A Constituição Revista - FFMS.pdf

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  • Ttulo:AConstituioRevistaConselhoEditorial: JosATavares

    MiguelPoiaresMaduro

    NunoGaroupa

    PedroMagalhes

    Reviso:BeatrizLuizGomes

    Design: InsSena

    Produo:Guidesign

    ISBN:978-989-8424-28-0

    As opinies expressas neste e-book so daexclusivaresponsabilidadedosseusautoreseno vinculam a Fundao FranciscoManueldos Santos. A autorizao para reproduototalouparcialdotextodevesersolicitadaaosautoreseeditor.

    FundaoFranciscoManueldosSantos

    Abril2011

    Rua Tierno Galvan, Torre 3, 9.o J1070-274 LisboaPortugalTelefone: 21 381 84 47

    [email protected]

    www.ffms.pt

  • 3A Constituio RevistaUm e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos (FFMS)

    Antnio Barreto

    A FFMS (Fundao Francisco Manuel dos Santos) tem, como um dos objectivos prioritrios, o fomento da discusso aberta e do debate pblico. Vrias iniciativas reflectem essa poltica. So os casos, por exemplo, da PORDATA (Base de Dados Portugal Contemporneo) e dos Ensaios da Fundao. O debate pblico para ns um instrumento de formao de opinies livres, to importante quanto os estudos e os projectos em curso.

    Estas razes levaram-nos a idealizar um livro electrnico, e-book, sobre a Reviso Constitucional. No se pretende promover uma discusso inter-partid-ria. Como tambm no desejamos estimular um debate que procure substituir-se ao Parlamento ou aos partidos polticos. Este e-book A Constituio revista, publicado a 2 de Abril de 2011, data do 35. aniversrio de aprovao da Consti-tuio da Repblica Portuguesa, foi idealizado para acompanhar o debate par-lamentar que ocorria ao mesmo tempo na Assembleia da Repblica. Esta, com efeito, teve poderes constituintes durante a legislatura de 2009/13, entretanto interrompida em Maro de 2011. Em consequncia, a comisso de reviso cessou as suas funes. provvel que a Assembleia resultante das eleies antecipadas de 2011 volte a assumir as suas competncias de reviso. Se assim for, estas lti-mas eleies sero certamente uma oportunidade ideal para os partidos polticos exprimirem as suas opinies e informarem os eleitores das suas intenes. Nessa medida, a FFMS entendeu tornar pblico este e-book no momento em que se inicia a campanha eleitoral.

    A Fundao no protagonista deste debate, nem tem uma posio prpria sobre a sua oportunidade. Mas nossa convico que a Constituio pertence a todos os cidados e que estes devem ter a possibilidade de formar e exprimir uma opinio.

    A coordenao deste livro electrnico ficou ao cuidado do Professor Nuno Garoupa, o qual, com os Professores Miguel Maduro, Pedro Magalhes e Jos A. Tavares, formam o respectivo Conselho Editorial.

  • 5A Constituio RevistaUme-bookdaFundaoFranciscoManueldosSantos(FFMS)Jos A. Tavares Miguel Poiares Maduro Nuno Garoupa Pedro Magalhes

    AFFMStemvindoadesenvolverumconjuntodeiniciativasintegradasnumpro-jectodetrabalhosobreaJustiaeoDireitoquesereflectenaproduodeestu-dos,prospectivosouretrospectivos,comoquesepretendeconsolidarumaformadiferentedeolhar a Justia.Nesse contexto, surgea iniciativadeume-BooksobreaConstituiodaRepblica.

    Constituio Revista um stio de encontro de autores com pontos devistadistintos,opiniesdiversas,mltiplasexperinciasepreocupaesdiferen-tes.Encontram-seaqui,comumaperspectivamultidisciplinar,afimdediscutirideiasepropostas.Juristas,economistas,politlogosesocilogosescrevemsobreaConstituiodaRepblicanuma linguagem simples eparaumpblico alar-gado.CadaautorescreveumtextocurtosobreumaquestoconcretadaCons-tituio:reverouno,acrescentar,eliminaremudarsoaspalavras-chavedosautores, todoseles reconhecidosespecialistasna suareadosaber.Aomesmotempo,Constituio Revista,examinaereflectesobretodootextoconstitucio-naldeformaaentenderosdebatesmaisimportantes.Apresentapoisumavisodiferente, abrangente, eventualmente polmica, daConstituio daRepblica,comaqualidadeeorigorreconhecidosaosdocumentosproduzidospelaFFMS.

    AFFMStemcomoobjectivoprimordialinformarefomentarodebatepblico.Constituio Revistadesenvolve-senomodelodeume-bookpara facilitaressedebate.Desdelogoporestardisponvelonlinegratuitamenteatodososlei-tores interessados,deformaaenriqueceratrocade ideiaseaestimularapar-ticipaodasociedadenareflexosobreaConstituiodaRepblicahojeenofuturo.

  • ndice temtico

    Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    13 A Constituio dos Princpios fundamentais e dos Direitos, Liberdades e Garantias: Actualizar e Reduzir a Complexidade

    David Duarte

    19 Reviso Constitucional: Ideologia & Vouchers Polticos Guilherme Vasconcelos Vilaa

    23 Recuperar o Estado e a Poltica Lus de Sousa

    Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    33 Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais (Art. 58. a 79.) e Organizao econmica (Art. 80. a 107.) Francisco Jos Veiga

    37 Breve Comentrio Constituio da Repblica Portuguesa Pedro Pita Barros

    43 A constituio (econmica) revista Maria Eduarda Gonalves

    49 Despesas (e Receitas) Jos A. Tavares

    55 Reviso Constitucional Lus Campos e Cunha

  • Organizao do poder poltico

    65 Parte III da Constituio da Repblica: Semipresidencialismo on probation? Carlos Blanco de Morais

    73 Constituio e Sistema Poltico Eleitoral Andr Freire

    81 Organizao Poltica Marina Costa Lobo

    87 O problema da intriga no sistema de governo da Constituio Pedro Lomba

    95 Os Actos Normativos Tiago Duarte

    103 A necessria eliminao do n. 11 do artigo 115. Pedro Magalhes

    Tribunais

    109 O Governo da Justia e a Constituio Nuno Garoupa

    115 Reviso Constitucional e Tribunais Vieira de Andrade

    Garantia e reviso da Constituio e disposies finais

    123 A reviso da Constituio Miguel Nogueira de Brito

    127 Algumas consideraes sobre a Garantia e reviso da Constituio e as Disposies finais e transitrias

    Jos Manuel M. Cardoso da Costa

    135 A Constituio como problema Antnio Arajo

  • ndice de autores

    75 Andr Freire Constituio e Sistema Poltico Eleitoral

    137 Antnio Arajo A Constituio como problema

    67 Carlos Blanco de Morais Parte III da Constituio da Repblica: Semipresidencialismo on probation?

    15 David Duarte A Constituio dos Princpios fundamentais e dos Direitos, Liberdades e Garantias: Actualizar e Reduzir a Complexidade 35 Francisco Jos Veiga Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais (Art. 58. a 79.) e Organizao econmica (Art. 80. a 107.)

