A Era Do Espírito - A História do Espiritismo 1857 - 2005

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A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO – 1857 - 2005 Por Alexa Pietro Visite http://www.scribd.com/Spirit%20Texts para mais textos espíritas em português e inglês

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A História do Espiritismo, de 1857 a 2005, com os principais fatos e personalidades. Inclui as bases filosóficas, como Allan Kardec codificou a doutrina, a fase pós-Allan Kardec, as duas Grandes Guerras, as principais personalidades da doutrina em todo o mundo, o Espiritismo no Brasil, a doutrina na mídia e muito mais.

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A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO – 1857 - 2005

Por Alexa Pietro

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A ERA DO ESPÍRITO – A HISTÓRIA DO ESPIRITISMO por Alexa Pietro

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INTRODUÇÃO Espiritismo é uma doutrina filosófica que chama a humanidade à busca por uma melhora moral profunda. O Espiritismo é também uma doutrina científica, que tirou o espírito e seus problemas da abstração, e os tornou acessíveis à investigação racional, e até mesmo à pesquisa experimental. Sendo uma ciência evolucionista, ele propõe aprimorar-se com as novas descobertas e corrigir-se, caso a ciência e a razão apontem um erro.

Além disso, o Espiritismo é uma religião, mas não no sentido comum da palavra, que compreende dogmas, hierarquias e rituais, pois ele não os tem. Porém, no sentido filosófico, a Doutrina Espírita é uma religião, por ser fundada na fraternidade e na comunhão de pensamentos, sendo a caridade em pensamentos, palavras e atos seu princípio fundamental.

Ela difere das demais doutrinas espiritualistas por afirmar: - a possibilidade de comunicação entre o mundo espiritual e o material; - a pluralidade das existências; - a pré-existência e imortalidade da alma; - a justiça natural: as penas e recompensas como conseqüência de ações praticadas; - o progresso infinito do espírito.

o ramo de parreira - o símbolo do Espiritismo

o peixe - o símbolo dos primeiros cristãos

Este texto aborda o desenvolvimento do Espiritismo desde sua elaboração há 150 anos por Allan Kardec até a atualidade, focalizando os principais acontecimentos e nomes em sua história.

Agradecemos o download e esperamos que as informações lhe sejam úteis. - Alexa Pietro Texto com base em: - PIRES, J. Herculano. O Problema Científico In Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. SP: Lake, 2006. 66ª ed. - KARDEC, Allan. Revista Espírita 1868. RJ: FEB, 2004. - FOELKER, Rita. Afinal, pode-se falar numa Ciência Espírita? In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº45. p. 22 - 26.

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1. A Pré-História do ESPIRITISMO R e s u l t a d o d e u m p r o c e s s o h i s t ó r i c o i n i c i a d o c o m a R e f o r m a P r o t e s t a n t e , o e s p i r i t i s m o f o i a d o u t r i n a e s p i r i t u a l i s t a q u e d i v u l g o u a s a b e d o r i a d o s E s p í r i t o s

O espiritismo é uma doutrina filosófica recente, porém seu objeto de estudo, as manifestações espíritas, fazem parte da história da humanidade. Afinal, os Espíritos nada mais são do que as almas daqueles que morreram, sendo a morte apenas uma transformação, um processo natural no qual a alma se separa do corpo.

O fenômeno da mesa-girante no século 19

Até o surgimento da doutrina espírita, os fatos espíritas eram interpretados de diversos modos, sendo tratados ou de maneira empírica, como se as coisa espirituais pudessem ser estudadas da mesma forma que as materiais, ou de maneira imaginosa, considerando-as coisas sobrenaturais.

O movimento espiritualista do século 19 está intimamente ligado às revoluções intelectuais dos Reformistas - John Wycliffe, Jan Hus, Martinho Lutero, Calvino - que combateram os abusos da Igreja, a partir do século 14, e do iluminismo, que através de filósofos como René Descartes, Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau, promoveu os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, principalmente a partir do século 18.

Isso se refere não apenas ao ambiente intelectual no qual o espiritualismo se desenvolveu, mas também à própria educação do codificador, Allan Kardec, que foi discípulo do pedagogo Heinrich Pestalozzi, que seguia os ideais iluministas e era um protestante liberal, em cuja escola estudantes de todas as doutrinas cristãs eram respeitados.

NEO-ESPIRITUALISMO

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Os antecedentes do Espiritismo remontam à publicação em 1840 do livro metafísico Terra e Céu, de Jean Reynaud. Em 1847, nos Estados Unidos, o médium Andrew Jackson Davis, jovem iletrado, publicou o livro Os Princípios da Natureza, onde discutia assuntos muito além de sua capacidade, iniciando seu trabalho de psicografia, sob influência dos Espíritos de Swedenborg e Galeno. Nesse mesmo ano, na França, o magnetizador Louis-Alphonse Cahagnet publicou Arcanos, uma compilação de comunicações de Espíritos recebidas através de sonâmbulos.

Em 1848, ocorreu o caso das manifestações físicas de Hydesville, EUA, que é considerado o marco zero do movimento neo-espiritualista. Desde então, as manifestações se tornaram cada vez mais ostensivas, se tornando até mesmo uma diversão social, e servindo de atração em espetáculos, aos quais o público ia como vamos ao cinema atualmente.

«O orgulho e a ambição serão sempre uma barreira entre o homem e Deus; são um véu lançado sobre as claridades celestes e Deus não pode servir-se do cego para fazer que compreendamos a luz.» - Espíritos (Prolegômenos - O Livro dos Espíritos)

Por volta de 1853, em todo o mundo ocidental, a sociedade se divertia com as "mesas-girantes", que se moviam, dançavam, levitavam e "conversavam" com os participantes através da comunicação por batidas (tiptologia).

Vários intelectuais se interessaram pelos fenômenos e passaram a estudá-los, como o poeta e dramaturgo Victor Hugo, que junto com a escritora Delphine de Girardin, se comunicavam com Espíritos através da mesa, e o pedagogo Hippolyte Rivail, estudante de Magnetismo, que como Allan Kardec, coordenou os ensinos dos Espíritos, instituindo a doutrina chamada espiritismo.

OS TEMPOS SÃO CHEGADOS Para finalizarmos esta parte, aqui vai uma pergunta que muitos costumam fazer: Por que o espiritismo só surgiu no século 19, já que os fenômenos sempre existiram? Há diversos fatores que o explicam.

Para que o princípio espiritual fosse abordado pelo homem de uma forma científica, ele tinha que primeiro compreender o princípio material.

Todas as ciências nascem umas das outras, à medida que encontram pontos de apoio nos conhecimentos anteriores e sem essa evolução, o homem não estaria preparado para conduzir a investigação das leis gerais do espírito.

Além disso, o desenvolvimento das ciências materiais é mais rápido que o da ciência espírita, por elas serem estudadas sem necessidade de um comprometimento moral do pesquisador, uma vez que seu objeto é exterior e estranho ao homem; e também, porque o conhecimento

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espiritual produz uma profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos e crenças, que exercem grande influência sobre as relações sociais.

Como disse o filósofo J. Herculano Pires: "A última ciência é a que nos libertará da matéria". Neste artigo, veremos como a doutrina se desenvolveu a partir dos estudos do Codificador, como ela se propagou pelo mundo, sua atualidade e seu futuro.

FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. II. RJ: FEB, 1980. 1ª ed. - KARDEC, Allan. Revista Espírita 1863. RJ: FEB, 2004. - MARTINEZ, André. Victor Hugo e o Espiritismo In Jornal Espírita. SP: FEESP, 2006. nº 370, p. 10 - PIRES, J. Herculano. Seqüência das Ciências In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2005. nº 20. Pgs 20-21.

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2. A Doutrina dos ESPÍRITOS I n t r i g a d o p e l o s m i s t e r i o s o s m o v i m e n t o s d a s " m e s a s -g i r a n t e s " , A l l a n K a r d e c d e c i d e e s t u d á - l o s , d e s c o b r i n d o o s E s p í r i t o s , e c o m a a j u d a d e l e s , d e s e n v o l v e n d o o e s p i r i t i s m o .

Há 150 anos, o Ocidente era sacudido por fenômenos insólitos de origem desconhecida, que causavam debates violentos entre cientistas, clérigos e intelectuais. Em 1853, o principal teólogo do período, padre Ventura de Raulica, chegou a comentar que as "mesas-girantes" eram "o maior acontecimento do século".

Em meio a essa agitação, estava Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, um dos principais pedagogos franceses, bacharel em Ciências e Letras, formado pelo Instituto Pestalozzi, cético e racional rígido, estudante de magnetismo. Para ele, esses fenômenos eram somente resultado da ação do fluido magnético que todos possuímos.

O codificador do espiritismo, Allan Kardec, em retrato de

Monvoisin

Sua opinião começou a mudar, quando em 1855, em Paris, ele assistiu a uma sessão de "mesas-girantes" que o fez concluir, segundo o pensamento que "um efeito inteligente somente pode ter uma causa inteligente", que a influência oculta não vinha da platéia, mas de uma vontade alheia.

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Ele comentou a respeito: "Entrevi naquelas aparentes futilidades,(...) qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo."

Seus estudos o levaram a conhecer a família Baudin, em cujas reuniões as comunicações eram transcritas por meio de uma tupia (também conhecida como cesta, um instrumento usado para moldurar) que riscava uma placa de ardósia, movimentada através da mediunidade das filhas do casal. Foi a partir dessas reuniões que Rivail adotou o nome de Allan Kardec, segundo a sugestão de um Espírito, passando a usá-lo em seus trabalhos espiritualistas, pois ele não queria se pôr em evidência.

Allan Kardec, que se interessava pelo problema dos conflitos entre as religiões desde a adolescência e sempre buscou uma solução que as harmonizasse, teve a revelação de sua missão de codificador do ensino dos Espíritos em 1856. O trabalho inicial, consistiu na análise das comunicações recebidas pelas médiuns Caroline e Julie Baudin (14 e 12 anos), entre outros, depois o texto compilado foi revisado pelos Espíritos através de Ruth-Celine Japhet (16 anos), e somente então foi entregue para publicação.

Conforme a doutrina foi se popularizando e novos centros de estudos foram criados, Allan Kardec passou a receber comunicações de lugares como: Lião, Marselha (França), Bruxelas (Bélgica), Constantina (Argélia), Istambul (Turquia), o que lhe permitiu verificar de uma forma mais ampla a universalidade dos ensinamentos dos Espíritos.

A BASE CIENTÍFICA DA DOUTRINA A propósito, o método de pesquisa que o codificador utilizou para elaborar o primeiro livro espírita, se tornou o método da própria doutrina, que consistia em: - Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos pela moral, pureza das faculdades e assistência espiritual; - Análise rigorosa das comunicações do ponto de vista lógico, bem como em comparação com verdades científicas demonstradas, eliminando tudo o que não era justificado pela lógica; - Controle das comunicações dos Espíritos, através da coerência entre elas e do teor da linguagem; - Concordância de várias comunicações dadas por médiuns diferentes, em lugares diferentes, ao mesmo tempo e sobre o mesmo assunto.

«Procedi com os Espíritos como teria feito com os homens; con-siderei-os, desde o menor até o maior, como elementos de ins-trução e não como reveladores predestinados.» - Allan Kardec, Obras Póstumas

Desta forma, em 18 de abril de 1857 foi publicado O Livro dos Espíritos com 501 perguntas, sendo expandido para 1019 perguntas na sua segunda edição de 1860.

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A REVOLUÇÃO SILENCIOSA DA FILOSOFIA ESPÍRITA Apesar de o seu conteúdo ter sido muito criticado por céticos e fanáticos, que não conseguiam analisar as suas qualidades com imparcialidade, este livro promoveu uma revolução silenciosa na sociedade francesa. Muitos foram os que mudaram suas vidas radicalmente para melhor ao lerem-no, retomando a fé em Deus, buscando hábitos mais sadios, abandonando idéias de suicídio e vícios.

O que esse livro tem de tão especial? Embora seja uma obra filosófica, que abrange algumas das questões mais complexas do conhecimento humano, ele foi escrito de forma didática, pois o seu propósito foi ser acessível a pessoas de todos os níveis intelectuais.

