos deveria associaros primeiros institucionalizao do regime e, os ltimos, administrao da represso. No demais lembrar queforam exatamente os liberais do Exrcito criaram o Servi-o Nacional de Informaes (em junho de 1964), editaramo Ato institucional n. 2 (em outubro de 1965), que supri-miu os partidos polticos e tornou indireta, a partir deento, as eleies presidenciais; foi essa linha moderadatambm que promulgou uma nova Constituio (em janei-ro de 1967) e fechou o Congresso Nacional (em abril de1977), introduzindo uma srie de mudanas (casusmos,segundo a expresso da poca) na legislao eleitoral.Oliveiros Ferreira (2000) prope uma outra diviso entreas duas principais correntes poltico-ideolgicas das For-as Armadas: o estabelecimento militar, i. e., aqueles queagiriam de acordo com a legalidade constitucional, e o par-tido fardado, i. e., aqueles militares dispostos a intervir napoltica para estabelecer a lei e a ordem constitucional.24 Para a diferena entre os dois processos e suas possibi-lidades de interao, v. ODonnell e Schmitter (1988).

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    , condicionava) outra , no Brasil, a via da mu-dana poltica foi seqencial: certos direitos libe-rais clssicos foram reintroduzidos de acordo comuma estratgia incremental e moderada, sob a di-reo do governo e com a colaborao da oposi-o responsvel, a fim de se evitarem os riscosde uma regresso autoritria (SKIDMORE, 1988,p. 323-325)25. Em que pese a diferena entre Brasile Espanha, Share e Mainwaring (1986) traaramum til paralelo entre os dois pases no que dizrespeito ao modo da mudana poltica, chamadopor eles transio pela transao, enfatizando ocarter negociado de todo o processo26.

    O propsito do governo Geisel (1974-1979)foi promover uma distenso, isto , um relaxa-mento dos controles polticos impostos socie-dade. A censura prvia foi parcialmente suspensa,os resultados eleitorais, depois de algumas mani-pulaes das regras27, foram admitidos, os pro-testos dos empresrios contra o modelo econ-mico foram, embora com reservas, tolerados eas inesperadas reivindicaes operrias, surgidasa partir de 1978, foram um efeito no antecipadoda ao liberalizante. Esse projeto foi mantido, nogoverno Figueiredo (1979-1985), sob o nome depoltica de abertura, com lances controversos esob oposio da extrema-direita militar. Conclu-da no fim do governo Sarney (1985-1990), atransio poltica (de 1974 a 1989) foi peculiar:ela durou, ironicamente, mais que o regime pro-

    priamente dito (1964-1974). Sua principal carac-terstica foi o continusmo excepcional doautoritarismo (MARTINS, 1988) nas instituiesdo governo civil que deveria, afinal, ser de tran-sio. Stepan e Linz j sugeriram que a duraoincomum da transio brasileira, quando com-parada com a de outros pases, est relacionadaao fato de que o regime autoritrio [...] era hie-rarquicamente controlado por uma organizaomilitar que detinha poder suficiente para controlaro ritmo da transio e para extrair um alto preopor se retirar do poder (LINZ & STEPAN, 1999,p. 205)28.

    Esse , basicamente, o lado poltico da estra-tgia. H que se considerar tambm seu lado mili-tar. Uma das tarefas mais importantes e difceisna mudana da frmula poltica foi odesengajamento gradual das Foras Armadas daconduo cotidiana dos negcios de Estado e seuretorno condio usual de guardi da ordem in-terna. Um dos principais ingredientes dessa pol-tica foi o fortalecimento do Presidente da Rep-blica e a afirmao de sua autoridade sobre osvrios grupos e faces da prpria corporaomilitar, em especial aqueles que controlavam osrgos de segurana e que haviam conquistadoampla liberdade nos governos anteriores (ou, comose dizia, autonomia operacional), agindo comoum poder paralelo dentro do Estado (QUARTIMDE MORAES, 1982, p. 771; GASPARI, 2002b).Outra peculiaridade da mudana: a vitria do Pre-sidente militar sobre a corporao militar deu-semediante um acrscimo de autoritarismo, e noseu contrrio. Da que a demisso do Ministro doExrcito Sylvio Frota, em outubro de 1977, tenhasido um dos lances mais influentes desse proces-so (GASPARI, 2004)29, a ponto de permitir indi-car a forma da mudana poltica.

    28 Salvo engano, Alfred Stepan foi o primeiro autor asugerir a importncia da manuteno de enclaves autorit-rios no aparelho do Estado (dirigidos pelos militares)mesmo aps a vigncia do que a maioria dos autores chamade democracia, i. e., o governo Sarney (v. STEPAN, 1986).Para mais informaes sobre a possibilidade de supervisodo processo constituinte pelas Foras Armadas (1987-1988),v. Zaverucha e Teixeira (2004).29 O General Geisel, note-se, venceu as trs crises milita-res de seu governo: demitiu o comandante do II Exrcito(1976), exonerou o Ministro do Exrcito (1977) e aceitouimediatamente o pedido de dispensa do Chefe da CasaMilitar (1978). Sobre o tema, v. Oliveira (1980).