    21 Guilherme Vasconcelos Vilaa Reviso Constitucional: Ideologia & Vouchers Polticos51 Jos A. Tavares Despesas (e Receitas)

    129 Jos Manuel M. Cardoso da Costa Algumas consideraes sobre a Garantia e reviso da Constituio

    e as Disposies finais e transitrias

    25 Lus de Sousa Recuperar o Estado e a Poltica57 Lus Campos e Cunha Reviso Constitucional

    45 Maria Eduarda Gonalves A constituio (econmica) revista

  • 83 Marina Costa Lobo Organizao Poltica 125 Miguel Nogueira de Brito A reviso da Constituio

    111 Nuno Garoupa O Governo da Justia e a Constituio

    89 Pedro Lomba O problema da intriga no sistema de governo da Constituio 105 Pedro Magalhes A necessria eliminao do n. 11 do artigo 115.

    39 Pedro Pita Barros Breve Comentrio Constituio da Repblica Portuguesa

    97 Tiago Duarte Os Actos Normativos 117 Vieira de Andrade Reviso Constitucional e Tribunais

  • Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

  • 13A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    A Constituio dos Princpios fundamentais e dos Direitos, Liberdades e Garantias: Actualizar e Reduzir a ComplexidadeDavid Duarte

    1. Causas da alterao da Constituio como acto normativo: delimitao

    1.1.Talcomoocorrerelativamenteaqualqueractonormativo,tambmnocasodaConstituioarealizaodealteraespodeserreconduzida,quantossuascau-sas,aduascategoriasessenciais:(i)asalteraesestritamentetcnico-jurdicas,emqueamodificaotemporobjectootextoeosaspectostcnicossubjacen-tes,e(ii)asalteraesaoscontedos,nasquaisamodificaotemporobjectoanormacontidanotextoeemcausaestcriarumsentidoordenatriodistintodoanterior1.Simplificando,podemdesignar-seasprimeirascomoalteraes tcnicaseassegundascomoalteraes polticas.

    1.2.Nopresentecontexto,asalteraes polticas sorelativamentesecundrias.Desde logo,porquenohsentidoemdecidir,aqui, sobreoscontedosqueaConstituiodeveriacompreender.Asalteraes polticassooresultadodeesco-lhasideolgicase,paraalmdisso,podedizer-seque,nasmatriascobertasnosprimeiroscinquentaeseteartigos,aConstituiojexpressaumconsensoalar-gadonoqualoscontedossopoliticamentepacficos.

    1.3.Asalteraes tcnicasso,ento,asquerelevamaquieque,porisso,voserconsideradasnotextoquesesegue.Primeiro,nageneralidade,quantoaaspectostransversaisqueextravasamoestritombitoqueumartigoconsubstanciacomounidade temtica. Segundo, na especialidade, quanto a aspectos pontuais queapenasaessedomniosereconduzam.

    1 Ao contrrio do que pode eventualmente ser equacionado, no parece haver fundamento para entender que a Constituio tenha alguma especificidade nesta matria. Como acto normativo, a Constituio alterada pelas mesmas causas que conduzem alterao de qualquer outro acto normativo e aquilo que a diferencia provir de uma funo antecedente do Estado e conter as normas superiores do ordenamento em nada se cruza com a diferenciao feita entre aquelas.

  • A Constituio Revista14

    2. O regime dos direitos, liberdades e garantias e o knowhow que lhes subjaz

    2.1.Acircunstnciadeodireitoserumresultadodaacodosquepontualmenteocupamaposiodeautoridadenormativaimplicaqueconfiguradodeacordocomoconhecimentocientficoque,sobreoprpriodireito,poraquelesdetidonomomentodaaco.Aregulaonormativa,porisso,tecnicamentedatada,podendoficaroperativamentelimitadaquandopartedepressupostoscientficosque,entretanto,sealteraram.

    2.2.Asconsideraesanterioressorelevantes,especificamente,paraumapartesubstancialdoregimedosdireitos,liberdadesegarantias:umcasoclaro,comoseentende,deumacervoregulatriodisfuncionalizadoemrazodeoknow howsubjacentesetertornadoobsoleto.

    2.3.Comosabido,avisopressupostanaarquitecturajurdicadesteregimeviaas normas de direitos, liberdades e garantias como regras, normas que, porisso,apenasatribuameapenastutelavam,editodeformasimplista,acondutapadrododireitoemcausa.Dadecorriaque,porumlado,apenassecolocavao problemade saber se uma conduta se integrava ounonesse padro e, poroutro,queasrestriesaosdireitosapenasocorriamcomaslimitaesqueafec-tassemacondutaquefaziaoperfildodireito2.Avisosubjacente,quefaziadarestrio,assim,umararidade,casavabemcomasnormasreguladorasdasrestri-es:comoaindaconstadoartigo18.,aquelasapenaspodemterlugarquandoestejamexpressamenteprevistasnaConstituioe, igualmente, quando sejamformuladasemnormalegislativa(amais,comautorizaoparlamentar).Sobesteparadigmacientfico,praticamentetudobatiacerto:seasrestrieseramape-nasasinterfernciasnacondutatpicadodireito(proibiodeproferiropiniespolticasnaliberdadedeexpresso,porexemplo),facilmenteseconcebiaquealimitaotivessedeserfeitaporleiequeamesmaspudesseserfeitaquandoaConstituioexpressamenteoautorizasse3.

    2.4.Estavisodasnormasdedireitos,liberdadesegarantiascomoregrasfoi,comohojeclaro,totalmentepostergada.Asnormasemcausatmestruturadeprincpioseessaestruturaimplicaquequalquercondutaqueasereconduza,maisoumenosprximadopadro(deproferirumaopiniopolticaadifamaroutrem,porexemplo,nocasodaliberdadedeexpresso),estcobertapelodom-niodanormaedessaformaporelaprotegida,pelomenosprima facie4.Assim,nosoasnormasatributivasdedireitosqueexcluemcondutasemsiintegrveis(comodifamar),dadoque,emrigor,soasnormasqueprotegemcondutascon-trrias(protecodahonra,porexemplo)queasafastamdocampodalegitimi-dadejurdica.Comoprincpios,asnormasdedireitosfundamentaisalargamo

    2 O que , no fundo, o cerne da teoria dos limites imanentes. Sobre a teoria, Jos Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 2. ed., Coimbra, 2001, pp. 283 e ss.

    3 O que, no obstante, j se compreendia menos bem, dado que esta norma, mesmo na concepo tcnica original que serviu de base ao texto constitucional, j era fonte de problemas de difcil superao.

    4 A revoluo cientfica a que se alude , portanto, a que decorreu da moderna teoria dos princpios e que, de alguma forma, surge exactamente no domnio dos direitos fundamentais. Exemplos da mesma podem ser vistos, entre tantos, em, Laura Clerico, El Examen de Proporcionalidad en el Derecho Constitucional, Buenos Aires, 2009; Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero, Las Piezas del Derecho, 4. ed., Barcelona, 2007; Martin Borowski, Grundrechte als Prinzipien, Baden -Baden, 1998; e Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. ed., Frankfurt am Main, 1996.

  • 15Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    seumbitodeprotecoe,dessemodo,gerammaisespaoslimitveis,aresolvernoplanodoconflitodenormasedaconsequenteponderaoentreestas5.