Ele inicia abordando questões teológicas (Deus, a Criação), passa a questões científicas, algumas das quais nas décadas seguintes seriam comprovadas por diversos pesquisadores (divisibilidade do átomo), trata de questões da natureza espiritual, da evolução dos reinos inorgânico e orgânico, das leis morais e das conseqüências de nossos atos.

Um de seus aspectos mais relevantes é a demonstração de que somos os responsáveis por nossos destinos, e mesmo as situações mais difíceis servem de aprendizado e de reajuste na desarmonia causada pelas nossas escolhas infelizes do passado.

Sendo assim, não há injustiçados, e nem indivíduos perpetuamente voltados para o mal, pois todos evoluem.

MADAME ALLAN KARDEC Uma das pessoas que mais apoiaram o codificador foi sua esposa, a professora Amélie-Gabrielle Boudet. Antes de conhecê-lo, ela já tinha publicado três livros, em especial sobre belas-artes, e na fase em que ambos trabalharam como pedagogos, enfrentando forte oposição do governo por estarem entre os reformistas da deficiente educação da época, ela sempre se manteve firme ao seu lado.

Quando Allan Kardec iniciou seus estudos dos fenômenos, o casal já tinha 23 anos de união, e ela desde o começo participou de seus estudos, auxiliou na revisão de textos, o incentivou a prosseguir.

Em 1865, ele comentou na Revista Espírita: "...minha mulher... concordou plenamente com meus pontos de vista e me secundou na tarefa laboriosa, como o faz ainda, por um trabalho por vezes acima de suas forças, sacrificando sem pesar os prazeres e distrações do mundo, aos quais sua posição de família a tinham habituado".

No futuro, a sua força de caráter seria ainda mais posta à prova com as dificuldades que ela teria de enfrentar sozinha.

Veremos a seguir, os desafios que Allan Kardec e os outros pioneiros do Espiritismo enfrentaram e as estratégias dos adversários para tentar silenciá-lo.

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FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. I/II. RJ: FEB, 1979/1980. 1ª ed. - PIRES, J. Herculano. A Legitimidade do Livro In O Livro dos Espíritos. SP: LAKE, 2006. 66ª ed. - KARDEC, Allan. Obras Póstumas. SP: LAKE, 2005. 13ª ed. - Redação. Mural da história In Universo espírita. SP: Universo espírita, 2007. nº 47. pg. 19. - KARDEC, Allan. Revista Espírita, 1865. RJ: FEB, 2004.

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3. O Avanço do ESPIRITISMO Prossegue C a l ú n i a , r i d í c u l o , e a t é u m a f o g u e i r a , t u d o f o i t e n t a d o p a r a q u e o e s p i r i t i s m o f o s s e s i l e n c i a d o , m a s o ú n i c o e f e i t o f o i a u m e n t a r a s u a v e l o c i d a d e d e p r o p a g a ç ã o .

Com a popularização de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec passou a receber cartas de várias partes do mundo, e ainda em 1857, teve a idéia de publicar um periódico, que servisse de tribuna de debates sobre os preceitos espíritas.

No início de 1858, foi lançada a Revista Espírita, que reunia artigos filosóficos e científicos, e também curiosidades históricas, contos e dissertações morais dos Espíritos. A revista foi um sucesso. Tendo o codificador iniciado sua publicação com recursos próprios, em um ano, ele já tinha a existência da revista garantida.

Ao longo dos anos, as edições mensais da Revista Espírita passaram a ser reeditadas em coletâneas, e hoje em dia, os anuários dos 12 anos nos quais ela foi publicada sob a direção de Allan Kardec estão disponíveis em português.

Auto-de-fé de Barcelona.

A profundidade e a variedade de seus artigos é surpreendente, e sua leitura é complementar das obras básicas. Muitos dos assuntos que depois seriam publicados nos livros básicos, primeiro foram abordados na Revista Espírita.

Além da revista, outra novidade foi a criação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE). Este foi o primeiro centro espírita, e principal ambiente de pesquisas da época, visitado por cientistas, intelectuais, e pessoas de todas as classes sociais.

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Para manter a seriedade nas reuniões, Allan Kardec e os outros membros da sociedade decidiram fechá-las para o público em geral, sendo que havia somente reuniões exclusivas para sócios e outras nas quais podiam comparecer convidados acompanhados por eles.

Isso foi útil para evitar tumultos que prejudicariam o desempenho ideal das manifestações. Além disso, os estudos seguiam a linha filosófica, e não se ocupavam de fenômenos físicos. Eram proibidas questões de cunho político, controvérsia religiosa e economia social, em respeito às idéias pessoais de cada um. Todas essas medidas visavam manter a integridade das informações recebidas, evitando mistificações e escândalos.

OS ESPÍRITOS DA CODIFICAÇÃO Entre os diversos Espíritos que contribuíram com a codificação, estão alguns personagens bem conhecidos da história: Luís 9º (S. Luís) era o guia espiritual da sociedade; Erasto, discípulo de S. Paulo, instruía em questões sobre mediunidade; Galileu Galilei assinou textos sobre cosmologia; S. Agostinho, S. Vicente de Paulo, Lacordaire, Fénelon, Lamennais, Joseph Vianney - Cura d'Ars, todos ligados à igreja, dissertaram sobre moral e filosofia, e ainda havia Espíritos como Jobard e Sanson, que tinham sido membros da sociedade, e após falecerem, passaram a se comunicar com ela.

Está aberta a debates a questão da identificação desses Espíritos, mas levando em conta que o advento do espiritismo foi um fato importante, e a qualidade do conteúdo das comunicações assinadas por eles, é provável que tenham sido eles próprios que se comunicaram. Porém, muitos usavam "nomes-tipo" para assinar as mensagens. Assim explicou um deles: "tal Espírito que assina S. Agostinho não será o Espírito de S. Agostinho, mas um ser da mesma ordem, chegado ao mesmo grau de modificação." - Revista Espírita, agosto, 1865.

Há diversas técnicas que Allan Kardec usava para garantir a qualidade das comunicações e que podem ser encontradas no Livro dos Médiuns, capítulo 24, e em O Livro dos Espíritos, introdução, item 12.

Acima de todos eles, estava o Espírito da Verdade, título que remonta ao evangelho de S. João, na parte em que é citada a vinda do Consolador - Jo 14:16,17,26 e 15:26.

Em O evangelho segundo o espiritismo, Kardec comenta: "Se... o Espírito da Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido... o espiritismo realiza o que Jesus disse do consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e porque está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança."

Existem várias comunicações que constam na codificação, e algumas poucas da fase inicial da doutrina no Brasil, nas quais há uma associação entre o "nome-tipo" Espírito da Verdade e o Espírito de Jesus de Nazaré.

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A primeira vez que o Espírito da Verdade se comunicou com Allan Kardec foi em 1856, ainda no início da elaboração de O Livro dos Espíritos. Depois disso, houve outras comunicações, algumas delas constam em O Livro dos Médiuns e em O Evangelho Segundo o Espiritismo, e outras foram somente publicadas na Revista Espírita, e após a morte do codificador em Obras Póstumas.

Há várias referências de Espíritos sobre ele, mencionadas na Revista Espírita, como nesse trecho de S. José: "Pregai a boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o divino mestre ensina em suas próprias comunicações, que repetem e confirmam a doutrina dos evangelhos". - Revista Espírita, dezembro, 1863.

A SEQUÊNCIA DE O LIVRO DOS ESPÍRITOS Em O livro dos Médiuns consta uma de suas comunicações, da qual tiramos esse trecho: "Sou eu que venho, o teu salvador e o teu juiz. Venho como outrora entre os filhos transviados de Israel. Venho trazer a verdade e dissipar as trevas... Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no cristianismo. Os erros que nele se enraizaram são de origem humana. E eis que do além-túmulo, que julgais vazio, as vozes clamam: Irmãos! Nada perece, Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade".

Sobre a autoria dessa mensagem, Kardec declara, cauteloso: "Esta comunicação... foi assinada por um nome que o respeito só nos permitiria reproduzir com absoluta reserva... Esse nome é o de Jesus de Nazaré... Na comunicação acima constatamos apenas a incontestável superioridade da linguagem e dos pensamentos, deixando a cada um o cuidado de apreciar se aquele de quem ela traz o nome a rejeitaria ou não".

Em 1861, foi lançado O Livro dos Médiuns, importante por suas informações científicas e instruções indispensáveis para médiuns, pesquisadores e diretores de centros espíritas.

Ele contém informações detalhadas, dentro do conhecimento da época, sobre vários tipos de mediunidade e fenômenos, com ênfase na conduta moral do médium e na disciplina necessária para a execução do trabalho. Possui também conselhos sobre como se reconhecer fraudes, evitar mistificações e coordenar o trabalho mediúnico em centros, mantendo a seriedade - inclusive contém o regulamento da SPEE como exemplo.

«A dúvida precisa ser destruída; a Terra e a sua população civilizada estão preparadas; há longo tempo os teus amigos do espaço a tem roteado: lança pois a semente que te confiamos, porque é tempo de fazer a Terra gravitar na ordem radiante das esferas para sair da penumbra e do nevoeiro, que obscurece as

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inteligências.» - Espírito a Allan Kardec, Obras Póstumas

Entre 1860 e 1862, Allan Kardec fez três viagens para verificar o avanço da doutrina no interior da França, e auxiliar as sociedades espíritas que se multiplicavam em cidades como Lião, Bordéus, Tours e Marselha.

Nessas e em outras cidades, os espíritas sofriam preconceito, sendo perseguidos, excluídos da sociedade e até mesmo perdendo seus empregos, quando se assumiam como seguidores da doutrina. Em todos os casos, ele pedia paciência e tolerância e procurava unir os espíritas para que eles se ajudassem mutuamente.

PRIMEIROS CONFRONTOS Desde o início, a doutrina recebeu todos os tipos de críticas. As que caracterizaram o período foram as que alegavam que o Espiritismo causava loucura, e era influenciado pelo diabo, duas opiniões absurdas, já que aqueles que têm tendência para a loucura, qualquer motivo pode causar sua perturbação, e o diabo, se existisse, certamente não encorajaria as pessoas a combaterem suas imperfeições morais e serem caridosas.

Allan Kardec se limitava a responder aos ataques que mantinham um mínimo de civilidade, e ignorava aqueles que criticavam sem ao menos se informarem sobre a doutrina.

Um ataque que foi planejado para ser um "tiro de misericórdia" no Espiritismo, mas que acabou auxiliando a sua popularização, foi o auto-de-fé realizado em 9 de outubro de 1861, em Barcelona, Espanha com uma pilha de livros espíritas importados pelo livreiro Maurice Lachâtre.

Os livros foram confiscados sob ordem do arcebispo Don António Palau Y Termens, e queimados na praça da cidadela, o que somente serviu para deixar o público indignado.

Allan Kardec preferiu não se manifestar, e na Revista Espírita declarou: "Eles podem queimar os livros, mas não as idéias". Frase simples, e que descreve bem a impotência dos egoístas e orgulhosos perante as idéias que promovem a regeneração moral da humanidade.

O espiritismo se encontrava em franco progresso, e apesar dos ataques incessantes não seria detido.

FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. II. RJ: FEB, 1980. 1ª ed. - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. SP: LAKE, 2004. 23ª ed. - KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. RJ: FEB, 2006. 126ª ed. - KARDEC, Allan. Obras Póstumas. SP: LAKE, 2005. 13ª ed. - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. SP: LAKE, 2004. 23ª ed.

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4. MISSÃO Completada T o t a l m e n t e d e v o t a d o à d o u t r i n a , A l l a n K a r d e c d e d i c o u a t é s e u s ú l t i m o s m o m e n t o s a e l a . S u a m o r t e a b r i u u m a n o v a f a s e p a r a o e s p i r i t i s m o .

Em 1864, o codificador demonstrou sua coragem e determinação ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritismo, livro que contém uma análise da moral cristã, dos antecedentes filosóficos desta, descrição do método científico e coletânea de preces.

Embora todos os livros básicos sejam de leitura fácil, este é o mais didático de todos, feito para consolar, educar e esclarecer o verdadeiro sentido das palavras do Cristo.

Túmulo de Allan Kardec no

cemitério Pére Lachaise, em Paris. Após a leitura desse livro, os textos evangélicos passam a ter um significado muito mais profundo, e as parábolas se tornam perfeitamente compreensíveis. Com as explicações dadas, fica claro que o Cristo falava de coisas espirituais, quando mencionava exemplos do cotidiano da época.

