A happy house in a black planet de kipper

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H. A. KIPPER A HAPPY HOUSE IN A BLACK PLANET: INTRODUÇÃO À SUBCULTURA GÓTICA

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- A HAPPY HOUSE IN A BLACK PLANET: INTRODUÇÃO À SUBCULTURA GÓTICA de H. A. Kipper (2008, 126 pgs,ed. do autor) O livro busca trazer em uma linguagem acessível e bem humorada as principais informações e conceitos sobre a Subcultura Gótica e o que a diferenciam de outras subculturas mundiais. A obra está dividida em três partes: Parte 1- O que é Subcultura? Parte 2- O que é Subcultura Gótica? Parte 3- Repertório e Referências da Subcultura Gótica boa leitura! :-) Kipper

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H. A. KIPPER

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H. A. KIPPER

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IN A BLACKPLANET:

INTRODUÇÃOÀ SUBCULTURA

GÓTICA

1ª edição

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Agradecimentos desta obra

Agradecimentos especias a minha amadaesposa Flávia, não só pelo companheirismo,amor e alegria no dia a dia, mas também portodos os comentários e sugestões a estalivro, sem os quais ele seria muito maiscomplexo e verborrágico, logo inútil parao propósito a que se destina.

Agradecimentos ao companheiro Ary pelobom humor ao longo de tantos anos e pelotrabalho gráfico sempre exímio e talentoso.A luta continua…

Agradeço ainda a toda cena Gótica paulistae brasileira, que tem sido uma segunda casafeliz para mim desde 1990, tanto aos que seforam quanto aos que ficaram, e aos tantosamigos que prestigiam nosso trabalho comcarinho e gentileza.

São Paulo, outono de 2008

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A HAPPYHOUSE

IN A BLACKPLANET:

INTRODUÇÃOÀ SUBCULTURA

GÓTICA

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Prólogo 7

Parte I � O que é Subcultura? 901 Subcultura X Outros Bichos 1002 Subcultura Gótica: Algumas Polêmicas 1303 A Homologia Subcultural, sua Flexibilidade e Evolução 1704 A Evolução das Estruturas Subculturais Ontem e Hoje 23

Parte II � O que é Subcultura Gótica? 2705 FAQ GOTH- Perguntas Frequentes 29

Características e Estrutura da Subcultura Gótica:

06 Estruturas da Subcultura Gótica – Introdução 386.1 Indicadores de Consistência Subcultural 4107 Características da Subcultura Gótica 45

a. o sombrio e o macabro 46b. o feminino e o ambíguo 49c. absorção de elementos de estilos relacionados 52d. a teatralização e o corpo 54e. apologia à cultura e saudosismo 56

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Parte III � Repertório e Referências da Subcultura Gótica: 5908 Cinco coisas que os Góticos não são! 6109 “Tipos” de Góticos 6210 Símbolos Recorrentes na Subcultura Gótica 6311 O Significado da Androginia e da Maquiagem 6512 A Temática Mística em uma Subcultura Laica 7013 Glossário de Estilos Musicais relacionados à Subcultura Gótica 7414 As Gerações de bandas Góticas e Darkwave 8815 Livros e Autores que os Góticos Amam 9216 Curiosidade: Origem dos Nomes de Algumas Bandas 9417 Cinema: Filmes Referência ou Influenciados 9718 Cronologia do uso subcultural do termo “Gótico” 10419 “Arqueologia” dos usos do termo “Gótico” 10820 Decadence Avec Elegance: Beautiful Losers 11721 Anfíbios Culturais 12022 Sobre o Título deste Livro 12123 Obras Citadas/Bibliografia 124cc

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ÉzÉ “Planet Earth is Blue and There’s Nothing I

can Do.”(David Bowie- “Space Oditty”)

“This is the happy house-we're happy here inthe happy house.To forget ourselves- and pretend all's wellThere is no hell.”(Siouxsie and The Banshees- “Happy House”)

Este livreto se propõe apenas a serum guia introdutório das principaisreferências, ícones e questões quepermeiam e caracterizam a subculturaurbana mundial conhecida comoGótica. Aqui não aprofundaremos cadaquestão, mas daremos uma descriçãoàs vezes sumária de pontos básicos.Fazemos isso por acreditar que sóconseguimos nos aprofundar emalguma questão se partimos dealguns pontos iniciais estruturados.Mais tarde, podemos até vir aquestionar aquela “simplificação”inicial: isso é possível exatamentepor que ela cumpriu bem sua funçãodidática.

Estamos conscientes de que nãose pode “vivenciar” todos os aspectosde uma cultura ou subcultura apenasatravés de livros: sugerimos aosinteressados na subcultura Góticaque busquem também conhecer asubcultura Gótica e os Góticos emseu “habitat”. Nesta outra forma deconhecimento, recomendamos muitocuidado, pois atualmente muitas coisas“não-góticas” ou até “anti-góticas”

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ÉzÉ são apresentadas como Góticas.

Esperamos que este livreto possatambém ajudar o leitor a não comprargato preto por lebre preta…

Este livreto é uma organizaçãode textos originalmente produzidosisoladamente. Aqui eles foramrevisados e reescritos, e principalmentereorganizados da forma mais didáticapossível. Assim, se em algum momentoeles soarem repetitivos ou repisaremalguma questão óbvia, pedimos que oleitor tenha com o autor a paciênciacondescendente que os alunos maisadiantados tem nas aulas de revisão.

Propomos aqui exatamente umaintrodução didática. Não pretendemosfechar questões. Pelo contrário, a idéiadeste livreto é colocar muitas placasapontando para informações que nãoestão aqui, ou que aqui são apenasinsinuadas ou citadas “en passant”.

A partir destas placas, como guiainicial, esperamos que o leitor possapartir nesta jornada e conhecer asubcultura Gótica e toda sua riquezae história, que tendo começado háquase 30 anos, continua desde entãose desenvolvendo e evoluindo por todoeste “blue planet” – planeta azul/triste.

Mas aqui estamos em uma “happyhouse”: somos felizes aqui - “dentro”.

Tenham todos um bom iníciode jornada.

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01 � SUBCULTURA X OUTROS BICHOSEste texto é um dos textos mais chatos do livro. Se você tem familia-

ridade com os termos do título, pode pular e partir para a parte mais diver-tida. Mas se você cair na besteira de ler esta parte, não desista do livro: oresto dele é bem mais interessante.

Aqui se pretende apenas definir em linhas gerais alguns termos queserão usados ao longo deste livro. Não é nossa intenção analisar em pro-fundidade cada um deles, apenas apresentá-los ao leitor para facilitar sualeitura nos próximos textos.

O QUE É CULTURA?

Usamos aqui o termo “cultura” no seguinte sentido sociológico: cultu-ra é “um todo complexo que abarca conhecimentos, crenças, artes, moral,leis, costumes, e outras capacidades adquiridas pelo homem como inte-grante de uma sociedade” 1. Importante não entender “cultura” aqui nosentido limitado de “erudição” ou “cultura letrada”.

Muitas culturas são formadas a partir da fusão das culturas de outrospovos, gerando um novo padrão. Muitas culturas possuem no seu interior“subculturas”.

O QUE É SUBCULTURA TRADICIONAL?

Subcultura pode significar uma “parte de uma cultura” que possui umconjunto diferenciado de “valores, crenças, normas e padrões de compor-tamento, portanto um modo de vida compartilhado por parte de umapopulação” 2. Podemos dar como exemplo as subculturas regionalistas tra-dicionais do Brasil, como a nordestina ou a gaúcha. Elas estão inseridas nasociedade brasileira e em sua cultura, mas, ao mesmo tempo, possuem umsistema de significação e representação do mundo próprio e único.

O QUE É SUBCULTURA URBANA E TRANSLOCAL?

Com a industrialização, urbanização e globalização das informações, asituação das culturas mudou bastante. Principalmente na segunda metade

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1 definição de Edward B. Taylor, em “Introdução à Sociologia”2 Sebastião Vila Nova, em “Introdução à Sociologia”

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do século XX, com o aparecimento da televisão e outros métodos de radio-difusão e, mais tarde, com o surgimento da Internet.

Temos um cenário no qual a cultura das zonas urbanas industrializadastende a perder características locais e a adotar características de uma cul-tura global economificada: a cultura da sociedade de consumo contempo-rânea. Neste contexto, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),começam a surgir algumas subculturas urbanas, como os Beats, Rockers,Mods, Skinheads, Hippies, Glam-Rockers, Punks, Góticos, etc.

Algumas delas desapareceram em pouco tempo, mas outras permane-ceram e mantiveram coerência interna por um longo tempo. Hoje estassubculturas apresentam diversas características, entre elas, não serem limi-tadas geograficamente: a translocalidade. Essa e outras características dasubcultura Gótica serão analisadas com mais atenção no capítulo 8-Estrutura da Subcultura Gótica.

Da mesma forma que as subculturas tradicionais ou regionais, o parti-cipante de uma subcultura translocal continua participando, de algumaforma, da cultura dominante local.

O QUE É BRICOLAGEM SUBCULTURAL?

Levi-Strauss (3) comenta que a bricolagem é a montagem de um novo“jogo” a partir do campo limitado pelas peças pré-existentes.

Bricolagem é um termo usado para explicar como uma cultura constróiseu sistema simbólico a partir de elementos pré-existentes e à disposiçãonaquela cultura ou, eventualmente, herdados ou tomados de alguma outracultura. Por isso, um mesmo símbolo vai ter, em culturas diferentes, signi-ficados diferentes. Mas apesar de diferentes, estes significados atribuídosnão são aleatórios: constituem um sistema de significado que expressa,simbólica e esteticamente, a visão de mundo e modo de vida de um deter-minado grupo social. Ao estudarmos os mitos do mundo inteiro vemoscomo eles expressam os valores de suas sociedades de origem.

Portanto, para entendermos o que significa “a águia” em determinadacultura ou subcultura, não adianta apenas estudarmos em profundidade as“águias” em geral. Devemos, isto sim, olhar para o modo de vida e convi-

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Parte I � O que é Subcultura?

3 Claude Levi-Strauss, em “O Pensamento Selvagem”

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vência daquele grupo subcultural, e verificar em que posição simbólica elecolocou a águia em seu sistema simbólico.

Uma subcultura ao se apropriar de algum item de outra cultura ou sub-cultura vai, provavelmente, ressaltar algum aspecto que, apesar de poderestar contido nos sentidos gerais daquele item, não é necessariamente oque se destacava no sistema cultural original. Por exemplo, o Ankh na sub-cultura Gótica tem significados ressaltados pelos outros elementos do sis-tema subcultural Gótico, que não são os mesmos elementos ressaltados nosistema da religião e cultura Egípcia, origem do Ankh. Portanto, a origemnão explica totalmente o uso atual e, às vezes, pode ser diverso.

O QUE É HOMOLOGIA?

Homologia é o estudo das coisas homólogas. Coisas homólogas seriamaquelas que, apesar de diferentes na forma, guardam uma relação de sig-nificado, ou, ainda, a relação entre um conceito ou idéia e suas formas esímbolos.

Alguns exemplos de homologia. A relação homóloga entre a músicapunk, suas roupas e a estética de seus fanzines, todos igualmente remeten-do a idéias de urgência, fragmentariedade e desrespeito a ordem. Ou a rela-ção homóloga entre o visual militar ou proletário de grupos skinheads e suaideologia baseada em disciplina e respeito a valores tradicionais.

Muito importante salientar que a homologia em um sistema cultural ousubcultural não é uma relação nem fechada nem estática. De forma com-parável à língua de um povo, ela evolui de acordo com a sua utilização pelogrupo social e também tem um espaço grande de “ruído” que permite asua renovação coerente e a criatividade dos indivíduos. No capítulo 9-itemC-Absorção de Elementos de Estilos Relacionados, isso ficará mais claro.

Em um estudo 4 sobre as subculturas urbanas inglesas posteriores aSegunda Guerra Mundial, o conceito de bricolagem subcultural é usadopara explicar o modo de construção de sistemas simbólicos homólogos nassubculturas urbanas, como os mods, punks, rastas, skinheads, etc. No capí-tulo 5- A Homologia Subcultural, sua Flexibilidade e Evolução comentare-mos mais sobre isso.

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4 Resistence Through Rituals- Youth Subcultures in post-war Britain- editedby Stuart Hall & Tony Jefferson

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02 � SUBCULTURA GÓTICA:ALGUMAS POLÊMICAS

SUBCULTURA, TRIBO, MOVIMENTO OU MODA?

Existe uma polêmica entre o uso dos termos “subcultura”, “tribo” ou“movimento” para certos tipos de grupos sociais contemporâneos. Algunsautores conceituam tais termos de forma bastante próxima, enquantooutros autores aplicam estes termos a relações sociais com característicasbem diferentes.

Não vamos entrar nesta polêmica aqui, pois, além de ser um debateextenso e cheio de sutilezas, provavelmente não interessaria à maioria denossos leitores. Além disso, cabe salientar que a maioria dos termos oriun-dos das Ciências Sociais tem, pelo menos, mais de um sentido. Por isso, aolongo deste livro deixaremos bem claro em que sentido usamos o termo“subcultura”.

O conceito de "tribo urbana pós-moderna" foi popularizado por MichelMaffesoli no final dos anos 80. Ele salientava mais características grupaiscomo fluidez, transitoriedade, o localismo e "espírito de máfia" 1.

Mas acreditamos que o conceito de "subcultura" é o mais adequadopara o tipo de grupo social com as características que descrevemos aqui nocapítulo 8-Estrutura da Subcultura Gótica: DIFERENCIAÇÃO CONSISTEN-TE, TRANSLOCALIDADE, IDENTIDADE, COMPROMETIMENTO e AUTONO-MIA. Analisamos aqui a subcultura Gótica como uma subcultura por ser um"grupo social" que possui estas características.

Algumas pessoas ou grupos podem se relacionar com a subculturaGótica de formas menos comprometidas ou menos duradouras, conviven-do com outras pessoas ou grupos que podem ter uma participação subcul-tural ao longo de décadas, funcionando como um eixo de sustentação. Mastambém as mesmas pessoas podem passar por tipos e níveis de participa-ção diferente ao longo dos anos.

No Brasil, o termo movimento foi bastante usado no passado, mas maisrecentemente passou a ser questionado na sua adequação, aqui, devido a

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Parte I � O que é Subcultura?

1 Michel Mafesolli- “O Tempo das Tribos”, 1987

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uma associação do termo apenas a “movimento social para mudar omundo”. Todavia este não é o único sentido do termo movimento, quepode ser usado, por exemplo, também para escolas artísticas. Em outras lín-guas, todavia, o termo “movimento” 2 é eventualmente usado sem maioresrestrições, com sentido próximo ao que usamos aqui para subcultura, ouem conjunto com outros termos.

Grupos sociais com outras características e/ou outras estruturas inter-nas podem receber outras definições.

GÓTICO: PRA SEMPRE “FORA-DE-MODA”(MAS COM MUITO ESTILO!)

Os estilos das modas comerciais passam, pois não são ligadas a nada desubstancial. Os estilos subculturais permanecem, pois fazem parte de umsistema (sub)cultural.

Quando alguns jornalistas e bandas usaram pela primeira vez o termo“Gótico” para comentar um estilo, talvez imaginassem que fosse apenasmais uma moda passageira. Mas hoje, mais de 25 anos depois, em tornodos símbolos emitidos inicialmente (talvez inconscientemente) pelos artis-tas e seus trabalhos, se aglutinou todo um sistema simbólico de represen-tação do mundo que vai muito além da música e do visual.

Desde os anos 80 até hoje temos a consolidação uma subcultura urba-na não centralizada, com história própria, espalhada por países de todo omundo. A subcultura Gótica inclui produção musical, literária, cinemato-gráfica, moda, comportamento, economia e trabalho (lojas, gravadoras,editoras, clubes) e entretenimento, etc. E, claro, inclui também relaçõesafetivas com estes símbolos tão significativos e entre as demais pessoasligadas a esta subcultura.

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2 Antoine Durafour- em “Le Milieu Gothique”, 2005, como na citação que fazemos no início docapílulo “D) A TEATRALIZACAO E O CORPO”. Outro exemplo do uso do termo movimento de forma“apolítica” aparece neste trecho desta entrevista para versão portuguesa da revista Elegy francesa,especializada no estilo Gótico/ Darkwave/ Pos-Punk: Revista Elegy- “-Fala-me um pouco sobre omeio underground onde vives, o teu estilo de vida, de música que ouves? Qual é na tua opinião ofuturo deste movimento? (…)”. Ronny Moorings, vocalista da banda gótica/darkwave Clan ofXymox, na ativa desde 1983 até hoje, responde: “ - O “Gótico” acaba por ser o único movimentoalternativo onde me sinto confortável, também porque considero que é o único movimentoalternativo que resta. (…)”. Revista “Elegy Ibérica”, edicão portuguesa, #02, 2006- entrevistacom Clan Of Xymox

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A participação do tipo subcultural acontece em um grupo social que pos-sui uma visão de mundo diferenciada da sociedade dominante, mas tambémdiferente de outras subculturas. A visão de mundo diferenciada de cada sub-cultura é expressa ou vivenciada através de seu sistema de símbolos.

É importante ainda diferenciar os modismos que surgem DENTRO deuma subcultura X (decorrentes de sua evolução natural ao longo do tempo)dos modismos passageiros criados no mainstream inspirados em fragmen-tos de uma subcultura X pré-existente. São dois processos diferentes,mesmo que eventualmente possam se relacionar.

NASCI GÓTICO OU TENHO ALMA GÓTICA?

Quando nos sentimos atraídos por uma subcultura, muitas vezes intui-tivamente ou apaixonadamente, isso acontece geralmente porque as repre-sentações da visão de mundo desta subcultura englobam, combinam par-cialmente ou produzem uma integração na nossa visão de mundo pessoal.

Por isso, coloquialmente, é comum ouvirmos alguém dizer que aoconhecer a subcultura Gótica “descobri que sempre fui Gótico(a)” ou “Eunasci com alma Gótica”. Obviamente estas são apenas formas coloquiais dedizer que aconteceu uma identificação com elementos que já existiam emnossa visão de mundo pessoal, em nossa personalidade, ou em nossos inte-resses pessoais.

OS ADOLESCENTES NAS SUBCULTURAS

Nem subcultura Gótica é um modismo adolescente, nem todos os ado-lescentes se deixam seduzir por “modismos adolescentes”. Mas muitos ado-lescentes se aproximam da subcultura Gótica como se esta fosse um modis-mo adolescente. E, principalmente, nem todo adolescente se aproxima dasubcultura Gótica por modismo.

Alguns adolescentes buscam pertencer a “qualquer rebanho” ou “gan-gue” que lhe ofereça uma identidade fácil que possa ser uma alternativa àidentidade de “filho” dependente dos pais que tinha até então. Este tipode participação subcultural não nos interessa aqui, pois quem se aproximade uma subcultura apenas para “ter amigos” ou “uma galera” vai se afas-tar desta subcultura pouco tempo depois, muitas vezes falando mal dela oua ela se referindo como “coisa de adolescente”. De fato, para esta pessoa

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foi “coisa de adolescente” pois ela se aproximou por motivos equivocados:apenas por necessidade de pertencimento a algum grupo, necessidade deauto-afirmação e/ou uma identidade superficial e fácil.

Claro que uma parte dos que se aproximam cedo de uma subculturaacabam se identificando de fato com o que ela significa. Mas para que issoaconteça é preciso que a pessoa descubra quem ela é ou quer ser.Subculturas não podem ser substitutos de nossa identidade, apenas fazemparte de nossa identidade, juntamente com outras coisas. Somos Góticos eao mesmo tempo somos várias outras coisas não necessariamente relacio-nadas a subcultura Gótica.

Sem dúvida, a convivência entre pessoas maduras que se percebemcomo Góticas inclui também “a proximidade afetuosa" ou “celebração gru-pal", mas neste caso a participação e pertencimento na subcultura Góticanão se baseiam apenas nestes dois fatores, pois a percepção de identidadesubcultural permanece mesmo na ausência deles.

O DESAPARECIMENTO SOCIAL DA MORTE (E DA VIDA...)

Os Góticos são muita vezes caricaturizados pela mídia de massa comopessoas mórbidas ou obcecadas pela morte. Esta visão redutora e precon-ceituosa espelha mais o recalque da cultura dominante em relação aostemas morte e mortalidade, e não diz nada sobre a subcultura Gótica.

Conseguimos integrar cotidianamente nossa relação com a morte, proces-sos vitais e de envelhecimento? Como Walter Benjamin 3 nos lembra, duran-te o século XX vivenciamos na sociedade urbana industrializada do ocidenteo “desaparecimento” da morte e de outros processos que costumavam gerarhistoricidade e sentido em nossas vidas. Os nascimentos e os moribundosforam escondidos nos hospitais. Os velórios foram retirados das habitações ecada vez mais existem espaços públicos ou empresas privadas que tem espa-ços para o velório. Também os processos de preparação do morto para oenterro cada vez mais passam longe de seus familiares, lar e amigos.

Assim, nossos “lares” e nossas vidas perderam muito de sua historicida-de e sentido, e nossa percepção do processo vital natural foi brutalmentedistorcida. Pior, ao perdermos a noção da perecibilidade e do ciclo vital,

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3 Walter Benjamin - “Magia e Técnica, Arte e Política” cap. 10.

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perdemos a noção de valor da vida que só o contato com a morte e os nas-cimentos nos traziam.

Nesse contexto, não é nenhuma surpresa a existência de um subcultu-ra que faz questão de “se” lembrar da morte e do “carpe diem”, valorizar avida constantemente. Neste aspecto, podemos considerar a subculturaGótica mais saudável e integrada do que a cultura economificada dominan-te, visto que esta última se aliena e até cinde com realidades vitais e vita-lizantes.

Não se trata de apologia ao pessimismo ou negativismo, mas, isto sim, deuma reintegração de aspectos da vida e da realidade humana. Principalmentedaqueles aspectos hoje mais rejeitados e negados socialmente. Quem fre-qüentar a cena Gótica, em pouco tempo vai perceber que ela é bastantedivertida e vivaz, como se alguém tivesse colocado conhaque demais no caféde um velório e estivesse contando boas piadas…

03 � A HOMOLOGIA SUBCULTURAL,SUA FLEXIBILIDADE E EVOLUÇÃO

“...as civilizações antigas não tinham arte nem cultura, tal como asentendemos hoje. Isso quer dizer que a estrutura moderna, feita de esferasseparadas e independentes, é totalmente estranha às sociedades antigas.(...) as sociedades pré-modernas... não tinham uma cultura, eram uma cul-tura. (...) a produção era estética, a estética era religiosa, a religião era polí-tica, a política era cultural, a cultura era social, e assim por diante. (...) Emuma sociedade como cultura - que tinha que integrar também a morte- aarte passava a ser necessariamente um componente da vida diária.” (RobertKurz, 1998)

POR QUE DIABOS UM ESTILO ME ATRAI?

Por que gosto mais de um poema do que de outros?

Perguntas como “o que mantém a coesão de uma subcultura” ou “o quefaz com que uma determinada subcultura atraia algumas pessoas e nãooutras” geralmente são difíceis de responder. Para entender melhor estas eoutras questões que envolvem as relações entre estilo e significado nas

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subculturas, neste texto abordamos o conceito de “homologia subcultural”desenvolvido no livro “Subculture: the meaning of style” de Dick Hebdige,1979.

Observando o funcionamento da homologia em outras subculturas,podemos apreender instrumentos que nos ajudam a entender a relaçãoentre estilo, estética, valores e significados na subcultura Gótica ou emqualquer outra.

“Paul Willis (1978) aplicou a palavra “homologia” a uma subcultura noseu estudo dos hippies e motociclistas, usando o termo para descrever arelação simbólica (symbolic fit) entre os valores e o estilo de vida de umgrupo, sua experiência subjetiva e as formas musicais que este grupo usapara expressar ou reforçar o que considera importante. No texto “ProfaneCulture”, Willis mostra como (...) a estrutura interna de qualquer subcultu-ra é caracterizada por uma extrema ordenação: cada parte é organicamen-te relacionada a outras partes e é através da adequação entre elas que osmembros de uma subcultura entendem o sentido do mundo.” (DickHebdige, 1979)

Sem dúvida essa ordenação é flexível e acontece uma evolução ao longodo tempo, caso a subcultura não deixe de existir. O próprio Hebdigecomenta que essa relação homológica entre as partes simbólicas do estilosubcultural e seu significado não é fechada e fixa para cada membro deuma subcultura.

UM “NÃO” ESPECÍFICO E CRIATIVO

Pelo contrário, os significados subculturais se constituem muitas vezescomo uma “recusa específica” que não dita uma regra de comportamento.Mas, ao recusar alguns aspectos do mundo, acaba por salientar outros. Eesta escolha, como veremos adiante, pode ser feita de formas bem diver-sas. Patrice Bollon, em “A Moral da Máscara”, também aborda a questão darecusa ao comentar sistemas estéticos:

“Mais do que sistemas de normas, são sistemas de tabus. Podemos dizero que absolutamente não seriam; mais difícil seria dizer o que são. (...) Seucódigo... não estabelece uma sensibilidade, um significado, ou uma ideo-logia; ele delimita um espaço de sensibilidade, uma área de significados,um feixe de atitudes, uma constelação de idéias no interior dos quais todas

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as modulações são permitidas, ou até requisitadas. (…) A meta foi atingi-da: criar uma concepção do mundo, circunscrever uma visão passível deevoluções que permitam a expressão pessoal. (…) Com efeito, o que as(modas e culturas) aproxima é que nenhuma delas oferece “respostas” àsperguntas: elas se contentam em delimitar espaços onde simplesmenteessas perguntas não são mais feitas.” (Patrice Bollon, 1990)

Essa concepção poderia ser aplicada também ao estilo em uma subcul-tura ou de uma cultura tradicional (ex: estilo das vestimentas egípcias emrelação à sua cultura, etc).

Este “espaço de sensibilidade, uma área de significados, um feixe de ati-tudes, uma constelação de idéias” são uns, e não quaisquer: diferente em cadasubcultura, e é esta “concepção de mundo” que define cada subcultura.

CONSTRUÇÃO DE UMA MITOLOGIA:MEU REINO POR UM SENTIDO!

Ao mesmo tempo, os símbolos, rituais, objetos, comportamentos, voca-bulário, etc, constroem um tipo de mito ou sistema através do qual o mem-bro da subcultura se vê no mundo e vê o mundo como o imagina. Atravésda escolha desta ou daquela subcultura, o indivíduo escolhe um sentido esignificados através dos quais ele olhará e vivenciará, pelo menos emalguns momentos, o mundo.

Hebdige explica como os objetos de estilo de uma subcultura são emgrande parte equivalentes das questões centrais, auto-imagem coletiva eestrutura social desse grupo subcultural.

Nos objetos os membros podem ver seus valores centrais refletidos. Oautor exemplifica comentando os Skin-Heads: “As botas, os suspensórios eo cabelo raspado só foram considerados apropriados e conseqüentementesignificativos porque eles comunicavam as qualidades desejadas: dureza,masculinidade e a classe trabalhadora local. Desta forma, os objetos sim-bólicos - roupa, aparência, linguagem, ocasiões de ritual, estilos de intera-ção, música- foram feitos para formar uma unidade com as relações, situa-ções e experiência do grupo” (Hall, 1976).

Já ao comentar os Punks, o autor comenta que eles se vestem comoxingam, e sua música se parece com sua roupa e sua visão de mundo:urgente, fragmentada, uma colagem agressiva de pedaços de símbolos de

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um mundo sem sentido. “Havia uma relação homológica entre as roupastoscamente remendadas, o cuspir, o vomitar, o formato dos fanzines, asposes insurgentes e a música conduzida freneticamente.”

“EU FALO ATRAVÉS DE MINHAS ROUPAS”

O “discurso” não é apenas aquilo que é dito através de palavras enun-ciadas ou escritas. “Discurso” é também o que um objeto quer dizer, seu“sub-texto” não dito. E este objeto pode ser uma roupa, um comportamen-to, um acessório, uma foto, um quadro, uma peça, etc.

Hebdige nos explica que há dois tipos de apropriação subcultural dosobjetos. Um tipo que se concentra no ato de transformação do objeto sim-bólico (roupa, cabelo, música, literatura, ícones religiosos ou ideológicos,etc). O outro tipo se concentra na reverência do significado literal do obje-to simbólico.

“A suástica estava sendo usada para significar o quê? (…)

Convencionalmente, no que interessava aos ingleses, a suástica signifi-cava “inimigo”. Além disso, no uso dos punks, a suástica perdeu o seu sig-nificado histórico “natural” no século XX: nazi-fascismo. (...) a suástica erausada (pelos punks) por que era garantia de chocar. Um punk entrevistadopela Time Out (1977) por que ele usava suástica respondeu:- “os punksapenas gostam de ser odiados”.

Ao contrário dos punks, no caso de um Neo-Nazista, a suástica é usadano sentido tradicional e literal: respeitosamente.

Assim, vemos que um mesmo símbolo ou tema pode ser adotado comsignificados diferentes, ou até opostos, por grupos sociais diferentes.Tomarmos como referência o sentido original da suástica usado pelas reli-giões antigas seria um total equívoco no entendimento do uso feito delapelos grupos que comentamos acima.

CUIDADO! DESLIZAMENTO DE SIGNIFICANTE NA PISTA…

“…quando aquele objeto é colocado dentro de um conjunto totalmen-te diferente, um novo discurso é constituído, uma nova mensagem é vei-culada.” (Clarcke, 1976, em Hebdige, 1979)

Por exemplo, os Góticos, desde os anos 1980, adotam a cruz e outrossímbolos com um deslizamento de sentido desses objetos, inserido-os em

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um novo sistema simbólico: o sistema da subcultura Gótica. Podemos dizerque os Góticos fizeram o mesmo até com elementos de estilos literários emusicais, vestuário, maquiagem, etc.

No sistema Gótico, a cruz vai servir de símbolo que remete a todas ascoisas socialmente relacionadas à cruz: sofrimento do inocente, paixão decristo (“stigmata martir”), morte, cemitérios urbanos, etc. Da mesma formaque punks não são nazistas ao usar uma suástica, Góticos não usam cru-zes por que são cristãos (apesar de alguns serem) nem usam ankhs por quepretendem ser egípcios…

Assim, vemos que o que define a atitude e o significado de uma sub-cultura não é apenas o objeto, símbolo ou tema cultural do qual ela seapropria.

O mesmo tema ou objeto pode gerar significados e visões de mundomuito diferentes e até opostas, dependendo da forma como uma subcul-tura se apropria deles, se de forma “respeitosa e literal” ou de forma “trans-formadora e recontextualizada”. O significado geral vai ser definido pelotodo do sistema simbólico.

DE PROFUNDIS NA SUPERFÍCIE:

Assim, divisões artificiais entre “superficial” e “profundo” aqui nãofazem muito sentido. Sem o seu estilo, tanto uma subcultura como umaescola artística deixa de ter significado. O que seria da pinturaExpressionista sem as pinceladas largas e a proporção emocional? O quesignificaria a poesia cubista se escrita em sonetos? A arquitetura Bauhausnão seria Bauhaus se usasse ornamento Barroco. E assim por diante.

Como já vimos, um mesmo significado pode ser aplicado a vários sím-bolos, ou o mesmo símbolo, por apropriação, ser utilizado para outros sig-nificados. Em uma subcultura, o significado de cada objeto apropriado porela é recriado pelo conjunto dos objetos de seu sistema.