    2.5.Apesardeaquestopoderser,porventura,demasiadotcnica,certoqueacompreensodasnormasdedireitos, liberdades e garantias comoprincpiosconduziuaquepartedoartigo18.,relativoaoregimederestries,setenhator-nadodesfasadodarealidade.ocasodanormaqueexigequearestriosejafeitaporlei:seasnormasdedireitos,liberdadesegarantiassoprincpiose,porisso,abrangemtodasascondutasareconduzveis(abrangendoasquenoselimitamaopadro),impensvelqueapenassepossamfazerrestriesporactolegislativo.Serqueinconstitucionalqueumaautarquiadefinacomquecoressepodepin-tarumprdio,limitandoodireitodepropriedade?Ouqueaproveumaposturaemquedetermineondepermitidopintarmuraispblicos,restringidoasliberdadesdeexpressoedecriaocultural?Parececlaroquenofazsentidoqueassimseja.o caso, tambm,danormaque impea expressapreviso constitucionaldasrestries.que,havendonormasconstitucionaisqueatribuemdireitossemres-triopossvelprevista(porexemplo,entretantos,aliberdadedemanifestaodoartigo45.),daquelanormadecorrequequalquerinterferncianodireitoincons-titucional. Serqueumanormaqueprobamanifestaes s quatrodamanhemreasresidenciaisinconstitucional?OuquetambmoanormaqueexigeumaautorizaopolicialparaumamanifestaonoMarqusdePombalhoradeponta?Naturalmente,tambmparececlaroquenofazsentidoqueassimseja.

    2.6.AmudanadeparadigmaqueamodernateoriadosprincpiosefectuouemtodaateoriadosdireitosfundamentaisdeixouadescobertoqueaConstituioest totalmente desajustada da realidade normativa em que aquelas situaesjurdicas semovem.E,muito emparticular, no ponto emqueda resulta queas restries so efeitosponderatriosdenormas contrrias,nopodendo serjuridicamenteorganizadas,porisso,apartirdeumregimequenuncaconcebeu,sequer,aponderao.Destemodo,e,quantomaisnofosse,paraevitarqueosrgosoficiaisdeaplicaododireitotenhamdefazeracrobaciasvriasparasal-varoquejnotemsalvao6,eraimportantequeseenfrentasseoproblemaequeseredefinissetodaaarquitecturadoregimedosdireitos,liberdadesegarantias.

    3. Os excessos de linguagem dos textos normativos em anlise

    3.1. Aredacodenormasobedece,sempre,aumprincpiobsicodeeconomiademeios.Aoescreverumanorma,aautoridadenormativadevelimitar-seautilizaraspalavrasestritamentenecessriasparatraduzir,nocasonalnguaportuguesa,ocontedoregulatrioemcausa.Naturalmente,oquesepretendequeotextodanormapermitaapreender,semdificuldadesespeciais,osignificadoainscrito,

    5 Entre tantos exemplos, Giorgio Pino, Diritti e Interpretazione, Bologna, 2010; Jan Sieckmann, El Modelo de los Princpios del Derecho, Bogot, 2006; e Stephen Utz, Rules, Principles, Algorithms and the Description of Legal Systems, in Ratio Juris, vol. 5, 1992, pp. 23 e ss.

    6 A referncia , em primeira linha, e naturalmente, ao Tribunal Constitucional: como o mostrou de forma incontornvel Jorge Novais (cfr., As Restries No Expressamente Autorizadas aos direitos Fundamentais, Coimbra, 2003, por exemplo, pp. 597 e ss.), foram vrias as tcnicas usadas por aquele rgo para evitar os problemas que a aplicao sria das normas em causa implica.

  • A Constituio Revista16

    objectivo cuja prossecuo passa tambm pela eliminao de outros excessosdelinguagem,como,eporexemplo,osqueresultamdeconstruessintcticascomplexas,dautilizaomassivadeadjectivosedeadvrbios,bemcomodacon-figuraodeoraesdemasiadoextensas.

    3.2. Os primeiros cinquenta e sete artigos da Constituio so um bom (mau)exemplodosexcessosde linguagemassinalados.Soba justificaofrequentedeversaremmatrias polticas fundamentais e estruturantes, como se issoos exi-missedasguidelinesbsicasdaredaconormativa,osreferidosartigosoferecemvrioscasosdeenunciadosdenormadesnecessariamentecomplexosporrazeslingusticas.Relembrandoqueumtextodenormaumaestruturalingusticaquedevereflectirumaunidadenormativa,bastaolharparaoartigo2.paraqueaafir-maoanteriorsedemonstreporsis.Analiticamente,inaceitvel:namesmaconstruofrsicaencontramosfundamentos,limiteseobjectivos,paraalmdeumaqualificaodosujeito,aRepblicaPortuguesa,desorganizadamentedescritacomoumEstadodedireitoatravsdetodosaquelespredicados.SejduvidosorelatarnumaConstituiooquecaracterizaoEstadodedireito,poisoprincpiofuncionaautonomamente(semmanualdeinstrues),parececlaroque,paraalmdisso,nadajustificaesteexerccioextremodegongorismoconstitucional.

    3.3.Masoutrosexemplospodemdar-se.ocaso,muitosignificativo,doartigo7.,comparticularpertinnciaparaon. 1,on.2eon.6, textosemquesevcomoaautoridadenormativa,numtomdemanifestopolticoimpertinentenumactonormativo,seesqueceuqueostextosdasnormasservemparaenunciarsentidosordenatriosequedelessupostoretirar-se,comumgraumnimodeclareza,oquepermitido,proibidoouimposto.Naturalmente,acircunstnciadeseroEstadoodestinatriodestasnormasirrelevanteparaocaso.

    3.4. Detudoistoresulta,nitidamente,ecomoseentende,umaevidenteneces-sidadedelimpezalingusticadotextoconstitucional.Indoparaalm,inclusive,dosexemplosdados,todososprimeiroscinquentaeseteartigosdaConstituioprecisam,dealgummodo,deumaintervenodirigidareduodacomplexi-dadelingusticaqueosafecta.

    4. O n. 2 do Artigo 13.

    4.1.O teordon.2doartigo 13.umbomexemplodecomoasboas inten-espolticaspodemsertecnicamentecontraproducentes.Aoestabelecer-seumconjuntodecritrioscombasenosquaisseprobeprejudicaroubeneficiarquemquerqueseja,salientandoaquelesaspectosemseentendequeadesigual-dadesocialmentemaissensvel,ficoucompletamentedesconsideradaapremissa

  • 17Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    segundoaqualtodaequalquerdiscriminao,sobqualquercritrio, juridica-mente legtimadesdequetenhabasematerialesejaconstitucionalmente justi-ficada.Porisso,oscritriosdon.2doartigo13.noservemparanada,comoaexperinciacomprova,dadoqueoproblemadadesigualdadenoestnocritriodacomparao,masnaexistnciadefundamentosqueconstitucionalmentelegi-timemacompressoda igualdadeperantea lei.SeosujeitoXestproibidodeconstituirumaassociaoqueperfilheaideologiafascista,comoresultadon.4doartigo46.,essaproibiooresultadodeumadiscriminaocombasenaideologia(proibidanon.2doartigo13.).Masnoh,evidentemente,nenhumacontrariedadecomoprincpiodaigualdade:oquehumalimitaolegtimasus-tentadanoprincpiodemocrtico,que,aqui,prevalecenoseuconflitocircunstan-cialcomaigualdadeformal7.Paraalmdacolisoomnipresenteentreasigual-dadesdepartidaedechegada,on.2doartigo13.esquece,assim,queanormadeigualdadesvioladaquandonohjustificaoconstitucionaldadesigualdade.4.2.Dasconsideraesanterioresresulta,destemodo,atotalinutilidadedenticadocontedoprevistonon.2doartigo13.Noobstanteosignificadopolticoqueapossaestarcontido,oquecertoque,tecnicamente,trazmaisproblemasdoquesolues.Emrigor,deveriaser,puraesimplesmente,eliminado.