    25 O desenho mais geral desse programa reformista podeser lido em Santos (1978, p. 143-211). Em um artigointitulado Estratgias de descompresso poltica, Santosenfatizou a necessidade de retomarem-se certos direitosliberais clssicos, sob uma estratgia gradual e moderada,com a cooperao da oposio, de modo a evitar os riscosde um retrocesso poltico. A primeira medida deveria ser aeliminao da censura e a garantia da liberdade de expres-so. Para uma anlise concreta dos mecanismos de funcio-namento da censura no Brasil durante o regime, v. Soares(1989).26 Santos (2000) demonstrou que, por caminhos seme-lhantes, o resultado das duas transies foi o mesmo: pre-domnio do poder Executivo sobre o Legislativo. Uma com-parao entre a redemocratizao na Espanha, Brasil e Ar-gentina pode ser lida em Schmidt (1990). Para uma discus-so sobre as implicaes metodolgicas desse tipo de com-parao, v. Bunce (2000).27 Para compreender a srie de casusmos que alteraramo processo poltico graas manipulao do sistema eleito-ral (cujos resultados nem sempre foram favorveis ao regi-me ditatorial), v. Fleischer (1986).

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    V.2. O mtodo de mudana poltica: centraliza-o e controle

    A legenda do governo Geisel foi, como se sabe,distenso poltica lenta, gradual e segura. Esseprocedimento deveria ser suficientemente arras-tado para que no pudesse ser interpretado comouma involuo da Revoluo, servindo de pre-texto contestao aberta da extrema-direita, mi-litar e civil. Ele deveria ser tambm gradual, isto, progressivo e limitado, pois no poderia abrircaminho a uma ofensiva oposicionista que con-duzisse, por exemplo, uma ruptura democrtica(QUARTIM DE MORAES, 1982, p. 766-767). Edeveria ser controlado pelo prprio Presidente,uma vez que as duas tarefas anteriores exigiamsuperviso estrita tanto dos movimentos polticosda direita militar como da esquerda parlamentar.S assim se reconstitui o sentido da estratgiapendular de Geisel, ora direita (cassaes), ora esquerda (eleies)30.

    Todavia, como j se enfatizou acima, o proje-to original de liberalizao do regime ditatorial nofoi idntico ao processo poltico que ele desenca-deou. Uma vez iniciado, o movimento adquiriu lgi-ca prpria e as vrias crises nos governos Geisele Figueiredo dizem respeito tanto tentativa dosPresidentes de reafirmar seu controle sobre o pro-cesso, quanto da oposio civil e militar de alteraro projeto (em direes diferentes). A complicaoera mais ou menos a seguinte: se a distenso pol-tica, sob a tutela dos militares, era a nica formaimaginada pela elite no poder para resolver as con-tradies do aparelho militar e do prprio regimemilitar, a abertura poltica permitiu a interven-o do empresariado nacional, das camadas m-dias e dos trabalhadores no jogo poltico. Logo,as fases e etapas indicadas na periodizao acimano podem ser reduzidas, exclusivamente, din-mica poltica e burocrtica do aparelho militar(suas lutas internas, guerras ideolgicas ou dis-putas entre personalidades31). Em grande medi-

    da, a periodizao do regime ditatorial correspondetambm a trs rearranjos: (i) nova geografia quese estabeleceu entre polticos e militares, em queas eleies so o melhor indicador para se apuraro grau crescente de importncia dos civis nacena poltica; (ii) redefinio das relaes defora entre as classes sociais (CRUZ &MARTINS, 1983), em que a passagem da posi-o hegemnica de uma frao de classe (capitalindustrial multinacional e nacional associado) aoutra (capital bancrio) ilustrativa das novascontradies entre governo e empresariado32;(iii) redefinio das relaes de foras entre asclasses e o estabelecimento militar, atestada pelosprotestos crescentes de trabalhadores e profissi-onais de classe mdia (advogados por meio daOAB, jornalistas por meio da ABI etc.). Ainda queindiretamente, as greves e a ascenso dos movi-mentos sociais traduzem o ritmo do renascimentoda sociedade civil33.

    Os dados das votaes para o legislativo esta-dual e federal ilustram a evoluo da oposio par-lamentar, sugerindo sua crescente importncia nosistema poltico.

    Mantidas pelo regime as instituies da demo-cracia representativa clssica (partidos, parlamen-tos e eleies)34, o entendimento da transforma-o do sistema poltico tem de passar necessaria-mente pela anlise da influncia da dinmica elei-toral sobre o processo poltico nas dcadas desetenta e oitenta. As tabelas adiante (tabelas 1 e 2)resumem os resultados das eleies legislativas noBrasil entre 1966 e 1986. Se dividirmos os votosem duas correntes opostas, situao (Arena) eoposio (MDB), teremos o seguinte:

    30 O General Golbery do Couto e Silva, principal assessordo Presidente Geisel, descreveu esse processo com umametfora questionvel. As sucessivas modificaes do sis-tema poltico para adaptar-se aos conflitos embutidos nadinmica da transio poderiam ser considerados perfeita-mente naturais, maneira de sstoles e distoles (v.SILVA, 1981).31 Para uma boa viso dessa questo, v. Oliveira (1994).Em Gaspari (2002a; 2002b; 2003; 2004) h uma histria

    detalhada das contradies presentes no interior da insti-tuio militar. Essa , segundo o autor, a varivel explicativada transio.32 Sobre a mudana de hegemonia, cf. Saes (1990). Paraum balano crtico da literatura a respeito dos conflitosentre a burguesia brasileira e o poder Executivo militar, v.Codato (1995).33 H imensa literatura sobre o tema; cf., em especial,Sader (1988).34 ODonnell e Schmitter afirmam que o regime brasileirono presenciou qualquer tentativa sria de criao de ins-tituies autoritrias; os militares governaram recorren-do amplamente distoro, e no destruio das institui-es bsicas da democracia poltica (ODONNELL &SCHMITTER, 1988, p. 46; sem grifos no original).