Cada item de um sistema subcultural muda e reforça o significado dosoutros itens, e o conjunto forma um estilo significante e coerente como umtodo, apesar do “ruído” e espaço “em aberto” que existe em qualquer “dis-curso poético” no qual cada indivíduo pode interagir individualmente como significado, acrescentando elementos pessoais.

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A COZINHA GÓTICA NUM RESTAURANTE PERTO DE VOCÊ…

Paul Hodkinson, em seu livro “Goth: Identity, Style and Subculture”,2002, depois de rejeitar um conceito mais rígido e mecânico de homolo-gia, escreve:

“Muitos integrantes sentiam que havia algum tipo de ligação entre seuestilo e certas qualidades gerais que eles compartilhavam com os demaisgóticos, incluindo criatividade, individualidade, liberalismo e compromisso…”

Em outros capítulos Hodkinson faz uma extensa descrição das caracte-rísticas recorrentes e perenes que registrou na cena Gótica inglesa. Outrosautores comentando a cena Gótica francesa (Antoine Durafour), norte-americana, inglesa ou mundial (Nancy Kilpatrick, Gavin Baddelley, MickMercer, etc) ressaltam as mesmas características centrais e estruturantes queencontramos entre Góticos brasileiros.

Cozinheiras diferentes preparam a mesma receita com um toque espe-cial e adapta-se aos condimentos mais fáceis de achar na sua região. Damesma forma, as diferenças locais entre as diversas cenas Góticas mundiaisse limitam a ressaltar algum ponto que faz mais sentido devido à história,geografia e condições sócio-econômicas de cada uma delas. Mas sem des-caracterizar os significados essenciais que as definem como parte da sub-cultura Gótica.

Ressaltamos que não existe homologia “fechada” ou “imutável”.

ABÓBORAS NÃO FRAGMENTADAS

“Quantos mais grupamentos subculturais em uma sociedade, maior aliberdade potencial do indivíduo.”, escreveu Alvin Tofler em “O Choque doFuturo”, há mais de 30 anos.

Sem dúvida alguém pode se fantasiar de gótico ou de abóbora no hal-loween, e isto não ter muito significado para aquela pessoa. Os significa-dos só se tornam aparentes em um determinado contexto.

Assim, no contexto da subcultura Gótica, é perceptível uma relação dehomologia entre a estética do estilo e o discurso que verificamos na pro-dução de canções, textos, imagens, pinturas, esculturas, comportamentoshumanos em relações sociais, linguagem, mitos, etc, e uma certa visão demundo expressa abertamente e de forma recorrente nos últimos 25 anos.

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Sem dúvida estes significados não são fechados, da mesma forma queas imagens de um poema não são. Cada poema tem um feixe de significa-dos interligados. Mas apesar de vasto, este feixe não é infinito.

No caso de um poema, seus significados só são separáveis de sua formae estilo com a sua destruição. No caso de uma subcultura que continua aolongo de muito tempo, parece que novos versos são possíveis e algunsvocábulos atualizáveis, sempre variando sobre o sentido original. E às vezesuma estrofe gera um novo poema, mesmo que o texto original siga umrumo paralelo…

Finalmente, respondendo à pergunta do começo deste texto, podemosdizer que um estilo nos atrai por que de alguma forma – provavelmentenão consciente - reconhecemos afetivamente em seus símbolos algo quebuscamos, talvez a simulação ou a realização de um dos artigos mais rarosatualmente: o sentido.

Quando nos sentimos atraídos por uma subcultura, muitas vezes intui-tivamente ou apaixonadamente, isso acontece geralmente porque as repre-sentações da visão de mundo desta subcultura englobam, combinam par-cialmente ou produzem uma integração na nossa visão de mundo pessoal.

04 � A EVOLUÇÃO DAS ESTRUTURASSUBCULTURAIS ONTEM E HOJE

Algumas características diferenciam as subculturas do passado dasatuais, entre elas:

1. LONGEVIDADE

Até o final dos anos 1970 poderíamos ter a impressão que todas sub-culturas eram “juvenis” e fadadas a serem fenômenos passageiros substi-tuídos por outros ao final de alguns anos. Mesmo os duradouros “Beats”haviam desaparecido. Mas hoje vemos que algumas subculturas possuido-ras de sistemas de significação mais ricos permanecem ativas, organizadase, principalmente, em atualização. E não se tratam de meros “revivals”.

Estas subculturas permaneceram organizadas mesmo depois que amídia de massa as “deixou” de lado, e sobreviveram a inúmeras modas que

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nas últimas duas ou três décadas surgiram e desapareceram. Alguns exem-plos significativos são a subcultura Gótica, e as subculturas ligadas ao Hip-Hop ou ao Metal. A subcultura Gótica, por exemplo, permanece em atua-lização por mais de 20 anos, apresentando redes atualizadas de relaçõeshumanas e produção cultural. Nada indica que estas subculturas venham adesaparecer.

2. DESTERRITORIALIZAÇÃO

Algumas subculturas dos anos 1950, 60 e até 70 dependiam fortemen-te da proximidade física e geográfica dos seus membros para manter umvínculo que muitas vezes se tornava realmente um tipo de “gangue” ou debase hierárquica, ou “ainda círculo de informação” fechado. Mas aos pou-cos temos uma transição para outro modelo mais sustentável e durável. SeTeds, Rockers, Mods e Skin-Heads dependiam nas suas épocas de sua rela-ção grupal e territorial, hoje temos subculturas urbanas que são até trans-nacionais ou “translocais”.

A popularização da Internet no final dos anos 1990 levou a uma disse-minação da informação sem dependência nem da mídia de massa mains-tream, nem da “gangue”, grupo ou fanzine underground. Com isso o aces-so subcultural deixou de ser mediado por grupos que mantinham a infor-mação como capital de controle ao acesso subcultural. Assim, vemos que arelação dos indivíduos de uma subcultura como a Gótica, em 2007, se dámuito mais com os conceitos e informações da subcultura e que estes sãobastante homogêneos de país para país: um gótico italiano vai ter maisassunto com um gótico brasileiro do que com seu vizinho da frente não-gótico.

Em outras subculturas, todavia, a relação grupal e de hierarquia perma-nece até hoje, devido exatamente ao sistema de características dessas sub-culturas.

3. PARTICIPAÇÃO FEMININA

Se entre Teds e Rockers a participação feminina permanece muito pró-xima do papel tradicional da mulher na sociedade daquela época(1950/60), já com os Mods iniciais (aprox. 1964) temos uma estética e ati-tude que permite que as mulheres participem de várias formas, e não ape-nas como “acompanhante”. A participação feminina pode ser com outras

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mulheres ou até sozinha. Paralelamente, subculturas mais “machistas” vãomanter a mulher em uma posição mais tradicional.

No final da década de 1960 temos o surgimento dos SkinHeads e dosHippies, que tem posições bem diversas em relação a participação femini-na. Mesmo que existisse uma certa participação feminina, até hoje osSkinheads permanecem com uma estrutura basicamente masculina. Já osHippies, surgidos em uma época em que as mulheres jovens conseguemmais espaço na classe média, apresentam modelos de mulher Hippie damesma forma que a mulher Mod (e não mera acompanhante) em quanti-dades “normais”.

Nos anos 70 cresce este movimento de participação feminina no Glamo New Romantic e o Gótico, a participação feminina chega a um pontoquase de igualdade, principalmente no Gótico, que apresenta de 1984 atéhoje uma dominância de valores socialmente considerados femininos. Nosanos 90 vamos ver algumas subculturas de afirmação feminina em que asmulheres tomam papel de destaque, como as Riot-Grrrls.

4. ACESSIBILIDADE E PARTICIPAÇÃO

O acesso a uma subcultura depende de uma combinação de disponibi-lidade de condições sócio-econômicas do indivíduo e da abertura da estru-tura da subcultura. No passado a acessibilidade dependia de um contatocom “grupos na rua” (o que, por exemplo, nos anos 50 condenava a par-ticipação feminina a ser periférica) ou mesmo rituais de passagem, ou pac-tos de irmandade.

Por outro lado, algumas das subculturas que sobreviveram mais tempotêm hoje uma alta acessibilidade, sendo que a participação e o começo doprocesso de conhecimento pode se dar até mesmo sem um contato direto.Isso torna os indivíduos menos dependentes de estruturas grupais limita-das pelo tempo e espaço. Isso evita que uma subcultura desapareça emuma região se um grupo de referência desaparece. A descentralização dainformação oferecida pela comunicação via Internet nos últimos 10 anosou mais permitiu que algumas subculturas chegassem a um nível de esta-bilidade e segurança que não tinham no passado.

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Como desenvolveram tanto uma micro-mídia ou sistemas de comuni-cação subculturais, estas subculturas não são mais dependentes da mídiade massa (para a qual tudo é passageiro) nem apenas de grupos de contro-le e organização locais (que podem acabar).

5. DESJUVENILIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO

O fato de algumas subculturas como a Skinhead, a Metal ou a Góticajá durarem mais de 20 ou até 30 anos faz com que a participação deixe deser um fenômeno “juvenil de transição ou adaptação” como nas subcultu-ras dos anos 50 ou 60, ou de consumo de modas passageiras que são aindahoje vendidas pela mídia de massa como “movimentos”. Por exemplo, nasubcultura Metal, encontramos muitos indivíduos de mais de 40 anos, comtodas as idades intermediárias, o mesmo acontecendo com a subculturaGótica, na qual encontramos indivíduos dos 15 até mais de 40 anos.Interessante notar que muitas vezes observamos em subculturas como aGótica e a Metal, o fenômeno transgeracional, ou seja, pais e filhos parti-cipando juntos de Shows e Eventos e compartilhando gostos subculturaissemelhantes. A proporção parece menor entre os mais velhos, mas é preci-so notar que muitas vezes após os 30 anos muitos se tornam membrossubculturais “indoor” ou menos visíveis.

Também vemos que a relação de subculturas com grupos juvenis liga-dos ao crime deixa de ser algo comum para se tornar exceção ou inexisten-te, exatamente pelos fatores citados nos itens 2 e 4, entre outros motivos.

Todos estes fatores somados mostram claramente que as estruturassubculturais são fenômenos em constante atualização, e que se diferen-ciam tanto das modas passageiras atuais, quanto de modelos de subcultu-ras do passado que se mostraram fadados ao desaparecimento.

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05 � F.A.Q. GÓTICO

55 PERGUNTAS FREQÜENTESSOBRE A SUBCULTURA GÓTICA

por YÄöä|t YÄtÇá{t|w e ^|ÑÑxÜEste FAQ busca apenas passar as informações mais básicas de forma

bem-humorada e informal. Várias destas questões são aprofundadas em outroscapítulos.

Uma dica importante: não procure tentar entender ou aprender tudo sobre o quequer que seja de uma vez só ou em pouco tempo: ninguém jamais aprendeu ouaprende assim, pois qualquer aprendizado é um processo afetivo, que exige pausase retomadas.

01. O que significa a palavra “Gótico”?

A palavra “Gótico” já teve inúmeros significados nos últimos 2000 anos, algunsdestes significados relacionados entre si, outros não. Neste FAQ estamosabordando apenas a subcultura urbana que surgiu na Inglaterra no começo dosanos 1980 e se desenvolveu e se espalhou pelo mundo todo até hoje.

02. Por que essa subcultura recebeu o nome “Gótico”

Na passagem dos anos 70 para os anos 80 este rótulo foi usado inicialmentecomo adjetivo, ironia ou brincadeira para definir um estilo (música, visual,comportamento) que surgiu na Inglaterra. Após 1983 o nome pegoucompletamente, e denomina até hoje a subcultura mundial que aí se originou.

03. Mas o nome Gótico não foi dado por causa daqueles bárbaros(Góticos, Visigóticos, Ostrogóticos, etc) que invadiram o ImpérioRomano até os séculos IV e V?

Não. Ao longo dos séculos as palavras Goth e Gothic, em Inglês, desenvolveramvários outros significados.

04. Já sei: Então o nome Gótico foi dado a esse movimento por causadas catedrais Góticas do século XI a XIV?

Não diretamente. Nem essas catedrais eram chamadas de Góticas quandoforam construídas. Elas foram chamadas de “Góticas” muito tempo depois, pelosRenascentistas e Iluministas, pejorativamente, para criticar a ideologia católicada Idade Média, a qual se opunham.

05. Então as Catedrais Góticas não foram construídas pelos Godos (Góticos)?

Não. Elas foram contruídas muitos séculos depois que os Godos já tinham sediluído na cultura Européia. Essas catedrais expressam a ideologia e a estéticada Igreja Católica e da nascente burguesia urbana da época de sua construção.

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06. Qual o significado de “Gothic” em Inglês?

O adjetivo “Gothic” em Inglês carrega sentidos que lembram: vitoriano, sombrio,misterioso, fantasmal, onírico, macabro, amedrontador, etc.

07. Então tudo que é vitoriano, sombrio, misterioso, fantasmal,onírico, etc é Gótico?

Sim, mas não no sentido exato que foi usado para designar o movimentoestético e a subcultura que surgiu em 1980. Lembre-se que o uso foi metafóricoe também irônico.

08. Como a palavra Goth adquiriu este sentido em Inglês?

Entre o século XVIII e o XIX existiu um movimento literário chamado Romantismo,ligado ao chamado Romance Gótico. Eles ajudaram a estabelecer a imagem deGótico como sombrio, fantasmagórico, misterioso.

09. Isso aconteceu por que as Catedrais Góticas são sombrias?

As catedrais góticas não são sombrias. Arquitetonicamente, elas sãocaracterizadas por grandes janelas cobertas de vitrais coloridos. As paredes seresumem quase que a molduras das janelas. A estrutura geral é leve.

10. Por que diabos elas foram então chamadas de “Góticas”?

Intriga da oposição...Pela “oposição” dos movimentos filosóficos e artísticosque vieram depois, para criticá-las.

11. Então por que os Românticos usaram “Gótico” como algo bom?

Por que já tinha se passado mais de um século, e os Românticos resolveram cri-ticar aqueles que tinham criticado o fim da Idade Média. Assim, o que era umnome pejorativo passou a ser o nome “legal” de uma estética.

12. Caraca! Isso tudo influenciou o movimento que surgiu nos anos 1980?

Não diretamente. Ainda estamos falando do sentido da palavra! Muitas outrascoisas influenciaram também. Existem as influências diretas, as influências docontexto, as referências indiretas, a reapropriação de conceitos...

13. Quais são as influências diretas?

Musicalmente, vamos considerar influências diretas aquelas desde meados dosanos 60 em diante. Levando em conta os estilos musicais e entrevistas podemoscitar os seguintes movimentos: o Krautrock, o Glam, o Proto-Punk, e o Beat.Entre os artistas que influenciaram diretamente, de 1965 a 1975 temos: DavidBowie, Nico, Velvet Underground, The Doors, Lou Reed, Iggy Pop & TheStooges, John Cale, Roxy Music, Brian Eno, Cabaret Voltaire, Patty Smith,T-Rex, New York Dolls, Kraftwerk, Throbbing Gristle, Pere Ubu, Suicide,Leonard Cohen etc.

14. Mas o Gótico é apenas um estilo musical?

Não. O Gótico é uma subcultura completa. Sem dúvida a música é um eixoimportante. Mas, como em qualquer cultura, outros elementos são constituintestambém.

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15. O que é uma Subcultura?

… uma cultura paralela à Cultura Oficial, que não combate a cultura oficial, mastambém não a aceita. Uma subcultura busca construir um universo a parte, quefaça sentido para seus membros, integrando música, pintura, literatura, roupas,eventos, festas, lojas, trabalho, relações humanas, comportamento, etc. Parasaber mais leia a parte I deste livro – O que é Subcultura?

16. E como é a Literatura da subcultura Gótica?

Não existe Literatura “da” subcultura Gótica, existem vários estilos literários maisapreciados nesta subcultura, entre eles, o Romance Gótico (Walpole, MaryShelley, etc), Romantismo (W.Blake, Keats, Byron, E.A.Poe, etc), a poesiaSimbolista/Decadentista (Baudelaire, T.S.Elliot, Rimbaud, Oscar Wilde, etc), oromance Existencialista (Camus, Sartre, etc), Literatura Beat (Ginsberg,Burroughs), etc.

17. Mas meu professor de Literatura disse que existe Literatura Gótica,ele não sabe disso?

Ele está certo, apenas está se referindo a uma tendência ou movimentoespecíficos dentro da Literatura, e não especificamente a subcultura Góticade que falamos aqui.

18. A Literatura Gótica influenciou o movimento dos anos 1980?

Não diretamente, mas sem dúvida o movimento dos anos 1980 fez releiturasou sátiras da Literatura Gótica. Essa Literatura também serviu de tema paramovimentos artísticos anteriores, que influenciaram o movimento estético dosanos 1980, como, por exemplo, o Expressionismo.

19. E como posso saber que estes movimentos artísticos influenciaramdiretamente a subcultura Gótica?Por que eles são citados diretamente pelas bandas ou tem suas estéticas usa-das por elas. Encontramos citações tanto diretas quanto de estilo nascapas de álbuns, nas músicas e nas letras.Alguns exemplos:• o nome e o logotipo da banda Bauhaus são os mesmos da escola artística

(pintura e arquitetura) Bauhaus. Ilustrações e fotos dos primeiros álbuns dabanda traziam imagens de filmes expressionistas ou de terror antigos.

• A música “Killing an Arab” do The Cure é baseada no romance“O Estrangeiro” (do existencialista francês Albert Camus). O Bauhaus temuma música com o nome do teatrólogo surrealista francês Antonin Artaud(“teatro da crueldade”) e outra com o nome do ator do cinema expressionistaBela Lugosi.

• A banda Siouxsie & The Banshees tem uma música chamada PrematureBurial baseada no conto de mesmo nome de Edgar Allan Poe.

• musicalmente, temos muita influência da música desenvolvida pelomodernismo, com conceitos como o minimalismo, música étnica, musicaeletrônica, não–música, etc, etc. Se você procurar, encontrará muitosoutros exemplos.

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Parte II � O Que é Subcultura Gótica?

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20 Quem foi Bela Lugosi?

Bela Lugosi (1882-1956) foi um famoso ator de origem húngara que participoude inúmeros filmes, mas foi imortalizado (hmmm....) como o Drácula canastrãoproduzido por Tod Browning (“Dracula”, 1932). A música “Bela Lugosi is Dead”(1979) da banda gótica Inglesa Bauhaus se refere a ele, e é considerada por mui-tos como o “hino gótico”.

21 O Expressionismo e o Cinema Expressionista tem a ver com o Gótico?

Tanto a estética dos filmes como da pintura Expressionista tem sido bastanteusada pelos Góticos desde os anos 1980. Ex: filmes como “O Gabinete doDr. Caligari”, “Metrópolis” “Nosferatu” e “Drácula” entre muitos outros.O cinema de terror “B” também é uma fonte inesgotável de inspiração parao humor Gótico.

22 Os Goticos só vestem preto? Eu tenho que vestir preto para ser Gótico?

Você não precisa vestir só preto e nem os Góticos vestem apenas preto.Mas buscam um grande contraste e superposição de estilos diversos.O importante é o efeito dramático. Geralmente isto é conseguido usandoalguma peça de tom escuro.

23 O Gótico verdadeiro é apenas o dos anos 80?

Não. A subcultura e o gênero musical surgiram e se caracterizaram nosanos 80, mas continuaram a crescer e a se desenvolver mundialmente nosanos 90 e continuam até hoje.

24 Então por que dizem que o Gótico dos anos 80 acabou nos anos 90?

Porque em 1º de janeiro de 1991, os anos 80 acabaram e começaram os anos90!!!! Assim, os álbuns lançados a partir desta data não poderiam jamais serconsiderados como anos 80 por uma questão cronológica...rs. Logo, nos anos90, temos o Gótico dos anos 90 e hoje o Gótico dos anos 00...J. Muitas bandas góticas dos anos 80 continuaram em atividade nos anos 90 ealgumas continuam até hoje. Também muitas outras bandas surgiram nos anos90, tanto com novas propostas, quanto inspiradas nas bandas dos anos 80.E depois do ano 2000 isso continua acontecendo até os dias de hoje. Logo, oGótico não só nunca acabou como não houve nenhum período no qual ele tenhadeixado de existir. Apenas a informação das cenas Góticas dos Estados Unidose da Europa deixou de chegar atualizada até o público brasileiro, como chegavaaté o começo dos anos 90.

25 Quais são as principais bandas dos anos 80?

Bauhaus, Siouxsie and The Banshees, Cocteau Twins, Dead Can dance, TheCure, Joy Division, The Damned, X-Mal Deutschland, Echo and The Bunnymen,The Smiths, Sisters of Mercy, The Mission, Einsturzende Neubauten, Alien SexFiend, Nick Cave, Opera Multi Steel, Poesie Noire, Clan of Xymox, The Fields OfThe Nephillin, The Jesus and Mary Chain, Depeche Mode, Mecano, Front 242,Trisomie 21, Malaria, Christian Death, Sex Gang Children, Mephisto Walz, UKDecay, Killing Joke, Black Tape For a Blue Girl, Kirlian Camera, etc.

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26 Quais são as principais bandas dos anos 90?

Switchblade Simphony, London After Midnight, Wolfsheim, Nosferatu, InkubusSukkubus, Faith and The Muse, Sopor Aeternus, The Cruxshadows, Love SpiralsDownwards, Ikon, Bella Morte, Cranes, Miranda Sex Garden, La Floa Maldita,Rosetta Stone, Lycia, Sunshine Blind, Project Pitchfork, The Merry Thoughts,Das Ich, Shadow Project, Diary of Dreams, Collection D’Arnell Andrea, L’AmeImortelle, In Strict Confidence, The House of Usher, Paralysed Age, Manuskript,Libitina, Two Witches, Spahn Rach, De/Vision, Beborn Beton, Wumpscut,Apoptygma Berzerk, VNV Nation, QNTAL, etc.

27 Quais as principais bandas recentes (século 21)?

Diva Destruction, BlutEngel, The Vanishing, The Ghost of Lemora, Collide,Ego Likeness, Audra, Hatesex, Frank The Baptist, Elusive, Dresden Dolls, CinemaStrange, The Last Days of Jesus, Rasputina, The Screaming Banshees Aircrew,Scary Bitches, Zombina & The Skeletones, Darvoset, Black Ice, The BirthdayMassacre, Diorama, Helium Vola, Katzenjammer Kabaret, Cauda Pavonis,Elusive, Welle Erdball, Tragic Black, Devilish Presley, Human Disease, ScarletRemains, Carfax Abbey, Anders Manga, Shadow Reichenstein, Eisbrecher,Android Lust, Voltaire, etc.

28 Existem bandas brasileiras em atividade hoje?

Sim. Exemplos: Elegia, Plastique Noir, Tears of Blood, Scarlet Leaves, Zigurate,Strangeways, Banda Invisível, Dead Roses Garden, Vesúvia, Necrópolis,Downward Path, Pecadores, Bells of Soul, Escarlatina Obsessiva e muitas outras.

29 Mas então o Gothic Metal não foi a evolução do gótico nos anos 1990?

Nããaãããããaãão!!!! Não mesmo. Com certeza não foi. De jeito nenhum,nein, niet, non.A falta de informação ocorrida na cena Gótica brasileira nos anos 90 gerou umespaço propício para a proliferação da idéia de que o Gótico havia acabado eque o “Gothic Metal” seria a “evolução” do Gótico. Idéia essa muito interessantepara as gravadoras e produtoras interessadas em comercializar esse “rótulo”. Apartir daí, qualquer banda de “Metal” que tivesse vocal feminino lírico ou tecladoou letras “trevosas-du-maaal” passou a ser comercializada sob o rótulo “GothicMetal”, sendo que muitas vezes isso era até imposto às bandas pelas gravadorascomo condição para a gravação.

30 Góticos são deprimidos?

Não. Depressão é uma doença, um distúrbio bio-químico do organismo quepode ser gerado ou não por distúrbios emocionais e, como qualquer doença,deve receber tratamento médico e psicológico. Góticos apenas não fogem dosaspectos e momentos doloridos ou mais tristes da vida, pois consideram queestes são partes integrantes da vida, assim como o ano tem tanto inverno comoverão. Você pode dizer que os Góticos são mais “melancólicos” e “saudosistas”,esses termos são mais apropriados (não que saibamos exatamente do quetemos saudade, mas devemos ter perdido algo muito legal...)

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Parte II � O Que é Subcultura Gótica?

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31. Melancolia é tristeza?

Não. Tristeza é algo muito chato, apesar de fazer parte da vida. Já melancolia éalgo mais interessante! Posso ser melancolicamente triste, ou melancolicamentealegre, ter prazeres melancolicamente, rir melancolicamente ou chorarmelancolicamente. A base da melancolia é a presença constante da consciênciade que a vida e cada experiência vivida está fadada ao fim (mas não é por issoque vamos deixar de aproveitar todos os bons momentos, não é mesmo?)

32 Góticos cometem o suicídio?

Claro que não, senão não existiriam mais Góticos...rs... nem eu estariaescrevendo isso aqui…

33 Góticos tem religião?

Só aos domingos!!! Brincadeira. Os Góticos podem ter a religião que eles bem entenderem, ounenhuma, mas essa é uma escolha pessoal, não tendo nada a ver com a subcul-tura Gótica. Evidentemente, pessoas ligadas a religiões muito conservadoras eque seguem suas regras ao pé da letra podem ter problemas com alguns ele-mentos da poesia, da música, do comportamento, do visual, e do discurso dasubcultura gótica que sejam contra algumas regras tradicionais ou conservado-ras.

34 Góticos são etnicamente brancos?

Não! Góticos costumam usar maquiagem de teatro, cinema antigo, cabaretou circo, para expressar dramaticidade e/ou androginia.

35 Mas por que querem expressar isso?

Como a subcultura Gótica/Darkwave existe em um contexto de “fuga e crítica”à sociedade Industrial-Positivista, essa subcultura adotou vários elementosestéticos considerados “antigos” de grupos considerados “underground” ou“decadentes” ou “pervertidos” ou ”artísticos” no passado. Ex: a estética deteatro, cinema expressionista ou noir, circo, vaudeville, etc.

36 O Gótico surgiu do Punk?

Não apenas do Punk. O Punk teve o efeito de dar notoriedade a muitos artistas,mas muitas influências diretas do Gótico e da Darkwave são anteriores ao Punk1976- 77. Se o Gótico tivesse simplesmente surgido do Punk, a maioria de suascaracterísticas principais teriam surgido do nada. O Glam-Rock, o New-Romantice o KrautRock, por exemplo, também tiveram grande influência na formação doGótico, sem falar das influências não musicais.

37 Que outros estilos musicais e subculturas influenciaram e influenciamde alguma forma a música da subcultura Gótica?

Algumas dúvidas sobre isso podem ser esclarecidas no capítulo 15- Glossáriode Estilos Musicais relacionados à Subcultura Gótica.

38 O que é Pós-Punk?

Não vamos entrar em detalhes da historia do Pos-Punk aqui. Do ponto de vistado Gótico, basta saber que de 1979 a 1983, entre as muitas bandas que eram

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consideradas Pos-Punk apenas algumas eram ao mesmo tempo consideradasGóticas. Assim, nem tudo o que é Pos-Punk é Gótico!!!

39 Ah! Entendi! Então nem tudo o que é Pos-Punk é Gótico! Mas tudo oque é Gótico é Pós-Punk?

Nâãããããão!!! Talvez apenas bem no começo, quando, afinal, praticamente TUDOera Pos-Punk e a subculttura Gótica ainda não havia se definido totalmente.Hoje a subcultura Gótica se expressa através de vários outros estilos.

40 Qual a diferença entre Gótico e DeathRock?

Sabe aqueles casais que vivem resmungando e brigando o dia inteiro por déca-das a fio, mas que não tem coragem para se separar, nem para admitirque se amam? … um caso desses. A diferença é de grau, alguns elementos sãomais explorados no Deathrock e outros mais no Gótico. Musicalmente oDeathRock costuma trabalhar com tendências mais próximas ao punk, apesarde algumas bandas trabalharem com rock e eletrônico, mas sempre de formamais minimalista. Tematicamente, o Death-Rock tende mais para o humor, horrore ironia. Não que o Gótico não trabalhe também com estes traços, mas de formamenos acentuada. A temática Gótica costuma ser um pouco mais “trágica”, masao mesmo tempo irônica. O DeathRock pode tanto participar de uma cenaGótica quanto se organizar em uma cena paralela.

41 Góticos têm que gostar de frequentar cemitérios?

Não, não existe nenhuma lei que diga que você tem que ir ao cemitério ou gostarde cemitérios para ser Gótico. Mas na subcultura e na música Gótica/Darkwaveestão muito presentes as temáticas da fugacidade da vida, da morte como algoque está presente o tempo inteiro dando significado à existência, do carpe diem,etc, então a atração pelos cemitérios acontece muitas vezes, seja para refletirsobre o sentido da vida ou para zombar da morte. Enquanto podemos…Além disso, muitos Góticos (e não-Góticos também) apreciam a Arte Tumular(esculturas, pinturas e arquiteturas características dos cemitérios). Maioresinformações sobre Arte Tumular em cemitérios de São Paulo:http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/servico_funerario/arte_tumular/0001

42 O que é Carpe Diem?

Ditado e estilo de vida: em Latin: “aproveita o dia” (de hoje) pois a morte podechegar já amanhã. A versão mais usada pelos Góticos é “Carpe Noctem” (apro-veita a noite) no mesmo sentido que a outra expressão.

43 Porque os góticos usam crucifixo?

O uso de um crucifixo por alguém vestido e maquiado como um gótico já é algode deixar as velhinhas da missa das 6 da manhã com os cabelos mais em péque os nossos (e sem laquê, nem sabonete seco...rs). O uso de crucifixos surgiuem parte pela temática de sofrimento (paixão) e sacrifício do cristianismo e emparte pela intenção herética de colocar símbolos religiosos em contextosmundanos ou esdrúxulos.

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44 Porque os góticos usam Ankh?

Este símbolo se tornou popular entre os Góticos sendo relacionado aoVampirismo depois do filme “The Hunger” (Fome de Viver, 1983). Neste filme,David Bowie e Catherine Deneuve representam um casal de vampiros. No iníciohá uma cena em que a dupla está à espreita de suas presas numa casa noturnaao som de “Bela Lugosis’s Dead”, tocada pelo próprio Bauhaus, com seuvocalista Peter Murphy cantando atrás de grades. O detalhe é que este casalde vampiros não tem caninos proeminentes: usam colares cujos pingentes sãoAnkhs egípcios com pontas afiadas que servem para cortar as veias de suasvítimas. A vampira ancestral está viva desde o antigo Egito, o que justifica noroteiro a apropriação deste antigo símbolo religioso egípcio (o Ankh) em umnovo contexto. O filme discute questões existenciais sobre a vida e a morte.Posteriormente, em 1989, Neil Gaiman usou o visual da subcultura Gótica paraseus personagens da premiada série de quadrinhos “SandMan”. A personagemMorte (Death), por exemplo, é uma simpática e irônica garota Gótica que usa umgrande Ankh. Esta série de quadrinhos popularizou ainda mais o uso do Ankh.