    5. O n. 1 e o n. 2 do Artigo 23.

    5.1.AcolocaodasnormassobreoProvedordeJustianapartefinaldoTtuloIdaParteIdaConstituioj,porsis,bastantequestionvel:(i)trata-sedeumrgo administrativo independente entre tantos outros, (ii) que, naturalmente,notemoexclusivodatuteladosdireitosfundamentais,e(iii)queestancoradoconstitucionalmente,semqualquerpertinnciasistemtica,nomeiodenormasmateriaissobreaquelesdireitos.Mas,maisdoqueisso,oquedecorredesteartigoumaenormeindefiniosobreoobjectodasuaactividade,dadoqueoconceitodepoderespblicosutilizadoparaorecortardemasiadoindefinido,emnadacontribuindo a Constituio, aqui, para que se especifique claramente qual ombitodasfunesestaduaissobreasquaisexerceassuascompetncias.Emuitohaveriaaproblematizarnestasede,dadoque,pelanaturezadascoisas,edescon-tandoacompetnciadeiniciativanafiscalizaodaconstitucionalidade,afunoestadualparaaqualumOmbudsmanestevidentementevocacionadoafunoadministrativadoEstado:nosecompreende,porisso,comoaConstituioper-mite,luzdaqueleconceito,queseequacioneumespectrodeacoqueabranjaafunojurisdicional.Destemodo,malnofaria,porventura,definirdeformamaisprecisaemquesedepodemessesdireitossertuteladospeloProvedordeJustia.

    5.2.Umapequenanotasobreon.2doartigo23.parasugeriracorrecodotermograciosos,terminologiacaduca,que,emnada,elevaaConstituio.Um

    7 Este exemplo , naturalmente, um entre muitos possveis, utilizando--se propositadamente uma norma do texto constitucional. Todavia, no difcil, com qualquer um dos critrios do n. 2 do artigo 13., imaginar um regime em que, com justificao constitucional, se preveja uma discriminao (positiva ou negativa) juridicamente legtima.

  • 18

    resquciomonrquico,poiseraaoReique,paraa suaGraa, seapelava, equetraduzoquehojesedesignacomoimpugnaesadministrativas.Nomuitolongeesttambmaexpressocontenciosas:emrigor,edadaapolissemiadapalavra, todo e qualquer litgio , pordefinio, contencioso.Muitomelhorficavasefosseditoqueaindependnciarelativasimpugnaesadministrati-vaseprocessuaisprevistasnaConstituioenasleis.

    6. O n. 3 do artigo 43.

    6.1.Umpequenodetalhetcniconon.3doartigo43..Autilizaodopresentedo indicativona redaconormativa,pacificamenteaceite,noumcapricholingustico. Traduz, diferentemente, e excluindo casos excepcionais, a exign-ciadeasnormasproduziremefeitosdesdeomomentoemque iniciamvign-cia,afastandoqualquerprospectividadeocultaquetemposverbaisdistintospos-samencobrir.Porisso,nosetratadeoensinopbliconoserconfessionalnofuturo,masantesdenooserdesdej.Oqueaquideveriaestar,assim,queoensinopbliconoconfessional.Emrigor,anormatalcomoredigidapermite,atumqualquermomentoindefinido,que,enquantonoofor,possairsendo.

    7. O n. 3, o n. 4 e o n. 5 do Artigo 55.

    7.1:.difcildecompreendercomoque, tratandooartigo56.dosdireitosdasassociaessindicais,on.3,on.4,eon.5doartigo55.,exactamentesobreomesmo, aparecemnocontextodeumartigo tematicamente relativoliberdadesindical.umasituaoclaradedesorganizaosistemtica,numapartedaConstituioemqueanecessidadedeclarezadotextosuscita,muitoemparticular,umalimpezalingusticaprofunda.Mas,independentementedisso,fariaalgumsentidoarrumarnosartigosprpriosoquerelativoaosdireitosdasassociaessindicaiseoquerelativoliberdadesindical.

    David Duarte Professor da Faculdade de Direito

    da Universidade de Lisboa. Membro da Comisso

    de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Consultor Principal do Centro Jurdico da

    Presidncia do Conselho de Ministros. Autor

    de obras monogrficas e de artigos em revistas

    nacionais e estrangeiras nos domnios da teoria

    do direito, do direito administrativo e dos direitos

    fundamentais.

  • 19A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Reviso Constitucional: Ideologia & Vouchers Polticos1

    Guilherme Vasconcelos Vilaa2

    Nos ttulos Princpios fundamentais (Art. 1. a 23.) e Direitos, liberdades e garantias (Art. 24. a 57.) da Constituio da Repblica Portuguesa, o que acha que deve mudar, acrescentar, retirar ou o que deve necessariamente manter se?

    0. Introduo

    Nesteensaiorespondoperguntaquemefoifeitalanandoparaoespaopblicoduasideiasconcretas.Ambasprocuramajudaraconstruiralgumasdascondiesnecessriasparaaemergnciadeumasociedadecivilparticipativa.

    Na seco I, sugiroquedevemosmudara formacomoentendemosa ideiade reviso constitucional.UmaConstituiono s (um) texto; tambmasuaprticadeacordocomaformacomomobilizadaeinterpretadapelosmaisvariadosactoressociais.Assim,abrira ideiaderevisoprticaconstitucionalajuda-nos a entendermelhor que o sucesso de umaConstituio depende demuitosoutros factoresquenoapenaso texto.Ou seja, devemos relativizar anossa obsessopela reviso constitucional j que esta, por si s, nada resolve.Antespelocontrrio,jquegastamosasnossasenergiasemmomentostempo-ralmenteexcepcionaisnegligenciandoadinmicaconstitucionalqueacontecedeformaconstanteecontnua.Alioclara:nenhumarevisoconstitucionalsemaconsideraodaarticulaodotextoeprticaconstitucional.

    NasecoIIproponhoqueofinanciamentopblicodavidapolticaportu-guesapasseaserdistribudoatravsdeumvoucherdadoacadacidado.Maisainda, sugiro que o financiamento pblico abranja no s partidos polticos,comoseverificaactualmente,mastambmorganizaesdasociedadecivil.Estaequiparaoentreorganizaesdasociedadecivilepartidospolticosparececon-tradizerotratamentoconstitucionalprivilegiadoqueaConstituiodaospri-meiros,nomeadamentenoartigo51..Arevisodesteartigopodesernecessriaparasinalizarumaenormemudananaconcepodavidapolticaportuguesadadooactualmonopliopartidriodemediaopolticaeaenormedistnciadoeleitoradofaceaospartidosepolticaemgeral.

    1 Recorro ao estrangeirismo voucher que pode ser traduzido, no contexto deste ensaio, por cheque--poltico; um vale ou cupo de montante X que os cidados s poderiam gastar em partidos polticos ou organizaes da sociedade civil.

    2 Neste artigo, desenvolvo algumas ideias anteriormente elaboradas no mbito de um projecto patrocinado pelo Instituto S Carneiro, em que colaborei como independente, coordenado pelo Professor Miguel Poiares Maduro, dedicado reforma do sistema poltico -partidrio portugus. Agradeo aos membros desse grupo de trabalho pelas discusses acesas de alguns dos pontos que abordo aqui.