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    TABELA 1 RESULTADOS OFICIAIS DAS ELEIES LEGISLATIVAS, POR PARTIDO POLTICO (BRASIL,1966-1982 EM %)

    Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.Notas:1. Arena: Aliana Renovadora Nacional; MDB: Movimento Democrtico Brasileiro; B&N: votos brancos e nulos.2. Os votos do PDS foram artificialmente includos na coluna Arena e os da oposio ao regime (Partido do MovimentoDemocrtico Brasileiro (PMDB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrtico Trabalhista (PDT), Partido TrabalhistaBrasileiro (PTB)), na coluna MDB.

    TABELA 2 RESULTADOS OFICIAIS DAS ELEIES LEGISLATIVAS, POR PARTIDO POLTICO E SOMENTEVOTOS VLIDOS (BRASIL, 1986 EM %)

    Fonte: Nicolau (1998, p. 56-58, 95, 173-175).Nota: Os votos do PDS-Partido Progressista Renovador (PPR), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Liberal (PL) e PartidoDemocrata Cristo (PDC) foram includos na coluna Arena e os dos partidos de oposio ao regime (PMDB, PT, PDT, PTB,Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB)) foramincludos na coluna MDB. Essas agremiaes, MDB e Arena, foram extintas em 1979.

    Como se pode notar, o que deveria ser apenasuma fachada liberal para o regime ditatorial con-verteu-se num poderoso elemento de dinamizaodo programa da transio, em especial no inciodos anos oitenta. Uma inspeo ligeira nesses n-meros permite, ao menos, quatro concluses: (i)a votao do partido da situao , ao longo dotempo, inversamente proporcional do partido daoposio; (ii) ainda que o ritmo do crescimentodo voto oposicionista seja diferente nas trs casaslegislativas (maior no Senado federal, menor nasAssemblias Legislativas estaduais), ele pratica-mente constante; (iii) ao fim da primeira srie tem-poral (1982), a oposio controla em torno de 50%do eleitorado, enquanto o partido da situao, 36%;(iv) o nico momento em que a srie se modifica(1970) corresponde ao crescimento dos votosnulos e em branco, a forma possvel, naquela con-juntura, de protesto contra o regime. Da que em1979 o reconhecimento da impossibilidade dogoverno assegurar uma slida base de apoio par-

    lamentar tornou imperativa a dissoluo do siste-ma bipartidrio (KINZO, 1988, p. 224).

    provvel, como argumentou Lamounier(1986), que a arena eleitoral tenha sido mais im-portante no caso brasileiro que em outros proces-sos de transio poltica, nos anos setenta, naAmrica Latina. H que se levar em conta, po-rm, o outro lado da moeda. Nem todas as clas-ses ou camadas encontraram, como salientouSaes, o lugar privilegiado para se oporem ao regi-me ditatorial na cena poltico-partidria, j queo MDB, o partido contrrio ao governo, manteve-se praticamente afastado dos movimentos popu-lares. O instrumento da moderna classe operriafoi na verdade o sindicato. Assim, a forma de aooposicionista mais eficaz [...] no foi o voto, esim a greve (SAES, 1984, p. 227).

    A Tabela 3 um indicativo para que se possamedir a dissociao da sociedade do regime e deseu modelo econmico.

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    Em paralelo evoluo da oposio partidria,os dois ltimos governos militares, de Geisel e deFigueiredo, tiveram de enfrentar uma forma maismoderna de organizao poltica, o novosindicalismo35. Esse desafio insere-se num con-texto mais amplo e que diz respeito ao processode reestruturao do sistema de representao deinteresses da sociedade junto ao Estado. Por ora,basta notar que a dinmica sindical cruza-se, nes-sa conjuntura, com a dinmica poltico-partidriasem que haja, no entanto, uma relao de deter-minao entre elas.

    Ao observar apenas a coluna total de grevesda Tabela 3, pode-se supor que, nesse intervalo dedez anos (i. e., 1978-1987), a transformao de118 paralisaes (1978) em 2 193 (1987) deva tertido sua funo no processo de converso do regi-me. A informao mais importante , contudo, oaumento em quase dez vezes do nmero de traba-lhadores parados entre 1978 e 1979. Embora exa-

    gerando o argumento, Diniz (1986) parece ter ra-zo ao afirmar que a abertura poltica o resulta-do de duas dinmicas que atuam simultaneamenteno sistema poltico: a dinmica das negociaes nouniverso das elites e a dinmica das presses dasociedade (camadas mdias, classe operria) so-bre o Estado militar. Talvez seja o caso de sugerirque a primeira dinmica estabeleceu o contedo,definiu o modo e imps a natureza da transio,enquanto a segunda determinou seu ritmo.

    V.3. As razes da mudana poltica: um regimeem crise perene

    Os processos polticos que esto na base dareforma do regime ditatorial em 1974 no so idn-ticos aos que presidiram sua origem em 1964(MARTINS, 1979-1980, p. 19). Cada um delescorresponde a uma crise poltica especfica, mastendo as Foras Armadas como protagonista prin-cipal.