45 Os góticos são satanistas?

A subcultura Gótica/Darkwave não tem ligação com nenhuma religião ou anti-reli-gião organizada. Aliás, no Gótico, quase tudo é desorganizado, he-he…Aliás, é exatamente por isso que estamos fazendo esse FAQ.

46 Os góticos cultuam a morte?

Só aquela da HQ Sandman, que é a maior gatinha! Rss… Mas falando sério,essa HQ é bem legal e tem a ver com a questão da Morte na subculturaGótica e Darkwave. Afinal, “a morte é o alto preço da vida”.

47 Os góticos e góticas são homossexuais ou bissexuais?

Só os que são. Mas não podemos esquecer que quando a subculturaGótica surgiu, ainda nos anos 1980, a sociedade era muito mais conservadorae machista do que hoje. Imagine um bando de rapazes usando maquiagem eesmalte e pregando que homens podem ter sentimentos históricamentedefinidos como femininos? Fomos imediatamente rotulados de “viados”.O fato da estética Gótica/Darkwave/Death-Rocker ter adotado a Androginia oua maquiagem teatral fez com que ela acabasse sendo inicialmente um refúgiopara indivíduos de todas as 2.328 opções sexuais existentes, até mesmo paraas mais depravadas de todas, como a castidade.Então, se você vai frequentar a subcultura e a cena Gótica, precisa saber quevai encontrar pessoas de todas as orientações sexuais e que tolerância faz partede nossa história e tradição. Mas evidentemente, seria um absurdo alguém serobrigado a ter uma orientação sexual ou outra para fazer parte dessa cena.

48 Vejo muito visual S&M na cena Gótica. Os Góticos são sadomasoquistas?

Novamente, somente os que são. Os Góticos são fetichistas, gostam de insinuar,de brincar de faz-de-conta, porém apenas alguns Góticos são realmente S&M,

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sendo isso uma opção sexual pessoal. Quanto ao estilo S&M de visual, o mesmoestá presente na cena Gótica desde o início, nos anos 80.

49 O que significa androginia?

Androginia significa ter uma determinada aparência tal que seu sexo não possaser definido a primeira vista. Assim, você pode encontrar uma mulher que vocênão consegue identificar se é homem ou mulher, ou um homem que você nãoconsegue identificar o sexo. Androginia é uma opcão estética, e não uma opçãosexual. E é muito difícil conseguir parecer totalmente andrógino (poucos nascemnaturalmente assim). A maioria se contenta em adotar elementos estéticosdo sexo oposto por diversão e/ou fetichismo.

50 Para ser um gótico verdadeiro eu preciso usar o visual góticoo tempo todo???

Não. Não mesmo. Sim, tenho certeza. Pois é...Além disso, precisamos entender que qualquer cultura e subcultura tem suaindumentária cotidiana e outra indumentária “de festa”. Como em qualquerevento social, nas festas as pessoas usam a “indumentária cultural” maiscompleta e especial. Em outras palavras, você não precisa usar sobretudo delã e maquiagem teatral sob um sol de 40 graus e nem pedir demissão do seutrabalho porque lá as pessoas não entendem muito bem o seu visual...rs.Todavia a indumentária é um elemento cultural importante em qualquersubcultura ou cultura.

51 Para ser Gótico eu preciso ser fã de “Vampiros”? Se eu sou fãde “Vampiros” eu sou Gótico?

Nem uma coisa nem outra. Existe a subcultura Gótica/Darkwave que aborda,às vezes, temas vampíricos entre muitos outros. Existem, paralelamente, fãsde “Vampiros”. Assim:

a. você pode ser Gótico e fã de “Vampiros” (vários Góticos usam visual“vampírico”)

b. você pode ser Gótico e não ser fã de “Vampiros”

c. você pode ser fã de “Vampiros” e não ser Gótico.

52 O que é ser “Mixirica”?

Mixirica é uma gíria já antiga na cena Gótica brasileira, que pode ser usadatanto de forma carinhosa como pejorativa. “Mixirica” significa “exagerar” ou ser“afetado” no comportamento, linguajar ou visual Gótico. Pode querer dizer quealgo é “estereotipadamente gótico”, tanto para o bem como para o mal. Afinaltodo mundo tem seu momento mais “mixiricoso” e isso sempre é muito divertido.

53 O que é Wannabe?

Wannabe singnifica “querer ser” em Inglês. Significa alguém novo em uma cena,que ainda está aprendendo sobre ela mas ainda não sabe muito. Dependendoda pessoa que usa o termo, pode ser usado no sentido positivo ou como crítica(o que, inflizmente, é mais comum).

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54 Quais os símbolos mais recorrentes na subcultura Gótica?

Observando a produção artística relacionada a subcultura Gótica desde seucomeço até hoje, alguns símbolos e imagens são recorrentes. Veja a lista desímbolos importantes no Capítulo 12- Símbolos Recorrentes naSubcultura Gótica.

55 Agora que eu já li tudo isso eu sei tudo sobre o que é Gótico?

Não, seus problemas acabaram de começar..he-he. Aprender é aumentar acomplexidade de nossas dúvidas e torná-las mais interessantes e menos banais.De qualquer forma, seja bem vindo ao clube das incertezas!!!Se depois de beber uma boa taça de vinho com gelo sob o refrescante luarvocê já tiver relaxado e desejar pesquisar mais sobre algumas das questões aquicitadas, talvez você encontre algo do seu interesse no restante do livro.

Kipper, freqüenta a cena Gótica paulista desde 1990; Flávia Flanshaid, freqüenta a cena Gótica paulista desde 1995.

06 � ESTRUTURA DA SUBCULTURA GÓTICA

INTRODUÇÃO: SUBCULTURAS TRANSLOCAIS HOJE

Abaixo, entre outras obviedades e lugares comuns, consideraremos queo diferencial entre remédio e o veneno é a dosagem, não a substância.

Ou tentaremos imaginar alguma metáfora mais criativa, caso merecer-mos a simpatia das musas. Também mostraremos como somos inteligentese modestos, e que não somos uma fase da adolescência.

Da mesma forma que os dois reis de Alice no País das Maravilhas, pen-sadores de diversos matizes ideológicos discordam em quase tudo, masconcordam em um ponto: que a mídia e o comércio impedem a formaçãode grupos culturais (e, logicamente, também os subculturais) com substân-cia, consistência e significado. Apenas uns repudiam e lamentam esta fata-lidade, enquanto outros a celebram.

Não é nosso objetivo aqui avaliar a procedência daquela lamentação oudesta celebração.

Mas naquilo que interessa a descrição da subcultura Gótica, precisamosquestionar o pressuposto inicial da incompatibilidade total entre mídia-comércio e cultura significativa.

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Aqui pouparemos nosso querido leitor deixando para manifestar todonosso desprezo por certas tendências ideológicas em um próximo livro,fazendo-o então da forma mais pedante, impiedosa e sarcástica possível.

Ora, alguém esperaria menos de um Gótico?

Mas seguindo com o féretro: neste livro usamos o termo subcultura nosentido de um grupamento social relativamente independente, dentro deum outro grupamento cultural dominante.

E, muito importante: partimos da constatação que a cultura dominan-te e estas subculturas adjacentes não são mais delimitadas regional ou geo-graficamente. Temos grupamentos subculturais com números variáveis eintegrantes delimitados geograficamente, mas estes grupamentos localiza-dos estão ao mesmo tempo ligados por identidade, consistência e emcomunicação com outros grupamentos locais ou com indivíduos isoladosem locais em que não existem grupamentos subculturais.

Mas mesmo um indivíduo em uma região em que exista seu grupo sub-cultural pode não depender apenas deste, e estar mais ou apenas ligado aoutros grupamentos subculturais em outros locais.

O motivo de ressaltarmos este ponto é desestimular qualquer confusãoda subcultura Gótica com grupos ou gangues urbanas limitadas regional-mente, que dependem de um comprometimento local e, muitas vezes, deuma hierarquia. Uma subcultura translocal funciona de forma diferente.

a) TENDÊNCIA À INTEGRAÇÃO

O que diferencia uma subcultura da cultura hegemônica de uma épocae região não é apenas quais elementos apresenta. Mas, isto sim, a formapela qual uma dada subcultura se apropria desses elementos, em que sis-tema os insere e, principalmente, a estrutura interna desta subcultura.

Subculturas, hoje, tendem a integrar as diversas esferas de conhecimen-to e relação social através dos quais o estilo subcultural é expresso. A cul-tura hegemônica, pelo contrário, hoje tende a fragmentar estas esferas, tra-tando artes, trabalho, cultura, diversão, educação, entretenimento, comér-cio, religiosidade, etc como universos separados.

Há várias hipóteses sobre os motivos pelos quais a sociedade hegemô-nica atual se organiza desta forma. Dentre eles, o filósofo Robert Kurz

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comenta que a fragmentação de todas as áreas de atuação humana emesferas separadas serve à hipertrofia da esfera econômica, a qual, hoje, seriaa única esfera que atribuiria “valor” às outras esferas. Evidentemente estavaloração apenas a partir da esfera econômica gera nos indivíduos umafalta de sentido que pode ser medida pelos ascendentes gráficos de vendasdos prozacs, viagras e reguladores de apetite…

Caso esta interpretação esteja correta, ela explicaria porque a falta de“sentido” e “significado” da vida é uma reclamação constante de nossaépoca. Ao mesmo tempo, poderíamos entender porque uma das grandesjustificativas dos participantes de subculturas é que elas “fazem sentido”.

De fato, as subculturas, em seu microcosmo mais integrado, reprodu-zem de uma forma mais flexível as estruturas de culturas tradicionais dassociedades integradas do passado, mas com a vantagem de você poderentrar e sair dela e questioná-la ou construir criativamente comportamen-tos desviantes.

b) TRANSLOCALIDADE E LIBERDADE INDIVIDUAL

Diferentemente de subculturas do passado, “práticas, identidades ecomunidades culturais cara-a-cara e localizadas” não são mais “o únicoexemplo possível de agrupamentos culturais substantivos em pequenaescala…”.

As subculturas hoje se estendem pelo mundo todo, sem que necessa-riamente um indivíduo dependa de uma “liderança” ou “grupo” local paramediar sua participação subcultural. Esse processo se torna mais notávelnas subculturas substanciais e de longa duração, como a Gótica.

Subculturas hoje, e já há algum tempo, são fenômenos que não estãorestritos no espaço. Góticos de países diferentes provavelmente encontra-rão mais em comum entre si do que com seus vizinhos nos seus respecti-vos bairros.

c) MÍDIA E MERCADO

“Uma subcultura -no sentido usado neste livro- indica um agrupamen-to relativamente independente dentro de uma sociedade diferente.”(Hodkinson, 2002)

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Não existem nem bancos, nem escolas, nem hospitais Góticos, nem umaestrutura política oficial. Por isso nos referimos a uma subcultura comoalgo “dentro” de uma sociedade diferente.

Consideramos que esta subcultura se organiza de uma forma quedesenvolve sua mídia própria e seu sistema micro-econômico, e que estasestruturas só são subculturais enquanto estão integradas e servem a outrasestruturas subculturais, como o significado, a diferenciação cultural e aintegração deste grupo.

A esfera econômica permanece presente, mas ela é apenas um meio,não é a única esfera que dá sentido ao todo, como acontece na culturaeconomificada hegemônica hoje. “Conseqüentemente não é necessário umisolamento ou oposição a nenhuma “cultura dominante” unificada nem,sem dúvida, ao sistema capitalista que permeia todos os elementos dassociedades Ocidentais.”

No mundo inteiro, e também no Brasil, parte dos Góticos trabalha e viveem empreendimentos comerciais, lojas, revistas, clubes, confecções especia-lizadas e centrados na subcultura gótica. A existência desta rede de micro-mídia e micro-comércio não descaracteriza a coesão dos quatro elementosde “unidade” subcultural que, segundo a classificação de Hodkinson, des-crevemos no ítem a seguir.

6.1 � INDICADORES DE CONSISTÊNCIASUBCULTURAL:

As citações entre aspas deste capítulo “Estrutura da Subcultura Gótica”são de Paul Hodkinson.

“O estilo encapsula importantes elementos de diversidade e dinamismo,suas fronteiras não são absolutas, e os níveis de comprometimento variamde um indivíduo para outro.Além disso, mais do que se basear inteiramen-te na gravitação automática de seus participantes, as construções iniciais esua subseqüente sobrevivência se baseou em redes de informação e orga-nização internas e externas, freqüentemente na forma de mídia e comér-cio." (Hodkinson, 2002)

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Podemos listar na subcultura Gótica, quatro fatores interligados e com-plementares de consistência subcultural:

• DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE

• IDENTIDADE

• COMPROMETIMENTO

• AUTONOMIA

a) DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE e TRANSLOCALIDADE

Apesar das naturais evoluções e variações ao longo do tempo, a subcul-tura gótica apresenta uma coerência estética, simbólica e de significadonestas duas décadas e mais alguns anos. Se tomarmos os desenvolvimen-tos desde 1984, quando os padrões ficam mais definidos e conscientes, atéhoje, essa variação mantém sua consistência interna.

Góticos de todo o mundo e das diversas variantes da subcultura Góticase reconhecem com facilidade. E provavelmente eu terei uma visão demundo e mais assuntos em comum com um Gótico da "Xland" a milharesde quilômetros de minha casa do que com meu vizinho da porta da fren-te. Por isso podemos dizer que a subcultura Gótica é "translocal": é umgrupo social que não é definido nem limitado por uma unidade espacial outerritorial. Evidentemente as cenas de cada país tem suas peculiaridades,mas elas não chegam a desfazer o nexo subcultural nem de significados emcomum.

Mas ao mesmo tempo não acontece uma uniformização ou constitui-ção de um exército de clones: como em qualquer cultura, mesmo compar-tilhando de um background subcultural em comum, os indivíduos conti-nuam indivíduos e expressam suas visões individuais. Também, dentro dorico leque estético e cultural da subcultura Gótica, existe um incentivo àcriatividade e à individualidade.

b) IDENTIDADE:

“(...) um claro e sustentado senso de identidade grupal, por si só, come-ça a estabelecer um agrupamento como substantivo em vez de efêmero. Nocaso da cena Gótica, enquanto a precisa importância da identidade subcul-tural relativa a outros aspectos da vida diferia entre os góticos, podemosobservar que um senso de semelhança de pensamento (NT: “like-minded-ness") com outros góticos- sem importar sua localização geográfica- era

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freqüentemente considerado pelos participantes como a mais importanteparte de sua identidade." (Hodkinson, 2002).

Essa “semelhança de pensamento" não se configura como uma “ideo-logia" no sentido político do termo nem com uma "filosofia" no sentidoacadêmico do termo, mas sim como uma “visão de mundo" compartilhadae expressa esteticamente, o que pode ser verificado de forma estável nessaprodução subcultural nos últimos 20 anos.

c) COMPROMETIMENTO:

Lamentamos informar a pais e parentes (e filhos…) que a participaçãona subcultura Gótica não é uma fase da adolescência. Hoje temos Góticosdos 13 aos 45 anos, no mínimo. Para muitas pessoas, ser Gótico é algo paraa vida toda, mesmo que para alguns destes a forma de participação eexpressão, com o passar do tempo, se torne mais reservada ou discreta.

Góticos constituem família, tem filhos e netos. Trabalham e desenvol-vem carreiras nas mais diversas profissões, sem nunca perder o bom humore a ironia pelo fato de o resto da humanidade ter menos senso de humormórbido ou ser limitada esteticamente.

Evidentemente, para aqueles adolescentes que se aproximam de algu-ma subcultura ou grupo modista apenas para, por algum tempo, “perten-cer a um grupo", essa participação vai ser uma fase adolescente pelo sim-ples fato de que este é um comportamento típico da adolescência. Masestes não nos interessam aqui, pois abandonarão a subcultura em umperíodo curto, tendo em geral a reação típica de desprezar o grupo ao qualhavia se filiado, considerando-o como “bobagem adolescente", que nãointeressa a alguém agora tão “adulto". Hm. Bem, Freud explica…

Mas o que nos interessa aqui são aqueles indivíduos que permanecem,pois realmente aconteceu uma identificação entre sua visão de mundo pes-soal e pelo menos parte da visão de mundo expressa pela subculturaGótica. Provavelmente alguns destes tenham se aproximado por motivostotalmente aleatórios, “de gaiato", ou levados por amigos ou até por aci-dente. Isto não importa. O que importa é que permaneceram porque ocor-reu uma identificação.

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Identificação inicial que na maioria das vezes não é racional, mas, comouma paixão, nem por isso é menos significativa.

Com o passar dos anos, a pessoa vai aos poucos entendendo as razõesdesta atração inicial. Não é sábio esperar que alguém que participa hápouco tempo já tenha uma visão consciente dos motivos de sua participa-ção, pois provavelmente isso seria forçado. Isso é algo que acontece natu-ralmente com o tempo.

Ninguém aqui tem pressa, não é mesmo?

Também não é incomum indivíduos participarem ativamente por umperíodo, depois passarem por um período mais reservado ou isolado, depoisvoltando a participar de atividades coletivas. Muitas vezes estas fases seintercalam. Outras vezes um Gótico se torna, depois de alguns anos, umgótico “indoor" (caseiro), e nem mesmo seus vizinhos desconfiam.

Portanto, cuidado a quem você empresta açúcar: sua xícara pode vol-tar decorada com morcegos adesivos.

d) AUTONOMIA:

Paul Hodkinson publicou em 2002 uma aprofundada pesquisa sobre asubcultura Gótica na Inglaterra até o final dos anos 90. Sobre a questão docomércio e mídia, ele comenta:

“(...) eu tenho consistentemente levantado dúvidas sobre as várias pers-pectivas que assumem que a mídia e o comércio atuam como catalisado-res para o colapso de agrupamentos substantivos. Em contraste, minhanoção retrabalhada de subcultura considera ambos ( NT: mídia e comércio)elementos cruciais das sociedades ocidentais contemporâneas como essen-ciais para a construção e facilitação de subculturas. Logo, por detrás dasidentidades, práticas e valores da cena gótica, jaz uma complexa infra-estrutura de eventos, bens de consumo e comunicação, todos completa-mente implicados em mídia e comércio."

E logo a seguir:

“(...) precisamos diferenciar entre diferentes níveis e escalas de mídia ecomércio e, conseqüentemente, diferentes tipos de agrupamentos. (...)Devemos reconhecer que o envolvimento de um agrupamento com certasatividades lucrativas de forma alguma retira o significado de quaisquer ati-

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vidades voluntárias que também contribuem para sua sobrevivência edesenvolvimento. (...)"

O comércio e a economia já existiam milênios antes do capitalismo.

O problema é o capitalismo selvagem, não a economia. Importante nãoconfundir as duas coisas. As sociedades de cultura integrada usavam umaeconomia pra funcionar, mas a diferença é que o valor e o significadonaquelas culturas integradas não provinha apenas da esfera econômica,sendo a esfera econômica apenas um elo na cadeia, um meio. E não umfim em si mesmo nem a origem de todo valor e sentido, como acontece emnossa querida pós-modernidade capitalista.

Assim, o que diferencia o remédio do veneno é a dosagem, não a subs-tância:

“(...) nosso interesse específico aqui é distinguir entre formas internasou subculturais de comércio e mídia - que operam quase exclusivamentedentro das redes dos agrupamentos específicos- e os produtos e serviçosexternos e não-subculturais, produzidos por interesses comerciais de largaescala interessados em uma base de consumidores mais ampla."

Assim, é importante notar que, ao invés de “desvalorizar" ou “viciar" oseu caráter subcultural, é exatamente a existência de uma rede de micro-comércio e micro-mídia dentro e a serviço da cena Gótica que viabiliza suaexistência enquanto subcultura. E, como subcultura, também é esta estru-tura que coloca a mídia e o comércio a serviço de um sistema cultural e deum grupo social- e não o contrário.

OBS: As citações entre aspas deste capítulo são de Paul Hodkinson.

07 � CARACTERÍSTICAS DA SUBCULTURA GÓTICA“É preciso enfatizar que os indivíduos montavam seu próprio estilo

selecionando dentre os elementos que eu descrevo e que, como conse-qüência, poucos, senão nenhum, adotavam todos eles. O valor destas cate-gorias é que elas permitem a demonstração da consistência estilística geralda cena Gótica, sem deixar de lado os elementos de diversidade e dinamis-mo.” (Hodkinson, 2002)

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Como toda subcultura (e cultura) moderna, a subcultura Gótica “rou-bou” quase todos seus artefatos e símbolos de outros sistemas estéticos esimbólicos, montando um novo sistema seu, no qual estes elementos rea-propriados são resignificados.

Portanto, buscar o “significado do Gótico” analisando em detalhe seuselementos isoladamente pode, às vezes, mais nos confundir do que escla-recer. Isso pode acontecer porque somente em relação ao sistema de repre-sentações da subcultura Gótica é que estes elementos produzem o sentidodesta. É preciso observar o sistema como um todo para entender os ele-mentos e, então, se pode perceber por que algumas características desteselementos são ressaltadas na subcultura Gótica, e outras não.

Também seria muito extenso listar e analisar ícone por ícone, tótem portótem, tabu por tabu. Em vez disso, vamos aqui desenvolver a descriçãofeita na pesquisa sobre a subcultura Gótica Inglesa realizada pelo cientistasocial Paul Hodkinson.

Hodkinson dividiu didaticamente as características principais em trêsgrandes grupos: (a) o obscuro e o macabro, (b) o feminino e o ambíguo e(c) elementos de outras subculturas. Depois faz comparações ao longo dos20 anos de história da subcultura Gótica até o final da sua pesquisa (apro-ximadamente 1980-2000).

Aqui acrescentaremos mais dois grupos de características que sãobaseados na pesquisa sobre a cena Francesa realizada pelo cientista socialAntoine Durafour: (d) a teatralização e o corpo e (e) apologia a cultura esaudosismo.

Observando características da subcultura Gótica no Brasil, notamos queos processos são similares, apenas com uma média de alguns anos de atra-so. Comparativamente a relatos de outros autores que fizeram descriçõesrecentes sobre a subcultura Gótica e Darkwave em outros países, chegamosa mesma conclusão, apesar das peculiaridades de tendência e nomeclaturade cada cena local.

a. O SOMBRIO E O MACABRO

Nem tudo que é obscuro e/ou macabro se insere no repertório e sensi-bilidade da subcultura Gótica mas, em relação com os demais elementossubculturais, o obscuro e o macabro são elementos essencias nesta subcul-

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tura. Todavia a forma como Góticos e Darkwavers abordam o obscuro e omacabro obviamente difere da forma como outras subculturas e o mains-tream desenvolvem estes temas.

Observando os Góticos desde a década de 80 até 2007, percebemos,apesar das atualizações de visual e repertório, e variações de ênfase, quealguns elementos estéticos permanecem quase imutáveis: a preferência poruma estética roubada de filmes ou peças expressionistas, misturada a ele-mentos circenses, de cabaret, vitorianos, glam e de filmes noir, sejam, poli-ciais ou ficção científica. Temos também a recorrência de faces maquiadasde forma semelhante ao cinema expressionista ou teatro butoh, com facesesbranquiçadas e traços de preto alongados ao longo dos olhos.Costumamos ter uma attitude “camp” (ou “teatral auto-irônica”) condizen-te com esta estética.

Na área da música, percebemos na subcultura Gótica uma variedade deestilos musicais que raras vezes encontramos em outras subculturas (geral-mente organizadas em torno de um estilo musical e suas variações, dasquais deriva seu nome, como o metal, o hip-hop, etc). No caso do Góticoo que unifica esta variedade é o uso de recursos que buscam causar efei-tos normalmente adjetivados como “escura”, “profunda” e “sombria”,mesmo que os estilos musicais mais comuns na subcultura Gótica sejamdançantes ou agitados, como o Rock, o Synth-Pop, a Darkwave, Eletro,“Indie”, etc.

Os vocais masculinos tendem a ter voz profunda e grave, ou entrecor-tada e sussurante. Os vocais femininos variam de fortes e mais agressivos(como no pos-punk) a etéricos ou sussurantes (como na Darkwave e ethe-real). Se no começo dos anos 80 tínhamos o som Gótico mais baseado emguitarras, ao longo dos anos 90 se popularizam as tendências eletrônicasligadas aos estilos genericamente chamados de “Darkwave” (um termo quetem várias interpretações). O fato é que hoje temos uma grande variedadede estilos musicais relacionados coerentemente ao Gótico. Mesmo bandascom sonoridade mais “dance” mantiveram algum tipo de tema obscuro,vocais profundos, letras sombrias e metafóricas e “poderosos acordesatmosféricos”.

A forma como nos vestimos também é uma forma de discurso e comu-nicação públicos. Historicamente, a base do vestuário Gótico é preta, acei-

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tando algumas cores como sobreposição. Quais cores e a quantidade delasé uma tendência interna que varia ao longo das décadas dentro da própriasubcultura Gótica e em cada cena local. Por exemplo, no começo dos anos80 temos uma variedade de cores devido à ainda recente força da estéticaNew-Romantic e New Wave. Na passagem dos anos 80 para os 90 temosum predomínio do preto, e, no final dos anos 90, temos a volta de algu-mas cores antes até proibidas, como o verde limão e o rosa, usados emdetalhes sobre o preto (devido a influência cyber goth, mas as tendênciasligadas aos estilos batcave e deathrock também voltaram com força na suasobreposição infernal de texturas, cores e materiais rasgados).

Claro que estes elementos decorativos são usados em conjunto comoutros elementos historicamente usados e claramente “obscuros e sinis-tros”, como forma de manter a identificação subcultural.

Se no começo dos anos 80 a herança punk e new-romantic já legaraaos góticos alguns cabides com roupas de estilo vitoriano e seus babados,a moda cinematográfica dos anos 90 focada no imaginário de horror góti-co vitoriano exacerbou esta característica, se tornando uma tendência fortea partir desta época. Se antes a temática vampírica já estava presente naestética da subcultura Gótica como um dos diversos cabides de seu armá-rio, a exacerbação destes elementos levou a uma reação dentro da própriasubcultura, contra o exagero no uso destes elementos, rejeitando quemlevava tal temática muito a sério.

Se na música e na roupa as manifestações do sombrio e do macabrosão “claras” (sic), também no comportamento os Góticos tendem a ser bas-tante específicos na sua abordagem. Excessivo amuo ou declarações exa-geradas de “depressão” passaram a ser vistas de forma negativa por boaparte dos Góticos, como algo que seria uma invasão de comportamentosvindos da forma caricatural e preconceituosa como a sociedade vê osGóticos. A seriedade passou a ser vista como algo negativo dentro da sub-cultura Gótica, historicamente ligada ao humo-negro e atitude camp/ tea-tral, apesar da efetiva tragicidade lírica de muitas bandas.

Como qualquer outra subcultura ou a própria cultura dominante, tam-bém a subcultura Gótica possui uma linguagem comportamental e gestualespecífica.

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b. O FEMININO E O AMBÍGUO

“Para esta ética de estética, eles (nt: Góticos) se distanciam de todoimaginário brutal que poderíamos encontrar entre certos grupos de metalextremo. No seio do meio Gótico, valoriza-se mais a feminilidade, a andro-ginia e o espírito dandy.” (Durafour)

Inicialmente é preciso advertir que aqui nos referimos ao “feminino”como manifestações comportamentais, e não como gênero biológico ouopção sexual. E isso só pode ser compreendido se considerarmos que adivisão das características humanas em papéis “femininos” e “masculinos”é, em grande parte, construída histórica e ideologicamente.

“Embora sem a paródia, ou sem fins políticos explícitos, o meio-ambien-te padrão característico da cena Gótica afrouxou consistentemente os elosentre as facetas estilísticas dos gêneros e as categorias sexuais fixas dehomem e mulher. Mais especificamente, sem realmente considerar estas cate-gorias insignificantes, o gótico, desde o seu começo, se caracterizou pela pre-dominância, tanto nos homens quanto nas mulheres, de tipos de estilosespecíficos que seriam normalmente associados com feminilidade.”(Hodkinson, 2002).

Se observarmos a estética, temas líricos e atitudes góticas desde os anos80, é difícil não perceber que esta subcultura teve um papel de consolida-ção e ruptura na “segunda fase da revolução sexual” do século XX. Se nosanos 60 as mulheres saíram as ruas lutando por ter direito a comportamen-tos considerados historicamente “dos homens”, na passagem dos anos 70para os 80 temos o começo de um movimento masculino pela reintegra-ção de partes do comportamento humano que eram tabus para os homensdos séculos anteriores por serem considerados “femininos”.

Obviamente a subcultura Gótica não é militante neste sentido, mas elasurge e se desenvolve neste contexto. Especialmente no Brasil do final dosanos 80, um país conservador e predominantemente católico saindo deuma ditadura militar de direita. Lembremos que uma “cena” GLS autôno-ma só vai se estruturar abertamente no Brasil nos anos 90.

Desde os anos 80, estilos específicos de maquiagem, que tem sidolugar-comum desde os tempos da banda Bauhaus (1979-1983), permane-ceram populares tanto para os homens quanto para as mulheres durante ofinal dos anos 1990 e ainda hoje em pleno século XXI.

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A quantidade de jóias prateadas espalhadas pelo corpo e roupas tam-bém permanece, tendo apenas aumentado em quantidade e variedadedurante os anos 90, especialmente com a popularização dos piercings. Masisso é um sintoma do aumento da tolerância dos costumes: se nos anos 80bastavam dois brincos para um rapaz sofrer preconceito na rua e ser olha-do com estranheza, ao longo dos anos 90 os brincos masculinos deixaramde ser sinônimo de homossexualidade e/ou ligações ilegais. Assim, Góticose alternativos passaram a se esbaldar na quantidade de brincos, piercings ecores de cabelo, especialmente nas zonas urbanas e metrópoles, historica-mente centros que irradiam mudanças de comportamento.

Dentro desse contexto, se nos anos 80 o elemento de feminilidade eraexpresso de forma relativamente mais “discreta” no seio da subcultura Gótica,ao longo dos anos 90 ele passou a ser expresso sem nenhum pudor. Se anteso uso de meias arrastão por todo o corpo era restrito às bandas e aos maisousados, nos anos 90 e até hoje se tornaram um lugar comum para ambosos sexos, assim como proliferou o uso de saias longas ou curtas para oshomens, juntamente com o fetiche por adereços Sado-Masoquistas.

No Brasil, é facil compreender essas mudanças também no contexto dasruas: entre 1988-1992 (ou até o final dos anos 90 em alguns casos)Góticos saiam de casa “disfarçados de normal”, deixando para fazer suamaquiagem e vestir roupas mais ousadas apenas nos banheiros ou calçadasde seus clubes, pelo simples motivo de que era muito perigoso usar umvisual fora dos padrões nas ruas naquelas épocas. Era comum o preconcei-to, ameaças ou agressões de fato, provindas tanto de populares como deoutros grupos subculturais que tem a homofobia e comportamentos rígi-dos em sua cartilha de comportamentos. Hoje isso ainda acontece, mascom menor freqüência.

“Em um movimento que remonta a algumas das influências punks ori-ginais, aspectos da cena fetichista dos anos 1990, e, indubitavelmente, aindústria do sexo, se tornaram largamente populares. Era cada vez maisfácil ver Góticos de ambos os sexos vestindo calças, camisas, saias, corsets,tops e coleiras de borracha ou PVC preto e, às vezes, colorido (...)Importantíssimo, no contexto da cena Gótica, do mais simples ao maisradical exemplo destas vestimentas foram sempre valorados mais em ter-mos de suas qualidades estéticas subculturais do que por suas conotaçõessexuais.” (Hodkinson, 2002).