  • A Constituio Revista20

    1. Ideologia Constitucional

    Portugalpossuiumadasmaislongasconstituiesdomundocomumcat-logodedireitosfundamentaistambmentreosmaisextensos.Naverdade,bemdifcilimaginarmatriasquenoestejamminimamenteabordadasnaConstitui-o.Emmeuentender,estefactoevidenciaanossacrenapositivistadequequal-queroposobreacoisapblicatemdeserinscritanumtextojurdicosobpenadenoexistir.Tornarexplcitososnossosvalorespolticosesociais,portanto,ummodode serdanossa cultura jurdico-poltica.Fazerpolticaegovernaropasequivale,destemodo,amudarleiseaConstituiosemprequeaprpriaopermiteporqueseentendequeumavezmudadasasleissemudamtambmoscomportamentos.Assim,pareceperfeitamentenormalque,empoucomaisde30anosdevida,onossotextofundamentaltenhaconhecido7revisesconstitucio-naisauspiciandomuitasmaisnaforja.

    Estateseparece-mecontudomuitoproblemtica.Aobsessocomotextopelotexto faz-nos esquecer queumaConstituio tambmpode e deve sermedidaquantoaosefeitosqueproduzjuntodeumadadacomunidade,bemcomoquantoformacomoimpregnaestaltima.Porexemplo,apesardalouvadaqualidadetc-nicadaCRP,qualasuarelaocomocrescimentoedesenvolvimentodopas?Ouqualasuarecepoevidajuntodocidadocomum?Isto,concentramo-nosmaisnumelementoestticoepontual,otextoearevisoconstitucional,doquenapr-ticaconstitucionalemqueasnormasfundamentaissointerpretadase,porisso,(re)criadasconstanteefrequentemente.Assim,privilegia-seopapeldoParlamentonaprticaconstitucionalquandodiariamenteemuitomaissignificativamenteestaltimadesenvolvidapor inmerosoutrosactorescomotodosns, cidados,ergosformaiscomoostribunaise,sobretudo,oTribunalConstitucional.

    Em suma, ao prestar demasiada importncia quilo que i) um elementoestticoe ii)ummomentoextraordinriodaprticaconstitucional,oentendi-mentodominanteaquiexpostodificultaaafirmaodeumasociedadeabertadeintrpretesdaConstituiojque,destitudadepoderesformaisparamudarosacrossantotexto,parecevotadaaumaposiodebufo:discussoinfantileespriadavidapblicaesuasopesfundamentais.

    Ficouclaro,portanto,queentendoquearevisodaConstituionosnoresolve por si problema algum da nossa sociedade, como tambm restringe onossoentendimentodaprticaevidaconstitucionaiseque,porisso,devemos,aoinvs,prestaratenoprticaconstitucionalqueinvisivelmentedesenvolve,adapta, exprime e corrige aCRP. Apesar da crnica desconfiana que a nossasociedadedemonstraemrelaoaos juzes, fundamentalperceberquenumasociedadeabertaepluralemqueaConstituioarbitraa intervenodedife-rentesgruposeactores,ocentrodosistemajurdicosedeslocoudoParlamentoparaoPoder Judicial.A consequncianatural e lgicadestaposio aperdadeimportnciadaideiaderevisoconstitucionalearejeiodepropostasque

  • 21Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    sededicamamerasalteraesdaletradotextocomofrequentementesugeridopelosnossospartidospolticos.

    Dentrodamesmalgica,proporeinasecoseguinteanicaalteraocons-titucional que penso ser necessria.Defendo que necessrio alterar o quasemonopliodavidapolticaqueaCRPatribuiaospartidospolticosparadinami-zarerevitalizarestaltima.Comoexporeinaslinhasqueseseguem,talimplicaalteraroactualsistemadefinanciamentopartidrioparaquepartidospolticostenhamdeconcorrercomassociaespelosfundospblicos.

    2. Vouchers, Partidos e Associaes

    Ospartidospolticoseaprpriapolticavivemdiasdifceis.Aconfianadoscida-dosnospartidospolticosassustadoramentebaixacomooEurobarmetrotemvindoaconfirmar.Almdisso,onmerodemilitantestemvindoabaixar.Poroutrolado,eemlinhacomafamosatesedoPartidoCartel,ospartidospolticosestocadavezmaisinterligadoscomoEstado,tendo-setornadoquaseagentespblicos.EstatendnciaestbempatentenaformacomoemPortugalosparti-dostmomonoplioderepresentaopoltica,organizaoeexpressodavon-tadepopular.Talprimaziaconstitucionalajudaadisseminaraindamaisaideiadequeospartidospolticossofundamentaisnavidadanossademocraciaequeamesmanopoderiaexistirsemeles.Estaligaoumbilicalajudadesdelogoajustificarofinanciamentopblico(eseuaumento)dospartidos,bemcomoades-culpabilizarassuasprticasgeneralizadasdecorrupoefinanciamento ilcito(dadaaimprescindibilidadedospartidos).Maisainda,omonoplioderepresen-taopolticaeorganizaoeexpressodavontadepopularacopladosactuaisregrasdefinanciamentonodoquaisquerincentivosaospartidospolticosparainovaremedinamizaremavidapoltica.

    Pararenovaravidapolticaepromoveroidealrepublicanodeparticipaopol-tica,proponhoqueospartidospolticostenhamdeconcorrerpelofinanciamentopbliconosentresi,mastambmcomorganizaesdasociedadecivilegru-posdeinteresse.Destarted-seumpassotambmpararesolveroparadoxoactualdetremendafaltadeconfiananospartidospolticoseoseumonopliodavidaedinheiropolticos.Umapropostadogneroexigeumamudanaem2pontos:

    Ao invs de se atribuir o financiamento dos partidos automaticamente deacordocomonmerodevotoseassentosobtidosnaseleiesanteriores,ovoucheratribuiacadacidadoeleitorXeurosporanoqueesteterparagastarescolhendoquepartidofinanciar.Ouseja,naprticaoeleitorpassaavotar2vezes:umanocandidato/partidoeoutranodestinoadaraodinheiropblicoparaofinanciamentodospartidospolticos.Destaforma,oseleitorespoderorespon-sabilizarospartidosduplamente,retirando-lhesoapoiopolticoe/oufinanceirocriandoincentivosaumamelhorperformance.

  • 22

    Seguidamente deve estender-se omodelo do voucher tambm ao financia-mento da sociedade civil impondo aos cidados que escolham entre financiarpartidos polticos e/ou organizaes da sociedade civil (no partidrias). Umaoutraideiapromissora,dadoodescontentamentogeneralizadofaceaospartidospolticos,consistiriana introduodofinanciamentoobrigatriodeestruturasapartidrias.Porumlado,sinalizaaoscidadosqueaposioathojecentraldospartidosnodeveservistacomoumdogmaestimulandomaiorpluralismonaexpressoenaformadeexpressodeideias.Estepontopareceparticularmenteinteressantejquei)emPortugalospartidostendemaserindistintosdosgruposdeinteresseeii)cadavezmaisoscidadosseorganizamemfunodeumanicapreocupaosocialouvalor.Tudosomado,podeefectivamenteforarospartidosamelhoraremmuitoasuaperformance,jqueoscidadospodempreferirpassarafinanciarestruturasdasociedadecivil.