    Se pudermos associar o surgimento das ditadurasna Amrica Latina a dois tipos de fatores, um de natu-reza estrutural elas corresponderam necessidadede reorganizar o modelo de acumulao capitalista naperiferia (ODONNELL, 1975) e outro de naturezaconjuntural a percepo pelos militares brasileirosde uma situao de caos social e desordem burocrti-ca que exigia sua interveno (SOARES, 1994)36, preciso recordar que a razo para mudar a forma

    Fonte: NEPP (1989, p. 129-131 dados selecionados a partir das Tabelas 1, 2, 3 e 4).Nota: Em relao ao nmero mdio de trabalhadores parados, foram contabilizados os trabalhadores da indstria;trabalhadores da construo civil; assalariados de classe mdia; trabalhadores do setor de servios e outras categoriasprofissionais.

    TABELA 3 NMERO TOTAL DE GREVES, NMERO MDIO DE TRABALHADORES PARADOS, JORNADASNO TRABALHADAS E MDIA DE DIAS PARADOS, NAS REGIES URBANAS (BRASIL, 1978-1987)

    35 Em resumo, o novo sindicalismo consistia numamaneira diferente de organizao dos trabalhadores em re-lao ao sindicato oficial de Estado (criado no perodo pos-terior a 1930) e tambm numa maneira diferente de apre-sentar reivindicaes salariais. O ponto fundamental era atentativa de negociar a questo diretamente com os empre-srios, sem a mediao do Ministrio do Trabalho. Parauma viso otimista do fenmeno, v. Maroni (1978); parauma anlise geral da evoluo do novo sindicalismo, dadcada de 1970 para a de 1980, v. Keck (1988). Ao ladodesse fenmeno surgiram, no final dos anos setenta, novosmovimentos sociais urbanos. Uma boa perspectiva hist-rica dessa questo pode ser lida em Ottmann (1995).

    36 Para uma formalizao elegante dessa explicao v.Geddes (2001, p. 233-235).

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    de governo, em 1974, obedece antes a dificuldadesinternas do prprio regime militar. Dificuldades es-sas que tm origem no ramo militar do aparelho doEstado (DREIFUSS & DULCI, 1983), repercutemnas Foras Armadas e se ampliam a partir delas paraoutros aparelhos e ramos. Da que no se deva asso-ciar o propsito reformista de Geisel-Golbery a moti-vos mais globais do tipo crise econmica ou crisesocial. A crise econmica (medida, por exemplo, peloaumento da inflao e desequilbrio do balano de pa-gamentos) foi paralela auto-reforma da ditadura. Ea crise social (representada tanto pelos resultados ne-gativos da poltica de distribuio de renda, quantopela reao a ela: as greves) foi revelada pelos efeitosliberalizantes da poltica de auto-reforma da ditadura.

    O que no significa dizer que o regime ditato-rial-militar tenha sido estvel. No Brasil, por exem-plo, o regime nunca alcanou um estado timo deequilbrio poltico entre polticos liberais, lderesconservadores e militares reacionrios. Tampoucoobteve consenso entre os prprios militares, vistoque a existncia de diversos grupos rivais nas For-as Armadas denunciava a presena de vrios pro-jetos ideolgicos, principalmente sobre a natureza provisria ou duradoura e os objetivos am-plos ou restritos de sua interveno na vida po-ltica nacional, depois de 1964.

    Por isso mesmo, o regime brasileiro teve difi-culdade para encontrar uma frmula institucionaldefinitiva. Foi um regime em crise permanente,como freqentemente ocorre nessas formas pol-ticas de exceo (POULANTZAS, 1975). A pr-pria ausncia de uma regra clara para a sucessode chefes militares na Presidncia um indcio doconflito insolvel entre um modelo poltico quepretende preservar sua imagem civilizada, j queno quer recorrer figura clssica do ditadorlatino-americano, e a impossibilidade de civili-zar o comando do Estado, isto , transferir a umpoltico civil confivel, o posto de Presidente daRepblica. Os problemas clssicos do consensoe da coero o grau de consentimento da socie-dade e a intensidade da represso por parte doEstado foram tambm razo e expresso dasdificuldades para criar instituies polticas pr-prias. O descontrole sobre os pores(CENIMAR, DOPS, DOI-CODI37 etc.) ainda queaparecesse como anarquia (conforme a percep-

    o de Gaspari, por exemplo), era a forma maisou menos normal, ou possvel naquela conjuntu-ra, de combater uma oposio real (a luta arma-da) ou imaginria (os comunistas). Por sua vez,o custo para produzir um consenso ativo que seaproximasse da legitimidade ficava muito depen-dente dos ciclos de expanso econmica, sendoas campanhas publicitrias pr-ditadura e a edu-cao moral e cvica modestssimos exemplosde fabricao de uma cultura autoritria dominan-te e efetiva, em tudo diferente aqui, portanto, daexaltao nacionalista varguista.

    Em suma, penso que a ausncia de ordem/hi-erarquia entre os ramos do aparelho do Estado e aprecariedade de um sistema prprio de justifica-o ideolgica ( la Estado Novo, por exemplo)decorreu basicamente de trs problemas combi-nados: (i) da dificuldade em construir uma estru-tura racional para tomada de decises, comosugerem as freqentes reformas administrativasdo Estado38; (ii) da falta de coerncia e coesoideolgicas entre os diversos grupos, civis e mili-tares, que comandavam a poltica nacional39, e(iii) da inexistncia de regras claras e fixas para aevoluo institucional, cujo sintoma mais aparen-te era a incerteza sobre quem comandaria o go-verno, como o poder seria exercido e em que di-reo o regime deveria caminhar40.