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Desde os anos 80 até hoje os tipos físicos mais “desejados” no seio dasubcultura Gótica tendem a borrar os limites do “masculino” e “feminino”,principalmente no visual masculino. Historicamente, rostos e corpos finos,esguios ou alongados são valorizados tanto para homens quanto paramulheres. Já no estilo de corpo mais “cheio” a capacidade de apresentarum vasto decote de seios abundantes (mesmo que impulsionados por cor-sets ultra apertados…) é valorizado entre as mulheres. Entre os homens,Robert Smith e Frank The Baptist são bos exemplos de “gordinhos fofos”que representam outro padrão estético comum.

Um homem considerado “efeminado” pelo padrão estético da culturadominante ou mesmo em outras subculturas, provavelmente teria vanta-gens na cena Gótica. Mas se no passado a cena Gótica teria sido sua únicaopção de esconderijo, desde os anos 90 existem algumas outras cenas alémda Gótica onde os andróginos podem se sentir confortáveis, notadamentea cena chamada no Brasil de “Indie”, entre outras.

“… ser “um pouco emotivo as vezes”, em adição a sua aparência esguia,indica claramente que a demonstração pelos homens de certas característi-cas comportamentais e atitudes associadas com a feminilidade era tambémmais comum na cena Gótica do que na maioria dos elementos da socieda-de fora dela. Isso certamente se reflete fortemente em alguns exemplos damúsica gótica, nos quais os estereótipos de temas emocionais, auto-indul-gentes e angustiados- todos os quais tendem a ser mais associados com afeminilidade do que com a masculinidade- são uma generalização, masnão de toda imprecisa.” (Hodkinson, 2002)

Esta aceitação de que homens tenham comportamentos e expressememoções historiamente consideradas femininas não significa que exista umpadrão de homossexualidade na cena. A grande questão é que existe umadissociação entre o “papel social/comportamental” e a opção sexual. Issoquer dizer que um homem pode ser “feminino” e heterossexual. Esta tole-rância comportamental levou a que várias coisas deixassem de ser tabu nacena Gótica, como o contato físico fraternal entre pessoas do mesmo sexo,algo ainda problemático em outros grupos culturais.

Ao mesmo tempo, a cena Gótica se manteve como um ambiente segu-ro e hospitaleiro para comportamentos homossexuais e bissexuais, atémesmo valorizando tais coportamentos no nível simbólico. Podemos levan-

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tar a hipótese de que se tenha desenvolvido entre Góticos um tipo subcul-tural de feminilidade, adotada por ambos os sexos. Mas esta é uma ques-tão complexa demais para ser desenvolvida aqui, onde buscamos delineartraços comportamentais gerais da subcultura Gótica.

O fato é que a subcultura Gótica tolera uma grande variedade de com-portamentos, visuais e estéticas. Aqui estamos descrevendo apenas ospadrões mais estáveis nos últimos 25 anos, aproximadamente.

Toda essa observação nos leva a ponderar que a subcultura Góticatende mais para a Feminilidade do que para a Androginia, visto que hoje écomum vermos tanto homens como mulheres com visuais femininos, masé bem menos comum verificar mulheres com visual masculinizado (algomais comum em outras subculturas, como a Indie, Punk, etc).

C. ABSORÇÃO DE ELEMENTOS DE ESTILOS RELACIONADOS

Primeiro é preciso salientar que a criatividade, e um certo nível de “con-travenção” em relação ao que é considerado o “visual padrão” de certaépoca na cena Gótica, é algo geralmente visto como positivo. A herança deprincípios do “faça você mesmo” ainda perdura, apesar da proliferaçãoatual de grifes especializadas na estética Gótica.

A “colagem” com elementos estéticos de outras subculturas relaciona-das indica exatamente uma forte consciência dos padrões estéticos de cadauma dessas subculturas, pois estes elementos de “outras” subculturas sãousados freqüentemente como “detalhes” sobre uma base mais “consisten-temente gótica”. Muitas vezes como um comentário visual característico dosenso de humor auto-irônico comum na cena Gótica.

Segundo, é importante esclarecer o que significa “estilos relacionados”.Geralmente são absorvidos pelos góticos alguns elementos de grupos con-siderados “alternativos”. Alternativo se tornou nos últimos anos um termoguarda-chuva que genericamente se define por oposição a “mainstream”(moda dominante).

Isso vale tanto para o visual quanto para a música ou outros elementos.

Se na fase pos-punk dos anos 80 já podíamos perceber elementos feti-chistas, esta tendência estética cresceu dentro da cena Gótica/Darkwave aolongo dos anos 90 até hoje, com Sex-Shops e lojas de roupas Sado-Masoquistas se tornando mais um destino de “shopping” subcultural.

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Outro destino de “shopping” são os brechós, lojas de roupas, sapatos eutensílios usados ou antigos que oferecem uma enorme variedade de ele-mentos para composição, tanto de um estilo Gótico clássico, como de umcomposto de elementos “relacionados”.

No Brasil, especialmente em S.Paulo, desde os anos 80 tivemos a cenaGótica convivendo com diversas outras cenas, logo, absorvendo elemen-tos considerados aceitáveis destas. Começando pelos Darks, com sua mis-tura de elementos punk, new wave e new romantic, ainda nos anos 80temos uma convivência do Gótico com o que passou a ser chamado deIndie, Rockabillies, etc. O caso do Indie é curioso pois Góticos paulistascompartilharam clubes com Indies pelo menos de 1988 a 1997, sendoque, porém, mais no final deste período, os dois grupos se diferenciamno visual e nas bandas preferidas, principalmente ao sucesso comercial dochamado “brit-pop” (aprox. 1994/95).

Passados mais de dez anos, em 2007 um revival de estética 80’s e“goth” no mainstream leva as duas cenas a ter algumas tendências emcomum novamente.

Mas a tendência mais forte no final dos anos 90 é a incorporação dealguns elementos de música eletrônica mais popular como trance, tecno eelectro, revitalizando tendências da Darkwave, Darkeletro e EBM. Isso levoua tendências estéticas complementares, com a estética “cyber” e elementosvisuais absorvidos das cenas “rave” ou dance-club: tops, vestidos e calçasapresentando desenhos brilhantes ou sensíveis a raios ultra-violeta, cabeloscoloridos ou com apliques em cores vivas como pink, laranja, verde, azul.

“Os últimos anos do século XX assistiram ao advento do cibergótico. Amúsica industrial deu ânimo masculino à feminilidade espiritual da subcul-tura Gótica, de forma que o casamento arranjado entre o gótico e o metalnunca foi consumado. “Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados damesma moeda- o yin e o yang- o masculino e o feminino, escreve AliciaPorter em sua pesquisa “Study of Gothic Subculture”, divulgada pelaInternet. “O gótico expressa o emocional, a beleza, o sobrenatural, o femi-nino, o poético, o teatral; e o industrial incorpora o masculino, a raiva, aagressividade, o barulhento, o científico, o tecnológico, o político. (…)”

(“Goth Chic”, de Gavin Baddeley, pag 281, trad. de Amanda Orlando).

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Sobre essa mistura de estilos, Hodkinson comenta:

“apesar de consistir de numerosos elementos agrupados de diferentesfontes e em diferenetes estágios, existia um estilo gótico diferenciado bemdiscernível, o qual se manifestava consistentemente de um indivíduo parao outro, de um lugar para o outro e de um ano para o seguinte.”

Na passagem para o século XXI, além do revival pos-punk no mains-tream, se popularizam bandas e os estilos oriundos do Japão conhecidoscomo Gothic-Lolita e Visual K. Elementos soltos desta tendência acabampor ser usados por Góticos de todo o mundo. Como uma certa reação aosestilos “ultra-dance” da virada do século, temos acompanhado também ummovimento de resgate de “visuais tradicionais” e “bandas acústicas” com avalorização de visuais extremos e bricolados, ligados a tendências próximasao DeathRock, Cyber-Goth e Gothic-Lolita. Ao lado destas temos as ten-dências mais tradicionais, gerando misturas de visuais e sonoridades bas-tante criativas neste final da primeira década do século XXI.

d. A TEATRALIZAÇÃO E O CORPO

“Devemos ou ser uma obra de arte, ou vestir uma obra de arte”

(“One should either be a work of art, or wear a work of art”)

Oscar Wilde, circa 1900

“No seio do movimento1 gótico, o visual, a dança, as atitudes e as pos-turas formam uma linguagem estética codificada que concorda com umanova percepção da corporeidade (conjunto dos traços concretos do corpocomo ser social): perceber os corpos como “obra de arte” é reconsiderar seuvalor em um mundo onde nossos corpos não nos pertencem mais verda-deiramente.” (Durafour, 2005)

No meio Gótico, temos uma teatralização do ambiente e dos compor-tamentos, e a trasformação de nós mesmos e de nosso corpo:

Uma “visão de si mesmo em uma sociedade percebida como desencan-tada, um culto da evasão e de irracionalidade permitindo, paradoxalmente,

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1 No meio Gótico brasileiro, a palavra “movimento” foi bastante usada até o começo dos anos 90para definir esse meio. Porém depois passou a ser considerada “out”, devido a conotaçãofortemente política que muitos consideraram ser o único significado deste termo. Mas a palavra“movimento” tem diversos significados, não apenas “ação para alterar a sociedade”. No caso doautor que citamos, ele usa o termo em francês de forma bastante livre, em conjunto com outros.

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se reencontrar a si mesmo pela reapropriação do corpo, … (… graças a umacerta ética da estética.)” (Durafour, 2005).

Todo grupo social tem seus códigos comportamentais. Os códigos dasubcultura Gótica são de um tipo específico, coerente com outros aspectosde seu sistema. O tipo de teatralização ou “exagero” no comportamentotípico da interação entre góticos em seu ambiente faz com que o indivíduose reaproprie de seu corpo, fazendo dele um certo discurso.

Podemos perceber essa teatralização e uso discursivo do corpo e dovisual como semelhante aos outros elementos simbólicos da subculturaGótica.

Esse discurso é facilmente perceptível pelos outros góticos ou por pes-soas que vivenciaram ambientes góticos. Sua falta também serve para queos Góticos percebam “outsiders” em seu ambiente, ou se comuniquem napresença de “estrangeiros culturais”, ou fora de ambientes que aceitemGóticos. Ou simplesmente se reconheçam nas ruas, às vezes por um deta-lhe sutil.

Assim, a expressão corporal se torna um produto social e cultural.

Mas quais as características desta teatralização na subcultura Gótica?Outros grupos sociais também teatralizam, mas com significados e intensida-des diferentes. Observemos características da dança, da música e de relação:

“A música gótica (…) joga com os registros de amargura, melancolia, obs-curidade, do contraste entre doçura e violência; apta a veicular uma gama deemoções das mais diversas. Os sons inquietantes…(…) atmosfera inabitual,(…)cinematográfica, (…) música teatral, que busca sempre a expressão do belono sofrimento, na melancolia e na morte.” (Durafour, 2005)

Temos assim uma trilha sonora ideal que nos lembra a letra de “She’sin Parties” do Bauhaus. Estamos atuando em alguma peça ou filme som-brio e melodramático. Criamos um espaço separado do mundo, fantásticoe fantásmático, que comenta o terrível mundo “lá fora”. A happy house ina black planet.

Os comportamentos e coreografias mais comuns nas pistas de eventosGóticos típicos nos dão mais indícios:

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“O estilo de dança gótico (…) como outras características oscila entre oteatral e o dramático. Nas músicas de tempo baixo é comum o estilo “eté-rico” ou ondulatório, com coreografias simples mas que simulam ou bus-cam uma imagem de “transe” e “sublime”. Algumas destas coreografiasimprovisadas permanecem nos tempos acelerados, que incorporam gestosrápidos e dramáticos em que a agilidade do dançarino é ressaltada, parecen-do expressar uma sucessão de emoções fortes teatralizadas. Assim temos umcontraste com outros estilos musicais que não possuem tipos de dança comtanta improvisação nem com tanta simbolização”. (Durafour, 2005)

O autor está comentando a cena Gótica francesa, mas os mesmos tiposde estilização comportamental e de dança podem ser observados entreGóticos brasileiros ou norte americanos, etc.

"Assim, o universo Gótico é fortemente teatralizado. Tudo é questão derepresentação e de manipulação estética, incluindo a expressão da violên-cia, quando ela existe. Neste assunto, convém separar o universo Gótico douniverso Black Metal, que é musicalmente muito violento" (Durafour,2006, La Presse)

Às vezes a atitude teatral acaba causando um mal estar exatamente porfuncionar como um espelho de comportamentos “escondidos” ou “dissi-mulados” de nossa civilização atual:

“o mundo gótico torna-se horripilante a medida que (outras pessoas)perdem a profundidade psicológica. A vida em geral torna-se “teatral”, uma“morte em vida”, e os eus corporificados tornam-se meros atores ou cari-caturas, ou em alguns casos mais severos, coisas insensatas que estão jun-tas, como autômatos ou cadáveres ambulantes” 2

Talvez por isso a subcultura Gótica continue após tanto tempo: ela éum espelho cada vez mais atual, ou uma resposta lúdica a um conjunto dequestões de nossa sociedade que possivelmente não terão solução nas pró-ximas décadas. Ou séculos, se não formos otimistas…

e. APOLOGIA À CULTURA E SAUDOSISMO

É difícil dizer se os Góticos são um grupo social mais culto que outros,mas algo que se pode dizer com segurança é que Góticos são “cultófilos”,

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2 A. Henderson, “Romantic Identities” 1996, p.54, em “Visões Perigosas”, de Adriana Amaral, 2006, p.59.

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ou seja: colocam a “cultura” como um valor importante, geralmente emoposição a um mundo considerado “materialista”, que rejeitam. Mas qual“cultura” e qual “arte” é valorizada no seio da subcultura Gótica?

Góticos costumam fazer uma sacralização da cultura, considerando apoesia e outras artes como um símbolo importante. A diferença não estáem valorizar a “cultura”, mas considerar que esta é um valor mais impor-tante do que outras coisas “utilitárias” ou “mundanas”. Na poesia, não porcoincidência, escolas românticas e simbolistas costumam ter a preferência.

Também na vestimenta vemos uma grande tendência à fuga ao utilita-rismo e rejeição ao pragmatismo: as peças de vestuário mais típicas dosgóticos primam pelo excesso, por adereços “inúteis”, seja na sobreposicãode um visual pos-punk ou no rococó de um visual neo-vitoriano. Emambos os casos temos um afastamento do “funcional”, do “prático” e do“natural”. E uma busca do artifício, do artificial e do artístico.

Mesmo bebendo da cultura geral, os Góticos sacralizam alguns aspec-tos desta como estandartes de diferenciação em relação ao “gosto popu-lar” e “mundano”. Aparentemente estes gostos dos Góticos procuram exa-tamente demarcar uma fronteira em relação a uma sociedade dominanteem que o lírico e tudo que não é prático ficam em último lugar.

As mesmas referências culturais que são tão valorizadas no seio da sub-cultura Gótica podem ser encontradas no conjunto cultural “normal”, mas nosistema Gótico estas obras recebem outros significados por serem considera-das relacionadas a todo um sistema de valores, comportamentos, músicas,etc. A grosso modo, podemos dizer que um poema de Allan Poe (ou outroautor importante) na subcultura Gótica não é mais um “ítem de cultura” mas,além disso, se transforma em algo como um “avatar” que remete a todos osdemais elementos do sistema de símbolos da subcultura Gótica:

“O que explica essa sacralização de um tipo de obra de arte é seu cará-ter durável, (…) estas obras cristalizam os valores e as idéias centrais domovimento Gótico”. (Durafour, 2005)

Assim, os Góticos não parecem estar interessados em “qualquer” cultu-ra, mas em obras duráveis e/ou de significado perene. E que sirvam parareferendar sua visão de mundo específica.

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Complementar a essa busca pelo perene e durável, o “saudosismo” é,previsivelmente, uma outra forma de rejeição ao utilitarismo do mundoatual, que valoriza mais o novo e o descartável.

Esse saudosismo se manifesta por uma “síndrome de Paraíso Perdido”, quepode ser tanto um “passado em que éramos mais humanos”, um “presentedecadente” ou “um futuro que vai ser apenas um passado tecnologizado”.Não sabemos exatamente o que perdemos, mas deve ter sido melhor…

Qualquer uma dessas idéias coloca o conceito de “progresso”, no míni-mo, como questionável.

Aqui é difícil não traçar um paralelo com o aspecto “anti-positivista” doRomantismo e movimentos relacionados a este. Paralelo enriquecido portodo um repertório rico de referências herdadas de movimentos de carátersemelhante desde o final do século XIX e por todo século XX. Não é a toaque algumas das grandes fontes de referências dos Góticos desde os anos1980 são o cinema Expressionista, autores Românticos e o Romance Gótico.

Mas “o movimento Gótico não é verdadeiramente contestatório. Ele seconcentra mais em se mostrar, num jogo de papéis permanente (no qual seolha no olhar do outro).” (Durafour, 2005)

Mas apesar desse aspecto saudosista, o meio Gótico é bastante “cele-brativo”, pois a resposta dos Góticos ao “Memento Mori” (lembra-te quemorrerás) geralmente é “carpe noctem” (aproveita a noite, uma variantenotívaga do tradicional conselho latino “carpe diem”- aproveita o dia).

Afinal, não existe solução para este “Black Planet” dentro do limiar denossas existências. Mas não esquecemos do que tem sido perdido, e o cele-bramos na privacidade e segurança de nossas “Happy Houses”.

O inferno, como diz essa nossa querida canção “é lá fora”.

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08 � CINCO COISAS QUE OS GÓTICOS NÃO SÃO!Não somos apenas “uma fase difícil”.

A mídia tem divulgado alguns estereótipos e caricaturas a tal pontoque isto faz com que pessoas acabem se sentindo atraídas ou rejeitandoa Subcultura Gótica por motivos errados. Se você vai rejeitar e criticar, ouse vai se sentir atraído e querer conhecer, é melhor que seja pelos motivoscorretos.

Não somos:

1-DEPRIMIDOS - Depressão é uma doença, que pode ter origem atra-vés de um desequilíbrio biológico ou ser causada por fatos de sua vida. Emqualquer um dos dois casos você precisa de um psicólogo e/ou psiquiatra,não se tornar Gótico. Você pode até se aproximar da cena Gótica em umdestes momentos, mas precisa saber que nós Góticos gostamos muito denos divertir, rir e que a música em nossos eventos é dançante. MuitosGóticos podem ser melancólicos e saudosistas, mas isto é algo totalmentediferente de depressão.

2-MAU-HUMORADOS - Sem dúvida nenhum de nós compartilha doclima “fozzy-comédia-histérico” da sociedade de consumo. Inclusive nossohumor-negro, ironia e cinismo é exercido contra esta sociedade. O humoré uma característica essencial na cena Gótica, principalmente o humornegro e o humor camp. E a ironia. E um certo cinismo viperino. E… bem,creio que vocês já entenderam.

3-SUICIDAS - Claro que Góticos não são suicidas. Se fossem, não exis-tiriam mais Góticos Ok, existe todo aquele apreço ao “herói ultra-românti-co” por um lado, e, por outro, a exploração limite entre sexo/morte.Stigmata Martir.

4-VÂNDALOS DE CEMITÉRIO - A vida tem tanto valor e deve ser apro-veitada ao máximo exatamente por que ela tem fim. Neste sentido a cons-ciência de nossa finitude nos faz refletir e valorizar mais cada momento denossa vida, ao mesmo tempo que este prazer é atravessado por uma certamelancolia inerente à condição humana. Assim, os cemitérios além de óti-mos lugares para um passeio tranqüilo ao apreciar a beleza dos jardins eesculturas, são também ótimos lugares para a reflexão e poesia. Seria total-mente incoerente para um Gótico depredar ou vandalizar um Cemitério.

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Parte III � Repertório e Referências da Subcultura Gótica

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5- PESSOAS QUE SÓ GOSTAM DE SOFRER - Ninguém gosta de sofrer,a questão é que o sofrimento e as perdas fazem parte da vida, e vivemosem uma cultura que esconde ou não se relaciona muito bem com isso. Acondição humana é trágica: precisamos saber rir disso. Então, não existeuma apologia ao sofrimento: apenas não douramos a pílula. (literal e meta-foricamente falando, he-he).

09 � TIPOS DE GÓTICOSOs tipos abaixo são quase “abstrações puras” que praticamente não

existem isoladas. Estão ordenadas assim apenas para finalidade didática.Afinal duas das grandes diversões na cena Gótica são: primeiro, misturarelementos de tendências diferentes e segundo, ficar identificando as com-binações que os outros fazem. As variantes misturando os tipos abaixo dãomargem a uma infinidade de tipos diversos.

Os tipos básicos:a) Gótico Clássico ou Pos-Punk - O visual é inspirado pelo do it your-

self do pos-punk e new wave, tendo como modelos variantes do visualusado ao longo dos anos 80 por bandas como The Cure, Bauhaus, Siouxsieand The Banshees e similares. Os itens mais característicos são as maquia-gens marcadas e os cabelos armados, e os visuais com sobreposições e cominfluência em parte New Romantic, em parte Pos-Punk/New Wave.

b) Victorian Gothic ou Gótico Romântico - Apesar do visual do GóticoPos-Punk/New Wave incluir alguns ítens pseudo-vitorianos herdados dosnew-românticos, o Gótico Vitoriano se concentra em visuais que de algu-ma forma buscam fazer um estilo de época, seja uma época passada ou umfuturo "neo-vitoriano". Pode ser, portanto, uma reconstrução de um visualnovecentista, ou um visual misturando elementos pseudo-vitorianos a ele-mentos e materiais futuristas como latex e couro ou itens S/M.

c) Coldwave/Darkwave Gothic - Geralmente um visual quase todo preto,mas bem mais discreto, com menos maquiagem ou sem nenhuma.

d) Cyber Góticos: É um visual baseado em restos industriais, que podemincluir elementos de neon, pseudo implantes cibernéticos e máscaras degás. Se parece às vezes com um visual deathrock com elementos futuristas.

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São comuns os appliqués e extensões nos cabelos em cor, mas a cor de baseainda é o preto.

e) Deathrock Góticos - Alguns consideram hoje o Deathrock uma subcul-tura a parte, mas no mínimo temos muitas bandas e Góticos de tendênciapróxima ao Deathrock. O visual seria o Gótico Clássico ou Pos-Punk levadoaos extremos de sobreposição de texturas e exageros, com sobreposição detecidos e meias rasgadas ou reutilizados, maquiagens mais agressivas ou sur-reais. O clima circense/teatral é levado às últimas conseqüências.

f) Medieval ou Ethereal - É um visual mais usado pelas mulheres, sendouma variante romântica mas que escapa do clima de luto do estilo Vitoriano.Podemos ter visuais medievais recriados ou simulações de ninfa ou fadas queincluem elementos de várias cores e geralmente longos vestidos.

g) Circus-Cabaret-Vaudeville - Um tipo de visual apreciado por death-rockers, mas também presente nas outras tendências. Temos o uso de indu-mentária e maquiagem de Cabaret ou Circo estilizada, como se estivésse-mos em um teatro de Vaudeville.

Poderíamos citar uma lista infindável de subtipos, mas não roubaremosao leitor a diversão e experiência de aprender a reconhecer as sutilezas des-tes tipos e suas misturas na realidade da cena Gótica mais próxima.

10 � SÍMBOLOS RECORRENTESNA SUBCULTURA GÓTICA

"Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados da mesma moeda- oyin e o yang- o masculino e o feminino, escreve Alicia Porter em sua pes-quisa Study of Gothic Subculture,(...) O gótico expressa o emocional, abeleza, o sobrenatural, o feminino, o poético, o teatral;..."

(Goth Chic, Gavin Baddeley, 2003)

Por que nos atraímos inicialmente por uma subcultura com caracterís-ticas X, Y ou Z, e não por uma subcultura com características A, B ou C?

Isso acontece pois algumas características nossas que não encontravamum modelo de expressão e identificação em outros lugares acabaram porencontrá-lo na subcultura Gótica e em sua Estética, Cena e História.

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A identificação inicial é sempre Intuitiva e Estética: como uma paixão.

Porém, se o indivíduo em questão nunca entrar em contato com a sub-cultura Gótica esta identificação se torna impossível.

Mas quais seriam estas características que nos atraem na subculturaGótica? Podemos dizer que a subcultura Gótica vem exatamente suprirdeficiências da cultura oficial industrial do ocidente. Por isso muitas vezeselabora características opostas a ela.

A cultura oficial nos dita comportamentos despersonalizados, impede aindividualidade, nega a morte enquanto experiência vital, e é apolínea,mecanicista, positivista e predominantemente “Yang” (masculino comoreferência de humano).

Nela não há mais espaço para aquele Individualismo que o Oscar Wildedefine no seu livro "a alma do homem sob o socialismo". Assim, buscamos“espaço” ou “algo que nos falta” em alguma subcultura.

Podemos dizer que outro elemento que caracteriza o Gótico é um cará-ter compensatório Ying, pois a sociedade oficial é hoje predominantemen-te Yang. Assim, buscamos um equilíbrio ou compensação.

Podemos observar o caráter Ying de todo sistema estético e simbólico doGótico (e também em grande parte da Darkwave). O conjunto destes símbo-los é repetido em grande quantidade e freqüência em letras, músicas, roupas,imagens, comportamentos, discursos, etc ligados a subcultura gótica:

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• Lua• Prata• Água/Mar• Noite• Outono e inverno• Sensualidade• Mistério• Decadência• Expressionismo• Feminilidade (no caso

das mulheres) eAnima (parte femininano homem)

• Onírico• Surrealismo• Dionisíaco• Intuição• Androginia• Drama• Anti-racionalismo• Expressão da

Emotividade• Lirismo• Serpente• Vampiro• Bruxa, feiticeira, magia

• Ennui, spleen• Horror com humor• Obscuridade• Paixão• Anjos caídos• Urbanidade

problemática/cidades vazias

• Romantismo• Seasonal, cíclico• Hedonismo

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Claro que nenhum Gótico ou obra de arte da subcultura Gótica possuitodos estes elementos no grau máximo, nem isso é necessário, pois comoverificamos em qualquer sistema cultural (como o brasileiro ou nordestino,por exemplo) ou subcultural, nenhum indivíduo ou obra possui a totalida-de do sistema, mas ambos fazem parte do sistema simbólico, se relacionan-do e se ligando a outros elementos e símbolos que aumentam o sentido doconjunto e formam um tipo de “ambiente”.

Assim, algumas pessoas desenvolvem mais alguns elementos do queoutros. Isso que nos faz permanecer Indivíduos mesmo dentro de uma sub-cultura.

Depois, em um segundo momento, começamos a compreentender osignificado da atração que estes símbolos estéticos e esses sentimentosexercem sobre nós.

Isso nos faz entender e nos interessarmos também pela história e teoriada subcultura Gótica. Sem deixar de senti-las. Sentir e Saber não são coisasexcludentes, é falso o dualismo que opõe sentimento e conhecimento.

Mas isso é um processo que se dá com a vivência na subcultura. Pois oaprendizado é um processo afetivo de sucessivos ciclos de aproximações eestagnações ao longo do tempo.

Afinal, Cultura sem sentimento é Erudição estéril, e Sentimento semCultura, cai no lugar comum.

11 � A ANDROGINIA E A MAQUIAGEMNA SUBCULTURA GÓTICA

Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistemade símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica e a tendên-cia Darkwave.

Evidentemente ninguém é obrigado a usar maquiagem ou a ser andró-gino. Mas desde o seu estabelecimento, na virada dos anos 1970 para os80, a subcultura chamada de Gótica teve, entre as suas características dife-renciais, o gosto pelo jogo de cena da androginia e da maquiagem teatral.Estes dois elementos não são gratuitos: estão ligados às demais influênciase referências culturais dessa subcultura.

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AS INFLUÊNCIAS E A MAQUIAGEM

Insatisfeita com o mundo atual, a subcultura Gótica vai buscar equivalen-tes simbólicos desta insatisfação na cultura do passado recente. Ou em um pas-sado idealizado ou “alterado” que usamos para comentar o nosso presente.

O contrário de uma sociedade amena e pasteurizada é a busca pelodrama, expressão e catarse. Os elementos estéticos adotados pela subcul-tura Gótica são buscados exatamente no teatro, no cinema expressionistae no cinema da nouvelle-vague francesa, no teatro popular ou vaudeville,na cabaret culture dos anos 1930 e na estética da geração beat e glam, mastambém em uma estética romântica e vitoriana, adequadas a um poema deBaudelaire ou a um conto de Poe ou de Oscar Wilde.

O TEATRO DA VIDA: LUZ FORTEGERANDO SOMBRAS INTENSAS

O teatro e o cinema expressionista usam a maquiagem de grande con-traste entre o branco e o negro por dois motivos básicos e convergentes:

1) a intenção de amplificar a expressão dos traços e expressões e o cará-ter dramático das relações e

2) permitir a visualização a distância (no caso do teatro) e em condi-ções de filmagens precárias (iluminação, tipo de película primitiva, etc) oucom opções estéticas minimalista de alto contraste de luz e sombra.

Também o teatro oriental carrega muito nas maquiagens. Ainda hoje,como era feito no passado no teatro ocidental, são permitidos apenashomens como atores, mesmo para os papéis femininos. É quase certeza quenas primeiras apresentações das peças de Shakespeare, Julieta fosse ummenino ou rapaz…

O conceito essencial do Expressionismo, seja na pintura ou no cinema,é o grande contraste e a amplificação e expressão das emoções e sentimen-tos. Por isso, o uso de luz forte para produzir uma grande sombra e con-traste é um elemento estético que expressa um significado intencional.

A ANDROGINIA COMO REPRESENTAÇÃODA CRISE DOS PAPÉIS SOCIAIS

Apenas na década de 60 do século XX a questão da posição do homeme da mulher na sociedade sofreu uma crise. Saímos de uma posição mile-

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nar que privilegiava o homem para uma posição de crítica a este modelo,em busca de uma igualdade que ainda estamos longe de alcançar, apesardos avanços. Não podemos esperar que um desequilíbrio de milênios sejacorrigido em apenas poucas décadas.

Mas desde 1960 homens e mulheres começaram a conquistar o direitode expressar e desenvolver partes de suas psiques que antes lhes eram veda-das. Por exemplo, as mulheres conquistaram o direito a se desenvolver inte-lectual e profissionalmente, e os homens, emocional e parentalmente.

Agora as meninas já podem ser mais independentes e os meninos jápodem chorar. As mulheres podem ter a satisfação profissional enquanto oshomens vêm conquistando o direito de serem pais, e não apenas provedo-res de suas famílias. Foi apenas o começo do caminho para que ambos osgêneros se tornem um dia seres humanos mais completos.

Mas o que nos interessa aqui é que vários movimentos de vanguardadesenvolveram estéticas exageradas ("expressionistas") para expressar essasmudanças. Ou para lutar por elas.

A ANDROGINIA ESTÉTICA

As cenas culturais de vanguarda ou underground de várias épocas ante-ciparam as questões do futuro, ao mesmo tempo que abrigavam aquelesque não tinham lugar na sociedade oficial por estarem em desajuste como pensamento de sua época.