    Nofcildizerseestapropostaexigeounoaalteraodoartigo51.daCRP.De facto, entremuitas outrasnormas constitucionais que garantemumespe-cialestatutoaospartidos;daleituradoartigo51.,nomeadamentenoseun.6,pareceretirar-sequeofinanciamentopblico,aexistir,caberapenasaosparti-dospolticos.Aqui,aideologiaconstitucionaldefendidanaparteIentraemjogo.A introduode concorrncia entrepartidos eorganizaesda sociedade civilrepresentaumcorteprofundonaformacomoavidapolticasedesenrolaemPor-tugal.Oobjectivomaisamplodedestronarospartidosdocentrodavidapolticatambmeleestranhonossaculturapoltica.Finalmente,exigirmaiorrespon-sabilizaoaoscidadosedar-lhesmaispoderdeescolhanadefiniodoespaopblicoquandoestesseencontramprofundamentesaturadosdospartidosedacausapblicaseria,nomnimo,paradoxaletalvezinsensato.Tudosomado,aquiarevisoconstitucionalpodeservirprecisamenteparasinalizaramudanapro-fundanosentidodeaberturadavidapolticaaumaparticipaomaisintensaeresponsveldoscidadosqueasideiasapresentadasrequerem.

    Guilherme Vasconcelos Vilaa Doutorando

    em Cincias Sociais no Instituto Universitrio

    Europeu. Editor executivo do European Journal

    of Legal Studies. Licenciatura em Direito

    (Universidade Nova de Lisboa); Joint LLM em

    Anlise Econmica do Direito (Universidades

    de Bolonha, Hamburgo e Haifa) e MRes em

    Cincias Sociais e Polticas (Instituto Universitrio

    Europeu). Publicou sobre filosofia do direito,

    teoria social e qualidade da justia cvel.

  • 23A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Recuperar o Estado e a PolticaLus de Sousa

    Introduo

    AConstituioumconjuntodenormas(regraseprincpios)cujafunoadeorganizarelimitarospoderes(oexecutivo,olegislativoeojudicial)doEstadoededefinireprotegerumconjuntodedireitos,liberdadesegarantiasfundamentaisdosindivduosnoseiodeumacomunidadepolticahistoricamenteconstituda.

    Historicamente,tratava-sededocumentoslegaisescritos,generalistascurtose,muitasvezes,duradouros,tendoevoludoparadocumentosextensos,detalha-dosefrequentementerevistos.Portugaldispedeumaconstituioescrita,subs-tantiva,longaequetemsidoobjectodesucessivasrevises1.

    AsRevisesConstitucionaissosemprepontosaltosdanossavidapoltica,caracterizadosporumconfrontoideolgicointensosobreasfunespolticasdoEstado,mesmose,naprtica,essadiferenciaosejamenosacentuadaesubstan-tivadoquepareceprimeiravista.

    AConstituiodaRepblicaPortuguesa apresentaopior dedoismundos:nosexcessivamenteprolixa,comotambmintroduzapossibilidadederevi-socadacincoanosoupormaioriadequatroquintosdosdeputadosdaAssem-bleiadaRepblica(art.284.),masdeumaformarestrita(art.288.)2.

    A anlisedaqualidadedeum texto constitucionalno se resumedescri-odospressupostos,regraseprincpiosconsignadosnessaleifundamental,masumainterpretaocrticaecomparadadoseualcanceeefectivaaplicao.

    Dopontode vista formal, aConstituiodaRepblicaPortuguesade 1974apresentaumarticuladodePrincpios fundamentais (art. 1. a 23.) eDireitos,liberdadesegarantias(art.24.a57.)bastanteinovadoreambiciosoqueemnadacomprometeasuaqualidadejurdicaquandoconfrontadacomadeoutrascons-tituiesdemocrticas.Porm,noqueconcerneasuaprtica,osresultadostmsidomenosauspiciosos.Sovriososdesgniosconstitucionaisnocumpridos,desdearegionalizaotransparnciadofinanciamentopoltico.

    Nosendopossveltratardetalhadamenteovaloreaprticadecadaprincpiooudireitofundamental,opteipordiscutirduasquestesdefundoqueconsiderorelevantesparaaprximarevisoconstitucional:(1)anaturezasubstantivadosdireitoseconmicosesociaisconsagrados;e(2)odesequilbrioentreasgarantiasdedefesaeaprotecodobempblico,noqueconcerneamaterializaodaJus-tianoscasosdecriminalidadecomplexa.

    2 O art. 288. impe uma srie de limites materiais de reviso que desde logo representam um travo ideolgico sobre um determinado conjunto de matrias, nomeadamente as de natureza laboral, penal ou at mesmo no que concerne a vida partidria.

    1 A CRP de 1976 a mais longa constituio portuguesa que alguma vez entrou em vigor, tendo mais de 32.000 palavras na sua verso actual. Num perodo de 34 anos foi sujeita a 7 revises constitucionais (em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005). Comparativamente, a Carta Constitucional de 1826, em vigor durante 72 anos, continha 7.000 palavras na verso original e foi sujeita apenas a 4 revises.

  • A Constituio Revista24

    1. A natureza substantiva dos direitos econmicos e sociais consagrados

    Umdosprincipaispontosdecontenopolticadanossaconstituioarefern-ciarealizaodademocraciaeconmica,socialecultural(art.2.).

    ArequalificaodoEstadodeDireitoestnocentrodorecentedebatesobreasfunesqueomesmodevecumprir.AquestoestemsaberseocernedaacodoEstadodeDireitoDemocrticoconsistenaprotecodoscidadoscontraaprepotncia,oarbtrioeainjustiadospoderesdoEstado(legislativo,executivoejudicial)edeoutrospoderesexistentesemsociedade,nomeadamenteopodereconmico;ouseseestendetambmdefiniodeummodelodevidae for-masdemobilidadesocialparaasociedadeemquesto(BergereLuckman1997:95-103).Poroutraspalavras,oproblemadefundoestemsaberqualanaturezaealcancedoprincpiosocialdoEstadodeDireitoDemocrtico.

    AmultiplicaodefuneseocrescimentodoaparelhodoEstado,talcomooconhecemoshoje,deve-se,emgrandemedida,necessidadedeacompanhareregularacrescentecomplexidadedasrelaessociaiseeconmicas.Aoinciotudoeramaissimples,mastambmmaisprecrio.OEstadonoprometiaaquiloquenopodiaprover,mastambmnogeravaasolidariedadenecessriasualegitimao.

    O Estado liberal do sc. XIX era essencialmente um Estado burgus cujasfunes se limitavamaosquatropilares fundamentaisdeautoridadepblicaFazenda,Justia,SeguranainternaeDefesa/Diplomaciaexternaeprotecodaliberdadeedapropriedadeprivadacontraaprepotnciaearbitrariedadedosoberano.

    Oliberalismodosc.XIXfoiprolferonapromoodedireitoshumanosepolticos,masparconadefesadedireitos sociais.Aprotecodosdireitosdostrabalhadoreseamodernizao/humanizaodasestruturaseconmicasnuncamereceuespecialatenonoconstitucionalismoliberal.

    OEstadoliberalpagoucaroessaincapacidadedeanteciparatransformaoeconmica,socialepolticaqueseavizinhava.Ainstabilidadedosistemacapita-listaprovocadapelodesequilbrionastrocascomerciaisenumaordemmonetriainternacionalprecria edesajustada; a instabilidade social causadapela rpidaindustrializao,urbanizaoeinflao;ainstabilidadepolticacausadapelafra-gilidadedosgovernosdemocrticos,pelasubidadosfascismosepeladerrocadadaordeminternacional;todosestesfactoresdecriseconduziramaumareavalia-odanaturezaealcancedasfunesdoEstadodeDireito.