Como ele próprio diz no evangelho: "Falo-lhes por parábolas, porque, vendo, não vêem e, ouvindo, não escutam e não compreendem" (Mt 13:13). Ou seja, "Falo-lhes por parábolas, porque não estão em condições de compreender certas coisas. Eles vêem, olham, ouvem, mas não entendem. Fora, pois, inútil tudo dizer-lhes por enquanto" (ESE 24,4).

Esse livro foi a gota d’água para uma parte do clero católico, e nesse mesmo ano, todos os livros espíritas foram inseridos no Index, o antigo catálogo de livros proibidos aos católicos.

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Porém, Allan Kardec e os Espíritos estavam muito bem acompanhados: Dante Alighieri, Victor Hugo e Jean-Jacques Rousseau eram apenas três dos vários ilustres proscritos.

Para fechar o ano de 1864, Allan Kardec fez mais uma turnê pela França, e visitou Berna (Suiça), e Bruxelas e Antuérpia (Bélgica), que também já contavam com sociedades espíritas.

Em 1865, a saúde de Allan Kardec começou a falhar, apesar disso, ele continuou trabalhando com enorme dedicação, dividindo seu tempo entre o trabalho que o mantinha e o trabalho relacionado à doutrina.

Nesse ano, foi lançado o livro O Céu e o Inferno, que discute os dogmas e superstições ligados ao plano espiritual (céu, inferno, purgatório, anjos e demônios), contendo relatos de Espíritos de diversos níveis evolutivos sobre sua realidade após a morte.

Entre seus textos, ele contém um dos melhores trabalhos de mitologia comparada que se conhece, no artigo no qual Kardec compara os mitos do inferno cristão com os do inferno pagão, mostrando como o primeiro se revela até mais grosseiro e cruel que o segundo.

Allan Kardec fez sua última viagem pelo país em 1867, e uma das cidades que visitou foi Tours, onde conheceu o jovem Léon Denis, que alguns anos mais tarde se tornaria seu principal continuador.

OBRAS PÓSTUMAS 1868 foi um ano decisivo para o codificador, que trabalhava em vários projetos ao mesmo tempo, alguns dos quais não conseguiu terminar, como a Constituição do Espiritismo, que pretendia orientar a expansão da doutrina e a unificação dos centros espíritas mundiais; um livro sobre magnetismo, e um outro sobre a História do Espiritismo, no qual ele falaria sobre a sua iniciação. Todos esses textos inacabados seriam publicados no livro Obras Póstumas, em 1890.

Este livro é muito importante pelos artigos complementares que possui, nos quais Allan Kardec discute aspectos da filosofia e da ciência espíritas em detalhes maiores do que os abordados nas obras básicas. Além disso, as mensagens que ele contém são impressionantes por suas previsões sobre os acontecimentos que marcariam o século 20.

Uma das mensagens mais instigantes, é a de 25 de abril de 1866, sobre a "regeneração da humanidade". Seguem alguns trechos: "...tudo o que está predito no evangelho tem de cumprir-se e neste momento se cumpre... Não tomeis, porém, os sinais anunciados senão como figuras, que precisam ser compreendidas segundo o espírito e não segundo a letra... Não vereis milagres, nem prodígios, nem fatos sobrenaturais, no sentido vulgarmente dado a essas palavras... Olhai em torno de vós, entre os homens: aí é que os descobrireis... O que se prepara não é, pois, o fim do mundo material, mas o fim do mundo moral. É o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do orgulho, do egoísmo, e do fanatismo que se esboroa...

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Tendo de fundar a era do progresso moral, a nova geração se distingue por uma inteligência e uma razão, em geral, precoces, juntas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas... O que, ao contrário, distingue os Espíritos atrasados é, primeiramente, a revolta contra Deus, pela negação da providência e de qualquer poder acima da humanidade; depois, pela propensão instintiva para as paixões degradantes, para os sentimentos antifraternais do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez...

Infelizmente, a maioria, desconhecendo a voz de Deus. persistirá na sua cegueira... Desvairados... provocarão destruições que darão origem a um sem-número de flagelos e de calamidades, de sorte que, sem o quererem, apressarão o advento da era de renovação. E, como se não se operasse com bastante rapidez a destruição, os suicídios se multiplicarão em proporções inauditas, até entre as crianças. A loucura jamais terá atingido tão grande quantidade de homens...

Contudo,... a fraternidade lança seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos estendem uns aos outros as mãos; a barbárie se familiariza no contato com a civilização; os preconceitos de raças e de seitas... se vão extinguindo; o fanatismo, a intolerância perdem terreno, ao passo que a liberdade de consciência se introduz nos costumes e se torna um direito... O espiritismo sairá triunfante da luta, ficai certos, porquanto ele está nas leis da natureza, não podendo, por isso mesmo, perecer. Observai a multiplicidade de meios por que a idéia se espalha e penetra em toda parte..."

«O espiritismo não teme a luz, ele a reclama em suas doutrinas, porque quer ser aceito livremente e pela razão. Longe de temer, para a fé dos espíritas, a leitura de obras que o batem, o espiritis-mo diz: Lede tudo, pró e contra, e escolhei com conhecimento de causa.» - Allan Kardec, Revista Espírita, 1868

Um projeto que Kardec conseguiu concluir, foi o livro A Gênese, no qual ele analisa o livro bíblico, os "milagres" do Cristo e as predições do evangelho. Ele contém ainda um texto sobre cosmologia do Espírito de Galileu Galilei, psicografado pelo astrônomo Camille Flammarion, e um estudo sobre os fluidos.

Com este livro, o codificador se antecipou à evolução cultural do século 20, ao suprir a necessidade da aplicação dos dados da pesquisa espírita na solução de problemas insolúveis das ciências materiais, o que é uma exigência de nosso tempo. Ele trata das leis do mundo espiritual, com base no conhecimento de seu tempo, e muito do que foi discutido nessa obra

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foi confirmado ao longo dos anos pelos pesquisadores das ciências derivadas da ciência espírita: a parapsicologia alemã, a ciência psíquica inglesa, a metapsíquica francesa e a parapsicologia atual.

O CODIFICADOR SE DESPEDE Allan Kardec faleceu em 31 de março de 1869, de um aneurisma; uma morte repentina que abalou a comunidade espírita internacional.

Sua esposa, Amélie Boudet, teve uma atuação impressionante, pois apesar da enorme perda que sofreu, ela a suportou com fé e resignação, e teve a energia necessária para garantir a continuação do trabalho deixado pelo marido.

Entre as medidas tomadas por ela, estava a criação da Sociedade Anônima do Espiritismo, futura Sociedade Allan Kardec, que visava garantir independência financeira para os diversos projetos assistenciais e de pesquisa promovidos pela SPEE (Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas).

Enquanto isso, o mestre não estava muito longe. Ainda em 1869, ele deu sua primeira comunicação como Espírito, confortando todos. Foi a seu pedido, que a médium inglesa Anna Blackwell traduziu suas obras para o inglês.

Na próxima parte, veremos os principais fatos da fase que se seguiu à morte do codificador.

FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. III. RJ: FEB, 1984. 1ª ed. - KARDEC, Allan. Obras Póstumas. SP: LAKE, 2005. 13ª ed. - PIRES, J. Herculano. Notícia Sobre O Livro In O Céu e o Inferno. SP: LAKE, 1999. 1ª ed. (bolso) - PIRES, J. Herculano. Notícia Sobre O Livro In A Gênese. SP: LAKE, 2003. 21ª ed. - INCONTRI, Dora. O Movimento da Pedagogia Espírita In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 41. Pgs. 54-56. - INCONTRI, Dora. O Livro dos Espíritos: Uma Obra de Educação In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 43. Pgs. 24-26.

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5. O Processo dos ESPÍRITAS E m 1 8 7 5 , u m g r a n d e e s c â n d a l o e n v o l v e u o p r i n c i p a l r e p r e s e n t a n t e d o e s p i r i t i s m o n o m u n d o , u m i n c i d e n t e q u e a i n d a r e p e r c u t e e m n o s s o s d i a s .

Quando da morte de Allan Kardec, o espiritismo já tinha se espalhado por todo o mundo ocidental. Na Europa, da Rússia a Inglaterra, da Alemanha a Espanha, inclusive a Turquia, havia grupos espíritas, e até mesmo grandes sociedades. Na América: Estados Unidos, Cuba, México, Argentina e Brasil eram alguns dos países onde a doutrina estava se popularizando rapidamente.

Porém, apesar da expansão impressionante, a situação dos adeptos da doutrina era perigosa, exigindo muita cautela e habilidade do sucessor do mestre, Pierre-Gaëtan Leymarie, que em 1871 se tornou o diretor da "Sociedade Allan Kardec", e braço direito de Amélie Boudet.

Pierre-Gaëtan Leymarie, sucessor

de Allan Kardec na SPEE e na Revista Espírita entre 1871 e

1901. Nessa época, os ataques à doutrina continuavam e os espíritas tentavam se defender como podiam. Em 1874, um espírita francês mandou imprimir com recursos próprios milhares de cópias de uma brochura sua, que respondia às opiniões preconceituosas de um clérigo, que exigia, entre outras coisas, a queima de livros espíritas.

Ele distribuiu as cópias entre clérigos, magistrados, parlamentares e professores no país, chamando a atenção de certos membros do clero, que decidiram revidar. O bispo Dupanloup, confessor da esposa do presidente francês MacMahon, encarregou o ministro da justiça de processar o líder dos espíritas, Leymarie, mas para isso precisava pegá-lo em erro.

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A oportunidade apareceu quando em 1875 foi descoberta a fraude do médium Edouard Buguet e do fotógrafo Henry Firman, que falsificavam fotografias de espíritos. Algumas de suas fotos eram verdadeiras, mas como eles cobravam por elas, quando não conseguiam resultados, eles as fraudavam.

Leymarie não suspeitava do charlatanismo, e passou a promovê-los na Revista Espírita. Quando a dupla foi indiciada, ele também o foi. Apesar de ter conseguido uma enorme quantidade de testemunhos de sua inocência, ele foi sentenciado ao pagamento de uma multa, e à prisão por um ano. Buguet e Firman também foram sentenciados, mas o primeiro fugiu para a Bélgica e o segundo foi libertado por ter amigos influentes.

Sua esposa, Marina, ficou em seu lugar durante o período, e reuniu provas importantes que comprovam que Leymarie poderia ter sido inocentado, se a intenção das pessoas por trás do processo não tivesse sido desmoralizar a doutrina.

Devido ao escândalo causado pelo caso, o Espiritismo ficou desacreditado na França, e chegaram a sugerir na época, que o nome "espírita" fosse mudado para "psiquista" no título da Revista Espírita, mas Marina se recusou a fazê-lo. Em 1876, Leymarie saiu da prisão, e voltou as suas atividades, que exerceu até sua morte em 1901.

«Algum tempo antes de sua chegada, uma pessoa veio ver-nos, da parte deles, para pedir que nós os apoiássemos, em nossa Revista. Mas sabe-se que não nos entusiasmamos facilmente, mesmo pelas coisas que conhecemos e, com mais forte razão, pelas que não co-nhecemos... Por isto, nos abstivemos.» - Allan Kardec, 1865, a respeito dos Irmãos Davenport, médiuns de efeitos físicos, suspeitos de charlatanismo. O APÓSTOLO DO ESPIRITISMO Para finalizarmos, vamos falar de um dos mais valiosos defensores da doutrina: Léon Denis. Foi na década de 1870, que ele começou a se desenvolver como médium. Ele foi convidado pelo Espírito mentor do grupo do qual participava em Tours a desenvolver suas habilidades na oratória e na escrita, para se tornar um divulgador da doutrina.

A partir de 1882, ele iniciou um vasto trabalho de divulgação na França e no exterior: redação de artigos para a Revista Espírita e outros periódicos, elaboração de livros essenciais como O Porquê da Vida e Depois da Morte, e esteve ligado aos principais congressos da época.

Léon Denis foi o sucessor natural do trabalho filosófico de Allan Kardec, posição que foi conseguida totalmente por mérito. Seus livros são complementares das obras da codificação, e

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na época em que foram lançados serviram para atualizar os conceitos da doutrina com as novas pesquisas, e comprovaram que elas não a invalidavam.