Nos anos 1970, a questão da bissexualidade psicológica do ser huma-no foi expressa de forma radical pelo movimento Glam-Rock. O uso damaquiagem neste movimento é largamente difundido, tanto para homensquanto para mulheres.

Foi realmente um choque radical para criar a ruptura com uma socie-dade que ainda preservava modelos tradicionais do que é ser homem e oque é ser mulher.

Com o tempo, o choque se diluiu e foi absorvido, e algumas mudan-ças, que são hoje consideradas normais, foram estabelecidas.

Oficialmente o Glam acaba em 1975, mas boa parte de seus conceitosvai, a seguir, ser absorvida por novos movimentos que estão surgindo: anew-wave, o pos-punk inicial, o new-romantic e o gótico.

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ANDROGINIA X HOMOSSEXUALIDADE

Androginia e homossexualidade não são a mesma coisa. Androginia éuma opção estética e a homosexualidade é uma opção sexual.

Assim, um homem ou uma mulher pode optar por uma estéticaAndrógina e ao mesmo tempo ter qualquer opção sexual: heterossexual,homossexual, bissexual ou nenhuma das anteriores…

Além disso, a maioria dos Homossexuais não usa visual andrógino,sendo bastante comum visuais totalmente masculinos e alguns visuais atécom certo exagero das características masculinas (barba, bigode, cavanha-que, músculos trabalhados, costeletas, etc). E as homossexuais femininasfreqüentemente usam visuais socialmente aceitos como femininos.

Evidentemente que no passado, em uma sociedade conservadora, pre-conceituosa e homofóbica, uma subcultura como a Gótica, que usa aandroginia como símbolo estético, sofria do mesmo preconceito que ahomossexualidade sofria.

Ao mesmo tempo, antes da organização dos movimentos pelos direi-tos homossexuais nos anos 90 e da formação de uma cena e subculturaGLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), fica fácil entender por que a subcul-tura Gótica era uma opção de abrigo para homossexuais de ambos ossexos. Em qualquer outra cena alternativa sofreriam mais preconceito. Nãoque não sofressem também nesta, mas ao menos na cena Gótica isso erauma incoerência.

Essa "licenciosidade" simbólica na esfera sexual acabou agregandovários elementos fetichistas à estética da subcultura Gótica e Darkwave,como os elementos estéticos Sado-Masoquistas. Mas, na maioria dos casos,estes elementos são usados apenas como fetiches estéticos.

Cabe ressaltar que hoje na subcultura Gótica é mais comum um visualfeminino tanto para as mulheres como para os homens. Hoje, vemos umnúmero muito menor mulheres com visual andrógino do que em outrascenas. Talvez fosse mais apropriado dizer que a subcultura Gótica valorizaum certo tipo de “feminilidade estética” tanto para homens como paramulheres.

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A ANDROGINIA E O VAMPIRO:A FACE BRANCA DO IMPURO

Ao longo dos anos 1990 o Vampiro se tornou um ícone pop aindamaior do que nos anos 1980. Como sabemos, o Vampiro é considerado umsímbolo da expressão de impulsos tidos como impuros ou pecaminosospela sociedade oficial. Este uso simbólico do mito do Vampiro é coerentecom os demais elementos estéticos do Gótico que abordamos aqui. Assim,um Gótico pode usar um visual de Vampiro ou não. Esta é uma das diver-sas opções de visual.

MAQUIAGEM BRANCA E A QUESTÃO ÉTNICA

Como vimos nos itens anteriores, a maquiagem branca do Gótico nãotem nenhuma ligação com a intenção de parecer ou ser mais “branco” doponto de vista étnico. Pelo contrário, o branco na maquiagem Gótica sim-boliza uma expressão dramática ou catártica, ou ainda o caráter do Impurodo Vampiro ou ainda da palidez da morte como questão existencial.

Ao mesmo tempo, a inclusão de diversos elementos estéticos de cultu-ras não-européias modernas no universo Gótico e Darkwave (asiáticos, afri-canos, orientais, pagãos) caracterizam nossa subcultura como multi-cultu-ralista. Ao mesmo tempo, elementos estéticos da cultura Européia antigasão integrados nesta "salada-de-frutas".

Por isso temos Góticos de todas as etnias: brancos, negros, amarelos,mulatos, vermelhos, verdes…(bem, se levarmos em conta a maquiagem, alista não tem fim…).

A INDIVIDUALIDADE DENTRO DE UMA CULTURA

Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistemade símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica. Da mesmaforma, há pessoas que usam de formas diferentes ou em quantidades dife-rentes o repertório estético da cultura a qual pertencem. Também, existeum uso estético diferente para cada ocasião: existe uma estética para o tra-balho, uma para a festa, outra para o casamento, uma para o dia, outrapara a noite, e assim por diante.

Assim, uma pessoa pode construir uma individualidade dentro de umacultura. Quanto mais informação estética uma pessoa tiver, maior o reper-

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tório que ela tem para escolher elementos estéticos coerentes com a suapersonalidade e intenções.

O mesmo vale para as características simbólicas, artísticas e psicológi-cas em uma subcultura. Esta questão é mais desenvolvida na parte “c” docapítulo “9- Características da Subcultura Gótica”.

MODA OUTONO-INVERNO… E O ANO INTEIRO.

A subcultura Gótica foi influenciada e herdou elementos de movimen-tos contra-culturais, e já surge com a desilusão de que "não adianta per-der tempo com a sociedade oficial, vamos criar nosso mundo à parte,incluindo o que falta no outro".

Neste aspecto, podemos dizer que a subcultura Gótica é mais “comple-ta” que a cultura oficial, pois inclui todos os elementos desta e mais osaspectos "obscuros" e dramáticos que ela nega. Se a cultura oficial é a pri-mavera e o verão, a subcultura Gótica é o ano completo.

Evidentemente, por efeito compensatório da alienação da sociedadeoficial, a subcultura Gótica enfoca mais o outono e o inverno. Mas deforma alguma deixa de "dançar saltitante nas paixões da primavera e desucumbir à lassidão e ludicidade luxuriosa dos verões escaldantes".( rsss....)

Enquanto o outono e o inverno não chegam, é claro…

12 � A TEMÁTICA MÍSTICAEM UMA SUBCULTURA LAICA

“Following the footsteps, of a rag doll dance, we are entranced.Spellbound”

“Speelbound”- Siouxsie & The Banshees

A Subcultura Gótica é laica, isto é, não tem religião. E muito menos seconstitui ela mesma uma doutrina religiosa ou mística.

A ligação da subcultura Gótica com o ocultismo é meramente simbólica:ela se apropriou de alguns símbolos ligados historicamente a alguns misticis-mos e os usou de outra forma, da mesma forma que se apropriou de símbo-los das mais diversas simbologias para construir seu sistema simbólico próprio.

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Evidentemente isto muitas vezes fez com que pessoas que, em suasvidas pessoais, adotassem cultos pagãos europeus, ameríndios, africanos,asiáticos -ou de outras religiões não judaico-cristãs- se sentissem confor-táveis ou atraídos pela subcultura Gótica.

Paralelamente a subcultura Gótica, desenvolveu-se um circuito de ban-das e pessoas que levam alguns destes cultos mais a sério, mas isto é umaopção pessoal e complementar de cada um.

A subcultura Gótica apenas é tolerante o bastante para não disseminarnenhuma espécie de restrição a escolhas religiosas pessoais. Apenas, comojá comentamos acima, é comum na subcultura Gótica e Darkwave (e talvezainda mais no Death-Rock) encontrar letras e músicas que façam um usode símbolos religiosos que pode ser considerado herético por alguém queseja religioso de forma dogmática. Também não são incomuns citaçõesateístas (mas isso é uma escolha pessoal de algumas bandas).

CITAÇÕES EM BANDAS E MÚSICAS

Alguns exemplos são:

• Ian Astbury, da banda Southern Death Cult (depois “Death Cult” e, finalmente“The Cult” a partir de 1983) tinha uma temática muito ligada ao paganismoe xamanismo dos índios da américa do norte. Além da adoção depercussões tribais, a influência é de Jim Morrisson, que representava transesxamanísticos em seus shows. Músicas como “Apache”, “Moya” e “GhostDance” são literais. A temática da banda The Doors parece ter influenciadooutras bandas góticas também.

• A música "Pagan Love Song" do Virgin Prunes,

• o album "Juju" do Siouxsie and The Banshees, (Juju é uma palavra africanapara "Karma", e a capa traz uma escultura africana). Ao lado das percussõestribais o nome “Siouxsie Sioux” também é auto-explicativo: Sioux é uma tribonorte-americana.

• a banda Cristian Death trabalhou ostensivamente com a temática cristã,geralmente de forma chocante ou herética.

• A música “Inkubus Sukubus” do X-Mal Deutschland

• o nome da banda Dead Can Dance e a capa do primeiro álbum referem-se auma máscara ritual da Nova Guiné e seu significado simbólico.

• a temática de halloween, vodoo e bruxaria é comum, mas geralmente emtom de brincadeira.

• bandas com nomes como “Two Wiches” e “Inkkubus Sukubus” dispensammaiores explicações. Esta segunda banda tem uma militância Pagã-Celtaexplícita.

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• a banda “The Jesus and Mary Chain”, além do nome considerado heréticopor alguns, também usa metáforas cristãs e o nome de Jesus de forma total-mente descompromissada.

Os exemplos são muitos mais, mas a abordagem é artística e poética, enão-religiosa. Ao mesmo tempo temos canções como “Gottes Tod” (amorte de deus) da banda Das Ich, que relata os sentimentos humanos naausência de qualquer deus.

SÍMBOLOS RELIGIOSOSRECONTEXTUALIZADOS PELOS GÓTICOS:

Assim, quando encontramos alguém na subcultura Gótica usando umdeterminado símbolo (cruz, ankh, pentagrama, etc) isso não quer dizer queesta pessoa seja adepta das respectivas doutrinas místicas ou religiosas.

Ao mesmo tempo a subcultura Gótica, desde sua origem, aborda seustemas de uma forma que pode questionar valores sociais e religiosos vigen-tes, muitas vezes usando de símbolos de forma herética ou questionandoo sentido da vida. Isto pode causar algum choque ou incômodo a alguémque leve alguma religião mais a sério.

Mas ao mesmo tempo, são comuns símbolos como almas, anjos caídos,espíritos, ao lado de músicas com conteúdo não religioso. Dentro da sub-cultura Gótica, estes símbolos devem ser tomados da mesma forma que napoesia: como metáforas de sentimentos humanos.

VAMPIROS NA SUBCULTURA GÓTICA:

Os Vampiros são um dos diversos símbolos metafóricos na subculturaGótica, entre muitos outros.

Um exemplo é o caso daquele que é considerado o hino não oficial dasubcultura Gótica: a música “Bela Lugosi is Dead", (1979) da bandaBauhaus. A letra é uma sátira baseada no filme Drácula de 1932, cujo atorprincipal é Bela Lugosi, considerado por muitos uma referência de ator-canastrão.

A associação entre subcultura Gótica, Vampiros, música Gótica e Pos-Punk, Ankhs e Egiptologia se tornou “Pop" e consagrada a partir do filme“Hunger" (Fome de Viver, 1983). Nele, a mesma banda Bauhaus aparece naabertura tocando "Bela Lugosi is Dead" em um clube noturno no qual um

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casal de vampiros new-romantic (representados por David Bowie eCatherine Deneuve ) entram para caçar suas presas da noite. Esses elegan-tes vampiros em crise existencial usam amuletos Ankhs com pontas afiadaspara cortar a jugular de suas vítimas. A vampira deste filme está viva desdeo antigo Egito.

Em 1994 o livro de Anne Rice “Interview with the Vampire", escrito em1976, é transformado em filme, trazendo às telas vampiros humanizadosque colocam em cheque questões existenciais e morais. Bem, pelo menospara alguns deles…

Novamente, no filme “A Rainha dos Condenados”, (também baseado nolivro de mesmo título de Anne Rice) somos remetidos ao antigo Egito comoorigem do vampirismo através da personagem principal, Akasha.

Estes filmes e outros geram um “boom" da temática vampírica nos anos90, tanto dentro da cena Gótica como fora dela. Apesar do tema do vam-piro estar presente na subcultura Gótica desde os anos 80, aconteceu umahipertrofia deste tema durante os anos 90 em detrimento de outros.

Mas o vampiro continua sendo um símbolo tradicional na subculturaGótica. Junto a outros como os zumbis, Frankenstein e fantasmas, tambémo Vampiro não está nem morto nem vivo, levando a um questionamentodo que exatamente significa estar vivo e viver.

SATANISMO E CRISTIANISMO:

A subcultura Gótica é laica, ou seja, não tem religião, mas também nãoé anti-religiosa por definição.

Não existe nenhuma ligação direta e literal da subcultura Gótica eDarkwave nem com Satanismo nem com Cristianismo.

Qualquer citação neste sentido é encontrada no sentido metafórico oupoético. Por exemplo: o crucificado como símbolo de sofrimento sentimen-tal, ou o demônio como símbolo das tentações, o anjo caído como símbo-lo da perda das ilusões ou utopias, etc.

Um gótico pode ter qualquer religião ou nenhuma religião. Religião oucrença mística é uma questão privada e pessoal de cada um.

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13 � GLOSSÁRIO DE ESTILOS MUSICAISRELACIONADOS À SUBCULTURA GÓTICA

Obs1: O foco deste glossário é a formação dos estilos gothic/darkwa-ve/post-punk e "parentes" mais próximos. Obviamente, se o foco fosse aformação de outros estilos, estes estariam mais detalhados.

Obs2: Importante ressaltar que:

a) Uma banda não tem um rótulo único. Geralmente existe mais de umrótulo aplicável à mesma banda.

b) Na mesma época, o mesmo estilo pode receber nomes diferentes empaíses diferentes.

c) Em épocas diferentes o mesmo estilo pode receber nomes diferentesno mesmo país.

d) A mesma banda pode ir mudando de estilo ao longo do tempo outrafegar por vários estilos na mesma época.

Abaixo, comentamos, alguns mais longamente que outros, os seguintesrótulos/estilos (a ordem não é cronológica):

INFLUÊNCIAS (1965-1977):

01 Os 60’s e Glam Rock

02 KrautRock

03 Punk

NEW WAVE/ POS-PUNK/ WAVEs (1978 em diante):

04 New Wave

05 Cold Wave e French New Wave

06 Neue Deutsche Welle (NDW) ou New Wave Alemã

07 Pos-Punk

08 Industrial

09 E.B.M.

10 DarkWave

11 Gothic

12 New Romantic

13 Death-Rock

14 Ethereal e Ethno

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15 Synth-Pop

16 Trip-Hop

17 "80's"

INFLUÊNCIAS01. 60’s e GLAM ROCK:

Acid-Rock, Rock Psicodélico, Folk-Rock, os restos do movimento Beat:alguns artistas da segunda metade dos anos 1960 inauguraram elementosque influenciariam tanto o punk como continuariam referências no pos-punk e no Gótico.

The Doors e Velvet Underground praticamente na mesma época, emextremos opostos dos Estados Unidos, trouxeram algo novo para o univer-so do rock e da música alternativa. O estilo de poesia de suas letras, de ima-ginários explorados nos textos Beat tardios de Jim Morrisson e Lou Reedse tornam referências essenciais.

A quantidade de "hinos" que essas duas bandas produziram nos seusprimeiros álbuns entre 1967 e 1969 marcou profundamente a geração queestaria fazendo música no começo dos anos 80. Também é curioso notara quantidade de covers das bandas The Doors e Velvet Underground queforam realizados por bandas Góticas e Darkwave. Sem falar na influênciaóbvia de estilo e estética.

Já o Glam-Rock existiu oficialmente de 1970 a 1975. O estilo se carac-teriza por uma temática hedonista-decadentista, (algo que já víramos noDoors e no Velvet antes) androginia, e um Rock básico ou recheado deexperimentalismo, muitas vezes considerado proto-Punk. Mas tambémhavia lugar para muito lirismo, folk, cabaret e poesia.

Ex: T-Rex, New York Dolls, Iggy Pop (& Stooges), David Bowie, LouReed, Roxy Music, Sweet, Slade, Gary Glitter, etc. (Obviamente muitos des-tes artistas tiveram carreiras antes e depois da fase Glam-Rock).

O Glam-Rock influenciou diretamente o Pos-Punk e o Gótico, tanto namusicalidade como em suas temáticas e abordagens, sendo que muitas dasprimeiras bandas Góticas pareciam e soavam muito como bandas Glam-Rock. Ex: Bauhaus e Specimen.

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Por exemplo, para reagir ironicamente às críticas de que era “apenas umrevival glam”, o Bauhaus lançou um compacto com um cover quase idên-tico de “Ziggy Stardust” de David Bowie e com o símbolo facial de Bowiena capa sobre o logotipo do Bauhaus.

Não poderíamos deixar de citar a influência transversal do “countryobscuro” e da “chanson” francesa tardia. Pelo primeiro grupo temos, porexemplo, Johnny Cash, que além das letras voltadas para o “dark side”ficou conhecido no final dos anos 60 como “the man in black” pois popu-larizou um estilo incomum no country na época: roupa preta, longossobretudos negros e chapéus da mesma cor.

O poeta e escritor canadense Leonard Cohen desde seu primeiro álbumem 1967 também se tornou um ícone para a geração seguinte de compo-sitores. Por exemplo, o nome da banda The Sisters of Mercy e o famosoverso “some girls wander by mistake” saíram deste primeiro álbum.

Do lado da chanson francesa, com seu estilo decadentista de “croonersdramáticos” temos que citar os trabalhos mais tardios de Jacques Brel,principalmente seu álbum de despedida quando soube que iria morrer. LizaMinelli não é uma cantora francesa e sim Americana, mas ela encarnoucom perfeição o estereótipo da “decadence” dos cabarets no musical e nofilme “Cabaret” de 1972, que marcou a geração que se seguiria.

02. KRAUTROCK:

Krautrock é o nome que se dá ao experimentalismo no Rock alemão dofinal dos anos 60 e ao longo dos anos 70. Este experimentalismo misturarock, psicodelia, música experimental eletrônica, música concreta, eletroa-cústica, minimalismo, proto-industrial, música erudita moderna experimen-tal, jazz e quase tudo que se possa imaginar…

O Krautrock foi influente tanto no pos-punk como na música Industriale as tendências eletrônicas, assim como as várias tendências pos-punk, newwave, além do synth e EBM.

EX: Kraftwerk (que influenciou quase tudo que se conhece em termosde música eletrónica), Can, Neue, Tangerine Dream, Faust, Popol Vuh (res-ponsável pela trilha sonora da refilmagem em 1979 do clássico “Nosferatu”por Werner Herzog), Cluster, Amon Düül II, etc.

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03. PUNK:

Punk é um rótulo polêmico. A primeira polêmica é se é um estilo norteamericano ou britânico. Outra polêmica é se começou em 77 ou terminouem 77…

A hipótese mais plausível é que tanto o som punk quanto o nome tenhasurgido em território norte-americano. O som, a partir de bandas do finaldos anos 60 como MC5 e The Stooges (de Iggy Pop). O nome a partir deuma revista/zine do começo dos anos 70. Ainda nos Estados Unidos temosa banda New York Dolls (1970-1974) que trazia uma mistura de rock bási-co e estilo que seria base para o Glam também. Em seguida temos umasegunda geração, ligada ao clube CBGB, que contava com grupos comoRichard Hell and The Voidoids, Television, Patty Smith Group, TalkingHeads, Blondie e The Ramones. Isso tudo até 1975.

Mas esse punk norte-americano era bem mais variado, com temáticaspoéticas e ao mesmo tempo agressivas, líricas e suaves intercaladas comarroubos sônicos. Diferente do que ficaria conhecido como punk a partirde 1977 com os ingleses do Sex Pistols: desenvolvido por Malcoln McLaremeste “punk” tem uma temática mais extrospectiva e política.

Testemunhas e relatos deixam claro que depois de não conseguir levarRichard Hell e remanescentes do New York Dolls para a Inglaterra, McLarenresolveu montar uma banda cópia deles para promover sua loja de roupas.Assim acaba um "punk" e começa "outro punk".

Obviamente muita gente levou a farsa situacionista dos Pistols a sérioe criou-se algo maior que o esperado. A ética "faça você mesmo" (do ityourself, ou DIY) teve pelo menos um efeito benéfico: fazer com que muitagente que jamais ousaria tocar em um instrumento saísse de casa e conse-guisse transmitir sua mensagem e, em alguns casos, se desenvolvessemcomo artistas. Depois o punk se dubdividiu em uma infinidade de sub-esti-los que precisariam de um dicionário para serem descritos.

Mas o que nos interessa aqui é que as primeiras bandas Góticas surgi-ram no furor do "pos-punk", sendo que muitos dos membros da primeirageração de bandas estiveram em bandas punk anteriormente. Assim, porum período, de 1978 a 1982 aproximadamente, o Gótico é mais relaciona-do com o cenário Punk/Pos-Punk. Depois de 1983/1984 se constitui clara-

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mente como uma subcultura separada e autônoma, com outras influênciasse destacando (Krautrock, Glam, Acid-Rock, estilos Eletrônicos, New-wave,etc), e vem evoluindo e se desenvolvendo até hoje.

OBS: dica de leitura: Mate-me Por Favor, de Legs McNeil e GillianMcCain (vol I e II)

NEW WAVE/ POS-PUNK/ GOTHIC/ WAVEs:04. NEW-WAVE:

Um dos rótulos mais incompreedidos que existe, coitado, é "NewWave". Talvez porque o rótulo acabou se tornando abrangente demais.

“WAVE”, em geral, acaba sendo um termo usado para as diversas“ondas” e novos estilos que surgiram e se propagaram depois do punk e detodo o experimentalismo dos anos 70, influenciados pela rejeição de for-mas consideradas “velhas” de fazer música. Às vezes podemos encontrar aexpressão “as waves” se referindo às várias correntes que comentamosabaixo, new wave, ndw, coldwave, gothic-wave e depois darkwave.

A versão mais reproduzida sobre a origem do nome “new wave” é queele vem de "French-New-Wave", um movimento de renovação do CinemaFrancês da década de 60, representados por cineastas como Jean LuckGodard, François Truffaut, etc. Esse movimento é chamado em francês de"Nouvelle Vague" (nova onda, new wave). Os filmes costumam ser maissombrios, “noir”, às vezes existencialistas e irônicos, usando de muito sim-bolismo e abordando a alienação social e psicológica do indivíduo. Comoestes filmes eram muitas vezes “independentes”, as bandas “independen-tes” teriam sido assim chamadas por associação. Depois o termo New-Waveadquiriu outros sentidos.

Na musica-pop, no final dos anos 70 para o começo dos 80, o termoNew-Wave começou a ser usado para designar as bandas que haviamcomeçado em 1974/75 como Punk, mas depois seguiram um caminhoexperimental. Ex: Talking Heads, Patty Smith, Television, Blondie e outrosda cena de Nova York.

Ícones new-romantic também podem ser classificados como new-wave(ex: Duran Duran, Visage, Culture Club), assim como fases menos “punk”de bandas do “pos-punk” (The Cure, Siouxsie and The Banshees, etc).

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Alguns artistas se tornaram estereótipos New Wave exatamente porexplorarem também a questão do visual e aproveitarem o surgimento dovídeo e da MTV: The Buggles, Devo, Cindy Lauper, PIL, B-52’s, CultureClub, etc.

Temos ainda a versão francesa do Movimento musical New-Wave a"French-New-Wave" (algumas bandas sendo chamadas também deColdWave) e a NDW alemã (Neue Deutsche Welle).

O movimento New-Wave, assim, de forma alguma se resumia a apenas“um povo com roupa colorida que dançava para sintetizadores".

05. COLDWAVE e FRENCH NEW WAVE:

“A falta de perspectivas e o isolamento “entre quatro paredes” fez adupla Bowie/Eno criar – sobretudo em Low – texturas sonoras que eramdescritas como um “deserto futurista congelado por sintetizadores”. Nasciaali o embrião do gênero que viria a ser conhecido por cold wave ou a fac-ção mais fria, robótica e apocalíptica do pós-punk. Não por acaso, o JoyDivision tiraria seu primeiro batismo (Warsaw) da faixa de abertura do LadoB de Low” (texto online de Abonico R. Smith).

Eventualmente chamado também de “Cold New Wave”, ou ainda umestilo tardio de pos-punk ou de “pré-darkwave”, o termo Coldwave é apli-cado ao trabalho de linha eletrônica minimalista e “frio”, mas sem deixarde ser dançante, usado especialmente para bandas francesas do final dosanos 70 e anos 80. EX: Opera Multi Steel, Trisomie 21, CollectionD’Arnell~Andrea, Guerre Froide, Clair Obscur, Kas Product, Asylum Party,Barroque Bordello, Little Nemo, Norma Loy, etc.

Além de Gary Numan, também Cabaret Voltaire, a fase "Faith" do TheCure, Cocteau Twins, Dead Can Dance e algumas fases de Siouxsie and TheBanshees são citados como ColdWave.

Mais tarde o termo Darkwave foi aplicado retroativamente a muitasdestas bandas, sendo que por associação o termo Gótico e Darkwave aca-bam sendo usados paralelamente.

Cuidado: existe um segundo sentido de Coldwave, totalmente diferen-te deste, usado principalmente nos EUA e que se refere a um ramo deIndustrial-Rock.

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06. NEUE DEUTSCHE WELLE (NDW):

Na Alemanha temos a Neue Deutsch Welle (NDW - Nova Onda Alemã,German New-Wave), que ia desde um lado mais experimental até outromais comercial. Do lado mais experimental é comum listar bandas queencontramos também catalogadas como Industriais ou Góticas: Malaria, X-Mal Deutschland, Einsturzende Neubauten, etc. Temos bandas como oLiaisons Dangereuses que podem ser consideradas o “elo perdido” entre opos-punk, eletro e o que viria a ser chamado de EBM/Industrial. Do ladomais comercial: Falco, Trio, Spyder Murphy Gang, Nena, etc.

Definitivamente, uma música de temáticas noir, mas com abordagempos-punk usada com elementos eletrônicos. Podemos traçar um paralelocom a Cold Wave francesa, mas em um país que foi o berço do experimen-talismo do Krautrock, tendo uma influência mais forte deste.

Obs:Assim, considerando todas as variantes do uso desses rótulos, ficamais fácil entender a mistura desde os anos 80 entre o público e somGótico, DarkWave e NewWave nas casas noturnas paulistanas chamadas de"góticas”.

07. POS (T)-PUNK:

Positive-Punk (ou Posi-Punk) e Pos-Punk não são a mesma coisa.

Não vamos entrar em detalhes em um glossário, apenas basta saber queo rótulo Positive Punk (ou Posi-Punk, com “i”) foi usado pela imprensainglesa por um período durante 1983, mas este rótulo foi abandonado como “boom” “Goth” logo a seguir. (mas positive punk não é também sinôni-mo de Goth).

Pos-Punk (ou Post-punk, com “T”) é um termo que abrange bandas dediversos estilos e tendências, sendo às vezes difícil estabelecer a fronteiracom outro termo genérico, a New Wave. Assim o essencial é saber que o“Pos-Punk” é um conjunto maior que continha várias tendências, e o Góticofoi apenas uma delas no período de 1978 a 1983 aproximadamente. Assim,nem toda banda Gótica é pos-punk, e nem toda banda pos-punk é Gótica.

A abordagem do pos-punk já era diferente do punk: mais introspectiva,onírica, sensível e irônica, mas sem perder o humor-negro. As temáticaseram variadas, usando de todo repertório Pop como metáfora para comen-tar questões cotidianas. O Pos-Punk, como termo genérico, definia um

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leque grande de estilos, com base comum nos princípios do minimalismo,experimentalismo e outros comuns ao punk, o glam-rock, new-wave, NDW,Industrial, synth e o punk-glam, misturando ainda ritmos latinos, tribais eda black-music. Ou simplesmente tudo que soasse minimamente “novo”depois do punk.

Exemplos de Bandas consideradas tanto Góticas como Pos-Punk:Bauhaus, Alien Sex Fiend, The Damned, Sex Gang Children, Malaria, TheCure, X-Mal Deutschland, Siouxsie and The Banshees, Birthday Party, NickCave, Specimen, Joy Division, etc.

Obviamente muitos dos fans das bandas Góticas pos-punk não eramGóticos, da mesma forma que muitos Góticos gostavam (e gostam) de ban-das pos-punk que não são Góticas. O que explica porque bandas novas dorevival pos-punk que acontece no começo do século XXI são bem recebi-das pelo público Gótico.

Resumindo, podemos dizer que a partir de 1983 o termo Gothic se fixa,sendo aplicado também retroativamente.

08. INDUSTRIAL:

O Termo “Industrial” teria sido sugerido pelo músico e performer MonteCazazza: “música industrial para pessoas industriais”. A idéia era uma “não-música” que satirizasse o mundo Industrializado. Influenciados por expe-riências feitas na música erudita experimental ao longo do século XX, umdos resultados foi o Industrial que surgiu em meados dos anos 70, princi-palmente ligado ao selo Industrial Records.

No final dos anos 70, na Inglaterra, os mesmos conceitos eram desen-volvidos pelos pioneiros do Throbbing Gristle, do Cabaret Voltaire e doClock DVA.

Industrial constituía em buscar fazer algo “musical” sem melodia oumesmo sem instrumentos, usando de objetos cotidianos e/ou industrializa-dos. As sonoridades podiam ser tanto extremamente delicadas quantototalmente perturbadoras e agressivas.

Em 1980, surge um dos Ícones do Industrial, a banda alemã EinsturzendeNeubauten. Com o tempo, algumas bandas vão mesclando o estilo com

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outros, e surge o Industrial-Rock, como o caso da banda Nine Inch Nails, masinicialmente ainda guarda ligação com o estilo original.

Logo cedo bandas de Industrial incorporaram os novos experimentalis-mos eletrônicos, sendo que é comum encontrarmos grupos que transitamnas misturas Industrial/EBM/ Synth-Pop/ Electro. O Industrial tem origensbastante próximas ao EBM, e às vezes os estilos se confundem.

Bandas importantes: Das Ich, Skinny Puppy, Front Line Assembly, TheYoung Gods, etc.

Mais recentemente, ao longo dos anos 90, se popularizou um outroestilo chamado “Industrial”, com muitos elementos de Metal, mas que nãotem mais quase nada da experimentação do Industrial original. Tais ban-das são chamadas de Industrial-Metal.

Mas ainda podemos encontrar bandas que fazem hoje um somIndustrial mais tradicional.

09. E.B.M. (Eletronic Body Music):

EBM é outro dos estilos surgidos do experimentalismo eletrônico dosanos 70, guardando sempre grande intercâmbio com o Industrial e geran-do sub-gêneros. O maior Ícone é a banda FRONT 242. Outras são NitzerEbb, Klinik, Neon Judgement, Skynny Puppy, Front Line Assembly, LeatherStrip, Wumpscut, Hocico, etc.

Como pode ser visto no ítem sobre Industrial, não é fácil estabeleceruma fronteira clara entre os estilos. Também ao longo dos anos 80 e 90 a“EBM” incorporou experências com vários outros estilos, incluindo elemen-tos electro, breakbeat, synth e até mesmo trance e techno, gerando desdesonoridades altamente experimentais quanto, por outro lado, estilos quefazem a felicidade de clubbers pelo mundo todo.