    OEstadodeDireitodo sc.XX incorporounovas funes sociais (educao,sade, cultura, previdncia e assistncia social, cincia, etc.) e novas actividadeseconmicas (a produo e gesto de determinados bens e servios essenciais, aregulaodosistemaeconmicoefinanceirointerno,adefiniodeumapolticamonetriaecambial,oestabelecimentoderelaescomerciaisinternacionais,etc.).

  • 25Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    Hoje,nenhumliberaldemocrataqueseprezequestionariaalegitimidadedoprincpio socialdoEstadodeDireito.Trata-sedeumaconquistacivilizacionalcujoretrocesso impraticvelsemcausardanosestruturantesnasociedade.OdebatequesetemlevantadonosltimosanosnoodequestionaressavocaosocialdoEstado,masosseusmtodos.Noestemcausaasolidariedade,masauniversalidadedasprestaessociais;noestemcausaasegurananoemprego,masaflexibilizaodoscontratoscomogarantiadequalidadeeeficcianascon-trataespblicasouprivadas;noestemcausaacoesosocial,masanecessi-dadedegarantirqueaspolticasdecompensaodasdesigualdadessociaisedosdesequilbriosdedesenvolvimentoterritorialsejamdesenvolvidasdeumaformasustentvel.

    ApormenorizaodosdireitoseconmicosesociaisedaspolticasqueassisteaoEstadocumprirtemtrsconsequnciasimediatas:(1)criaumhiatoentreospressupostosnormativosdaConstituioeasuaprtica,potenciandoumcon-tnuo incumprimentodosmesmos,oqueagrava a legitimidadedo regime; (2)criaumpotencialdedesresponsabilizaodosgovernosporopesnotomadas,retirandoespaodisputapolticanadefiniodetrajectriasdoEstadoetrans-formandoodebateemtornodarevisoconstitucionalnumsubterfgioparaademagogia;e(3)condicionaomodocomooprincpiodoEstadoSocialdeveserinterpretadopelaAdministraoepelosTribunais e coloca limitesmateriais revisoconstitucionaldomesmo.

    Importa reequacionar os mtodos de interveno social e econmica doEstado,eliminandodotextobasedaConstituioasmatriasquepelasuanatu-rezanoconsensualdeveriampertencerlutapoltica(Gavison2005).

    2. O desequilbrio entre a proteco dos direitos, liberdades e garantias pessoais e a proteco do bem pblico

    ACRPdefine,deumaformasinttica,osprincpiosmateriaisdoprocessocrimi-nal(art.32.).

    Esta constituio processual criminal (Canotilho eMoreira, 2007) porven-turadospilaresnormativosessenciaisdaconstituio material,porquantotratadaprotecodosdireitos,liberdadeegarantiasdoscidadosfaceprepotncia,arbitrariedadeeinjustiadoEstado.

    Osprincpiosmateriaisdoprocessocriminalnosomonlitos,tendoevo-ludoaolongodostemposnosentidodeincorporarasopeseinovaesdassociedadesemmatriacriminal.

    Peranteumasriedeameaassuaexistncia,taiscomooterrorismo,ocrimeorganizado e a corrupo, os governos das sociedades democrticas dematrizocidentalcomearamaponderaraadopodemedidasiliberais,isto,supri-mindoou,pelomenos,comprimindooncleoessencialdealgumasliberdadese

  • A Constituio Revista26

    garantiasconstitucionaisdosindivduosemmatriacriminal,demodoasalva-guardaroestilodevidaqueessasmesmassociedadesforamcultivandoaolongodosltimos50anos.Estatendncialevantaumasriededesafiosconstitucionaisemmatriacriminal.

    Tomemosofenmenodacorrupo.AcorrupoumatentadoaoEstadodeDireitoDemocrtico,nosporqueimpedeamaterializaodajustia,comoimpossibilitaarealizaodademocraciaenquantoarqutiponormativoeinsti-tucionaldebomgoverno.Acorrupotransformouapolticainstitucionalizadanumanoopoparamuitagente(Moriconi2011).Evidnciadestefactosoosinmerosinquritosqueconfirmamumtotaldesencantocomademocracia,osseusactoreseprocessoseapercepogeneralizadadequeademocracia,eten-dersempreaser,corrupta.

    OEstadodeDireitoDemocrticono,comobvio,intrinsecamentecor-rupto, porm temapresentado enormes dificuldades em sancionar os prevari-cadores,porum lado,devidocomplexidadeeopacidadedo fenmenoe,poroutro lado,devido ineficciado sistemade represso.Essa ineficcia resulta,entreoutrosproblemas,deumdesequilbrioentreumaconcepomaximalistadasgarantiasprocessuaisdosindivduoseaprotecodobempblico.

    Dopontodevistacriminal,acorrupoconsistenumcomportamentovolunt-rioquelesaumbemtuteladopeloDireito,portanto,passveldepenasrepressivas(priso,multa,perdademandato,inelegibilidade,exclusodeactuaoemmerca-dospblicos,etc.)aplicveisao(s)infractor(es)medianteumprocessojudicial.

    Deummodogeral,osbens jurdicos lesadospelacorruposoa transpa-rnciae legalidadedosprocessos, a igualdadedeacesso, a concorrncia leal, ajustaredistribuioderiqueza,etc.Aocontrriodosbensjurdicosindividuais,maisfacilmenteidentificveiseprotegidos,osbensjurdicosmacro-sociaissodenaturezaabstracta,dedifcilidentificao,emenosprotegidosnatradiojur-dicaportuguesa.mestraasabedoriapopularquandoalertaqueobempblicodetodosesedetodosnodeningum;ficando,portanto,mercdetodootipodeprticasecomportamentospredadoresporpartedecidadosedetentoresdecargospblicosrapaces.Poressarazo,MariaJosMorgadoeJosVegar,defi-niramacorrupocomoumcrimesemrosto(2003:38).

    Acriminalizaodecorrupoumadasreasmaissensveisemenosconsen-suaisdoDireitoPenal.Sovriososmecanismosegarantiasqueatestamadifcilpunibilidadedestescrimes,comeandopelosprpriosmecanismosderecursoedeinvalidaodasprovasataosregimesdeimunidadequeprotegemosdeten-toresdecargoseleitosdaaco judicial.Porconseguinte,ocombate judicialcorrupo,sobretudoaquelaquedizrespeitoaactorescapacitadosdepoderedeenormesrecursos,levantaumconjuntodequestesrelativamenteevoluodosprincpiosconstitucionaisdoprocessopenal.

    Oart. 32.daCRPsobreGarantias de processo criminaldefinenosnmeros1e2que[o]processocriminalasseguratodasasgarantiasdedefesa,incluindo

  • 27Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    recursoeque[todo]oarguidosepresumeinocenteataotrnsitoemjulgadodasentenadecondenaocomasgarantiasdedefesa.

    Estesdoisprincpiostmsidointerpretadosdeumaformademasiadolimita-tiva,contaminandoodebatedealgumasmedidasconsignadasnaConvenodasNaesdeCombateCorrupo(vulgoConvenodeMrida),nomeadamenteocrimedeenriquecimentoilcito,porviolaodoprincpiodepresunodaino-cnciaatravsdainversodonusdaprova.