Num período em que o espiritismo enfrentava críticas até mesmo dos adeptos que não compreendiam seus preceitos, Léon Denis foi o principal defensor da essência da doutrina, aquele que em palestras e congressos sempre surpreendia o público com sua erudição e clareza de pensamento.

O final do século 19 não foi só de lutas, mas também foi a fase áurea de dois grandes divulgadores espíritas, dos primeiros congressos internacionais e o início do maior movimento espiritualista do mundo. Veremos a seguir.

FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. III. RJ: FEB, 1984. 1ª ed. - PIRES, J. Herculano. O Problema Religioso In O Livro dos Espíritos. SP: LAKE, 2006. 66ª ed. - KARDEC, Allan. Obras Póstumas. SP: LAKE, 2005. 13ª ed. - LUCE, Gaston. Léon Denis - O Apóstolo do Espiritismo. RJ: CELD, 1989. 1ª ed.

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6. Fim do Século 19 - Início de Uma NOVA FASE N a ú l t i m a f a s e d o e s p i r i t i s m o e u r o p e u h a v i a v a l i o s o s d e f e n s o r e s : D e l a n n e e F l a m m a r i o n , n a F r a n ç a , C o l a v i d a e S o l e r , n a E s p a n h a , e n t r e o u t r o s , q u e m a n t i n h a m a c h a m a a c e s a .

Em 1883, o enterro da venerável Amélie Boudet marcou o início do trabalho de um grande divulgador, Gabriel Delanne.

Gabriel Delanne - um dos principais pesquisadores

na história do espiritismo. Ele foi uma das primeiras crianças a crescerem em meio aos ideais do espiritismo, o que lhe ajudou a suportar as diversas dificuldades, inclusive de saúde, que vivenciou ao longo de sua existência.

A importância que Léon Denis teve na filosofia espírita, Delanne teve na ciência, e suas pesquisas ao lado de cientistas como Charles Richet, foram cruciais para se entender as manifestações físicas.

Além de ter sido orador, pesquisador e escritor, Gabriel Delanne esteve à frente de duas das principais revistas espíritas do período e foi diretor de diversas sociedades, inclusive da União Espírita Francesa, uma das várias instituições criadas para tentar unificar as sociedades.

Outro pesquisador que deve ser lembrado é o astrônomo Camille Flammarion, que é considerado um dos gênios da ciência do século 19, um os criadores da literatura de ficção-científica, responsável por popularizar conceitos científicos entre as massas.

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Em 1862, aos 20 anos, Flammarion conheceu O Livro dos Espíritos e se tornou membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, se desenvolvendo como médium, e psicografando textos de Galileu Galilei em 1862, 1863 e 1868, que comporiam o livro A Gênese.

Escreveu livros importantes como Deus Na Natureza e As Casas Mal-Assombradas, científicos, e Urânia e Estela, de ficção. Fez diversos trabalhos de pesquisa científica espírita, foi presidente da Sociedade de Pesquisa Psíquica de Londres, e co-autorou artigos com Léon Denis.

Foi um dos que discursaram no enterro de Allan Kardec, o qual consta no livro Obras Póstumas, que mais do que uma mensagem de despedida, é uma aula de ciência espírita.

Seu trabalho foi importante, principalmente por divulgar a teoria da pluralidade dos mundos habitados, antecipando a pesquisa de cientistas como Carl Sagan.

«Debalde tentaram, em começo, combater pelo sarcasmo a nova doutrina. Todos os ridículos foram inócuos, de vez que a verdade traz consigo o selo da certeza, dificilmente irreconhecível. Muda-ram, então de tática os negativistas, e pretenderam triunfar da no-va ciência, organizando-lhe em torno a conjuração do silêncio... De fato, muito se tem dito e escrito contra o espiritismo, mas, todos que hão tentado destruí-lo só conseguiram revigorá-lo e engran-decê-lo no batismo da crítica.» - Gabriel Delanne, A Evolução Anímica, 1895. A DOUTRINA NOS PAÍSES LATINOS Não apenas a França teve grandes divulgadores da doutrina na época, mas também outros países latinos como Portugal, Itália e Espanha, e países ibéricos como México, Argentina e Cuba viram a doutrina florescer de forma impressionante. Num resumo, vamos focalizar dois dos principais: Espanha e Cuba.

Como vimos na 3ª parte, em 1861, o arcebispo de Barcelona promoveu um auto-de-fé com livros espíritas confiscados. Até o momento, o interesse pela doutrina era morno, havendo alguns grupos de estudos.

A partir de então, o interesse aumentou consideravelmente, resultando na criação de mais grupos, sociedades e periódicos, que se multiplicaram em todos os países ibéricos até a fase das ditaduras.

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Bernardo Ferrer, Ramón Lagier, Miguel Vives y Vives, Ángel Aguarod foram alguns dos divulgadores importantes do final do século 19, e dentre eles, os mais lembrados são José Maria Colavida e Amalia Domingo Soler.

Colavida se correspondia com Allan Kardec, e seu trabalho chegou a ser mencionado na Revista Espírita. Ele foi o responsável pelas primeiras traduções das obras básicas para o espanhol, fez diversas pesquisas científicas, e contribuiu com vários periódicos.

A poetisa e escritora Amalia Domingo Soler começou a atuar na divulgação espírita a partir de 1872. Seu livro mais conhecido é o romance psicografado Memórias de Padre Germano, e ela também é lembrada por ter criado o jornal A Luz do Futuro, publicado entre 1879 e 1899.

Em 1888, Barcelona foi a sede do 1º Congresso Espírita Internacional, que foi um marco na história da doutrina, reunindo centenas de representantes mundiais.

Já Cuba tem uma história incrível. Dizem que por volta de 1856, havia pequenos grupos familiares experimentais em cidades como Havana, Sancti Spiritus e Santiago. Desde 1870, começaram a aparecer periódicos e sociedades organizadas.

Quando ocorreu o 1º Congresso Internacional, a delegação cubana era a terceira maior do evento, ficando atrás somente da Espanha e da França.

Em 1890, foi fundada a Federação Espírita de Cuba, que reuniu 23 instituições. Até a década de 1960, o movimento cubano continuou a crescer, e já em 1920, o 1º Congresso Nacional era composto de representantes de 113 centros espíritas!

De volta à França de 1897, nesse anos a Sociedade Allan Kardec faliu, e os direitos das obras da codificação passaram para a FEB, sob direção de Adolfo Bezerra de Menezes (veja história a seguir). Em Paris, restava apenas a Revista Espírita, que foi dirigida até 1913 pela família Leymarie.

Apesar dos esforços de pesquisadores como Léon Denis, Gabriel Delanne e Camille Flammarion, o Espiritismo foi se apagando aos poucos na Europa, e coube ao Brasil manter sua chama acesa.

Na próxima parte, veremos a fase inicial da doutrina no país mais religioso do mundo.

FONTE - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec Vol. III. RJ: FEB, 1984. 1ª ed. - FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Gabriel Delanne Nasceu Espírita In Universo das Letras. SP: Universo Espírita, 2005. Nº 3. Pgs. 38-39. - SCHOEREDER, Gilberto. Flammarion In Espiritismo & Ciência. SP: Mythos, 2004. Nº 15. Pgs. 22-24. - Redação. Flor Azul In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2005. nº 20. Pg. 28. - Historia del Espiritismo en España - Espiritismo en Cuba

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7. A NOVA PÁTRIA do Espiritismo C o m o c o m e ç o u a h i s t ó r i a d a d o u t r i n a n o p a í s , s e u s d e f e n s o r e s , s u a s l u t a s e a c o n f u s ã o c a u s a d a p e l o s e c t a r i s m o .

Quando os fenômenos espíritas se vulgarizaram, a partir de 1848, os primeiros experimentadores no Brasil foram os homeopatas, que eram espiritualistas. Há relatos de que os médicos Benoit Mure e João Vicente Martins, que divulgaram a homeopatia trabalhando em meio à população mais pobre, eram também médiuns. O grupo experimental mais antigo, foi o do homeopata Melo Morais, que já atuava em 1853.

Os livros da codificação chegaram ao país logo nos primeiros anos de lançamento. O primeiro livro espírita em português foi Os Tempos São Chegados de Casimir Lieutaud, publicado em 1860. A primeira tradução de um livro espírita foi O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples, feita por Alexandre Canu em 1862.

Após publicar um artigo sobre a doutrina no jornal O Diário da Bahia, em Salvador, o juiz Teles de Menezes lançou em 1865, O Espiritismo, livro que continha trechos traduzidos de O Livro dos Espíritos. Ele ainda criou a primeira sociedade espírita, Grupo Familiar de Espiritismo, e o primeiro periódico: Echo D'Álem-Túmulo.

Dr. Bezerra de Menezes,

o principal representante do espiritismo no Brasil no século 19.

Assim que Allan Kardec faleceu, começaram as disputas entre aqueles que queriam fazer prevalecer suas opiniões sobre a doutrina, inclusive no Brasil.

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O primeiro grupo a reinvidicar a liderança no país, foi o Grupo Confucius, criado em 1873 pelo dr. Sequeira Dias, no Rio de Janeiro. Dele participaram alguns nomes importantes desta fase inicial: Joaquim Travassos, o primeiro tradutor de O Livro dos Espíritos, Casimir Lieutaud, o juiz Bittencourt Sampaio e o advogado Antônio Sayão.

Durante três anos, o grupo traduziu os primeiros livros da codificação, iniciou a assistência homeopática gratuita no país (com o auxílio dos Espíritos de Mure e Martins), e revelou o Espírito responsável pelo espiritismo no país: Ismael.

Uma séria divergência dividia os adeptos, que se designavam por: espíritas puros, que somente reconheciam a autoridade de O Livro dos Espíritos, místicos (kardecistas), que estudavam as demais obras, e viam a doutrina mais como religião; e os científicos, que somente consideravam os aspectos científicos, em detrimento dos religiosos.

Devido aos conflitos, os místicos deixaram o Confucius, formando pequenos círculos para estudo do evangelho. Um dos dissidentes, Bittencourt Sampaio, formou a primeira sociedade espírita evangélica, Deus, Cristo e Caridade, em 1876.

Além do evangelho, esse grupo também estudava as obras de J.B. Roustaing, que entre outros dogmas, divulgavam que Cristo teria vivido como agênere (com um corpo espiritual e não como homem), algo que Allan Kardec nunca admitiu (veja A Gênese).

À frente dos científicos, estava o prof. Afonso Torteroli, que fez parte do Deus, Cristo e caridade, e foi um dos principais incentivadores das divergências, brigando para que os científicos tomassem a liderança, e os místicos, com seu estudo evangélico e assistencialismo, fossem silenciados. Seu adversário foi ninguém mais que dr, Adolfo Bezerra de Menezes, que o combateu com firmeza em seus artigos.

Insatisfeitos com as disputas, Sampaio e Sayão fundaram o Grupo Espírita Fraternidade, em 1880, enquanto o anterior se tornava Sociedade acadêmica.

O novo grupo também penderia para o lado científico, mudando o nome para Sociedade Psicológica, existindo até 1893. Sampaio e Sayão sairiam novamente para fundar o Grupo Ismael, o mais influente na história da doutrina no país.

Em 1882, o fotógrafo Augusto Elias da Silva escreveu uma resposta à uma pastoral que incitava os católicos a "odiar (os espíritas) pelo dever de consciência", mas não conseguiu publicá-la. Veio-lhe então a idéia de lançar um jornal espírita, e assim surgiu O Reformador, em 1883, com a contribuição do marechal Ewerton Quadros e de Bezerra de Menezes.

«Saber, com efeito, se acabamos com a morte ou se sobrevivemos à decomposição do corpo não é coisa de simples curiosidade, visto como, num caso, não temos que prestar contas de nossas obras na

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vida, e no outro, pesa-nos a responsabilidade de cada uma delas.» - Adolfo Bezerra de Menezes A FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA O próximo grupo a buscar a unificação foi a Federação Espírita Brasileira, criada por Elias da Silva, em 1884, e que assegurou a hegemonia ao enviar comunicados às sociedades estrangeiras, que lhe reconheceram a autonomia.

Bezerra de Menezes passou a escrever sobre a doutrina no jornal O Paiz, a partir de 1884, com o pseudônimo de Max. Seus artigos primam pela erudição e lógica, e são muito atuais. Em 1886, ele chocou a sociedade carioca ao se declarar espírita num evento, e desde então, passou a ser considerado o "líder dos espíritas brasileiros", e o "primeiro dos místicos" pelos científicos. Porém, dr. Bezerra buscava a união entre os espíritas, algo que ele não conseguiu realizar.