Da mistura de EBM, Synth-pop e elementos de Trance (ou outros esti-los bastante eletrônicos, dançantes e pops) surgiu no final dos anos 90 ochamado “Future Pop”.

10. DARKWAVE:

Este é um dos rótulos mais controversos. Existem pelo menos três sig-nificados mais difundidos para DarkWave:

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a) DarkWave foi o rótulo utilizado para bandas principalmente alemãsdo começo da decada de 90, mesmo que depois algumas delas tenhamenveredado por estilos que hoje recebem outras classificações. Ex: ProjectPitchfork e Das Ich. O termo acaba sendo usado hoje para grupos que tra-fegam do synth-pop ao EBM/Industrial, mas abusando de temáticas, climase vocais que os aproximam do Gótico e da Coldwave. EX: Deine Lakaien,Diary of Dreams, Wolfsheim, Diorama, Clan of Xymox (depois de 2.000,principalmente), etc.

b) No Começo dos anos 90 a gravadora norte-americana Projekt come-çou a usar o termo DarkWave para definir seu catálogo. Como esse catálo-go incluía muitas bandas similares a Cocteau Twins, Dead Can Dance esonoridades Ethereal, estes estilos passaram a ser chamados também deDarkwave. Por extensão, passou-se a chamar de DarkWave retroativamen-te a bandas dos anos 80 que tinham estilo semelhante a Coldwave e quena verdade influenciaram a DarkWave dos anos 90. Ex: bandas francesascomo Opera Multi Steel, Collection D’arnel Andrea e as duas bandasInglesas já citadas. Bandas que começaram fazendo uma New-Wave maisalternativa ou “obscura” passaram a ser incluidas neste rótulo. Muitas ban-das do estilo Ethereal também acabam sendo colocadas nesta classificação:

Ex: Black Tape for a Blue Girl, Love Spirals Downward, Lycia, Bel Am.etc, Reclassificadas retroativamente: Cocteau Twins, Dead Can Dance,Opera Multi Steel, etc.

c) Se bandas como Cocteau Twins e This Mortal Coil foram lançadaspelo mesmo selo que Bauhaus (4ad), também acabou se usando o termoDarkwave para todo o Gótico que não fosse muito “Rock”. Algo como uma“New-Wave mais obscura”. Assim, em alguns casos, Darkwave é usadaquase como sinônimo de Gothic. Além disso, bandas como The Cure (prin-cipalmente de 81 a 83) e Cocteau Twins, só para dar dois exemplos, namesma época trabalhavam com sonoridades muito próximas (Coldwave ou“góticas” na opinião de alguns).

Esses 3 sentidos às vezes se complementam, às vezes se confundem…

Às vezes, também, em vários países, o termo “Darkwaver” é usado pelaspessoas como auto-definição para se classificarem como “verdadeirosGóticos” em oposição aos “góticos comerciais da MTV”, dos fãs de MarylinManson, Nu-Metal ou dos Gothic-Metallers…

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11. GOTHIC

“GOTH”, Gothic, ou Gótico não é exatamente um estilo musical, masuma abordagem e conjunto de características que podem ser aplicados avários estilos musicais “wave” ou “pos-punk”. Assim podemos ter bandasGóticas fazendo Eletro-Goth, Synth-Goth, Gothic-Rock, Pos-Punk-Goth,“Gothic” Darkwave (apesar desta ser quase uma redundância….), EtherealGothic, etc.

Também nem toda música “gótica” é rock. O Rock’n’Roll é apenas umdos inúmeros gêneros musicais usados como veículo do estilo e subcultu-ra Gótica.

O Goth/Gothic se tornou muito mais que um gênero musical: uma sub-cultura e um estilo de vida que acabam caracterizando até outros gênerosmusicais (desde que estes não sejam estéticamente – musical e liricamente- incoerentes com o que significa Gótico no nosso contexto). EX: Electro-Goth, Darkwave, Deathrock (apesar deste existir também como cena emseparado), Ethereal, Ethno, Gothic-Industrial, Pos-Punk, etc

Alguns exemplos de bandas Góticas de vários estilos musicais:Switchblade Symphony, Clan of Xymox, Bauhaus, Faith and The Muse,Siouxsie and The Banshees, Nosferatu, London After Midnight, Opera MultiSteel, The Ghost of Lemora, Cruxshadows, Blutengel, Paralysed Age, DivaDestruction, Ikon, Corpus Delicti, Sisters of Mercy, Poesie Noire, etc..

Apesar de usos anteriores entre 1967 e 74, os primeiros usos “oficiais”do adjetivo “Gothic” foram no final da década de 70 para bandas comoBauhaus, Joy Division e Siouxsie and The Banshees, que eram tambem cha-madas nessa época de pos-punk.

O Gótico continuou seu desenvolvimento ao longo dos anos 90 e noseculo 21, desenvolvendo cenas em todas as latidudes e longitudes.

12. NEW ROMANTIC:

Tudo começou no Blitz Club…

No começo dos anos 1980 o estilo New-Romantic foi uma tendêncialigada a New-Wave baseado inicialmente no clube londrino Blitz (desde1979) e muitos outros. O estilo New-Romantic que conviveu e influencioumuitas bandas chamadas Góticas ou Death-Rock, sendo que características

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do New-Romantic foram incorporadas à estética Gótica, ou, vendo deoutro ponto de vista, se desenvolveram juntas.

Musicalmente, a principal diferença entre o New Romantic e o Glam-Rock(cuja influência é óbvia) é que enquanto o Glam-Rock tinha uma sonorida-de mais orientada para a guitarra e o rock, o New Romantic era mais orien-tado para bases electropop, sintetizadores e para as pistas de dança.

O New-Romantic se caracterizava por uma espécie de ultra-individua-lismo dândi, expressado por roupas super “chiques” (mas geralmentemodernizadas), maquiagens ultra radicais e por uma música hedonista edançante. Os ícones eram David Bowie e Duran Duran. Lembram do visuale do som destes dois no começo dos 80’s ?

Outras bandas importantes: Classic Noveaux, Visage, Depeche Mode(principalmente no começo), Soft Cell, Gary Numan, Culture Club, Adamand The Ants, Spandau Ballet, Japan, Ultravox. etc

13. DEATH-ROCK:

O termo “Death-Rock” surge nos Estados Unidos aproximadamente em1981 com a banda Christian Death. Depois, quando o termo Goth se firmana Inglaterra, “Death-Rock” passa a ser usado também lá para as bandas“pos-punk/Góticas” mais “punk-góticas”. Enfim, os Góticos tendem a con-siderar a maioria delas Góticas também, apesar de muitos deathrockersrejeitarem a associação.

O Death-Rock pode ser visto tanto como uma cena à parte ou comouma parte do Gótico. Historicamente, seria o lado do Gótico mais ligadoao Punk-Rock, mais escrachado, irônico, decadente, circense e ligado a umclima de cabaré dadaísta. Não que estas referências não estejam no Góticoem geral, mas no Death-Rock elas são muitas vezes exageradas e levadasao extremo. Mas sem perder um certo tom existencial ou nihilista.

Ex: Alien Sex Fiend, Sex Gang Children, Cristian Death, Cinema Strange,The Last Days of Jesus, Bloody Dead and Sexy, Tragic Black, etc.

Dentro do Death-Rock existem várias subdivisões e variantes. Algumasse aproximam mais do Gótico, se tornando difícil distinguí-los enquantooutras se afastam do Gótico, chegando até a um punk-hardcore de temá-tica de Horror.

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Considerada como cena à parte, o Death-Rock pode incluir tendênciasque não são aceitas na cena Gótica, da mesma forma que várias tendên-cias Góticas são paradoxalmente repudiadas por deathrockers como “não-góticas”. Realmente é um casamento complicado…

Aqui abordamos apenas o Death-Rock do ponto de vista da cenaGótica.

14. ETHEREAL e ETHNO:

Nas subdivisões da Darkwave, temos o Ethereal, conhecido por suasmelodias lentas e delicadas e seu clima onírico. Pode ter base eletrônica ouacústica, confundindo-se com o Ethno, se explorar ritmos ou melodiasEthnicas, ou seja, rítmos e instrumentos músicas tradicionais de outras cul-turas (não-européias).

Exemplos: Cocteau Twins, Dead Can Dance, Lycia, Theodor Bastard, BelAm, Bel Canto, Collection D’Arnell Andrea, Love Spirals Downward, Love isColder Than Death, This Ascension, Black Tape for a Blue Girl, etc.

É importante lembrar que Ethereal e Ethno não são simplesmente músi-ca folclórica, nem apenas “música clássica ou suave” e também não sãosinônimos. Apesar de ser comum encontrarmos elementos de Ethno noestilo Ethereal e vice-versa, existem inúmeros trabalhos que são puramen-te Ethno ou Ethereal. Existem ainda trabalhos que misturam qualquer umdestes dois estilos com outros estilos diferentes, como por exemplo, Synth-Pop, Electro, New-Wave e etc.

Muitas bandas deste estilo são classificadas também, em outros contex-tos ou outras cenas, como Medieval, World Music, New Age, Shoegaze ouDark-Ambient.

Como já explicamos no ítem Darkwave, o selo Projekt popularizou otermo Darkwave como relacionado ao Ethereal. Assim, podemos encontraràs vezes o termo “ethereal-darkwave” como forma de explicar a qual sen-tido de Darkwave estamos nos referindo.

15. SYNTH-POP:

A principal influência do Synth-Pop foi a música dos krautrockers ale-mães do Kraftwerk (desde a década de 70).

Exemplos de Synth-Pop dos anos 80: Soft Cell, Gary Numan, Pet ShopBoys, New Order, Information Society, Depeche Mode.

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No final dos anos 60 surgiram as primeiras músicas feitas com sinteti-zadores. As experiências em música eletrônica, que estavam apenas namúsica erudita, começam a aparecer na música Pop. Por isso muitos dosprimeiros a produzir música “sintética” (“synth”) eram indivíduos com for-mação erudita.

O experimentalismo eletrônico se espalha e se mistura com o Jazz e oRock, como no caso do KrautRock (ver item 1).

O uso de elementos eletrônicos minimalistas também foi elemento deconstituição da Cold Wave (parte mais “robótica” do pos-punk), da NewWave e praticamente todos os estilos eletrônicos posteriores, como EBM,Darkwave, DarkEletro, Eletro-Goth, Futurepop e outros.

16. TRIP-HOP:

A data "oficial" de batismo do Trip-Hop é 1995, quando jornalistasprecisavam de um novo termo para nomear toda uma corrente de músicaeletrônica/pop experimental, especialmente da cena local das cidades deBristol e Portishead na Inglaterra.

1994 é o ano do emblemático album "Dummy" da banda Portishead,que traz todos os elementos básicos do estilo de forma bastante clara. Masmesmo sem nome, o estilo está entre nós desde a virada para os anos 90.Por que o nome "Trip-Hop"?

A parte "-Hop" vem de "Hip-Hop", pois a maioria das rítmos experimen-tais deste gênero vinha de alterações ou quebras de bases hip-hop (claro quehá outras influências). A parte "Trip-" vem do termo "viajar" (" trip ", eminglês) devido a forte influência de sons "viajantes" do Jazz experimental,Jazz-swing e Darkwave (às vezes, Ethereal). Outra influência é a de trilhassonoras de filmes, especialmente os de base jazzística antigos.

Bandas Góticas e Darkwave foram influenciadas pelo gênero. Ex:Switchblade Symphony, Ego Likeness, Bel Canto, Qntal, O Quam Tristis, etc.

17. “80’s”:

O Gótico começou e teve um “boom” nos anos 80, mas nem tudo oque foi feito nos anos 80 é Gótico. O rótulo “80’s” não deve ser usadocomo sinônimo de “Gótico 80’s” ou “Gótico Old-School” simplesmente porque o termo “80’s” se refere a toda música pop ou alternativa produzida

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nos anos 80. Pode incluir bandas Góticas ou não. Por exemplo, é possívelfazer uma festa “80’s” sem tocar nenhuma banda Gótica. Algumas festasGóticas, por outro lado, costumam incluir “80’s” nas suas programaçõesdevido a similaridade de estilo e sonoridade com o Gótico 80’s.

14 � AS GERAÇÕES DE BANDASGÓTICAS E DARKWAVE

Estas listagens não buscam ser nem perfeitas nem completas, mas ape-nas dar um panorama geral da riqueza do cenário musical Gótico/Darkwavee, principalmente, de sua renovação nas décadas de 1990 e no século XXI.Optamos por destacar estas fases pois já existe muita informação disponí-vel sobre o Gótico dos anos 80. Quanto às vertentes EBM/Industrial, quesão bem aceitas na cena Gótica/Darkwave desde os anos 80 até hoje, opta-mos por não nos aprofundar nelas neste texto (salvo alguns nomes isola-dos que são citados). A divisão cronológica é intuitiva e o autor não seincomodaria em mudá-la nem se envolverá em um duelo de espadas até amorte para defender a estrutura de uma mera representação didática.

• 1968-1977- as influências: glam, proto-punk, krautrock

• 1978-1983- pos-punk, synth, industrial, coldwave, batcave…

• 1983-1990- a consolidação

• 1991-1999- darkwave e a renovação:

• 2000-2008 (…?)- a nova geração e as bandas brasileiras recentes

2000-2008 (…?) - A NOVA GERAÇÃO eas bandas brasileiras recentes

É difícil apontar os destaques de uma década em curso. Mas, além dasbandas dos anos 90 que continuam em grande forma e ativas, já podemosapontar algumas surgidas desde 99 e que se destacam: The Ghost OfLemora, Scary Bitches, Blutengel, Diva Destruction, Katscan, Helium Vola,L’Ame Imortelle, Diorama, ASP, Unto Ashes, Darvoset, O Quam Tristis, TheVanishing, Frank The Baptist, Black Ice, Tragic Black, All Gone Dead, AndersManga, Ego Likeness, Carfax Abbey, The Last Days of Jesus, Zombie Girl,

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As Gerações de bandas Góticas e Darkwave

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Faun, Unheilig, Android Lust, Tristesse de la Lune, Audra, Voltaire, TheBirthday Massacre, Bloody Dead and Sexy, The Chants of Maldoror, JoyDisaster, Hatesex, Scarlet Remains, Autumn’s Grey Solace, Cinema Strange,New Days Delay, Cauda Pavonis, Irfan e tantas outras...

Também muitas bandas que começaram na fase anterior (ver abaixo1991-1998) continuam em atividade e se renovando. Algumas bandas sur-gidas nos anos 80 também tem surpreendido com o som renovado, comosão os exemplos do Clan of Xymox e Mephisto Walz, entre outras.

Enquanto isso, no Brasil, temos presenciado um florescimento de novasbandas com trabalho próprio no cenário Goth/Darkwave dos anos 00’s:Plastique Noir, A Banda Invisível, The Downward Path, Scarlet Leaves, Bellsof Soul, Almas Mortas, Escarlatina Obsessiva, Discotronike, Pecadores,Zigurate, In Auroram, Dead Roses Garden, Days are Nights, Ismália,Anorexic Juliet, Orquídeas Francesas, Deadjump, Knutz, Zigurate, Mundoda Mente, Jardin do Silêncio, Pianuts, Lumen, etc . Além de bandas dosanos 90 que continuam em atividade e se aprimorando como Elegia e Tearsof Blood.

Ou bandas que lançaram material, atuaram neste período ou não estãomais em atividade como Back Long Arch, Der Kalte Stern, Das ProjektKrummen Mauern, Vesúvia, Mercyland, Strangeways, etc.

1991-1999- DARKWAVE E A RENOVAÇÃO

Neste período as cenas da Alemanha e dos EUA se fortificam. AAlemanha passa a sediar o maior evento Gótico mundial, o Wave GotikTreffen, e estrutura uma micro-mídia subcultural especializada, o que vaiacontecer depois também em outros países. O som eletrônico se refina coma Darkwave alemã. Nos EUA, o selo Projekt vai dar um sentido um poucodiferente ao termo Darkwave, mas o importante é que em ambos os lados doAtlântico, temos uma proliferação de bandas que fazem a felicidade deGóticos de todo o mundo, renovando e atualizando as sonoridades Gothic eDarkwave: Calva Y Nada, In Mitra Medusa Inri, Ikon, Rosetta Stone,Nosferatu, Inkubus Sukkubus, Libitina, Manuskript, Das Ich, ProjectPitchfork, Bel Canto, Diary of Dreams, Hocico, The House of Usher, SoporAeternus, Love Is Colder Than Death, Paralysed Age, The Merry Thoughts,Still Patient, Melotron, De/Vision, In Strict Confidence, Corpus Delicti, The

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Last Dance, Rhea’s Obsessions, Switchblade Symphony, London AfterMidnight, Sunshine Blind, Ex-Voto, Trance to The Sun, Lycia, TheCruxshadows, Collide, Faith and The Muse, Shadow Project, Bella Morte,Qntal, Malaise, Miranda Sex Garden, Abney Park, Beborn Beton, AbsurdMinds, Fear Cult, Sanguis et Cinis, Love Spirals Downward, Children on Stun,Suspiria, La Floa Maldita, Frozen Autumn, The Eternal Afflict, Killing Ophelia,Rasputina, Love Like Blood, Faith and Disease, Girls Under Glass, etc.

Bandas que começaram no final dos anos 80, como Cranes e Wolsheimse destacam nesta década, sendo que esta última permanece um ícone atéo presente, arrastando multidões a seus shows. Theatre of Tragedy causapolêmica ao introduzir elementos operísticos ou metal em suas composi-ções, em doses toleráveis aos ouvidos goth/darkwavers, um equilíbrio mui-tas vezes alcançado pela também polêmica banda Lacrimosa.

1983-1990- A CONSOLIDAÇÃO

O nome Gótico vinha sendo aplicado a um segmento de bandas do pos-punk há anos, mas podemos dizer que ele se fixa como um nome definiti-vo do meio para o final de 1983. Neste período a sonoridade pos-punk sedilui em outras influências como um rock mais acessível e sonoridadesinfluenciadas pelo synth, coldwave e EBM. A Inglaterra foi o berço doGótico na fase anterior, mas nesta fase já temos bandas de destaque tam-bém na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e EUA.

Mesmo que alguns tenham surgido um pouco antes, fazem seus primei-ros lançamentos nesta época: The Sisters of Mercy, The Fields of TheNephillin, All About Eve, Clan of Xymox, Dead Can Dance, The Jesus andMary Chain, In The Nursery, This Mortal Coil, Love And Rockets, Black TapeFor A Blue Girl, Nick Cave and The Bad Seeds, Ministry, Deine Lakaien,Calling Dead Roses, Marquee Moon, Invisible Limits, Trisomie 21, PoesieNoire, Collection D’Arnell Andrea, Opera Multi Steel, Kas Product,MephistoWalz, Eva O., Two Witches, Gitane Demone, This Ascension, TheCreatures, Front Line Assembly, Delerium, Skinny Puppy, The Wake, RedLorry Yellow Lorry, etc. Nesta época bandas que surgiram na fase anteriorjá tinham vários álbuns e faziam sucesso.

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1978-1983- POS-PUNK, SYNTH, INDUSTRIAL,COLDWAVE E BATCAVE…

O nome desta fase poderia ser “tudo ao mesmo tempo agora”. Todoexperimentalismo produzido desde o final da década de 1960 em váriasáreas da música pop e underground parece convergir para um momento decriação de “novos estilos”. As bandas: Bauhaus, Specimen, Joy Division, TheCure, Siouxsie and The Banshees, Cocteau Twins, Sex Gang Children, KirlianCamera, Alien Sex Fiend, Attrition, U.K.Decay, X-Mal Deutschland, TheDamned, Einsturzende Neubauten, Malaria, Mecano, Die Form, ChristianDeath, Tuxedomoon, Southern Death Cult, Birthday Party, Grauzone, KasProduct, Gary Numan, Anne Clarck, Virgin Prunes, Danse Society, PlayDead, New Order, etc

1968-1977- AS INFLUÊNCIAS: glam, proto-punk, krautrock

Em 1976/77 a banda Nova-Iorquina Suicide já fazia o que hoje chama-ríamos de Electro-Punk, Pére Ubu já usava suas batidas tribais no seu “art-rock” e os alemães do Kraftwerk já tinham vários álbuns revolucionários nocurrículo. A geração Glam-Rock (1970-1975) influenciou diretamente asbandas Góticas mas, na segunda metade dos anos 70, ícones do Glamcomo David Bowie e Brian Eno absorveram influência do experimentalismoalemão do Krautrock (1968-1979 aprox. proto-industrial, serialismo, músi-ca cósmica, etc).

Glam Rock: David Bowie, T-Rex, Gary Glitter, Roxy Music, Brian Eno,New York Dolls, etc.

Krautrock e Proto-Industrial: Cabatet Voltaire, Kraftwerk, TangerineDream, Can, Neue, Throbbing Gristle, Monte Cazaaza.

Outras influências importantes do final dos anos 60: The Doors, VelvetUnderground (provavelmente, ao lado de T-Rex, as duas que foram alvo demais covers por bandas Góticas) e The Stooges. Bandas da cena punk NovaIorquina (1975-1977) são também importantes para entender o que foi feitoa seguir: Patty Smith, Richard Hell and The Voidoids, Talking Heads, Blondie,etc. E Lou Reed e Iggy Pop em carreira solo. Sem esquecer o nosso queridoThe Cramps. Algumas referências de “crooners” e “cantores de cabaré” sãoimportantes, senão pelo estilo de vocal, pela temática das letras: LeonardCohen, Jacques Brel, Edith Piaf e Johnny Cash, the man in black.

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15 � LIVROS E AUTORES QUE OS GÓTICOS AMAMNão existe uma Literatura "DA" subcultura Gótica. Mas existe um certo

conjunto de obras e autores que -no conjunto ou em parte - tem sido cita-do, adotado e amado sistematicamente por Góticos de todo o mundodesde que se começou a falar em Gótico nos anos 1980 até hoje. Não acre-ditamos que esta permanência de padrão seja mera coincidência e sim umflexível, mas bem articulado, “discurso de gosto” grupal, homólogo aosdemais elementos da subcultura Gótica.

Existe uma lista evidente de correntes literárias de cuja estética e con-ceitos a subcultura Gótica tem sistematicamente se reapropriado, feitoreleituras ou citações. Às vezes isso é feito como forma de embasar suavisão de mundo, por analogia ou homologia estética. Ou mesmo como ins-piração direta.

Ou, colocado de outra forma, obras em que os góticos encontramexpressos elementos estéticos e conceitos que espelham o seu "ser gótico"e os valores e conceitos estéticos que consideram "da subcultura Gótica".

Várias correntes costumam ser citadas ou sofrerem reapropriação pelosGóticos. Romantismo, Romance Gótico, Simbolismo, Esteticismo,Decadentismo, Expressionismo, Literatura Fantástica, Roman Noir,Literatura Beat, etc...

Vários autores costumam ser associados ou sofrer reapropriação pelosGóticos do mundo todo desde o final dos anos 1970 e começo dos 1980até hoje. A seguir, apresentamos uma lista que não pretende ser completaou perfeita, mas apenas uma amostra que permita um entendimento do"clima" geral das obras literárias mais citadas e apreciadas entre as pessoasassociadas a subcultura Gótica.

• Edgar Allan Poe- contos e poemas

• Charles Baudelaire- As Flores do Mal

• Mary Shelley- Frankenstein

• Bram Stoker- Drácula

• Lord Byron- obra poética

• Alvares de Azevedo- obra poética

• Augusto dos Anjos- obra poética

• Cruz e Sousa- obra poética

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• Oscar Wilde- O Retrato de Dorian Gray e outros contos e poemas

• Lautreamont (Isidore Ducasse)- Os Cantos de Maldoror

• Kafka- Metamorfose

• Camus- O Estrangeiro

• John Keats- obra poética

• Sheridan Le Fanu- Carmilla (ou “o Vampiro de Karstein”)

• H.G.Wells- O Homen Invisível

• Arthur Rimbaud- obra poética

• Horace Walpole- O Castelo de Otranto

• Christopher Marlowe- Dr. Faustus

• Goethe- Faust e Werther (ou As tristezas do jovem Werther)

• R.L.Stevenson- O Médico e o Monstro (The Strange case ofDr.Jekyll and Mr.Hyde)

• Anne Radcliffe- Os Mistérios de Udolpho, O Italiano e outros romances

• Anne Rice- Entrevista com o Vampiro, O Vampiro Lestat e sequências

• H.P.Lovecraft- contos e histórias

• Lewis Carrol- Alice no País das Maravilhas e Alice no País dos Espelhos

• Marion Z.Bradley- série As Brumas de Avalon

• Dante Alighieri –A Divina Comédia

• John Milton- Paraíso Perdido

• William Blake- obra poética

• Dostoyevsky- Notas do Submundo e contos

• T.S.Elliot- obra poética

• Emily Dickinson- obra poética

• Florbela Espanca- obra poética

• Machado de Assis- Memórias Póstumas de Brás Cubas

• Erico Veríssimo- Incidente em Antares

• George Orwell- 1984

As obras listadas acima são classificadas em diversas escolas literárias.

Observação Importante:

Existe uma corrente literária chamada “Romance Gótico”, todavia, ape-sar de parte das obras das quais os Góticos costumam se reapropriar fazerparte desta corrente, estas não são as únicas. Tampouco podemos reduziros conceitos desenvolvidos pela subcultura Gótica desde a década de 1980

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a um sinônimo do “Literary Gothicism”. Mas apesar de ser apenas umaparte e não o todo, sua importância é grande na formação do imaginárioGótico, tanto no senso comum como na subcultura Gótica.

16 � CURIOSIDADE: ORIGEM DOSNOMES DE ALGUMAS BANDAS

Por curiosidade e passatempo, comentamos aqui a origem do nomede algumas bandas conhecidas e apreciadas pelos Góticos, apenas comoforma de dar alguns exemplos do tipo de referências e citações comunsem nosso meio.

SIOUXSIE AND THE BANSHEES:

Banshees- do filme- “Cry of the Banshee”- 1970, inspirado em conto deEdgar Alan Poe. Na Inglaterra Elizabetana, um Lord maldoso (representadopor Vincet Price) massacra quase todos os membros de um coven de bru-xas. Siouxsie: diminutivo de Sioux, tipo de índio norte-americano.Banshees são um tipo de espíritos “gritadores" do folclore irlandês, queanunciam a chegada da morte.

A banda também tem uma música inspirada em outro conto de Poe:Premature Burial.

THIS MORTAL COIL:

Expressão do monólogo de Hamlet de Shakespeare - significa “estepedúnculo mortal", referência ao nosso corpo físico e sua mortalidade.

BAUHAUS:

Movimento artístico modernista fundado em 1919 na Alemanha, comoum desenvolvimento do expressionismo. Por isso o nome da banda origi-nalmente era “Bauhaus 1919”.

LOVE IS COLDER THAN DEATH:

(German: Liebe ist kälter als der Tod/ o amor é mais frio que a morte)– filme do Cineasta Rainer Werner Fassbinder, 1969.

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Foi também nome de um álbum e música da banda belga Poesie Noire,em 1989.

LONDON AFTER MIDNIGHT:

Baseado no filme perdido de terror vampírico com este mesmo nome,“London After Midnight” de 1927, com o carismático ator Lon Chaney edirgido pelo emblemático (pelo bem e pelo mal…) diretor Tod Browning,responsável também pelos filmes Drácula (1931) e Marca do Vampiro(1935) com Bela Lugosi, entre outros clássicos do cinema de Horrror B.

THE SISTERS OF MERCY:

Considerando que os álbuns de coletâneas da banda levam o nome deum verso da música “Teachers” do primeiro álbum (1967) músico canaden-se Leonard Cohen (‘Some Girls wander by Mistake…into the Mess ThoseScalpels Make”) é bem provável que o nome da banda se refira também aoutra música do mesmo álbum de Cohen chamada exatamente “The Sistersof Mercy”, que faz exatamente a analogia entre as religiosas “Irmãs daMisericórdia” e aquelas outras “misericordiosas” damas da noite que sãoigualmente o último recurso das almas e corpos no fim da linha… O estilode letras de Leonard Cohen sombrio e irônico provavelmente também éuma influência. O The Sisters of Mercy também fez alguns covers de Cohenque podem ser encontrados em gravações ao vivo.

DEAD CAN DANCE

Referência a danças rituais de tribos da Oceania (a vocalista éAustraliana) em que os dançarinos envergam mascaras que representam osmortos. O primeiro álbum da banda traz uma destas mascaras ritualísticasreproduzidas na capa.

SKELETAL FAMILY:

Referência à música “chant of the evercicling dance of the skeletalfamily" do álbum “Diamond Dogs" (1974) de David Bowie. O mesmo álbumcita o cineasta Tod Browning entre outras referências de horror eHalloween em suas outras letras.

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CAVARET VOLTAIRE:

Inspirado no cabaré suíço fundado em 1916, no qual surge o movimen-to artístico modernista Dadaísmo. Coerente com a orientação artísticamusical original dessa banda, baseada na desconstrução musical.

COCTEAU TWINS:

Provavelmente referência transversal ao francês Jean Cocteau, cineasta,escritor, poeta, etc. Jean Cocteau é autor do classico Les Enfants Terribles,a história de dois irmãos e uma irmã—curiosamente de nome Elizabethcomo a vocalista da banda. Autor também de “Sangue de Poeta", “Orfeu"e a “Bela e a Fera". Jean Cocteau realizava filmes com um clima noir oní-rico e surrealista.

SEX GANG CHILDREN:

Nome retirado de um romance do escritor beat William Burroughs.

THE GHOST OF LEMORA:

Referência ao filme de horror e suspense da década de 1970 chamado“Lemora – A Child’s Tale of The Supernatural”.

DALI'S CAR:

Referência ao “carro” ovóide inventado pelo artista surrealista Salvador Dali.

TRISTESSE DE LA LUNE:Nome de um poema de Baudelaire

THE HOUSE OF USHER:Citação do conto de Edgar Allan Poe, “A queda da casa de Usher”.

THE CHANTS OF MALDOROR:Referente ao poema de Lautreamont “The Chants of Maldoror”

MEPHISTO WALZ:“As Valsas de Mephisto” são quatro valsas do compositor clássico Franz

List (1811-1876) inspiradas na lenda de Fausto. “Mephisto Waltz” é tam-bém um filme de suspense e horror (1971) sobre um pianista moribundoque negocia com satã.

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17 � CINEMA: FILMES REFERÊNCIAOU INFLUENCIADOS

ASAS DO DESEJO (1987, De Himmel Ubber Berlim/ Les Ailes du Desir, de Win Wenders)

A curiosidade de sentir a vida, significado da mortalidade e de poderescolher o errado ou o certo atormenta os anjos-da-guarda que sobrevoama Berlim dividida do pós-guerra. Mas os anjos podem escolher deixar de serperfeitos e eternos e conhecer o que é ser humano... se ousarem.Curiosidade: durante o filme, o anjo “caído" vai procurar a trapezista decirco que o encantara exatamente em clube noturno em que está aconte-cendo um show de Nick Cave and The Bad Seeds, que apresenta a música“From Her to Eternity" completa. A trilha sonora do filme é marcada porexpoentes do pos-punk e no-wave Europeus e Norte Americanos. WinWenders ainda realizou uma “continuação" deste filme, chamada “TãoLonge Tão Perto" (So Far So Close) que é igualmente imperdível.