    Em vista disso, pode-se presumir que o objeti-vo estratgico da reconverso liberal do regimemilitar era a institucionalizao de uma srie dedispositivos autoritrios (QUARTIM DEMORAES, 1982, p. 766) que, depois de encerra-do o ciclo dos generais, garantissem legitimidade,estabilidade e funcionalidade a um novo modelo

    37 Centro de Informaes da Marinha; Delegacia de Or-dem Poltica e Social; Destacamento de Operaes de In-formaes Centro de Operaes de Defesa Interna.

    38 O sistema decisrio correspondeu a diversos arranjos,seguindo a correlao de foras no interior da burocraciacivil e militar. V., para esse problema, Lafer (1975), Martins(1985) e Codato (1997).39 Entre os militares havia os internacionalistas, adeptosde uma economia de mercado mais aberta, e os naciona-listas de direita, partidrios de uma economia nacionalindustrialmente desenvolvida. Uma ala civil liberal apoiarao golpe de Estado e via no aprofundamento da repressopoltica, em 1968, um desvio autoritrio dos seus pro-psitos originais. Nessa viso, o golpe era uma contra-revoluo que barrou a implantao de uma repblicasindicalista no Pas, com o apoio ostensivo do governo de[Fidel] Castro (cf. 30 ANOS DEPOIS, 1994, p. A3).40 Sobre esse ltimo ponto ilustrativo o depoimento doGeneral Hugo Abreu (1979).

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    poltico nem populista, nem plenamente demo-crtico, em funo dos riscos do segundo con-verter-se no primeiro. De novo. Tal como tinhasido o caso, na viso das Foras Armadas, do re-gime da Constituio de 1946.

    V.4. O sentido da mudana poltica: a institu-cionalizao do autoritarismo

    Os governos militares no inventaram suasprprias instituies poltico-representativas: porexemplo, um partido mobilizador de massa. A re-forma partidria de 1965 (o AI-2) limitou-se acancelar os registros das antigas agremiaes,criadas aps o perodo do Estado Novo, reorga-nizando as faces pr-regime e anti-regime emapenas duas siglas, respectivamente: Arena e MDB.Da mesma forma, o sistema de representao deinteresses no se orientou na direo de umcorporativismo clssico (como havia sido ten-tado pela Constituio de 1934), mas tambm noconseguiu encontrar a frmula ideal para refazer,num contexto antiliberal, as conexes entre so-ciedade e Estado. Nesse caso em especial, aligao entre certos setores do empresariado edeterminados centros decisrios no aparelho doEstado foram aprofundadas nas administraesCosta e Silva e Mdici de acordo com o mesmomodelo dos conselhos tcnicos do autoritarismovarguista. Contudo, esse esquema, pelasdistores que criava no sistema estatal(balcanizao, fragmentao, entropia etc.), e foirevogado no governo Geisel, mas restaurado e am-pliado no governo Figueiredo (CODATO, 1997).

    Se essas evidncias confirmam a precarieda-de da ditadura para edificar uma estrutura jurdi-co-poltica, no significam que o Brasil tenha vi-vido uma situao autoritria (LINZ, 1973).Tampouco suas crises peridicas e a instabilidadecaracterstica do regime ditatorial da derivada soum ndice do carter transitrio ou incipiente domodelo poltico. H duas confuses nesse raci-ocnio. Uma que associa inconstncia a baixainstitucionalizao; e outra que vincula instituiesao processo de institucionalizao. A presena ouausncia de certas instituies menos importan-te que a funo que elas cumprem na dinmicapoltica concreta. Tome-se o caso do sistemabipartidrio. Concebido para discriminar, contro-lar aliados e dissidentes, seu funcionamento, umavez estabelecido um calendrio eleitoral mais oumenos fixo e postos alguns cargos polticos dis-posio da concorrncia eleitoral, foi um fator, ao

    longo do tempo, tanto de estabilidade (at 1974)quanto de instabilidade para o regime (de 1974em diante)41.

    Contudo, como os principais cargos executi-vos nunca estiveram em disputa (Presidncia daRepblica, governo dos estados, prefeituras dascapitais), as crises polticas que a dinmica eleito-ral produziu no foram suficientes para revogar otrao fundamental do regime ditatorial: o mono-plio poltico do governo pelas Foras Armadas.A impossibilidade da alternncia no poder entregrupos civis (mesmo os mais conservadores) emilitares a referncia mais segura dainstitucionalizao da ditadura. Quando, no inciodo governo Geisel, h um impulso para a modifi-cao do regime, no se trata, na minha opinio,de um projeto de institucionalizao do regimeautoritrio, que prev medidas liberalizantes, masapenas na medida em que sirvam a esse propsi-to (CRUZ & MARTINS, 1983, p. 46). Trata-seda institucionalizao do autoritarismo, ou, maisexatamente, da institucionalizao de certos dis-positivos de controle da sociedade pelo Estado.Nas palavras tortuosas do Presidente ErnestoGeisel: Os instrumentos excepcionais de que ogoverno se acha armado para manuteno da at-mosfera de segurana e de ordem [...] almejo v-los no tanto em exerccio duradouro ou freqen-te, [mas] antes como potencial de ao repressivaou de conteno mais enrgica e, assim mesmo,at que se vejam superados pela imaginao pol-tica criadora, capaz de instituir, quando for opor-tuno, salvaguardas eficazes e remdios prontos erealmente eficientes dentro do contexto insti-tucional (DISCURSO DE GEISEL, 1974, p. 5).