Naquela época, o Fraternidade recebia comunicações dos principais Espíritos ligados à codificação, como do Espírito da Verdade e de Allan Kardec. Este, em 1889, tentando acabar com as disputas, ditou um texto no qual incitava a prática da caridade e chamava os espíritas cariocas a se reunirem no Fraternidade.

Bezerra de Menezes, ao invés disso, achou melhor criar uma outra sociedade, da qual fizessem parte os dirigentes dos grupos existentes, místicos e científicos, mas o Centro da União foi um fracasso por pura falta de interesse dos dirigentes e do público em geral.

Enquanto isso, era criada na FEB, pelo dr. Polidoro de S. Tiago, a Assistência dos Necessitados, departamento que distribuía auxílio material e homeopático à população, que logo se tornou o principal atrativo da Federação. Ainda em 1890, o Centro da União deixou de existir, e Bezerra de Menezes se juntou ao Grupo Ismael em definitivo.

Esse foi ainda o ano em que foi instituído um artigo do código penal que proibia a prática da homeopatia, do magnetismo animal e do espiritismo, considerando-os charlatanismo. Por causa disso, a polícia invadiu sessões, prendeu médicos e adeptos, e quando ocorreu a revolta da armada em 1893, as sociedades tiveram de fechar as portas. Somente alguns grupos evangélicos familiares continuaram atuando escondidos. Até mesmo a imprensa espírita parou, e apenas dr. Bezerra continuava com seus artigos em O paiz. Representantes da FEB pediram ao ministro da justiça a revisão da lei, mas sem resultado.

Quando a situação se acalmou, os fundadores da FEB decidiram restaurá-la, com a intenção de promover a união entre místicos e científicos. Para isso, escolheram Dias da Cruz como presidente, e no primeiro editorial do novo Reformador, pediam para que os espíritas evitassem os exageros do sectarismo.

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Entretanto, o presidente seguinte, Júlio Cesar Leal, que entrou em 1895, era científico, e teve de enfrentar uma forte oposição dentro da federação, da parte de Leopoldo Cirne e Alfredo Pereira, místicos, editores do "Reformador".

Vários científicos deixaram a FEB, liderados pelo prof. Torteroli, que formou o Centro da União Espírita, grupo ao qual Leal deu o controle das atividades da FEB, e que passou a promover nas sessões de domingo, números musicais e literários, visando vulgarizar a doutrina.

Lamentando o que ocorria, Dias da Cruz disse num artigo: "o espiritismo é uma tenda a cujo abrigo se podem acolher todos os que... aninham um sentimento de religião, quaisquer que sejam as formas de culto externo", o que está de acordo com a essência da doutrina.

A DOUTRINA SE CONSOLIDA Com a renúncia de Leal, e a recusa de Dias da Cruz em retomar a presidência, Bezerra de Menezes foi quem a assumiu, ainda em 1895, cargo que aceitou somente depois que seu guia espiritual, Sto. Agostinho, lhe incentivou, dizendo ainda: "iremos todos contigo!", significando que o Grupo Ismael deveria se incorporar à FEB a partir de então.

Sob sua direção firme, as disputas se acalmaram e o processo de unificação foi iniciado. A situação financeira foi equilibrada, voltou-se a estudar O Livro dos Espíritos em reuniões públicas, e a Assistência passou a ter mais atenção da diretoria. Para os científicos, essa foi uma vitória dos místicos, já que a doutrina tornou-se essencialmente religiosa no país desde então.

Para concluirmos, por que a doutrina se tornou tão popular no Brasil? Talvez a resposta esteja no devotamento dos homeopatas e dos médiuns que procuravam auxiliar a população mais pobre. Ou talvez seja devido a uma tendência natural do povo às coisas espirituais, já que o Brasil é o maior país católico do mundo, onde diversas doutrinas coexistem "quase" em harmonia.

Em uma comunicação de 1920, o Espírito da Verdade diz que: "A árvore do evangelho, plantada há dois mil anos na Palestina, eu a transportei para o rincão de Santa Cruz, onde o meu olhar se fixa, nutrindo o meu espírito a esperança de que breve ela florescerá estendendo a sua fronde por toda parte e dando frutos sazonados de amor e perdão."

FONTE - ABREU, Canuto. Bezerra de Menezes. SP: FEESP, 1996. 5ª ed. - SOUZA, Juvanir B. de. Esforço Histórico - Aspectos Marcantes de Sua Trajetória. RJ: FEB, 1984. - MARTINS, Jorge Damas. O Médico dos Pobres In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. Nº 31. Pgs 94-95. - FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. A Proibição Legal do Espiritismo In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. Nº 33. Pgs 69-71.

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8. A doutrina no início do SÉCULO 20 A 1 ª G u e r r a f o i o p r e l ú d i o d a c a t á s t r o f e q u e e s t a v a p o r v i r , e c o m a m o r t e d o s p r i n c i p a i s d i v u l g a d o r e s e u r o p e u s , a d o u t r i n a f i c o u e x p o s t a à t e m p e s t a d e .

O sucessor de Bezerra de Menezes na presidência da Federação Espírita Brasileira foi Leopoldo Cirne, até então um dos editores do Reformador. Durante seu período de administração, até 1914, os estatutos foram revistos, voltando a limitar os poderes do presidente da instituição, que na fase do dr. Bezerra foram plenos, devido à crise de 1895-1900.

Cairbar Schutel, um dos principais divulgadores da doutrina no início

do século 20. Cirne também foi o responsável por começar a divulgação do esperanto no país. Ainda no final do século 19, os espíritas franceses passaram a propagar o idioma neutro lançado pelo polonês Lázaro Zamenhof, em 1887, que visava acabar com as barreiras culturais que impedem os povos de interagirem mais livremente. Inspirando-se o exemplo francês, Leopoldo Cirne publicou um artigo em 1909 no Reformador, que lançou as bases da divulgação do esperanto, que no futuro seria uma das metas da FEB.

Há diversas comunicações de Espíritos sobre esse idioma, cuja criação teve como propósito promover a paz, a fraternidade, e outros valores morais entre os povos. De todos os idiomas artificiais criados até hoje, o esperanto é o que fez mais sucesso, sendo muito popular, principalmente na Europa Oriental e na Ásia. Ele é um idioma extremamente fácil de aprender, com uma gramática e vocabulário simplificados.

GRANDES NOMES DO PERÍODO Nas primeiras décadas do século 20, quase todos os estados brasileiros tiveram grandes divulgadores da doutrina. Vamos destacar três deles: Eurípedes Barsanulfo, Cairbar Schutel e Zilda Gama.

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Um dos primeiros médiuns a receber comunicações de Bezerra de Menezes foi Eurípedes Barsanulfo. A partir de 1904, ele começou a atuar como médium receitista homeopático, com a ajuda do Espírito do médico. Barsanulfo auxiliou muito a população da região onde morava em Minas Gerais, através de seu trabalho como vereador, conquistando uma usina hidroelétrica, uma ferrovia, canalização de água, entre outras benfeitorias; doando remédios de sua farmácia; inaugurando em 1907, a primeira escola espírita, o Colégio Allan Kardec, que foi pioneira em utilizar conceitos da filosofia espírita na pedagogia.

Cairbar Schutel é um desses exemplos de pessoa empreendedora, que como Barsanulfo, surpreendem pela quantidade, e qualidade, do que fizeram. Vivendo na pequena cidade de Matão, no interior de São Paulo, ele era farmacêutico, e além de auxiliar pessoas até mesmo em sua residência, ele também socorria os animais doentes e abandonados da região. Em 1905, fundou o Centro Espírita Amantes da Pobreza, e no mesmo ano o jornal O Clarim, um dos mais tradicionais do país. Escreveu 17 livros, teve o primeiro programa de rádio de tema espírita, e em 1925, lançou a Revista Internacional de Espiritismo, que sempre publicou artigos e notícias nacionais e estrangeiros.

Zilda Gama foi um dos principais médiuns desta fase. Ela foi escritora, poetisa, e a autora da tese sobre o voto feminino no Congresso. Seu trabalho mediúnico iniciou-se em 1912, quando recebeu mensagem de Allan Kardec, que seria publicada em 1929, no livro Diário dos Invisíveis. Ela é mais conhecida por suas psicografias de diversos romances do Espírito Victor Hugo, que se tornaram clássicos da literatura espírita, como Na Sombra e Na Luz e Almas Crucificadas.

«Afirmamos que o mundo científico e religioso não pode ter... os seus limites baseados por concepções humanas, cujos princípios colidem com o livre exame, à ordem de pesquisa e investigação, indispensáveis ao alcance de todas as novas verdades... um apelo aos homens de boa vontade, para que com persistentes proclamações de liberdade incentivem o progresso humano, a fim de a humanidade alcançar as altas finalidades da sua evolução psíquica.» - Cairbar Schutel, Revista Internacional do Espiritismo, 1931 ESTOURA A PRIMEIRA GUERRA Segundo registrado por Arthur Conan Doyle em seu excelente História do Espiritualismo, as sociedades espiritualistas vinham sendo avisadas pelos Espíritos há vários anos, quando a 1ª Guerra Mundial estourou em 1914.

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Num de seus artigos da época, Léon Denis incitava os franceses à luta: "Vigiai e lutai. Combateis pelo que há de mais sagrado neste mundo, pelo princípio de liberdade que Deus colocou no homem e que ele próprio respeita, a liberdade de pensar e agir, sem ter que dar contas ao estrangeiro".

Por causa das dificuldades financeiras causadas pela guerra, a divulgação da doutrina foi prejudicada, e vários periódicos pararam de circular, como a Revista Científica e Moral do Espiritismo de Gabriel Delanne e a própria Revista Espírita.

Após três anos de hiato, a Revista Espírita voltou a ser publicada em 1917, desta vez sob direção de Jean Meyer. Este escritor, editor e filantropo suíço foi vice-presidente da Federação Espírita Internacional, administrou o acervo da antiga Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, e a Livraria Espírita, chamada então de Casa dos Espíritas, até a sua morte em 1931. Ele teve uma atuação essencial no apoio intelectual e financeiro a diversas instituições científicas e filantrópicas, sociedades e congressos, pesquisadores e escritores.

ÚLTIMAS OBRAS Entre 1925 e 1927, três grandes divulgadores espíritas europeus, Camille Flammarion, Gabriel Delanne e Léon Denis faleceram, e seus últimos trabalhos foram excelentes.

As Casas Mal-Assombradas de Flammarion, lançado em 1923, analisa as manifestações físicas que ocorrem em residências, citando a visão espírita e a materialista, provas experimentais da sobrevivência pós-morte e vários relatos.

Neste livro, ele comenta: "Nós não devemos admitir senão o que é demonstrado. É preciso não ser crédulo nem incrédulo, estudar sem prevenções, ser, antes de tudo, livre e independente. É muito natural que as corporações oficiais sejam conservadoras. O essencial ao progresso das idéias é não se deixar circunscrever e recusar, por clássica cegueira, a evidência dos fatos".

A Reencarnação de Gabriel Delanne, de 1926, mostra um resumo histórico das teorias de diversos povos e épocas sobre as vidas sucessivas, cita as bases científicas da teoria, diversos casos históricos ou recentes de lembrança de outras vidas, e de inteligência e habilidades precoces excepcionais. Ele diz: "Nossas relações com o além nos ensinaram... que não existe inferno, nem paraíso, mas que a lei moral impõe sanções inelutáveis àqueles que a violaram, enquanto reserva a felicidade aos que se esforçaram por praticar o bem, sob todas as formas".

No livro O Gênio Céltico e o Mundo Invisível, de 1927, Léon Denis faz uma comparação entre o espiritismo e o druidismo, a filosofia dos celtas. Segundo Denis: "As vidas de além-túmulo eram, para eles, repletas de atividade, fecundadas por uma faina constante, vidas onde a personalidade e a liberdade do ser se desenvolviam e se aperfeiçoavam incessantemente".