BLADE RUNNER, O Caçador de Andróides (1982, Blade Runner, de Ridley Scott)

Quanto tempo viveremos e se vale a pena arriscar viver até lá é a res-posta que os andróides Replicantes deste filme buscam. Estes andróidestêm um “prazo de vida" estipulado, mas só o seu “criador" sabe. Duranteo filme o detetive que caça os Replicantes tem que se perguntar se suaslembranças são suas mesmo e o que realmente caracteriza um ser huma-no... O cenário do filme é extremamente bem cuidado com a criação de umfuturo ao mesmo tempo obscuro, decadente e barroco. A maquiagem daReplicante representada por Daryl Hannah é famosa entre Góticos até hoje.Existem duas versões do filme: uma lançada na época, com narração ealgumas cenas diferentes, e uma versão lançada posteriormente pelo dire-tor, sem narração e com cenas extras.

THE HUNGER (1983, The Hunger, de Tony Scott, com Bauhaus, David Bowiee Catherine Deneuve)

Bastaria a cena de abertura em que vemos intercaladas cenas de umaapresentação da banda Bauhaus (tocando o seu "hino Gótico" Bela Lugosi

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is Dead) com algumas das melhores cenas de Vampirismo já filmadas, paraeste filme se tornar um clássico da cena Gótica. Mas, além disso, os vampi-ros desta história são representados por David Bowie e Catherine Deneuve, esão vampiros que apresentam alguns questionamentos existenciais sobre avida eterna e a morte. Também pela primeira vez no cinema vemos o símbo-lo Ankh ser diretamente associado com Vampiros e Egiptologia, ao som deuma banda Gótica apresentando uma música que é uma piada sobre outroator que representou um vampiro décadas antes: Bela Lugosi.

CABARET(1972, Cabaret, de Bob Fosse, com Liza Minelli)

"Divine Decadence, darling!"...é a frase que marca a protagonista. A atrizLiza Minelli compõe um figurino inesquecível no papel de uma cantora decabaré (Sally Bowles) que sonha em ser uma estrela e é apaixonada por umrapaz bissexual. Mas logo o destino começa a lhes pregar peças…

Baseado na obra do escritor Christopher Isherwood (nos musicais deri-vados deste) e sua descrição sobre a ebulição cultural da "Cabaret Culture"durante a República de Weimar (período democrático mas conturbado porcrises econômicas no entre guerras 1919- 1938) na Alemanha obscurecidapela ameaça representada pela ascensão do Nazismo.

Segundo o escritor Patrice Bollon, o visual deste filme musical teriainfluenciado o Bromley Contingent (do qual emergiu, entre outros, SiouxsieSioux). Coincidindo com o imaginario "glam-decadent" da época Glam dosanos 70, a estética e temática do filme teria virado moda em certos círculoslondrinos e influenciado o grupo Bromley Contingent, ligados à loja de rou-pas Sex de Malcoln Maclarem e da estilista Vivienne Westwood, que na épocaorganizaram e vestiram os Sex Pistols. Do Bromley Contingent emergiramvárias estrelas do Pos-Punk e Goth. O fato de um dos integrantes deste grupoter adotado o codinome "Berlim" e os demais, como os futuros integrantesdo Siouxsie and The Banshees adotarem na época (1976-77) uma estéticatipicamente de cabaret e vaudeville, atestam a influência direta.

THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW(1975, dirigido por Jim Sharman)

Difícil dizer se este é o ultimo fime Glam ou o primeiro filme Gótico.Ou o elo perdido? 1975 é ao mesmo tempo o auge e o fim do Glam-Rock.

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É preciso lembrar disto, e este filme se tornou um cult de varias geraçõespor misturar horror-B, musical glam, humor camp. Um musical comédia-horror de visual alucinante. O carro de um casal de noivos quebra no meiodo nada e eles vão pedir ajuda exatamente em um castelo próximo, habi-tado pelos alienígenas do planeta Transexual e que naquela noite vão tra-zer à vida um “Frankenstein” muito diferente. Imperdível!

O GABINETE DO DR. CALIGARI (1919, Das Kabinett des Doktor Caligari dirigido por Robert Wiene)

Se um filme precisa ser visto para entender o que é "cinema expressio-nista" este é o mais indicado e completo. Tanto na caracterização e atua-ção dos personagens como no design dos cenários temos a estética expres-sionista usada na sua plenitude. Conrad Veidt representa um sonâmbuloque vive em uma caixa, apresentado pelo Dr.Caligari como alguém capazde dizer o futuro do público nos raros momentos em que acorda. Masestranhos assassinatos começam a ocorrer, há suspeitas sobre um asilo deloucos, ou será que...

EDWARD MÃOS DE TESOURA(1990, Edward Scissorhands. Dirigido por Tim Burton)

Com Johhny Deep no papel principal, Wynona Ryder e Vincent Price nopapel do cientista criador de Edward. Edward é um tipo de Frankensteinromântico e sensível que vive escondido em uma torre abandonada desdeque seu criador morreu antes de “completá-lo”: faltavam as mãos, o quefez com que Edward tivesse que usar tesouras para fazer mãos, com a qualrealiza belas obras de arte mas…que podem causar muitos problemas se elefor levado a conviver na “civilização”. O visual do protagonista é fortemen-te inspirado nas bandas Góticas dos anos 80, algo que o diretor Tim Burtonnão esconde também em outros de seus filmes e em seus próprios visuais.

NOSFERATU (1922, Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, dirigidopor F.W.Murnau, com Max Schreck ).

Esta é a primeira versão da história do conde Drácula no cinema. Comoo escritor Bram Stoker não autorizou o uso do nome “Dracula”, o diretorF.W.Murnau usou “Nosferatu”. Um dos mais clássicos filmes de vampiro,devido à atuação e aparência única de Max Schreck como o vampiro e

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conde Graf Orlock, e pela direção de F.W.Murnau que cria um clássico doexpressionismo alemão. A historia é a clássica do Vampiro que se mudapara uma cidade e começa a aterrorizá-la…

O ESTRANHO MUNDO DE JACK(1993, The Nightmare Before Christmas, de Tim Burton)

Jack Skelington, protagonista desta animação, se tornou um ícone paraos Góticos bem humorados de todo o mundo. Ele é o lider da cidade deHalloween, que vive para isso o ano inteiro. Jack, porém, começa a se ente-diar e vai buscar outras aventuras, como tentar organizar o natal em seuestilo no mundo inteiro. Claro que as coisas não dão muito certo… A ani-mação é realizada com uma qualidade poucas vezes vista com bonecospelo método stop-motion. O estilo expressionista e sombrio de Tim Burtonnos cenários e personagens também pode ser visto em outras animaçõesdo diretor, como “A Noiva Cadáver” (Corpse Bride, 2005). Destaque para opar romântico que Jack faz com a zombina-boneca Sally, imortalizada nacanção “Sally Song”, de Danny Elfman, que a banda Gótica London AfterMidnight regravou em 1998. Elfman, que geralmente faz as trilhas sonorasde Burton, colaborou também com os Siouxsie and The Banshees na músi-ca “Face to Face”, em 1992, trilha do filme “Batman Returns”.).

ENTREVISTA COM O VAMPIRO(1994, Interview with the Vampire, dirigido por Neil Jordan)

Baseado no livro “Interview with the Vampire” de Anne Rice publicadoem 1976, o filme traz os dramas existenciais do vampiro Louis (Brad Pitt)em choque com cinismo do vampiro Lestat (Tom Cruise), além dos clássi-cos vampiros Armand (Antonio Banderas) na direção do “Theatre desVampires” e a doce Claudia, a menina vampira.O destaque do filme é omesmo do livro: trazer vampiros que não são apenas caricaturas de terror,mas indivíduos que se debatem com questões morais e existenciais.

BEETLEJUICE (OS FANTASMAS SE DIVERTEM)(1988, dirigido por Tim Burton)

Com o típico humor-negro Burtoniano, o filme fez tanto sucesso quedeu origem ao popular desenho animado de mesmo nome. Um casal morree se torna fantasma em sua casa de campo, mas começam a ter trabalhopara espantar os novos moradores. Para isso pedem ajuda para outro fan-

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tasma, o zumbificado Beetlejuice (Michael Keaton), que popularizou maisainda os ternos e camisas listrados em preto e branco (e outros) na cenagótica, assim como o grito “BeetleJuice” (“Besouro-suco” ou suco debesouro, em português). A única alegria dos fantasmas acaba sendo a filhagótica do casal de novos moradores, Lydia, interpretada por Winona Ryderem interpretação e visuais góticos imperdíveis. Figurinos, cenários emaquiagem merecem destaque. Depois, na série de desenhos animados,Lydia e Beetlejuice se tornam os personagens principais.

METRÓPOLIS(1927, dirigido por Fritz Lang)

Considerado por muitos o primeiro filme de ficção científica. O filmetem um roteiro e efeitos especiais inovadores para a época: em um futurodistante na época (2026) a industrialização e a tecnologia se desenvolve-ram tanto que os seres humanos passaram a ser vítimas deste processo,sendo a sociedade dividida entre trabalhadores explorados e tecnocratasque vivem no “paraíso”. Um clássico de Fritz Lang, considerado referênciado expressionismo alemão tardio.

DRÁCULA(1931, dirigido por Tod Browning, com Bela Lugosi)

Imperdível por vários motivos, tanto pela atuação do ator Bela Lugosi,considerado um canastrão para muitos, mas que se estabeleceu como sinô-nimo de vampiro no cinema por muito tempo como por ter sido dirigidopelo “melhor pior cineasta da historia”, Tod Browning. A história é a quetodos conhecemos … Destaque para os rudimentares efeitos de luz nosolhos de Drácula para aumentar a aparência sobrenatural.

NOSFERATU(1979, Nosferatu, Phanton der Nacht, de Werner Herzog)

Com Klaus Kinski e Isabelle Adjani nos papéis principais, Bruno Ganz nopapel de Jonathan Harker, seguindo a obra de Bran Stoker. Klaus Kinskiconsegue compor um vampiro que compete em estranheza com oNosferatu de Max Schreck(1922). A intenção do diretor Wener Herzog eraexatamente retomar o cinema alemão do ponto em que ele havia sidointerrrompido, refilmando um clássico do expressionismo alemão. Comuma sombria trilha sonora da banda krautrock alemã Popol Vuh.

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A NOIVA CADÁVER(2005, The Corpse Bride, de Tim Burton)

Comédia romântica filmada com o estilo animação stop-motion, contaa história de uma noiva morta que busca um noivo…vivo ou morto. Comdeliciosas cenas musicais no reino dos mortos, o filme explora com bomhumor todos os clichês do horror gótico.

O ANJO AZUL(Der Blaue Engel, 1930, de Josef von Sternberg, com Marlene Dietrich)

Marlene Dietrich interpreta Lola, o protótipo da femme-fatale: a estre-la de um cabaré nômade que visita as cidades por algum tempo e logoparte. Em uma destas cidades enfeitiça um proeminente burguês e profes-sor (interpretado pelo excelente Emil Jannings), levando-o a degradar-seprogressivamente.

BRAM’S STOCKER DRÁCULA (1992, dirigido por Francis Ford Coppola)

Versão moderna mas bastante fiel ao livro de Bram Stoker, bem dirigi-da e com um casting de estrelas: Gary Oldman (príncipe Drácula), KeanuReeves (Jonathan Harker), Anthony Hopkins (Van Helsing) e Winona Ryder(Mina) nos clássicos papéis principais e o músico Tom Waits no papel deRenfield. O filme começa com a suposta origem de Drácula como VladTepes no século XV e o surgimento da maldição do vampiro e segue o enre-do clássico. Imperdível.

O CORVO(The Crow, 1994, com Brandon Lee, dirigido por Alex Proyas)

Eric Draven (Brandon Lee) e sua noiva são brutalmente assassinados,mas, segundo uma lenda, quando um homem é morto tão injustamenteum corvo pode trazer sua alma de volta para buscar vingança. E é o queacontece com o protagonista, que passa a ter um corvo como guia ente omundo dos vivos e dos mortos enquanto realiza sua vendetta. O detalhe éque quando está quase morrendo o personagem consegue ver sua amada.Para aumentar a aura misteriosa do filme, o ator Brandon Lee morreudurante as filmagens ao ser atingido por uma bala verdadeira que estavapor engano em uma arma cenográfica. A trilha Sonora traz vários clássicos.

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A maquiagem de Eric Draven se tornou popular entre Góticos do mundotodo, mas tão popular que acabou se tornando repetitiva, por isso, às vezessofre certa rejeição. Além disso, é bem difícil de fazer…

A FAMÍLIA ADDAMS(The Addams Family, 1991, dirigido por Barry Sonnenfield)

A Família Adams criada pelo cartunista Charles Addams gerou várias sériese filmes. Esta versão de 1991 é baseada na série televisa tradicional em quepersonagens de terror constituem uma atrapalhada e mórbida família.Formada pelos patriarcas Gomez (Raul Julia) e Mortícia (Anjelica Huston, ins-pirada na Vampira de Maila Nurmi), seus filhos Pugsley, Wednesday (a “malé-fica menininha” Christina Ricci), Tio Fester, and Grandmama, o mordomoLurch de estilo Frankenstein e o seu ajudantede Thing (coisa), uma mão semcorpo… Existe uma continuação de 1993, “Addams Family Values”, com osmesmos atores. Procure conhecer também a antiga série de TV “AddamsFamily”.

PLAN 9 FROM OUTER SPACE(1959, dirigido Edward Davis Wood, Jr.)

Só assista este filme naquele humor de rir de algum filme antigo muitomal feito, com efeitos especiais ruins, atores totalmente canastrões e umroteiro absurdo. Neste tipo de ruindade, Plan 9 é o melhor. Além disso,conta com Bela Lugosi no seu último papel (de fato ele morre durante afilmagem), Maila Nurmi como qualquer coisa zumbi do espaço que parecea Vampira de sempre. No roteiro, Aliens do espaço exterior buscam imple-mentar um plano em que ressussitam mortos recentes…O que seria dodeathrock sem este filme?

O SÉTIMO SELO(1957, Det Sjunde Inseglet, de Ingmar Bergman)

Filme alegórico em preto e branco. Um cavaleiro medieval volta à suaaldeia, mas a encontra devastada pela peste. A Morte quer levá-lo também,mas o cavaleiro quer entender o sentido da vida e para ganhar tempo desa-fia a Morte para uma partida de Xadrez… e o jogo começa. Várias questõesexistenciais e religiosas são abordadas em cenas antológicas e até engraça-das pra quem tem uma boa dose de humor negro.

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18 � CRONOLOGIA DO USOSUBCULTURAL DO TERMO “GÓTICO”

Aqui falaremos apenas sobre o uso do termo “GOTH” (Gótico) aplicadoinicialmente a um estilo musical e depois à subcultura de mesmo nome,nos últimos 40 anos.

1967: em um artigo pouco conhecido, John Stickney define a bandaThe Doors como “Gothic Rock". Curiosamente a descrição das característi-cas “góticas" da banda nesse texto coincide com o que seria definido comoGótico dez a quinze anos depois.

Essa referência é citada no site Scathe e aceita como fonte nos livrosGoth Bible e Goth Chic. Não é possível confirmar se esta citação influen-ciou outras citações posteriores, mas algo facilmente observável é ainfluência da banda The Doors já sobre a primeira geracão de bandasGóticas, tanto nas letras, vocais, estilo, quanto nos covers. Citações nosanos 70 parecem comprovar que esta influência era um lugar comum (vercitação de Kent em 29/7/1978, alguns itens abaixo).

1972: Lançado o filme “Cabaret”, com Liza Minelli, baseado na obra“GoodBye Berlim” de Chistopher Isherwood, sobre os cabarets e a “divinadecadência” da Berlim dos anos 1930. Patrice Bollon em “A Moral DaMáscara” relata que este filme teria gerado uma moda em Londres queinfluenciou o Bromley Contingent, do qual emergiram várias pessoas quese tornaram referência no pos-punk e no Gótico. Os mais conhecidos sãoSiouxsie Sioux e Steven Severin, da banda Siouxsie and The Banshees.

1972-1974: "Diamond Dogs" - Em 1974 David Bowie em uma entre-vista a respeito do seu álbum “Diamond Dogs” teria comentado que esteera “gótico” no estilo. Podemos encontrar neste álbum elementos queforam adotados por punks e góticos. No figurino de sua tournée de 1972,encontramos o uso de meias arrastão como camisa e as maquiagens expres-sionistas dos performers do show.

“Diamond Dogs” é baseado nas distopias dos livros “1984” de GeorgeOrwell , na ficção científica “A Boy and His Dog” de Harlan Ellison e emThe Wild Boys de William Burroughs. Algumas canções, como “the everci-cling dance of the skeletal family” e outras, falam de uma “Metrópolis”

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decadente e imunda habitada por seres de Halloween (halloween jack, etc)e personagens de Tod Browning (em "Diamond Dogs"). Tod Browning foio cineasta que dirigiu Drácula, com Bela Lugosi (1931). A faixa "We are theDead" é auto-explicativa, além de "1984" e "Big Brother".

1975: É lançado o filme “The Rocky Horror Picture Show”, no qual o Glam-Rock encontra a “Família Addams” em um filme de terror B dos anos 50…

29/7/1978: Nick Kent na revista NME diz de Siouxsie: "Paralelos e com-parações podem ser agora traçadas com arquitetos do gothic rock como TheDoors e, certamente, Velvet Underground do começo”. Siouxsie and TheBanshees lançaram em 1978 seu álbum “The Scream”. (fonte: scathe).

1979: Martin Hannett, empresário do Joy Division, descreve o álbumCloser do Joy Division como “Música dançante, com tonalidades góticas”.

23/6/1979: Nick Kent chama o The Cramps de “American Gothick” emuma resenha da revista NME. The Cramps já tinha então alguns anos decarreira.

15/9/79: No programa “Something Else” da BBC TV, Tony Wilson (pro-dutor da banda) descreve o Joy Division como "Gótico comparado com opop comercial". Na mesma entrevista Bernard Albrecht, guitarrista dabanda, reforçou essa noção comparando a música da banda ao seu amorao clássico filme expressionista Nosferatu (1922), dizendo: “a atmosfera(era) realmente maligna, mas você se sente confortável nela”.

2/10/79: Penny Kiley escreve em uma resenha "'Gótico se tornou umadefinição algo supertrabalhada do gênero, mas o efeito do Joy Division éo mesmo (para pegar um exemplo óbvio) que dos Siouxsie and TheBanshees”.

1979: Bauhaus lança o single de “Bela Lugosi is Dead”. As artes dosálbuns e material gráfico da banda trazem imagens de filmes expressionis-tas e do Drácula de Bela Lugosi. A temática estava na moda…

Fev/81: Em entrevista com Steve Keaton da Sounds, Abbo do UK Decaydiz: “… nós estamos nesta coisa toda de Gótico”...

1981: Os comentários abaixo são tirados de "Siouxsie And The Banshees:The Authorised Biography", de Mark Paytress, e se referem especialmente aoálbum “Juju”, lançado em 1981.

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Steve Severin (da banda Siouxsie and The Banshees): “Nós realmentedescrevemos “Join Hands” (1979) como “gothic" na época do seu lança-mento, mas os jornalistas não se prenderam muito a isso. Com certeza,naquela época nós estávamos lendo muito Edgar Allan Poe e escritoressimilares. Uma música como “Premature Burial" daquele álbum é certa-mente Gótica no sentido apropriado”.

1982/começo de 83: O clube Batcave é aberto em Londres. Ian Astbury(Southern Death Cult, The Cult) usa o termo “goths" para descrever os fansdo Sex Gang Children, o que é divulgado pelo redator da NME, StephenDorrell.

“Goth” se torna finalmente aceito como um movimento de direito.

Andi (do Sex Gang Children) relata a respeito da época: “- chamarammeu apartamento de Visigoth Towers pelas minhas costas como piada. Doismúsicos que eu conhecia que viviam por perto - Ian Astbury and BillyDuffy (ambos dos primórdios Goth do Southern Death Cult) inventaram oapelido “Gothic Goblin” ou “Count Visigoth”. Acho que alguém mencionouisso para um jornalista chamado Dave Dorrell, que então começou a divul-gar o termo “Goth". Mas "Gothic" já vinha sendo usado por algum tempo(antes) para descrever vários estilos de música, especialmente Joy Division.Para mim, especialmente, o termo Gothic se refere a algo um pouco maiselaborado e clássico do que o Gótico comercial que temos visto."

Out/1983: O jornalista Tom Vague se refere a “Hordes of Goths" narevista Zig Zag, (cujo diretor era Mick Mercer). Nessa época tanto otermo Gótico como a Subcultura relacionada já estavam estabelecidos...Anos depois de ter sido usado pela primeira vez, o termo se torna acei-to e definido.

Aparentemente o termo positive punk foi uma tentativa de alguns jor-nalistas de mudar o nome daquela tendência, por alguns meses (feverei-ro/1983), mas o termo não pegou. Mick Mercer comentou: “As pessoasprecisam se lembrar que Richard (Richard North da NME que divulgou otermo Positive Punk) não estava falando de nada mais que uma certa ati-tude de uma poucas bandas no seu artigo sobre o Positive Punk (aprox.Fev/1983) e ele não tinha intenções extras de proclamar um movimento.Ele ficou tão surpreso quanto qualquer um quando o artigo foi para a capada revista…(..). Foram os subeditores, provavelmente em uma semana fraca,

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que inventaram tudo. Ele só estava interessado em procurar uma linha depensamento Punk mais imaginativa, não um movimento."

Em uma entrevista com Dave Thompson e Jo-Anne Green da revistaAlternative Press em Novembro de 1994, Ian Astbury, o ex-vocalista doSouthern Death Cult, declara que ele inventou o termo gótico:

“O termo “goth” era um pouco uma piada, insiste Ian Astbury. “Um dosgrupos que estava se destacando ao mesmo tempo que nós era o Sex GangChildren, e (o vocalista) Andi – costumava se vestir como um dos fans doSiouxsie and The Banshees, e eu costumava chamá-lo de “Gothic Goblin”porque ele é um cara pequeno e moreno. Ele gostava de Edith Piaf e essasmúsicas macabras, e ele vivia em um prédio em Brixton chamado “VisigothTowers”. Assim, ele era o “Gothic Goblin”, e seus seguidores eram os“Goths”. Daí que o Gótico veio.”

Todavia, devido aos outros usos anteriores ou similares fica difícil con-siderar este o primeiro uso.

1983: Marc Almond (Soft Cell) relata sobre 1983: “a moda daquele anoera o gótico-roupas pretas, batom preto, renda preta, cabelo preto - vocêpodia incluir qualquer coisa desde que fosse preta. Rostos pálidos, bijute-rias imitando ossos, qualquer coisa que lembrasse morte estava na ordemdo dia”. Com o crescimento da cena, a imprensa inglesa aceita o nome quese tornou popular: Goth.

Ainda em 1983 é lançado o filme “Fome de Viver” com o Bauhaustocando “Bela Lugosi is Dead” na abertura, em um clube noturno em queos vampiros representados por David Bowie e Catherine Deneuve vão parabuscar suas vítimas… Talvez pela primeira vez no cinema os vampiros sãorepresentados de forma mais “sensível”.

Em 1984 o gótico já estava “fora de moda” para a imprensa comercial,mas se tornara algo muito maior que uma moda passageira… até hoje.Felizmente, no mundo real, as coisas não desaparecem quando a imprensacomercial deixa de falar delas…

DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES

Aqui comentamos sobre o termo gótico na primeira geração do Gótico(1978-1983). Sobre os desenvolvimentos posteriores nos aprofundaremosem outra oportunidade. Mas a seguir algumas linhas gerais:

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Na Alemanha, desde o começo dos anos 90, floresceu uma cena“Darkwave-Goth” com uma imprensa própria especializada tanto na áreamusical como comportamental. Também existe na Alemanha desde 1992 omaior festival mundial de música Gótica que cresce a cada ano, o WaveGotik Treffen . Temos desenvolvimentos igualmente importantes em outrospaíses da Europa.

Também nos Estados Unidos, onde tanto o lado mais Deathrock quan-to o mais Darkwave e Ethereal, ou a mistura com Industrial, florescem atéhoje associados a subcultura Gótica.

Da mesma forma que a Europa, os EUA também possuem selos impor-tantes lançando artistas de qualidade desde o Gothic-Rock, DeathRock,Ethereal, Synth-Goth, Electro-Goth, Industrial, etc, que representam muitobem a tradição Gótica.

Tanto nos EUA como na Europa e até no Brasil novas bandas comnovas sonoridades continuam surgindo durante os anos 90 e até hoje.

Importante lembrar sempre que cada continente ou mesmo país usarótulos ligeiramente diferentes para as mesmas bandas, ou usa um mesmorótulo em sentido diferente. Comentamos mais essa questão no capítulo15- Glossário de Estilos Musicais.

19 � “ARQUEOLOGIA” DOS USOSDO TERMO “GÓTICO”.

Abaixo, vamos comentar um pouco as transformações de significadoque o termo “Gótico” foi sofrendo ao longo dos séculos, até chegar aoséculo XX e ser usado como jargão pelos… Góticos.

1- DO SÉCULO V AO XIV:

Os povos que invadiram as diversas fronteiras do Império Romano, for-çando o bloqueio econômico da Europa e a economia Feudal, tinhamvárias origens: vândalos, germanos, anglo-saxões, otomanos, ostrogodos,francos, visigodos, mongóis. Mas essas invasões haviam acontecido de seisaté dez séculos antes da construção das imensas catedrais verticais e lumi-nosas da baixa idade média.

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A cultura expressa na “ideologia” da arquitetura da baixa Idade Médiaera Escolástica, Católica e Teocêntrica, mas, estando na transição para oRenascimento, sua forma resultava também do emprego de técnicas resga-tadas da antiguidade clássica e do oriente, somados a valores da urbaniza-ção e da burguesia comercial com seu poder emergente.

Logo, não há ligação direta e causal entre as “culturas bárbaras oupagãs” e a arquitetura dessas catedrais católicas da baixa Idade Média que,mais tarde, seriam conhecidas como “Góticas”, pois naquela época estasnão eram chamadas de Góticas.

Quando foram construídas (séculos XII a XV) aquelas catedrais verticais,com amplos arcos ogivais, com grande quantidade de enormes janelasrecobertas de vitrais multi-coloridos era chamadas de “obra-francesa”, ou“arte francesa”, expressando a maestria técnica do renascimento urbano nofinal da Idade Média nas terras francesas.

Foi muito tempo depois que os detratores da Idade Média resolveramachar um "bode expiatório" para a Idade Média, e escolheram os Godos(que eram os Bárbaros mais conhecidos pelos italianos renascentistas). Noséculo XVI os Renascentistas também cunharam a expressão “idade das tre-vas”, outra idéia preconceituosa para designar a Idade Média.

Afinal, segundo os Renascentistas, o berço “greco-romano” da Europanão poderia ter produzido um período de 1000 anos de tamanho “obscu-rantismo cultural e mau-gosto”. Mas isso era parte da propaganda ideoló-gica deles e depois dos Iluministas para vender seu peixe anti-eclesiásticoe anti- teocentrista.

2- PRIMEIRA METÁFORA:

Assim, o adjetivo “Gótico” foi pela primeira vez aplicado a algo que nãotinha ligação com os Godos.

Aqueles novos pensadores e artistas rejeitavam a Idade Média, para,assim, desprezar a arquitetura e toda cultura medieval teocêntrica contra aqual se insurgiam em defesa da Razão da Ciência e do Humanismo. Apóso século XVI, o conceito de Idade Média como "idade das trevas" intelec-tual foi difundido em oposição ao conceito de "luzes" e "esclarecimento"do Renascimento e, depois, do Iluminismo. O Antropocentrismo vem subs-tituir o Teocentrismo e as doutrinas Escolástica Medieval e Católica.

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3- VOLTANDO À BAIXA IDADE MÉDIA…

Todavia este preconceito dos renascentistas era exagerado, pois essas“obras francesas” (depois chamadas de “Góticas”) só foram possíveis graças auma retomada do comércio, do desenvolvimento técnico e urbano e do estu-do da matemática clássica grega, como a do matemático Euclides, tendo sidoa geometria Euclidiana fundamental para o seu desenvolvimento.

Assim, a cultura Greco-romana não desapareceu totalmente durante aIdade Média. Paradoxalmente, séculos antes, ao dominar militarmente aGrécia, o Império Romano havia sido “derrotado” culturalmente pela cul-tura Helênica (Grega). Depois, essa cultura Greco-Romana-Cristã dominouexatamente aos que derrubaram o Império Romano.

Então, essas catedrais Góticas da baixa Idade Média, banhadas de luz ecor de suas imensas janelas, eram o ponto de encontro da sociedade quese reurbanizava. Nelas, os burgueses realizavam assembléias civis e tambémeram usadas como bibliotecas.

Podemos considerá-las um momento de tensão e passagem do homemda sociedade teocêntrica para a sociedade antropocêntrica, transição quese completa gradualmente até o século XVII, com o progressivo crescimen-to dos valores e conceitos racionais e iluministas.

4- SÉCULO XVIII: REAÇÕES AO SÉCULO DAS LUZES

Mas então como “Gótico” e as catedrais medievais chegaram a ter umsentido “romanticamente obscuro” como conhecemos hoje?

O século XVIII foi o chamado “século das luzes”, apogeu do pensamen-to Iluminista e Racionalista, e do “cogito ergo sum” de Descartes, quederam a tônica geral. Newton depois descreve as leis gerais da Física e oMecanicismo se estabelece. O tempo passa a ser dividido em unidadesiguais e vazias. A percepção de mundo como o conhecemos hoje é esboça-da neste período.

Tanto que na segunda metade do século XVIII temos a explosão da pri-meira Revolução Industrial e das Revoluções sociais que derrubariam os pri-meiros absolutismos: a Independência dos Estados Unidos e a RevoluçãoFrancesa. Obviamente o Racionalismo e o Cientificismo geraram reaçõescontra sua excessiva tentativa de “desmistificar”, mensurar e controlartotalmente a realidade.

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Como reação, já no final do século XVIII e início do XIX temos a origemdo romance Gótico, com sua temática fantástica e misteriosa. (ex: OCastelo de Otranto de Horace Walpole, e Frankenstein de Mary Shelley).

Da mesma forma que o Romantismo, também era uma reação contra oRacionalismo e o Iluminismo. Foi chamado de Gótico por recriar elementosda Idade Média de forma idealizada, logo ocorre a mesma associação queocorreu no Romantismo.

Na poesia Inglesa da passagem do século XVIII e começo do XIX temosvates, místicos e românticos: William Blake, Coleridge, Keats, Percy Shelley,Byron e etc...

5- SÉCULO XIX, QUANDO AS “LUZES” BRUXULEIAM…

No começo do século XIX, na França, a Revolução Francesa e o ImpérioNapoleônico “deram errado”, frustrando os projetos modernizadores e a“Razão”. Neste contexto surgiu a Moda Romântica, que buscava exatamen-te resgatar as raízes nacionais, os sentimentos, paixões e mistérios. Por issocriavam uma versão idealizada de seu passado, buscando as "glórias" damonarquia francesa, da época da Idade Média e do “Gótico”. Aqui o termo“Gótico” já é considerado um adjetivo comum para a Idade Média.