    A imaginao poltica criadora posta em prti-ca deu no seguinte: em outubro de 1978, o Con-gresso Nacional aprovou a Emenda Constitucio-nal n. 11 ( Constituio de 1967), que conjugavareformas polticas com a permanncia das sal-vaguardas eficazes. Ela abolia o Ato Institucionaln. 5, restabelecendo o habeas corpus, suspendia acensura prvia para rdio e TV, revogava as pe-nas de morte e priso perptua, restaurava a in-dependncia do Judicirio etc. Mas tambm ga-rantia, ao mesmo tempo, os poderes discricion-

    41 o caso, por exemplo, das eleies para o SenadoFederal, que assumiram um carter plebiscitrio anti-regi-me. V. a Tabela 1, acima.

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    rios do Executivo. No lugar do AI-5 foramintroduzidas na Constituio certas salvaguardaspara a defesa do Estado, tais como o estado deemergncia. Excluda a necessidade de consul-tas prvias ao Congresso, o estado de emergnciapoderia ser decretado pelo prprio Presidente daRepblica. Ao contrrio do que ocorria no AI-5, oPresidente no estava autorizado a legislar, mas aimunidade parlamentar no foi totalmenterestabelecida. Embora o chefe do Executivo nomais pudesse cassar mandatos e suspender direi-tos polticos, os parlamentares seriam processa-dos pela ditadura nos casos de crimes contra asegurana nacional42.

    Esse problema da institucionalizao de dispo-sitivos autoritrios de controle do poder de Esta-do, diante da possibilidade de perda de comandodo processo poltico em funo de um possvel,mas ainda incerto, relaxamento dos controles re-pressivos, estava na ordem do dia desde o incioda dcada de 1970. Quando assumiu o governo,o grupo do General Geisel j havia descartado tantoum regime corporativista, que os assessores deMdici haviam defendido em 1970-1971, quantoa transformao da Aliana Renovadora Nacionalnum partido dominante, ao estilo do PRI mexica-no, conforme a idia proposta por SamuelHuntington (SKIDMORE, 1988, p. 321). A opoque prevaleceu foi a de implantar uma forma degoverno mais estvel, previsvel e controlada, emque o sistema de partidos e a rotina eleitoral, quesurpreendentemente haviam se convertido, nadcada de setenta, num meio poderoso de protes-to contra o regime, no pusesse em xeque oautoritarismo; nem desse oportunidade aos ex-cessos do perodo populista, representados peloavano da mobilizao popular sob o comando deuma liderana carismtica e demaggica.

    Feitas as contas, quando se consideram a na-tureza conservadora do processo de transio noBrasil, seus meios autoritrios e seus objetivosrestritos, no surpreendem as razes docontinusmo do mesmo grupo no poder aps 1985,ainda que s custas de seu transformismo polti-co; nem o fato de que todo o processo de refor-

    ma tenha sido dirigido e executado pela mesmaassociao de polticos profissionais e generais au-toritrios. A longevidade da trade Arena-PDS-PFLna cena poltica43 no nos deixa esquecer que nohouve uma verdadeira substituio dos grupos li-gados ditadura, mas uma reacomodao no uni-verso das elites, tendo as Foras Armadas passa-do para o fundo do palco, sem contudo perdersuas prerrogativas, como o poder de veto, porexemplo44.

    O governo Sarney (1985-1990) foi a expres-so mxima desse crculo de ferro que, com su-cesso, controlou a mudana poltica no Brasil.Recorde-se que as palavras de ordem da AlianaDemocrtica, conciliao e pacto social, con-seguiram neutralizar tanto os ensaios de oposioao regime ditatorial surgidos na conjuntura 1977-1980 (greves operrias, movimentos sociais debase e protestos empresariais contra a interven-o do Estado na economia), quanto a famosacampanha pelas eleies diretas para Presidenteda Repblica, em 1984. O resultado foi o aperfei-oamento de um regime antipopulista e antipopularou, como o denominou Florestan Fernandes, umademocracia forte, isto , uma forma poltica nemexplicitamente ditatorial, a ponto de ser combati-da como tal, nem plenamente democrtica e libe-ral (FERNANDES, 1981, p. 10).

    A dcada de 1980 consumou assim os sonhosdos generais: uma democracia relativa, na curi-osa expresso de Geisel. Logo, seria mais corretocaracterizar o governo Sarney no como um go-verno de transio para a democracia ou umgoverno misto (semidemocrtico ousemiditatorial), mas o ltimo governo, no caso,civil, do ciclo de governos no-democrticos noBrasil45 . Saes argumentou justamente que seriapossvel pensar desse modo desde que se abrisse

    42 Cf. a ntegra da legislao em O Estado de S. Paulo de21 de setembro de 1978. Essas reformas institucionais, quedeveriam entrar em vigor em 15 de maro de 1979, foramantecipadas para 1 de janeiro, antes mesmo da posse donovo Presidente.