Foi a partir da segunda metade da década de 1920, que as ditaduras começaram a surgir. Uma das primeiras foi a de Antônio Salazar em Portugal, em 1926, que como todas as outras ditaduras fascistas e comunistas que assolaram o mundo no século 20 muito prejudicou o

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trabalho dos espíritas. Desde então, as reuniões foram proibidas no país, as sociedades fechadas e seus bens, inclusive livros, confiscados. Os espíritas portugueses se reuniriam na clandestinidade por quatro décadas.

Na próxima parte, veremos a época negra da 2ª Guerra Mundial, com a candeia do espiritismo sendo apagada no velho mundo, até que a tempestade passasse.

FONTE - SOUZA, Juvanir B. de. Esforço histórico - aspectos marcantes de sua trajetória. RJ: FEB, 1984. - ver link - REDAÇÃO. Esperanto e espiritismo In Reformador. RJ: FEB, 2007. nº 2144. pgs 32-33 - MONTEIRO, Eduardo C. Santa Maria entre a terra e o céu In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2005. nº 20. pgs. 50-53 - FERNANDES, Helena. A ciência de Cairbar In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2008. nº 49. pgs. 66-67 - VITUSSO, Izabel. Antes e depois de 150 anos (Zilda Gama) In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007 nº 48. pg. 44 - DOYLE, Arthur Conan. História do espiritismo. SP: Pensamento, 1960. 1º ed. - LUCE, Gaston. Léon Denis - o apóstolo do espiritismo. RJ: CELD, 1989. 1º ed. - Jean Meyer - Espiritismo no século 20 - CAIRBAR, Schutel. Evolução psíquica da humanidade In Revista Internacional de Espiritismo. Matão, SP: O Clarim, 2008. nº 12 ano 82.

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9. durante e depois da GUERRA A 2 ª G u e r r a e a s d i t a d u r a s s i l e n c i a r a m o e s p i r i t i s m o n a E u r o p a , e n q u a n t o n o B r a s i l , u m j o v e m m é d i u m d e o r i g e m h u m i l d e s u r p r e e n d i a o s i n t e l e c t u a i s .

Os primeiros anos da década de 1930 viram iniciar uma nova fase do espiritismo com a publicação de um livro de poesias, "Parnaso de além-túmulo", em 1932. O médium que o psicografou é talvez mais conhecido do que a própria doutrina: Francisco Cândido Xavier.

Francisco Cândido Xavier - depois

de Bezerra de Menezes, é a principal figura do espiritismo

brasileiro. Ele começou seu trabalho incomparável em 1928, aos 18 anos; até 1931 , a sua psicografia foi somente para exercício, e alguns textos chegaram a ser publicados em jornais com o nome do médium. Somente a partir desse ano, a sua missão foi iniciada com a psicografia dos poemas que comporiam o livro "Parnaso de além-túmulo", lançado pela FEB. Entre os autores estavam alguns dos maiores poetas brasileiros, como Antero de Quental, Augusto dos Anjos e Casimiro Cunha.

Esse livro surpreendeu a imprensa da época, que não sabia o que dizer dele. Alguns consideraram Francisco Xavier um gênio, porque os estilos de cada poeta foram perfeitamente

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reconhecidos. Porém, o próprio médium humildemente recusou qualquer elogio, comentando sua vida pobre no interior de Minas Gerais, onde somente pôde estudar até o 4º ano primário.

A história do espiritismo no século 20 está intimamente ligada à trajetória de Francisco Xavier, e às obras escritas pelos Espíritos Emmanuel, André Luiz, Humberto de Campos (Irmão X), Meimei, os principais entre muitos outros que auxiliaram milhares de pessoas, ao longo dos 70 anos de seu trabalho mediúnico.

O ÚLTIMO DEFENSOR DA CIÊNCIA ESPÍRITA Um pesquisador muito importante para a ciência espírita, e que na época estava terminando a sua tarefa, foi o italiano Ernesto Bozzano.

De seus 82 anos de vida, ele dedicou mais de 50 à pesquisa espírita, escrevendo dezenas de livros e artigos que atualizaram e expandiram os dados das obras básicas.

Além do trabalho que promoveu ainda no século 19, com a criação do "Círculo científico Minerva", em 1889, a sua atuação foi especialmente relevante entre as décadas de 1920 e 1940, quando outros pesquisadores já tinham morrido, deixando-o na posição de último dos defensores da ciência espírita.

Todos os tipos de fenômenos foram estudados por ele: xenoglossia (dom dos idiomas), aportes (transportes para lugares fechados), bilocação (aparições em dois lugares ao mesmo tempo), forças do pensamento, entre outros.

Com a sua morte em 1943, em plena 2º Guerra Mundial, numa época em que todos os grandes divulgadores europeus já tinham falecido há anos, pode-se dizer que Ernesto Bozzano foi aquele que "apagou a luz e fechou a porta" do espiritismo na Europa.

A GRANDE GUERRA MUNDIAL Mas o que aconteceu com as sociedades espíritas nesse período?

Em 1934, ocorreu o último "Congresso espírita internacional" em Barcelona, Espanha. O país já contava com 200 sociedades organizadas por federações regionais e por uma central. A Espanha era um dos principais pólos da doutrina na época, e com o início da ditadura de Francisco Franco em 1939, logo após a Guerra Civil, o movimento espírita foi paralisado, e os adeptos passaram a se reunir na clandestinidade.

A França teve as sociedades espíritas desmanteladas, a começar pela "Casa dos espíritas" de Paris, que foi invadida pelos nazistas, onde documentos e objetos foram destruídos. Com o regime fascista de Phillipe Petáin, a situação se prolongou, até que nos anos seguintes pouquíssimos grupos continuaram atuando, os quais usavam o termo "psiquista" em lugar de espírita, e eram científicos.

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Além disso, a doutrina ficou totalmente desmoralizada entre o povo, devido ao mercantilismo e charlatanismo de médiuns que usavam o nome de espíritas e exploravam a população. Até hoje há uma resistência dos franceses a coisas relacionadas à doutrina.

A Itália também teve sociedades fechadas e o periódico espiritualista "Luz e sombra" foi proibido de circular em 1939, e somente retornaria em 1946. Bélgica e Holanda, que tinham sociedades importantes, ficaram sob controle nazista entre 1940 e 1945, com o movimento espírita desaparecendo inevitavelmente.

«É preciso muito esforço do homem para ingressar na academia do evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de es-tranha maneira - ele só, na companhia do Mestre, efetuando o cur-so difícil, recebendo lições sem cátedras visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas. Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa.» - André Luiz (Espírito), Nosso lar, 1944

No Brasil, as coisas foram um pouco melhores. Além do espiritismo ter personalidades locais respeitadas, a partir de 1943, entrava na presidência da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, que seria reeleito até 1970 para o cargo.

Entre os muitos feitos de Wantuil de Freitas estão a defesa da doutrina perante o presidente Getúlio Vargas em 1945, cuja polícia vinha perseguindo os adeptos e até chegou a fechar a sede da FEB por 72 horas em 1937; a criação do departamento editorial em 1946, a partir de quando começou uma divulgação em larga escala, e a assinatura do "Pacto áureo", que uniu as federações regionais em definitivo debaixo da bandeira da FEB em 1949.

A sua atuação também foi crucial quando a FEB e Francisco Xavier foram processados pela família do escritor Humberto de Campos, em 1944, por uso indevido do nome do autor. O Espírito dele vinha escrevendo através do médium, e a família suspeitava de fraude. Com a excelente defesa do advogado Miguel Timponi, e a assessoria de Wantuil de Freitas, que pôs em prática todo o seu conhecimento da doutrina, a justiça deu ganho de causa à FEB, e para evitar mais conflitos, Humberto de Campos passou a assinar os textos com o pseudônimo de "Irmão X", reminiscente daquele que usava para assinar suas crônicas em vida: "Conselheiro XX".

A década de 1940 foi ainda a do início da publicação de uma série de livros sobre a vida dos Espíritos, escrito por André Luiz através de Francisco Xavier. Em 1944, foi lançado "Nosso lar", que foi o primeiro livro espírita a detalhar as cidades existentes nas dimensões paralelas. Esse

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livro dividiu as opiniões dos espíritas, e muitos relutaram em aceitar as novas informações que ele divulgava.

Com o final da guerra, os países europeus iniciaram uma fase de renovação lenta e acidentada, já que muitos tiveram de passar por ditaduras ou governos comunistas e intervenções internacionais. Devido à falta de coisas essenciais para a sobrevivência, à recessão e à necessidade de reconstrução das cidades, o interesse pelas coisas do espírito diminuiu, e durante muito tempo seria mantido por poucos.

Na próxima parte, veremos o progresso da doutrina nas décadas de 1950 e 1960, e os personagens que marcaram o período.

FONTE - Espiritismo no século 20 - CARNEIRO, Altamirando. A psicografia e os eruditos In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 45. pgs. 76-78 - CARNEIRO, Altamirando. Pequena biografia de um apóstolo do bem In Chico Xavier - 60 anos de mediunidade. SP: FEESP, 1991. 2º ed. - GODOY, Paulo Alves. Nota da editora In Fenômenos de Transporte (Ernesto Bozzano). SP: FEESP, 1995. 4ºed. - Espiritismo na França - Wantuil de Freitas - TAVARES, Léia & Rizzini, Jorge. Uma lição de coragem In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. pgs. 90-94

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10. o retorno ao VELHO MUNDO S i t u a ç õ e s i n s ó l i t a s , g r a n d e s a t o s d e d e v o ç ã o e o t r a b a l h o d o s s e m e a d o r e s b r a s i l e i r o s : a d o u t r i n a s e d e s e n v o l v e e v o l t a p a r a o v e l h o m u n d o .

"Memórias de um suicida", livro lançado em 1954, é um dos livros mais importantes da literatura espírita. Nele, o Espírito do poeta português Camilo Castelo Branco relata a sua morte por suicídio, e as conseqüências no plano espiritual. Devido ao sucesso deste livro, foi criado em 1962, o "Centro de valorização da vida - CVV", entidade que com a ajuda e voluntários, busca prevenir o suicídio.

Yvonne do Amaral Pereira - sua

vida foi um exemplo de superação de desafios

A médium que o psicografou, Yvonne do Amaral Pereira é hoje em dia, uma das mais admiradas por seu trabalho, apesar de ter publicado poucos livros. Desde criança ela já demonstrava diversas formas de mediunidade como vidência e audição, e lembrava de suas vidas passadas, o que a fazia sofrer muito, pois ela tinha praticado o suicídio em outras vidas.

Atuou como médium receitista homeopática, auxiliou Espíritos de suicidas em trabalhos de desobsessão, escreveu para a média espírita até a sua morte em 1984. Entre seus livros, estão psicografias de Bezerra de Menezes, Victor Hugo e Léon Tolstói.

Sobre seu trabalho, ela comentou:"É engano pensar que eu esteja em missão... Todo o meu trabalho foi de reparação dos meus erros. A misericórdia de Deus dá, para grandes criminosos do passado, a mediunidade, para que ele, numa única existência, possa resgatar muita coisa, pois a mediunidade beneficia muita gente".

JOSÉ ARIGÓ - O MÉDIUM DO DR. FRITZ

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Um médium desta fase que é muito lembrado, é José Arigó, através de quem o Espírito do dr. Fritz fazia cirurgias totalmente fora dos padrões médicos: sem anestesia, sem assepsia especial dos instrumentos, numa sala comum e com cortes mínimos, que quase não sangravam. Cientistas de todo o mundo foram até a pequena cidade onde ele vivia em Minas Gerais para estudá-lo.

Em 1958, ele foi acusado de charlatanismo, apesar de não cobrar pelas cirurgias. Condenado à prisão, ele foi indultado pelo presidente da época, Juscelino Kubitschek, e continuou com seu trabalho mediúnico. Anos mais tarde, em 1964, ele foi novamente condenado, e dessa vez decidiu cumprir a pena, porque só então descobriu que o indulto é um perdão por um crime, e ele não se considerava criminoso. Mais de um ano depois, seu advogado conseguiu que a pena fosse suspensa, e ele voltou ao trabalho de cura.

Um dos seus maiores defensores foi o jornalista e filósofo José Herculano Pires, que verificou que não havia possibilidade para charlatanismo e que nunca houve nenhum incidente pós-operatório, apesar das condições nas quais as cirurgias eram feitas.