Uma boa comparação para entender esse processo foi o que se passoucom os românticos brasileiros. Livros como Iracema, O Guarani, Ubirajara,O Gaúcho... na falta de uma idade média e cavaleiros, foram idealizados osíndios e outros nativos, criando representações que não tinham muito a vercom a realidade destes. Da mesma forma a idealização Romântica de ele-mentos da Idade Média associada ao conceito de Gótico (aqui já relaciona-do às catedrais) tem mais a ver com as necessidades estéticas e ideológicasda época do Romantismo do que com os fatos históricos da Idade Média edos “Godos”.

Mas esta “ficção” e romantização de uma época imaginária e fantásti-ca foi o que embebeu a palavra “Gótico” de boa parte dos sentidos com osquais a recebemos. E a estes sentidos acrescentamos outros…

6- NEO-GÓTICO DO SÉCULO XIX: REVIVAL VITORIANO

Até o final do século XIX ainda temos um revival Neo-Gótico ou“Vitorian Gothic” também na Inglaterra Vitoriana, notoriamente na

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Arquitetura (Novas Casas do Parlamento, de 1837, o Big Ben e TowerBridge 1866-94). Mas por que esse nome "neo-gótico"? Era um estilo quese referia, no século XIX, a um suposto estilo Gótico original que nem era,na sua época, chamado de Gótico. Também a Rainha Vitória envergandoluto (vestimentas pretas) por décadas influenciou a moda da época (elaficou viúva muito cedo e não se casou novamente).

Assim, nova associação importante: os conceitos de “Vitoriano” e“Gótico” se contaminam e confundem em nosso imaginário e no repertó-rio cultural que recebemos.

Como Frankenstein antes, no final do século XIX o tipo de romance“Gótico” se torna mais psicológico do que de terror material (ex: Mr.Jeckyl& Dr. Hide, O Homem Invisível, Drácula, o Retrato de Dorian Gray, etc). Osrecursos da ciência e da razão são apresentados como fonte de horror eperigo, se usados sem critérios morais e/ou sem levar em conta o ladohumano. Ao mesmo tempo a nobreza já é mostrada como decadente, inú-til e ridícula.

A urbanização paralela à Industrialização do final do século XIX, pro-duz um novo tipo de cidade em que as relações humanas se esvaziam edeterioram. Este novo tipo de “inferno” foi explorado em obras literáriaspor autores simbolistas como Baudelaire e Rimbaud.

O século XIX viu o florescimento das ciências, da tecnologia e da filo-sofia positivista, o Iluminismo degenera em uma Religião de CientistasRacionalistas... até que tropeçam, novo século, em Freud e na PrimeiraGuerra mundial. Depois dela, o “horror” terá que tomar novas proporções…

7- SÉCULO XX: OS DÂNDIS ELÉTRICOS

Depois do Decadentismo “anti-social” e dândi 1 de Baudelaire e OscarWilde, depois de T.S Elliot e de Leopold Bloom (o não-Herói e não-anti-

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1 No século XIX “a triunfante supremacia da Grâ-Bretanha fez do nobre Inglês o padrão da cultura,ou melhor, da incultura aristocrática internacional, pois os interesses do dândi- bem barbeado,impassível e refulgente- deviam ser limitados a cavalos, cães, carruagens, pugilistas profissionais,caça, jogo, diversões de cavaleiros e sua própria pessoa. Tal extremismo heróico incendiou atémesmo os românticos, que também apreciavam o “dandismo” (Eric Hobsbawn- 1789-1848,A Era das Revolucões (1978)). Neste contexto podemos entender o significado do título do últimoálbum da banda ícone do Glam-Rock. T-Rex, pouco antes da morte de Marc Boland em 1977:“Dandy in The Underworld”. O conceito de “dandy” decadente, assim, foi recuperado peloGlam nos anos1970 e chegou até so Góticos e New-Romantics nos anos 1980.

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herói “homem-feminino”) de James Joyce, em meio a Cabaret Culture deBrecht e Weil, do teatro da crueldade de Artaud e do Manifesto Bauhausde 1919... luz, câmera... ação!

O Cinema Expressionista, no século XX, vai se inspirar nos romances"NeoGóticos" do século XIX que satirizavam a vida racional ao mesmotempo que usavam para isso figuras caricatas de uma aristocracia decaden-te, com condes ou lordes ridículos e "do mal" em seus castelos empobre-cidos ou metrópoles obscuras.

O Expressionismo buscava retratar a realidade com as proporções senti-das, não apenas reproduzir a realidade: nisto não haveria arte alguma. Em1919, o manifesto da escola Bauhaus busca estabelecer uma nova arte, naqual a criatividade seja devolvida ao trabalho, e a artisticidade, ao dia a dia.Os Surrealistas buscavam expressar os símbolos do Inconsciente livremente.

Os Cubistas pretendiam, por suas vez, mostrar uma imagem de váriospontos de vista e em vários tempos ao “mesmo tempo”, rompendo com asnoções de tempo-espaço criadas pela Ciência Newtoniana. Logo depois,Einstein atacaria a Ciência “por dentro” com a Teoria da Relatividade.Bergson também já havia feito sua desconstrução da Ilusão Mecanicista naFilosofia, voilá: século XX.

Freud, no começo do século XX, rompe definitivamente com o queainda restava de Racionalismo propondo que o ser humano possuía instân-cias não conscientes (conceito de Inconsciente) que determinavam suasações e comportamentos. Posteriormente a Literatura e a Filosofia existen-cialistas vão abordar os dramas existenciais mais extremos do ser humano,abandonado em meio ao vazio sem bóias de salvação racionais ou morais,como nos romances “A Náusea” de Sartre e “O Estrangeiro” de Camus.

Após o Situacionismo e o Existencialismo (1950 aprox.) e Pop-Art eNouvelle-Vague (1960 em diante), nos anos 1970 (Glam-Punk) e dos 1980até hoje, tudo que citamos vai direta ou indiretamente, sofrer uma novaapropriação e releitura. Por exemplo: a apropriação de Frankenstein ouDrácula pode tanto se dar através da releitura expressionista quanto poruma releitura do romance do século XIX, ou ainda através da releitura POP,ou tudo isso junto, adaptados à linguagem contemporânea e como símbo-los e metáforas de questões atuais.

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8- 1970’s: BOMBAS NUCLEARES, GLAM,PUNK, GOTHIC E NEW-ROMANTIC:

Nos anos 70, a “era de ouro econômica” e seu otimismo que perdura-vam desde o pós-guerra encontram seu fim. O novo mundo da Guerra seaproxima dos anos 80 ameaçado pela aniquilação nuclear a qualquermomento, ao mesmo tempo que a situação econômica mundial começa ase deteriorar. A terceira Guerra mundial parece eminente, e um revival daRepública de Weimar pré-segunda Guerra mundial e de seu expressionismoe “decadence” parece fazer todo o sentido. As perspectivas são sombrias,até mesmo… “góticas”.

Em 1970 já temos o Glam-Rock na Inglaterra e o Glam-Punk NovaIorquino que desembocam, na Inglaterra, no Punk 77 e no Gótico. O nomeGótico é aplicado a este movimento no sentido que o adjetivo "Gothic"havia adquirido na língua inglesa durante todo este processo que descre-vemos. No sentido de algo ligado ao “lado não racional” e não-positivista,imaginativo e que ousa mergulhar nas “trevas” da psique e da terrível “con-dição humana” mas também no “maravilhoso e misterioso”.

Em 1972 o filme "Cabaret" (baseado na obra de Christopher Isherwoodsobre o período da Alemanha anterior a Segunda Guerra Mundial) com LizaMinelli, acaba criando uma moda "retrô-glamour-niilista-cabaret" emLondres, que vai desembocar no Punk e no Gótico. Ao mesmo tempo(1969-1975) está rolando o Glam e o Punk USA e o que vai ser chamadode New Wave já engatinha. Tudo isso vai influenciar a cena proto-Góticaque surgirá a seguir.

O New-Romantic dos anos 1980 não tem a ver “diretamente” com oRomantismo dos movimentos literários e revivals anteriores, mas ele vaiinfluenciar muito o Gótico em formação. Era um movimento que visava acriatividade e a busca da individualidade, com um grande enfoque no usoglamoroso das roupas e cabelos e claro, na dança. Os maiores ícones eramDavid Bowie e Duran Duran, sem esquecer Visage, Ultravox, ClassixNoveaux, Depeche Mode e outros.

Isso tudo se dá no contexto da Guerra Fria e da continuidade da revo-lução Sexual, na qual os papéis sociais dos gêneros, fixos há séculos, sãorompidos, questionados… e satirizados.

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9- POP 1980’s: UM MOMENTO CATALIZADOR

Em 1978 o Punk já dera lugar à New Wave, e parte da New Wave vestepreto, na roupa e na alma.

Em 1982/1983, temos uma catálise de elementos: no filme Hunger(Fome de Viver) David Bowie e Caterine Deneuve representam vampiros quecaçam suas presas extamente em um clube "gótico/new-wave” no qual estáacontecendo um show do ...Bauhaus com Peter Murphy cantado “BelaLugosi is Dead”. Não por acaso a vampira Deneuve é uma "antiga" do Egitoe ambos usam Ankhs (!) com pontas afiadas no pescoço para cortar a jugu-lar de suas vítimas.

Aí temos o resgate de vários símbolos de várias épocas atualizados erecontextulizados. O nome usado acaba sendo Gótico, mas a palavra éusada no sentido adjetivo e metafórico. Quando a subcultura define seuspadrões, aproximadamente entre 1983/84, o termo que predomina acabasendo Goth/Gothic. (mais detalhes no capítulo 20- Cronologia do uso sub-cultural do termo Gótico).

10- NO SÉCULO XXI: “PLANET EARTH IS BLUE...”

Há pelo menos dois tipos de Modas: aquelas que encontram um eco emuma fase histórica, expressando um significado cultural e psicológicoimportante, e aquelas outras que são apenas um sucedâneo das primeiras.As do segundo tipo passam em pouco tempo.

Com quase 30 anos de estrada, o Gótico já provou ser uma “Moda” doprimeiro tipo, e mais: se configurou como uma subcultura em constanteatualização de seus elementos. Também sua música se tornou um gêneroem constante atualização, não podendo ser reduzida “a fase pos-punk”. Aocontrário de várias outras “modas” (do segundo tipo) musicais que desapa-receram neste mesmo período.

Não há ligação causal entre as “culturas bárbaras ou pagãs” e a arqui-tetura das catedrais católicas na Europa da baixa Idade Média que maistarde seriam conhecidas como “Góticas”, mas que na época que foramconstruídas eram chamadas de “obra francesa”. Assim, não temos nenhu-ma ligação com os "Godos".

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Mas nos identificamos com a reapropriação idealizada que oRomantismo fez da "Arte Gótica" das catedrais do final da Idade Média.Nos anos 1980 nos reapropriamos desta reapropriação… e acrescentamosmais temperos. Logo nossa ligação é apenas com as recriações feitas peloRomantismo e não com o Catolicismo.

As reapropriações de elementos do Romantismo e Romance Fantásticodo século XIX que o Gótico do século XX faz, também são releituras media-das pelo contexto histórico do século XX e traduzidas pelas releituras emovimentos artísticos que aconteceram entre um e outro.

Temos releituras: os livros e temas (Drácula, Frankenstein, Mr.Hide, etc...)já tinham sofrido releituras pelo cinema expressionista na década de 1930.Portanto a releitura que foi feita no final dos 1970’s e 1980’s já é uma relei-tura que inclui várias outras releituras. Além disso, isso está acontecendo nocontexto do Modernismo, da pós-Pop-Art e do Situacionismo, etc.

Ora, uma releitura é a reapropriação e resignificação de um significa-do/símbolo para um novo contexto. (Mais informações sobre processos dereapropriação de símbolos no Capítulo 5- A Homologia Subcultural, suaFlexibilidade e Evolução)

É a Sociedade Industrial, com suas filosofias, ideologias e, principalmen-te, resultados na realidade, que dá esse contexto. Nele, a subcultura Góticavai encontrar significados em comum com uma série de movimentos artísit-cos e de pensamento desde o começo do século XIX. Isso não quer dizer queela descenda diretamente deles ou de algum deles especificamente.

Nos anos 1990’s, após a queda do Muro de Berlim, aconteceu uma ten-tativa “Fukuiâmica” de instalar um “neo-otimismo-mundial” made in USA,como no pós-guerra dos anos 1950. Aparentemente, não deu muito certo, eum novo “mal-estar” se espalha pelo nosso “blue planet”. Ou “Black Planet”?

A história continua. E todas essas referências estão hoje sofrendo relei-turas pelo Gótico atual do século XXI, um século que começa tão ameaça-dor e conturbado como o final dos anos 1970. Talvez apenas o Apocalipsenão seja nuclear e com exércitos em luta, mas ecológico ou financeiro ecom ataques terroristas…

De qualquer forma, um tom expressionista ou a fuga para um espaçoimaginário mais etérico e menos utilitário continuam atuais como nunca.

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Dândis elétricos e uma cyber-decadência neo-vitoriana. Frankenstein con-tinua sem lar pra voltar. Dorian Gray continua sem opção. Goth is Undead,again and again.

20 � DECADENCE AVEC ELEGANCE:BEAUTIFUL LOSERS

“Próximo de Bauhaus, provavelmente o artefato mais celebrado da repú-blica de Weimar1 foi um filme exibido em Berlim em fevereiro de 1920, OGabinete do Dr.Caligari 2. Willy Haas escreveu mais tarde: “Aí estava aAlemanha “gótica”, sinistra, demoníaca, cruel” 3. Com seu enredo de pesade-lo, sua tendência expressionista, sua atmosfera obscura, Caligari continua apersonificar o espírito de Weimar para a posteridade tanto quanto as cons-truções de Gropius 4, as abstrações de Kandinsky 5, os cartazes de Grosz 6 e aspernas de Marlene Dietrich 7.”

(Peter Gay, Os Anos do Expressionismo, em seu livro “A Cultura deWeimar”)

A primeira exposição de Toulouse Lautrec acontece no famoso cabaréMoulin Rouge 8, no boêmio bairro Parisiense de Montmartre que na viradado século XIX para o XX recebe os artistas e intelectuais “alternativos” daépoca. Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, o quartel general dosartistas, escritores, políticos, pensadores e Dadaístas-proto-Surrealistas 9 deAndré Breton é no Cabatet Voltaire em Zurique. Em 1924 Breton escreve oManifesto Surrealista.

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Parte III � Repertório e Referências da Subcultura Gótica

1 República de Weimar - O período que a historiografia classifica como a “cabaret culture”oficial: o entre guerras (1919-1938) na Alemanha, com todo a crise social e hiperinflação daRepública de Weimar.

2 “O Gabinete do Dr.Caligari” (Das Cabinet des Dr.Caligari, 1920). Dirigido por Robert Wiene,é o filme seminal e modelo do cinema expressionista Alemão.

3 Willy Haas - "Die Literature Welt"- citado pelo autor Peter Gay.4 Walter Gropius - artista que escreveu o Manifesto Bauhaus, em 1919.5 Kandinsky – pintor inicialmente Expressionista que em fase posterior desenvolveu um trabalho

abstrato. Lecionou na escola Bauhaus.6 George Grosz - pintor Expressionista alemão de caráter fortemente caricatural e politizado.7 Marlene Dietrich interpreta a cantora de cabaré “Lola” no emblemático filme “O Anjo Azul”

(Der Blaue Angel, 1930).8 “Toulouse Lautrec et le Paris de Cabarets”- Jacques Lassaigne, (1967) reedit:1976.

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Em 1928, W.H.Auden, um dos principais nomes da poesia de línguainglesa do século XX, se interessou por Berlim talvez menos pelo fato deser “um centro de ativismo político de esquerda e de experimentação musi-cal” e mais pela “tolerância com que a cidade na época costumava encarara sexualidade não-ortodoxa” 10. Além de desfrutar destas liberdades, Audentambém trabalhou com Christopher Isherwood.

Os cabarés não eram apenas centros de comércio sexual e de drogaslegais ou ilegais. Foram, desde o século XIX, também centros catalizadorese irradiadores de cultura avant-garde. Reuniam discussões vanguardistasnas artes, na filosofia e até na política.

Ao pronunciarmos a palavra “cabaré”, as imagens mais comuns são ascenas imortalizadas por Toulouse Lautrec em suas pinturas. E a Lola deMarlene Dietrich em “Anjo Azul” com seu realismo fantástico e atmosferanebulosa e barroca. Ou, na releitura de Liza Minelli em "Cabaret" baseadona obra de Christopher Isherwood relatando a liberdade e a criatividade daBerlim de Weimar enquanto o pesadelo Nazista já ameaçava desabar sobretodos. Lembramos também da boemia dos artistas e pensadores modernis-tas no Quartier Latin e outros bairros então pobres de Paris, a outra capi-tal cultural daqueles anos conturbados. E uma dose de absinto, claro.

Antigos cabarés, o teatro burlesco, os “scketches” populares do “Teatrode Vaudeville” com suas maquiagens exageradas e circenses, as canções,como os trabalhos de Kurt Weil e Bertold Brecht, e outros que falam deforma simples dos sentimentos das pessoas, com shows vistosos, dramáti-cos e populares. Também no começo do século XX, quando o Cinemanasce, sua estética vai beber destas fontes e de outras comuns aoExpressionismo.

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9 Dadaísmo: “Por volta de 1916, o poeta alemão Hugo Ball e a cantora Emmy Hennings, abriramem Zurique o Cabaret Voltaire, espaço semelhante aos bares e cafés que havia antes da PrimeiraGuerra em Munique, incluindo em seu programa, leitura de poemas, execução de performancesmusicais e exibições de pinturas, atraindo dezenas de artistas e pessoas ligadas à arte que esta-vam na Suíça para fugir dos horrores da guerra. Entre esses artistas estavam Tristan Tzara, HansHarp e Marcel Janko, que se envolveram na fundação do movimento Dadá.” Dirce Guarda - “Corpoe Obra, Reflexões sobre o Corpo Na Linguagem Performática”.Surrealismo: “A palavra surrealismo foi usada pela primeira vez pelo poeta Guillaume Apollinaireem 1912 na apresentação de um balé de Jean Cocteau e Erik Satie, intitulado Parade, referindo-sea uma arte que ultrapassava as aparências, desobrigada de fidelidade para com o real.”Florisvaldo Mattos em http://www.revista.agulha.nom.br/fmatos01.html

10 W.H.Auden- José Paulo Paes e João Moura JR., 1986.Chritopher Isherwood – “Goodbye to Berlim” 1939

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O musical “Cabaret” (1972) inspirado na obra de Chritopher Isherwoodresgata e glamoriza o tema, mas a corista vamp interpretada por LizaMinelli agora usa botas combinando com a meia arrastão, o corpete, acinta-liga e chapéu coco, uma Louise Brooks atualizada. Patrice Bollon 11

comenta que este musical e o filme geraram uma moda em Londres queinfluenciou um novo grupo: O Bromley Contingent, do qual emergiria,entre artistas do pos-punk, a diva Siouxsie Sioux. Siouxsie aparece comouma Liza Minelli pós-punk, atualizando o espírito decadentista dos caba-rés da Belle Èpoque, dos anos 20 e da Cabaret Culture alemã. De fato ascenas glam, punk e wave e pos-punk beberam sequiosamente de toda essatradição “vaudevillesca” e “decadentista”, sintetizando seus significados emestéticas para o fim-de-século e milênio.

Os anos 1980, com a iminente ameaça de apocalipse nuclear e a falên-cia dos sonhos americanos e de paz e amor, se pareceram muito com váriosoutros períodos anteriores desde a revolução industrial, principalmente aBerlim de Weimar pressentindo o horror que viria de 1939 a 1945, ouantes, a Belle Èpoque da Paris do Moulin Rouge que sucumbe ao horror daPrimeira Guerra Mundial.

Antes de Weimar, os artistas que pegaram em armas no primeiro con-flito mundial que se estendeu de 1914 a 1919 voltaram das trincheiras comuma noção ainda mais clara de que “havia algo de podre no reino daDinamarca”. Ou melhor, algo de extremamente errado na cultura européiarecente. O Positivismo e o Racionalismo não haviam entregado o “bem”que prometeram: pelo contrário, durante a Primeira Guerra Mundial entre-garam ainda mais horror, agora tecnológico e em escala industrial.

O cabaré foi o lugar daqueles que não tem o “poder” ou o “phallus” noapolíneo mundo da sociedade industrial e positivista. O lugar dos “belosperdedores” 12 e dos “comedores de lótus” 13. O lugar de coisas “improduti-vas” e “pouco práticas” não mensuráveis nos gráficos dos noticiários.

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Parte III � Repertório e Referências da Subcultura Gótica

11 Patrice Bollon - “A Moral da Mácara- Marveilleux, Zazous, Dandis, Punks, etc.” 1993(Morale du Masque, 1990)

12 "Beautiful Losers” é o título de um romance experimental de Leonard Cohen lançado em 1966que foi sucesso na época. “Decadence avec Elegance” é a versão afrancesada que o rockeiro brasileiro Lobão fez do versofamoso do Kraftwerk em “Europe Endless” (1977): “Promenades and avenues / Europe endless /Real life and postcard views / Europe endless / Elegance and decadence”

13 Comedores de Lótus - se refere aos “comedores de lótus” da ilha do Ciclope como relatado naobra “Odisséia” de Homero. A expressão é usada para se referir a pessoas que vivem para o dia,sem astúcias e sem ambições.

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Coisas que, aos poucos, fazem a sociedade aceitar padrões de compor-tamento, antes considerados malditos. O cabaré nesta época foi a casa erefúgio para os fugitivos de um mundo que se tornava cada vez menosfeito para seres humanos. Por alguns momentos de congraçamento nosesquecemos do mundo lá fora, e cantamos: “This is a Happy House, we’rehappy IN here.” 14

A face branca é a face do ator expressionista em seu personagem tra-gicômico, visceral e impuro, e não a face branca da pureza moral ou étni-ca. Infelizmente, faces deste segundo tipo enterraram a República deWeimar.

Mas enquanto isso o melhor que a corista pode fazer é mostrar suasglamorosas unhas verdes e exclamar - “Divina decadência!”. 15

21 � ANFÍBIOS CULTURAISEvidentemente os Góticos não vivem em uma ilha isolada no meio do

Mar Negro ou do Mar Morto. Também nos servimos do sistema comerciale de toda estrutura da sociedade oficial. “Todavia, o consumo seletivo defontes não-subculturais não é inconsistente com a conceituação da cenagótica como uma subcultura”. (Hodkinson, 2002)

A subcultura Gótica não está conspirando-sorrateira e pacientemente-pela destruição ou conversão da cultura dominante. Não existe um confli-to: existe a definição de um espaço de diferença. Um espaço que às vezesé físico, mas sempre é mental: mesmo mergulhado no dia a dia de seus afa-zeres na sociedade dominante, o gótico preserva sua visão de mundo dife-renciada.

As contraculturas dos anos 1960 foram movimentos que realizaramuma atualização da sociedade ocidental para uma nova moralidade ade-quada aos novos padrões de trabalho, comércio e produção da segundametade do século XX. Realizada esta função, se desestruturaram ou foramincorporadas no maistream, remanescendo apenas como grupos revivalis-tas. (ver Stuart Hall e Tony Jefferson, 1975).

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14 Estribilho da canção “Happy House” da banda Siouxsie and The Banshees15 Frase repetida pela personagem Sally Bowles, interpretada no filme Cabaret por Liza Minelli.

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De forma diferente, as subculturas atuais não visam alterações na socie-dade hegemônica. Simplesmente existem paralelas a esta, compartilhandoo espaço físico, mas em um espaço “separado” no aspecto cultural.

Assim, apesar da popularidade das teorias em contrário, podemos con-cluir que grupos sociais alternativos, significativos, substantivos e coeren-tes e com comprometimento dos indivíduos continuam a existir e a tervitalidade. Há mais de duas décadas a subcultura Gótica é um bom exem-plo disso.

“Através de uma redefinição do conceito de subcultura, baseada emindicadores de relativa diferenciação, identidade, comprometimento eautonomia, este livro procura prover meios para a conceitualização da cenagótica - e outros agrupamentos que escolhermos- caracterizados mais porsua substância do que pela sua fluidez. Fazendo isso, evitamos a super-generalização de superficialidade, ausência de significado e colapso deagrupamentos substantivos que, de maneiras diferentes, caracteriza tantoas teorias da cultura de massa quanto as pós-modernistas e, às vezes, atéas de coletividade fluida.” (Hodkinson, 2002)

22 � SOBRE O TÍTULO DESTE LIVRO“A happy house in a black planet”, ou em bom português: “uma casa

feliz em um planeta negro”. O título deste livro é uma brincadeira com onome de duas das mais famosas e- não sem razão- emblemáticas cançõesque embalam a cena Gótica desde os anos 80:“Happy House” e “BlackPlanet”. Unimos os dois nomes montando uma frase que acreditamos termuito a ver com o espírito geral da subcultura Gótica. Abaixo, nas tradu-ções das letras dessas duas canções, podemos ver o que mais estas cançõestêm em comum.

HAPPY HOUSE (Casa Feliz)Música da banda Siouxsie and The Banshees, 1980 Tradução:

Esta é a Casa FelizA gente é feliz aqui na Casa FelizAh, é o maior barato

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A gente vem pra brincar na Casa FelizE gastamos o dia inteiro na Casa FelizOnde nunca chove.

A gente vem pra gritar na Casa FelizEstamos num sonhoNa casa felizNós somos todos bem lúcidos

Esta é a Casa FelizA gente é feliz aquiTem lugar pra você se você disser“sim”mas não diga não, ou você vai ter que ir emboranós não fizemos nada de errado usando nossas viseiras na cara, é seguro e calmo se você canta junto.

Esta é a Casa FelizA gente é feliz aqui na Casa FelizPara esquecer de nós mesmos-fingir que está tudo bem-não existe inferno.

BLACK PLANET (Planeta Negro)Música da Banda The Sisters of Mercy, 1985Tradução:

(pelos céus do oeste)(meu reino vem)

Tão quieto, tão escuro por toda EuropaE eu sigo toda autoestrada 101 (1)Pela costa do oceano virada para o por-do-sol (2)Para que o Reino venha (3)SobreO NegroPlaneta NegroNegroMundo NegroDando voltas na radiação

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Dando voltas sob a chuva ácidaSobre umNegroPlaneta Negro

Planeta Negro suspenso sobre a autoestradaFora da minha imaginaçãoFora da memóriaMundo negro fora da minha mente

Ainda tão escuro por toda EuropaE o arco-íris aquiNos céus do oeste O golpe fatal a aparecerNo final do grande atracadouro brancoEu vejo um

NegroPlaneta NegroNegroMundo Negro

Dando voltas sob a radiaçãose ligue, sintonize, se consuma (4) sob a chuva ácida em um…Planeta Negro 123

Parte III � Repertório e Referências da Subcultura Gótica

(1) Highway 101- é uma autoestrada que percorre a costa oeste dos Estados Unidos, frente aoPacífico, passando pela Califórnia.

(2) oeste(3) “thy kingdom come” Ou “kingdom come” é uma citação direta ao “Pai nosso” (Lord’s Prayer) em

Inglês. Equivale em português à parte “venha a nós o vosso reino” dessa prece. Em Inglês, geral-mente usado em citações para significar a vida após a morte, o “outro mundo” (o além).

(4) no original, “Tune in turn on burn out in the acid rain”. A frase "Turn on, tune in, drop out" (algovagamente como “se ligue, sintonize, desencane”) cunhada pelo líder da contra-cultura TimothyLeary, nos anos 60, teve inúmeras interpretações. Nesta música, o autor Andrew Eldritch substituio “drop out”, por “burn out” (queime totalmente), mudando sensivelmente o sentido da frase ori-ginal.

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23 � Obras Citadas/BibliografiaBibliografia, Fontes e Leituras SugeridasSubcultura Gótica e GeralLivros específicos sobre a subcultura Gótica:• Le Milieu Gothique- Antoine Durafour- 2005

• The Goth Bible- Nancy Kilpatrick- 2004

• Goth Chic- Gavin Baddeley- 2002

• Goth: Identity, Style and Subculture- Paul Hodkinson- 2002

• Hex Files:the goth bible- Mick Mercer-1997

Livros que citam a questão subcultural em geral,mas não são específicos sobre a subcultura Gótica:• Subculture: The Meaning of Style- Dick Hebdige-1979

• Resistence Through Rituals, youth subcultures in post-war Britain-ed.Stuart Hall and Tony Jefferson-1975

• Post-Punk Diary 1980-1982- GeorgeGimarc-1997

• Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano- H.W.Abramo- 1994

• Mate-me Por Favor- Legs MacNeil e Gilliam McCain-1997

• Industrial Evolution-through the 80's with Cabaret Voltaire- Mick Fish- 2002

• Visões Perigosas: uma arque- genealogia do Cyber-Punk- AdrianaAmaral- 2006

• A Moral da Máscara-Patrice Bollon-1990

• The Gothic- David Punter and Glennis Byron- 2004

• Siouxsie and the Banshees: The Authorised Biography- Mark Paytress, 2003

Livros de cultura geral citados oucomentados indiretamente:• O Pensamento Selvagem- Claude Levi-Strauss-1962

• O Tempo das Tribos- Michel Maffesoli- 1987

• Sebastião Vila Nova- Introdução a Sociologia- 1985

• Magia e Técnica, Arte e Política- Walter Benjamin-obras escolhidas, vol 1. 1994

• A Cultura de Weimar- Peter Gay- 1968

• Expressionismo- Dietmar Elger- 1998

• W.H.Auden- José Paulo Paes e João Moura JR., 1986

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• Toulouse Lautrec et le Paris de Cabarets- JacquesLassaigne (1967) reedit: 1976

• Eric Hobsbawn- 1789-1848, A Era das Revolucões- 1978

• História Geral- Cláudio Vicentino- 2000

• Development and Character of Gothic Architecture- CharlesHerbert Moore- 2003

• Medieval Architecture (Oxford History of Art) -Nicola Coldstream- 2002

• O Choque do Futuro- Alvin Tofler- 1970

Sites e Revistas citados: • revista Elegy Ibérica, edicão portuguesa, #02, 2006- entrevista

com Clan Of Xymox

• site Scathe: An Early History of Goth:http://www.scathe.demon.co.uk/histgoth.htm

• revista Veredas- artigo “Estética da Modernização-da cisão àintegração negativa da arte”, Robert Kurz, 1998”

• Revista “NME”, Inglaterra, fevereiro 1983

• Revista “The Face”, Inglaterra, fevereiro 1983

• Jornal “La Presse”, Canadá, 15 de setembro de 2006

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SOBRE O AUTOR

H.A.Kipper nasceu no inverno de 1970, freqüenta a cena Gótica Paulistadesde 1990 e organiza eventos e páginas informativas na web sobre esta desde2004. Além de Gótico, amante de Darkwave e da subcultura Gótica, é, entreoutras coisas, Gaúcho, Gremista, Brasileiro, Pai, Filho e Marido, Ilustrador,Cartunista e Quadrinhista profissional, DJ amador, Democrata Xiita, Belletristabissexto e estudante de Ciências Sociais.

Sim, podemos ser muitas coisas, mas ser é como amar: “um longo trabalho,para os quais todos os outros são apenas preparação”…(depois de Rilke)

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H. A. KIPPER

A HAPPYHOUSE

IN A BLACKPLANET:

INTRODUÇÃOÀ SUBCULTURA

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