    43 Para uma viso mais detalhada do sucesso eleitoral dospartidos de direita no Brasil nesse perodo, v. Mainwaring,Menegello e Power (2000).44 Carvalho argumenta, a meu ver com razo, que AsForas Armadas brasileiras no foram obrigadas a aceitar umpapel radicalmente diferente daquele assumido na fase auto-ritria, quando elas tiveram maiores responsabilidades naimplementao de polticas pblicas e no condicionamentoda postura dos demais atores (CARVALHO, 2004, p. 136).45 A sugesto para caracterizar o regime brasileiro como umregime misto, em que se encontram combinadas instituiesliberais e instituies autoritrias, de Martins (1977).

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    mo de analisar separadamente, isto , uma a uma,as instituies polticas reintroduzidas a partirda abertura, [deixando] de lado a questo do tipode relao mantida entre essas instituies e asdemais (SAES, 1988, p. 18).

    Uma srie de liberdades polticas ou institui-es tipicamente democrticas podem estar pre-sentes mesmo num regime ditatorial. A questocentral a funo precisa que, por exemplo, opluripartidarismo ou as eleies majoritrias de-sempenham. No governo Sarney, essas institui-es cumpriram a funo de ocultar o carterem ltima instncia militarizado do processodecisrio estatal (SAES, 1988, p. 19). Zaverucha(1994), nessa mesma linha, demonstrou, de for-ma convincente, que o governo Sarney manteveas prerrogativas polticas dos militares e osenclaves autoritrios dentro do aparelho de Esta-do, contribuindo para o estabelecimento de umademocracia tutelada46.

    Essa proposio tem duas implicaes analti-cas. No s a liberalizao do regime ditatorialno se confunde com a democratizao do siste-ma poltico, mas essa liberalizao imposta pelascpulas militares foi mais um fator de continui-dade que um fator de colapso da ditadura(FERNANDES, 1981, p. 28). No houve propri-amente uma ruptura com o autoritarismo, mas umatransformao lenta, segura e gradual da for-ma de governo. McSherry (1995) sustentou queas instituies militares latino-americanas conser-varam a cultura organizacional da Guerra Fria e aideologia da segurana nacional. No Brasil, os prin-cpios da Lei de Segurana Nacional ainda conti-nuam em vigor e a Constituio Federal de 1988

    assegurou as funes das Foras Armadas paramanter a lei e a ordem no pas47.

    VI. UMA DEMOCRACIA AUTORITRIA?

    Na dcada de noventa, a maior parte das an-lises sobre a democratizao do regime dissociouas transformaes poltico-institucionais das alte-raes dos aparelhos estatais.

    A discusso pblica, seja no mbito acadmi-co, seja no mbito poltico, voltou-se para algu-mas questes muito especficas, como por exem-plo: a estrutura dos partidos (e seu baixo grau deinstitucionalizao); o sistema de partidos (e seualto grau de fragmentao); o sistema eleitoral (esua frmula disfuncional: proporcional com lis-ta aberta); o sistema de governo (o federalismo ea competio entre as unidades nacionais); a for-ma de governo (presidencialista e suas improprie-dade); as relaes intergovernamentais (a concor-rncia entre os poderes Executivo e Legislativo)etc. O foco quase exclusivo da literatura sobre acena poltica colocou no primeiro plano do debateo tema (conservador) da governabilidade, que,inspirado por uma definio minimalista da demo-cracia, se tornou o problema fundamental do pro-cesso de governo, obscurecendo o problema datransformao do sistema estatal.

    A questo do Estado e da sua crise esteve maisassociada ao problema da eficincia dos gastospblicos e sua soluo, a reforma do Estado, auma perspectiva mais administrativa (ougerencial48) que a aspectos essenciais dareconfigurao das relaes de fora/influncia dosistema estatal e dos seus aparelhos de poder. Decerta forma, a preocupao com as relaes Exe-

    46 Para a funo tutelar das Foras Armadas, v. Oliveira(1987). Para uma viso comparativa desse problema en-tre Brasil, Argentina e Espanha , v. Zaverucha (1992).Para uma argumentao semelhante, v. Camargo (1990).Barros (1988) criticou, durante os debates na AssembliaNacional Constituinte em 1988, as vises juridiscistas so-bre a funo constitucional das Foras Armadas e astentativas formalistas de impedir, pela via legal, interven-es polticas ou golpes militares. Saint-Pierre e Mathias(2001) reuniram uma srie de estudos sobre o sucesso ouinsucesso do controle dos militares pelos civis durante osprocessos de mudana poltica em sete pases da AmricaLatina.

    47 De acordo com o Art. 142 da Constituio de 1988 daRepblica Federativa do Brasil, As Foras Armadas, cons-titudas pela Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica,so instituies nacionais permanentes e regulares, organi-zadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autori-dade suprema do Presidente da Repblica, e destinam-se defesa da Ptria, garantia dos poderes constitucionais e,por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (BRA-SIL, 1988).48 V., a propsito, Bresser-Pereira (2001, p. 2), para quema mudana na forma de gesto da administrao pblicafoi correlata democratizao do sistema poltico: Emsntese, no plano poltico transitamos do Estado oligrquicoao Estado democrtico (de elites); no administrativo, doEstado patrimonial ao Estado gerencial.

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    cutivo-Legislativo ou, mais propriamente, com acapacidade do Presidente de tomar decises eimplement-las49, sobreps-se s preocupaescom o prprio poder Executivo, ou melhor, comos deslocamentos internos das relaes de foraentre os aparelhos do Estado, relegando ao se-gundo plano a identificao dos novos centros depoder real (e dos seus controladores) e suas co-nexes com os interesses sociais.