José Herculano Pires foi um grande estudioso da doutrina, tendo escrito livros clássicos como "Pedagogia espírita", "Parapsicologia hoje e amanhã" e "Educação para a morte". Manteve por 20 anos uma coluna sobre espiritismo no jornal "O diário de São Paulo", complementada com mensagens psicografadas por Francisco Xavier, fundou o "Instituto Paulista de Parapsicologia", em 1963, e participou da tradução das obras básicas e dos anuários da "Revista espírita", contribuindo com comentários que atualizaram os dados dos livros.

Até a sua morte em 1979, José Herculano Pires foi uma das pessoas que mais lutaram para que o movimento espírita caminhasse dentro do seu propósito original, ou seja, como ciência, filosofia e religião, e não como mais uma religião dogmática, ou somente uma forma a mais de ciência, como muitos vinham fazendo.

A PERSEGUIÇÃO DE O CRUZEIRO Voltando a falar de Francisco Xavier, quem acha que ele sempre viveu longe de confusões no interior de Minas Gerais, precisa conhecer esse fatos pouco comentados da história do espiritismo no Brasil.

Em 1944, o repórter David Nasser e o fotógrafo Jean Manzon, da revista "O cruzeiro" foram até Pedro Leopoldo, onde Francisco Xavier residia, para fazer uma reportagem com ele, que deveria causar escândalo.

Para intimidar o médium, os dois, acompanhados de um guarda-costas, ameaçaram um sobrinho dele, ainda criança e deficiente físico, jogando-o de um lado para o outro, até que o médium aceitasse fazer o que eles queriam. Dessa forma, conseguiram as fotos que ilustram a matéria, onde o médium aparece sentado numa banheira, como se estivesse "recebendo Espíritos", entre outra cenas ridículas.

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«Não basta buscar a verdade. É preciso buscá-la com amor, estabelecendo o equilíbrio entre raciocínio e afetividade... As realidades eternas podem ser percebidas pela mente, pelo raciocínio, mas só podem ser atingidas e vividas com o auxílio do amor.» - José Herculano Pires, Chico Xavier Pede Licença, 1972

Esse não foi o único caso de má-conduta dos profissionais da revista, e não foi o pior em repercussão ruim para a doutrina. Em 1964, a direção da revista dedicou muitas páginas, mais de 80 fotos, durante três meses, a desmascarar uma suposta fraude.

O repórter José Franco, junto com sete repórteres e fotógrafos, se infiltraram numa reunião no consultório do dr. Waldo Vieira, em Uberaba, MG, onde ele e outros médicos estudavam sessões de materialização.

A inspeção da reunião foi além do cuidado contra fraudes, beirando o desrespeito. Francisco Xavier teve os bolsos de sua calça furados; a médium Otília Diogo, teve seu corpo nu examinado, e depois de vestir uma túnica negra, foi presa a uma cadeira com correntes, algemada e colocada numa jaula. Todos os participantes tiveram de ficar imóveis, com esparadrapos fluorescentes nos ombros. Do lado de fora, a porta era guardada, e a casa vigiada.

Os repórteres presenciaram fenômenos impressionantes: a freira irmã Josefa se materializou por completo, mostrando luzes saindo de seu plexo solar e testa, com um crucifixo sobre o peito. Vozes e luzes foram percebidas e vãrias outras materializações ocorreram.

Apesar de tudo o que viram, eles passaram a escrever artigos nos quais acusavam os médicos de mistificadores, e a médium Otília Diogo de prostituta (!).

Para refutar as acusações e defender a doutrina, Francisco Xavier e Waldo Vieira chamaram escritor Jorge Rizzini, que na época defendia José Arigó na mídia. A cada matéria publicada na revista semanal, Rizzini comentava as acusações na televisão. Até mesmo o renomado perito Carlos Éboli foi contratado pela revista para elaborar um laudo pericial, que foi refutado pelo prof. Carlos Petit do "Instituto da polícia técnica do estado de São Paulo", confirmando que as fotos não tinham sido adulteradas, como alegado.

Ao final de três meses, Rizzini e os repórteres da revista participaram de um debate na TV, no qual o escritor provou que a revista tinha criado a verdadeira farsa. Todo o relato do caso e várias fotos constam do livro de Jorge Rizzini, "Materializações de Uberaba".

DESBRAVANDO O EXTERIOR

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Os primeiros passos para retomar a divulgação da doutrina no exterior começaram a ser dados no final da década de 1960.

Em 1965, Francisco Xavier e Waldo Vieira viajaram aos Estados Unidos e à Europa, onde visitaram sociedades espíritas e espiritualistas em cidades como Washington e Paris. Sua visita incentivou muitos nativos, e principalmente brasileiros imigrantes a formarem grupos de estudos da doutrina.

Mas a grande força por trás da renovação do espiritismo no mundo está no trabalho incansável do médium Divaldo Pereira Franco, que após fazer algumas viagens para palestras em países da América do Sul, foi em 1967 para Portugal e Espanha, onde falou para os adeptos que se reuniam escondidos. Desde então, ele tem viajado pelo mundo todos os anos.

Além de seu trabalho como divulgador, Divaldo Franco é conhecido pela "Mansão do Caminho", instituição que desde 1952 abriga e educa crianças carentes, tendo já reabilitado milhares de jovens. Suas obras psicografadas chegam a mais de 200, de Espíritos como Joanna de Ângelis, Victor Hugo, Manuel Philomeno de Miranda, e Bezerra de Menezes.

Como no poema épico de Castro Alves, psicografado por Francisco Xavier no programa "Pinga Fogo", o Brasil estava começando a sua função de gravar no livro da História "novo rumo à evolução".

FONTE - Espiritismo no século 20 - CARNEIRO, Altamirando. A psicografia e os eruditos In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 45. pgs. 76-78 - CARNEIRO, Altamirando. Pequena biografia de um apóstolo do bem In Chico Xavier - 60 anos de mediunidade. SP: FEESP, 1991. 2º ed. - GODOY, Paulo Alves. Nota da editora In Fenômenos de Transporte (Ernesto Bozzano). SP: FEESP, 1995. 4ºed. - Espiritismo na França - Wantuil de Freitas - TAVARES, Léia & Rizzini, Jorge. Uma lição de coragem In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. pgs. 90-94

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11. a RECONSTRUÇÃO continua O m u n d o r e d e s c o b r e o e s p i r i t i s m o , u m e s p í r i t a é i n d i c a d o p a r a o N o b e l d a P a z , e a t e c n o l o g i a d e m o n s t r a a r e a l i d a d e e s p i r i t u a l n a s d é c a d a s d e 1 9 7 0 e 1 9 8 0 .

O período entre os anos de 1971 e 1990 foi de reconstrução e reajuste da doutrina no mundo, e um época marcada pelos avanços tecnológicos que também repercutiram nos estudos espíritas.

Divaldo Pereira Franco - o maior

divulgador do espiritismo no exterior

Continuando com seu trabalho de divulgação internacional, Divaldo Pereira Franco visitou a Espanha novamente em 1970, ajudando os espíritas locais a reorganizarem o movimento, apesar da oposição do governo. Em 1971, José Aniorte retornou a Espanha, de onde tinha saído por causa da ditadura, e deu um novo impulso na propagação do espiritismo com a distribuição gratuita de livros.

Na França, a "Revista espírita" teve a sua publicação interrompida em 1976, devido a problemas financeiros. Ela estava sob a direção de André Dumas e a "União das sociedades francofônicas para as investigações psíquicas e o estudo da sobrevivência". A "Federação espírita brasileira" se ofereceu para comprar os direitos de publicação, mas foi recusada, e a revista foi "fundida" com o periódico espiritualista "Vida após a morte", passando a se chamar "Renascer 2000".

Com a "Casa dos espíritas" fechada desde 1971, e os nomes "espírita" e "espiritismo" substituídos por "psiquista" e "psiquismo", a doutrina estava cada vez mais desfigurada no país, culminando na absurda publicação de "O evangelho segundo o espiritismo" mutilado,

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porque André Dumas e os membros da sua sociedade acreditavam que esse livro ou não era um original de Allan Kardec ou foi escrito por ele numa tentativa de apaziguar a Igreja.

Essa opinião mostra o nível de desinformação dessas pessoas, já que o processo de composição do "Evangelho" está totalmente documentado na "Revista espírita", e os textos do livro são completamente contra o dogmatismo, restabelecendo a base original do cristianismo.

Essa versão do "Evangelho" acabou sendo publicada no Brasil, e José Herculano Pires foi um dos que combateram esse "modernismo", que durante algum tempo foi apoiado até por Francisco Xavier, antes que Herculano Pires lhe demonstrasse as conseqüências dessa publicação.

Nem todos os espíritas franceses concordavam com as mudanças e liderados por Roger Perez e Louis Serré, se desligaram da sociedade de Dumas, para formar a "União espírita francesa e francofônica", que depois de vários anos de disputa judicial, conseguiu os direitos de publicação da "Revista espírita" em 1985.

ABRINDO NOVAS FRONTEIRAS Foi na década de 1970, que a doutrina começou a ser divulgada na África e em países orientais. Após o período inicial de difusão na Argélia, ainda na época do codificador, o espiritismo foi silenciado na região, voltando a ser propagado a partir de 1971, quando Divaldo Pereira Franco visitou Moçambique e Angola.

No Oriente, a partir de uma tradução em esperanto de "O livro dos espíritos" publicada pela FEB, foi feita uma tradução em japonês desse livro, que passou a ser publicado em Kioto. Em 1987, o livro "O principiante espírita", que contém um resumo da doutrina, foi traduzido para o árabe.

A CIÊNCIA ESPÍRITA Além da divulgação internacional, outro aspecto desta década foi a popularização de novos meios de comunicação com os outros planos, através de aparelhos eletrônicos como rádios, televisões e computadores, técnica conhecida por "Transcomunicação instrumental" (TCI).

Equipamentos especiais são desenvolvidos para melhorar a recepção e envio de áudio e vídeo, mas apesar dos longos estudos feitos em vários países, a TCI é uma das áreas mais controversas da parapsicologia. No Brasil, depois de Hernani Guimarães Andrade, o nome mais associado à essa técnica é o de Sônia Rinaldi.

Dois estudiosos se destacaram nessa época na área científica: Hernani Guimarães Andrade e Lamartine Palhano Jr.

Apesar de ter sido espírita, Hernani G. Andrade é mais conhecido como parapsicólogo. É considerado um dos principais pesquisadores sobre reencarnação e fenômenos físicos, e foi responsável por divulgar a TCI no Brasil. Fundou o "Instituto brasileiro de pesquisas biofísicas"

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e durante anos teve uma coluna sobre ciência no jornal "Folha espírita", ligado à "Associação médico-espírita".

Lamartine Palhano Jr. publicou mais de 30 livros com vários temas, como: filosofia, biografia e ciência. Pesquisou materializações, regressão de memória e outros fenômenos. Criou em Vitória, ES, a "Fundação espírito-santense de pesquisa espírita", onde organizou cursos e desenvolveu estudos importantes. Fora do meio doutrinário, em seu trabalho como bacteriologista, estudou a tuberculose, desenvolvendo novas técnicas de diagnóstico.

Além desses estudiosos importantes, foi na década de 1970 que um dos melhores escritores espíritas, Hermínio Correa Miranda, lançou seu primeiro livro. Sua bibliografia variada inclui livros sobre obsessão, "As duas faces da vida"; biografia, "Negritude e genialidade"; e regressão de memória, "Eu sou Camille Desmoulins". Entre 1958 e 1980, Hermínio C. Miranda escreveu para o "Reformador". Ele é conhecido por escrever livros polêmicos, com uma visão crítica e equilibrada da doutrina, sempre baseados numa pesquisa profunda.

«Educar-se não é apenas adquirir e acumular conhecimento livres-co e sim transformar o que se aprende em sabedoria e adotá-la co-mo norma de procedimento.» - Hermínio C. Miranda, em entrevista para a Universo Espírita, 2006

Em 1981, Francisco Xavier foi indicado para o "Prêmio Nobel da Paz", devido ao seu impressionante trabalho de assistência a 64 instituições de caridade, fundadas ou mantidas com os direitos autorais dos quase 200 livros que ele tinha publicado até então. Até a sua morte em 2002, ele sempre viveu de sua aposentadoria como funcionário público.

Na época, ele comentou a respeito: "Para mim, a premiação é esse mundo de amigos que estou recebendo, esse mundo de carinho que está chegando até mim. Não é recompensa, porque não mereço, não fiz coisa alguma para receber uma recompensa dessas... Quanto ao prêmio em si, há muitos brasileiros capazes de ir à Noruega recebê-lo e honrar nosso país. Eles terão o nosso aplauso".

O "Prêmio Nobel da Paz" daquele ano acabou sendo entregue para o "Departamento do alto comissariado das Nações Unidas para os refugiados".

ESPIRITISMO NO EXTERIOR Entre 1983 e 1985, foram criadas mais sociedades espíritas em vários países, como o "Grupo de estudos Allan Kardec", em Londres, por Janette Dunkan; a "Sociedade educacional Allan Kardec", na Filadélfia, EUA, que passou a publicar livros traduzidos da codificação; e o "União espírita de Genebra - Viver e amar", por Terezinha Rey, na Suiça.

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E enfim, em 1984, os espíritas espanhóis encabeçados por Rafael González Molina e sua esposa Manuela Morata, conseguiram permissão do governo para fundar a "Federação espírita espanhola", e desde então o país é um dos principais núcleos do espiritismo na Europa novamente. Foram 45 anos de clandestinidade do movimento espírita, desde a Guerra Civil até 1981, quando a "Associação espírita espanhola", que antecedeu a federação, foi criada.

Ainda em 1984, os espíritas cubanos, radicados em Miami principalmente, promoveram a conferência regional deste ano, e o congresso espírita de 1987, com o patrocínio da "Confederação espírita pan-americana". Os eventos foram organizados pela sociedade "Ciência espírita kardecista", criada por Luis Guerrero Ovalle em 1974, que foi o primeiro centro espírita da cidade.

Já em Cuba, o brasileiro Clóvis Alves Portes fez a divulgação da doutrina através da distribuição de livros, ao visitar Havana para um congresso internacional de esperanto, em 1990. Desde então, foram organizados pequenos grupos de estudo do evangelho.

Na próxima parte, veremos os principais fatos do final do século 20 e dos anos mais recentes.

FONTE - Espiritismo no século 20 - WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec, vol. 3. RJ: FEB, 1984. 1º ed. - Chico Xavier não é Kardec - por Dora Incontri - Redação. O papel da Revista Espírita na difusão da doutrina espírita In Reformador. RJ: FEB, 2008. nº 2.146. pgs. 11-13 - Redação. Mural da história In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 44. - Hernani G. Andrade - Redação. Em busca do tesouro perdido In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 47. pgs. 66-68 - Miranda, Hermínio C. Obsessor, gente como a gente In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. pg. 26 - Klein filho, Luciano. Seu nome é Francisco In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 41. pg. 10 - História do espiritismo na Espanha - Doutrina espírita em Cuba

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12. o novo MILÊNIO O s a v a n ç o s t e c n o l ó g i c o s d o s ú l t i m o s a n o s l e v a m a d o u t r i n a a n o v a s f r o n t e i r a s , m a s t a m b é m a n o v o s d e s a f i o s . O m o m e n t o p e d e r e n o v a ç ã o i n t e r i o r d e c a d a u m d e n ó s , p o n d o o s p r e c e i t o s d a d o u t r i n a e m p r á t i c a .

A década de 1990 foi um período especial na história do espiritismo, pois foi quando as sociedades espíritas de diversos países resolveram unir forças, e com a difusão dos computadores, o barateamento dos processos de publicação e a popularização da internet, a divulgação da doutrina foi facilitada, levando-a a lugares onde ela nunca tinha ido antes, e permitindo a comunicação entre adeptos de várias partes do mundo.

Monumento em homenagem à Allan Kardec em Lyon, França

O primeiro passo foi dado em 1992, durante o "Congresso espírita mundial" em Madrid, Espanha, no qual foi criado o "Conselho espírita internacional" (CEI), órgão que hoje reúne 32 países, como Estados Unidos, Suécia, El Salvador, Japão, e é claro, Brasil.

A instituição é responsável pela publicação da "Revista espírita", desde 2000 em parceria com a "União espírita francesa e francofônica" (USFF), disponível em francês, espanhol, inglês, esperanto, e na versão digital, em russo, tradução feita por Spartk Severin da Bielorússia. Além disso, ela tem auxiliado as sociedades espíritas internacionais a se organizarem, e tem editado traduções das obras básicas em vários idiomas, como o francês e o húngaro.

Desde essa época, a doutrina tem sido mais divulgada na França e na Bélgica, que nos tempos de Allan Kardec foram os principais núcleos na Europa. Graças ao trabalho incansável da

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brasileira Claudia Bonmartin, diretora do "Centro de estudos espíritas Allan Kardec", que vive na França há mais de 30 anos, Roger Perez da USFF, Charles Kempf, responsável pela "Edições Phillman", que tem publicado livros espíritas em francês, e Jean-Paul Évrard, que retomou os trabalhos do movimento espírita belga.

Nos lugares onde há resistência ao aspecto filosófico da doutrina, ela tem sido divulgada em seu aspecto científico, através de congressos, como foi o caso da Alemanha, onde em 1996 foi realizado o 1º encontro de sociedades espíritas, reunindo alguns dos grupos locais. Os espíritas alemães têm procurado recuperar as obras espíritas do final do século 19 e início do século 20, que foram perdidas durante o nazismo.

Em 1997, foi criada em São Paulo, pelo escritor Eduardo Monteiro, a "Liga dos historiadores e pesquisadores espíritas", que visa resgatar e divulgar a história nacional e internacional da doutrina. Atualmente, ela conta com membros em 11 estados brasileiros e vários países, como Áustria, Suécia e Estados Unidos.

Esta é apenas uma das muitas entidades espíritas que divulgam a doutrina dentro de um segmento específico. Entre elas, há a "Associação médico-espírita", "União dos delegados de polícia espírita", "Associação jurídico-espírita", fazendo do espiritismo no Brasil, uma das doutrinas mais organizadas do mundo.

A doutrina tem se popularizado rapidamente na América do Norte, onde o mediunismo sempre foi popular. Os Estados Unidos, que em 1980 possuíam 12 grupos pequenos, hoje possuem mais de 70 sociedades bem organizadas. Em geral, elas não têm sede própria, e os encontros são feitos em salas alugadas.

O PASSAMENTO DE CHICO XAVIER De volta ao Brasil, Francisco Xavier faleceu em 30 de junho de 2002, e sua morte foi explorada de diversas formas pela mídia. O programa "Fantástico" da Rede Globo, mostrou um documentário com cenas dos últimos dias do médium, e diversos fenômenos foram noticiados, como luzes que se moviam em direção à janela do quarto onde ele estava, e após a morte foram divulgadas fotos que supostamente mostravam seu Espírito.

Sensacionalismo à parte, Francisco Xavier deixou um exemplo de devotamento, integridade e coerência entre o que fazia e o que pregava, que serve para todos nós. Sua figura marcante, se tornou sinônimo não apenas de espiritismo no Brasil, mas de caridade, fazendo com que numa enquete realizada em 1990, ele fosse o escolhido como "líder religioso" com 63% dos votos. O número total de suas obras está em mais de 400, com uma grande quantidade de sucesso de vendas, sendo a base das publicações da FEB.

A partir da década de 1990, os fenômenos espíritas se tornaram cada vez mais populares, sendo usados em novelas, como a reedição de "A Viagem" (1994) de Janet Clair, romances como "Violetas na janela" (1993) de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho e filmes como "Bezerra de Menezes - o médico dos pobres", com lançamento para 2008.

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O único "porém" dessa divulgação em massa, é que em geral, tem-se falado mais sobre os fenômenos, e ainda de uma forma supersticiosa e sensacionalista, esquecendo o aspecto moral, cuja prática se faz cada vez mais urgente, e a razão, para que esses fenômenos sejam compreendidos em sua realidade, e não como "milagres" ou "coisas absurdas".

PEDAGOGIA ESPÍRITA EM AÇÃO Uma das pessoas que mais tem promovido a verdadeira proposta do espiritismo, a fé raciocinada, é a pedagoga Dora Incontri, diretora da "Associação brasileira de pedagogia espírita" (ABPE).

Com base no trabalho desenvolvido inicialmente por José Herculano Pires, Incontri e seus companheiros, promoveram dois congressos de pedagogia espírita, em 2004 e 2006, publicam livros através da editora Comenius, que visam resgatar o trabalho de educadores como o próprio Comenius, Pestalozzi, Rousseau e Rivail (Allan Kardec), que viam as pessoas como seres em desenvolvimento, e a educação como a ferramenta usada para efetivar essa evolução. A associação também promove o primeiro curso de pós-graduação em pedagogia espírita, pela Universidade Santa Cecília, de Santos, SP.

Sobre as diferenças entre a educação atual e a proposta espírita, Dora Incontri comentou: "Chamo a pedagogia espírita de um construtivismo espiritualista. A educação tradicional é meramente conteudista: Venho com uma coisa e deposito na cabeça do aluno... A construtivista, seja materialista ou espiritualista, pressupõe que o aluno constrói o seu próprio conhecimento... Então a educação construtivista prevê que o aluno tem que produzir, tem que fazer coisas e não apenas ficar ouvindo. Só que a diferença entre o construtivismo materialista e espiritualista é que o materialista entende isso apenas no plano cognitivo e o espiritualista entende isso também do ponto de vista espiritual, religioso, afetivo."

«Neste momento, a doutrina espírita, sintetizando o pensamento do Cristo nas informações da sua grandiosa filosofia centrada na experiência dos fatos, apresenta a Era da Paz, proporcionando a visão otimista do futuro e oferecendo a alegria de viver a serviço do Bem. Vivemos os momentos difíceis da grande transição terrestre... Mas é neste momento grave que as luzes soberanas da verdade brilham no velador das consciências, conclamando-nos a todos, desencarnados e encarnados, a porfiar no bem até o fim... Na ampulheta das horas o tempo continua inexoravelmente sem

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tempo para adiamentos. Vigiai orando e amai servindo.» - Bezerra de Menezes (Espírito), 2007

Atualmente, os continentes mais refratários a disseminação da doutrina são o africano e o asiático, devido aos problemas políticos e barreiras sócio-culturais. Ainda assim, há pequenos grupos em Moçambique, Luanda e Japão, que devem dar bons frutos.

Em 2004, ano em que foi comemorado o bicentenário de nascimento de Allan Kardec, o CEI, junto com a USFF promoveram o 4º congresso espírita mundial em Paris, reunindo representantes de 30 países. Além disso, foi promovida uma exposição sobre Kardec, em sua cidade natal, Lião, e em 2005, foi inaugurado um monumento em homenagem a ele na cidade.

Com a expansão atual, a doutrina tem grandes desafios pela frente, e acima da divulgação de seus fundamentos, o momento pede a promoção dos valores que precisamos desenvolver, da fé e da esperança que todos precisamos para efetuar as mudanças interiores que tanto nos faltam.

O espiritismo passou por duas grandes fases: o fenômeno, a caridade e a difusão, e agora entra na fase de interiorização, que nos pede que resgatemos o amor entre os homens, que é a essência do cristianismo, e o ponhamos antes de ritos e práticas que são meros recursos didáticos.

FONTE - Espiritismo no século 20 - PALMEIRA, Vivian. Curiosas histórias do espiritismo In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2008. nº 49. pgs. 8-12. - SOUZA NETO, Juvan de. Foto misteriosa In Espiritismo & Ciência. SP: Mythos, 2004. nº 15. pgs. 26-31 - FIGUEIREDO, Paulo H. de. A jornada de Eduardo Monteiro In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2007. nº 47. pgs. 66-69 - Redação. 150 anos de lançamento de O Livro dos Espíritos In Reformador. RJ: FEB, 2007. nº 2137. pgs. 47-49 - TAVARES, Léia. Em prol da educação In Universo Espírita. SP: Universo Espírita, 2006. nº 33. pgs. 8-12 - Redação. Comemoração do sesquicentenário em Paris In Reformador. RJ: FEB, 2007. nº 2138. pg. 13 - Espiritismo na França - SARDANO, Miguel de Jesus & CARVALHO, Antônio César Perri de. Palestra O Espiritismo no Mundo durante o evento Comemoração aos 150 Anos de Espiritismo. SP: 2007 - DUFAUX, Ermance (Espírito). Reforma Íntima Sem Martírio - psicografia de Wanderley Soares de Oliveira. BH: INEDE, 2003. 6ª ed.