    Uma dimenso importante da heranainstitucional da ditadura militar para os governosda dcada de noventa foi a permanncia de ncle-os de poder especficos no Estado brasileiro, do-tados de grande independncia e nenhum contro-le poltico (i. e., parlamentar) ou social (i. e., p-blico). Nos governos Cardoso (1995-1998; 1999-2002), para ficarmos no melhor exemplo, houvetrs expresses desse fenmeno. Na rea econ-mica continuou vigorando, assim como no arran-jo ditatorial, o esquema do superministrio, ago-ra representado pela trade Banco Central, Conse-lho de Poltica Monetria e Ministrio da Fazen-da50. Na rea militar foram mantidos trs feudosburocrticos intocveis: o Gabinete de Seguran-a Institucional (antiga Casa Militar), a AgnciaBrasileira de Inteligncia (ABIN, antigo ServioNacional de Informaes (SNI)) e a Justia Mili-tar51. Por fim, na rea empresarial, i. e., naque-les aparelhos de Estado em que, por sua natureza

    ou competncia, se administram os interesses domercado (poltica de privatizaes, poltica detransportes, de comrcio exterior, de comunica-es, de educao etc.), a regra foi o contato di-reto de representantes influentes do mundo dosgrandes negcios com decisores estratgicos,mecanismo muito pouco transparente e que, apropsito do regime autoritrio, Cardoso (1975)conceituou como anis burocrticos.

    Se esse paralelismo entre certos aspectos daorganizao do sistema estatal em dois regimesdiferentes no for apenas formal, como realmen-te parece no ser, por que ele ocorre? Esse pa-dro no-democrtico da relao Estado-socieda-de permanece por uma razo bsica. Quando seinspeciona a agenda que vigorou no governo deFernando Henrique Cardoso, destacam-se as fa-mosas reformas orientadas para o mercado:privatizaes de empresas estatais, desregulamen-taes de esferas antes reguladas pelo Estado,controle rigoroso da inflao e do dficit pblico,redimensionamento dos gastos sociais (nas reasde educao, sade e previdncia), abertura co-mercial e financeira etc. Na verdade, as reformaseconmicas prescindiram de uma verdadeira re-forma poltica, que aumentasse a representao,e de uma reforma do Estado, que favorecesse aparticipao. Ou melhor, as reformas neoliberaistiveram como precondio o arranjo autoritriodos processos de governo e a ausncia de res-ponsabilidade (accountability) dos governantes.Da que sua implementao no combinou comas exigncias de ampliao da cidadania e contro-le social sobre o Estado, suas burocracias e apa-relhos de poder52. Houve uma complementaridadeentre o discurso ideolgico liberal e as prticaspolticas autoritrias, expressa na insistncia emconstruir apenas a hegemonia social do capitalis-mo neoliberal, e no novas formas de legitimaopoltica democrtica. O dficit de cidadania so-mente a face mais visvel desse processo.

    49 De acordo com Palermo (2000), h na literatura quatrointerpretaes sobre o processo legislativo e, desse modo,sobre a natureza do novo regime poltico: (i) o Presidenteconcorre com o Congresso Nacional; (ii) o Presidente ex-clui o Congresso; (iii) o Presidente obriga o Congresso acooperar; (iv) o Presidente negocia com o Congresso. Nes-te ltimo caso, a governabilidade depende da formao decoalizes amplas.50 Loureiro e Abrcio (1999, p. 70) observaram que [...]o Ministrio da Fazenda tornou-se o principal ncleo depoder do gabinete presidencial brasileiro, especialmente noprimeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Para osautores, porm, isso decorre das exigncias dagovernabilidade. Para contornar os efeitos do clientelismo,j que a distribuio de cargos o mtodo por excelnciapara garantir a maioria parlamentar, o Ministrio da Fazen-da deve ser elevado a rgo superior e controlador dogabinete [ministerial como um todo], espalhando sua lgicade atuao pelos [demais] ministrios por meio de meca-nismos formais e informais (idem, p. 85).51 Sobre a autonomia e o grau de militarizao da ABIN, v.Antunes (2002). A respeito da atuao do Superior Tribu-nal Militar e as dificuldades da decorrentes para uma de-mocratizao efetiva, v. Zaverucha e Melo Filho (2004).

    52 Martins (2005) caracteriza dessa forma o regime pol-tico ao fim do processo de transio: O que est a no nada de mais; apenas um regime liberal a funcionar nor-malmente com a ressalva de que a pureza do liberalismoencontra-se aqui tisnada por algumas manchas decorporativismo e ndoas de tecnocratismo. Tirante essasmculas que, por sinal, nada tm de democrticas ,estamos simplesmente diante de um caso corriqueiro depluralismo liberal (idem, p. 19). Para uma concluso oposta sustentada aqui, v. Sallum Jnior (2003).

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    UMA HISTRIA POLTICA DA TRANSIO BRASILEIRA

    Adriano Nervo Codato ([email protected]) professor de Cincia Poltica na Universidade Federal doParan (UFPR), coordenador do Ncleo de Pesquisa em Sociologia Poltica Brasileira e editor da Revis-ta de Sociologia e Poltica. autor de Sistema estatal e poltica econmica no Brasil ps-64 e organi-zou Political Transition and Democratic Consolidation: Studies on Contemporary Brazil.

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