    Noesgrimireiosargumentosafavorecontraaadopodesteinstrumentopenaldopontodevistadasliberdadesegarantiasconstitucionaisedorespeitopelosdireitoshumanos,porquenoesteopropsitodoexerccio.Limitar-me--eiadiscutiratquepontoaactualconstituioprocessualcriminalrespondes exigncias do combate corrupo ou, por outras palavras, at que pontoestcapacitadaparapermitiraoEstadodeDireitoDemocrticodefenderasualegitimidade.

    Oart.32.omarcodofuncionamentodoDireitoPenaledoconstituciona-lismo liberal: engloba todososdireitose instrumentosminimamentenecess-rioseexigveisparaoarguidosedefenderecontrariaraacusao,normalmenteapoiadanopoderinstitucionaldoEstado.Historicamente,dadaadesigualdadematerialdepartidaentreoarguido(indivduo)eaacusao(Estado),foiconsti-tucionalmente estipuladoumconjuntode garantiasprocessuais criminais queprocuracompensaressedesequilbrio.

    Noqueconcerneocombatecriminalidadecomplexa,estarelaodeforasinverteu-se.Emcasosdecorrupoenvolvendopolticos,empresriosealtoscar-gospblicos,oEstadoestpartidamenosprotegido,menoscapacitadoemaisexpostoaosataquesdadefesaquetemaoseualcanceumasriedemeiosquelhepermitedesconstruircomenormesucessoaargumentaodaacusao,empar-ticulardopontodevistadaprova.3

    Estafaltadeprotecoconstitucionaldointeressepblicotem,decertaforma,ditadoo desprestgio dos tribunais de primeira instncia emmatria de com-batecorrupo. DequeserveumtribunaldeprimeirainstnciacondenarumPresidentedeCmara,umpresidentedeumclubedefutebol,umministro,umempresrioderelevodeumcrimedecorrupo?Hoje,umarguidocomrecursos,compoder,quetenhasidocondenadoemprimeirainstncia,menosprezaessadecisoeporconseguintesubvalorizaopapeldotribunal.Apercepodequeadecisono transitadaem julgadoapenasoprimeiropassodeum longoetortuosocaminhocomvriasencruzilhadaseoportunidadesparaoprevaricadoralimentaaimpunidadeeodescrditonaJustia.

    Convmrepensaroarqutipodegarantiasdedefesa,demodoasalvaguardarumbemmaisgeralque a realizaoda Justia.Esta compensaopodepas-sarporumarestrioqualitativaaodireitoderecurso.Valorizarasdecisesdeprimeirainstnciasignificaefectivaroseuefeitodissuasor,credibilizandodestemodoaimagemdaJustia.Atporquenessafasequesodiscutidosefixadosos

    3 Os nmeros falam por si. De acordo com as concluses do estudo A corrupo participada em Portugal 2004 2008. Resultados globais de uma pesquisa em curso: a maioria dos processos instaurados entre 2004 -2008 encontra -se arquivada (53,1%); 30,3% dos processos encontram--se em investigao; para 5,6% dos processos j existe acusao proferida; 6,9% dos processos foram encerrados por deciso judicial condenatria e em 1,7% dos processos foi proferida uma deciso absolutria; apenas um total de 14 processos de corrupo instaurados neste perodo resultaram em condenaes; do baixo volume de condenaes transitadas em 1. instncia, poucos so os condenados que cumprem pena de priso efectiva; a razo mais comummente proferida para a absolvio em 1. Instncia continua tambm a ser a falta de prova quanto apropriao de vantagem patrimonial e sua ilicitude.

  • A Constituio Revista28

    factoseaferidaaprovanabasedoacervofactualapurado.Trata-sedoverdadeiromomentopresencial da Justia, emque acusados, testemunhas, advogados emagistradosdepem,inquirem,discutemecontraditamemaudinciacomtodaarelevnciaesignificadosimblicosdadecorrentes.

    Atendendorelevnciasocialdacorrupoeaoseuefeitocorrosivonalegi-timidadedoEstadodeDireito,seriaapropriadoconferirumefeitodevolutivo4aorecursoparaestetipodecrimedemodoaqueapenafosseexecutadaapsproferidaadecisoemprimeirainstncia,vincando,dessemodo,oefeitodissua-sordapenaparaessetipodecrimesaimportnciadalutacontraacorrupoenquantobemjurdicodignodetutelapenal.

    Estarestriodevesercompensadacomumconjuntodereformasquetor-nemaJustiamaisassertivaemrelaoaarguidoscomrecursosepodereaju-demarecuperaracredibilidadedoEstadodeDireito,entreoutras:areduodeprocedimentosqueobstaculizemaceleridadedainvestigaocriminal;acria-odesistemasdeinformaocentralizadosedefcilacessoparaasequipasdeinvestigao;apromoodacooperaointer-institucional,atravsdapartilhadeinformaoecoordenaodasoperaes;aimplementaoderespostasins-titucionaisespecializadaspreconizadaspelaConvenodeMrida,taiscomo,acriaodeumaagnciaanti-corrupoedetribunaisespecializadosnestetipodecriminalidadecomplexa;oreforodosrecursoshumanosemateriaisafec-tosaosorganismosdeinvestigaocriminal;aadopodemedidasacessriasdeinelegibilidadeouperdademandatoparaqualquercandidatooueleitopordecisodecondenaonotribunaldeprimeirainstncia;etc.

    Aintroduodeumefeitodevolutivoaorecursoparaoscasosdecriminali-dadecomplexatemcustosdopontodevistadasliberdadesegarantias.Porm,ela resultado de uma ponderao entre dois bens jurdicos dignos de umatutelacomimposiodeumarestriomaisintensaaumagarantiaconstitu-cionalemmatriadedireitos,liberdadesegarantiasparapreservaodopr-prioEstadodeDireito.Trata-se, alis, deumaopo constitucional quenoseriainditananossaConstituio.Bastarecordar,porexemplo,arestrioqueaConstituiocoloca liberdadedeassociaonosarts.46..4e 51..4,proi-bindoasorganizaes racistas e de ideologia fascistaeospartidosdendoleoumbitoregional.Noobstanteaextrema-direitachauvinistaeoregionalismoseparatistanotenhamqualqueraceitaosocialeexpressividadeeleitoralemPortugal,nodeixadesersignificativaaopoconstitucionaldelimitaodeliberdadedeassociaodeumdeterminadogrupoousegmentodasociedadeparabenefciodapromoo epreservaode valores sociais e polticosmaisamplos,comoadignidadedapessoahumanaoua indivisibilidadedoEstadosoberano.

    Este raciocnio jurdico ainda no foi extensvel a outros males sociais,comoacorrupo,comexpressividadenasociedadeportuguesaecujocombateefectivo implicariaumaaplicaomais restritivadealgumasgarantiaspenais

    4 O efeito meramente devolutivo do recurso significa que, interposto recurso da deciso de primeira instncia para tribunal superior, esta imediatamente exequvel ainda que de forma provisria.

  • 29Princpios Fundamentais e Direitos, liberdades e garantias

    individuaisemproldeumbemcolectivoqueamaterializaodajustiaeaprotecodalegitimidadedoEstadodeDireito.

    claroqueocombatecorruponosefazexclusivaouprioritariamentepelaviadarepresso.Contudo,umEstadodeDireitoquenoconseguepunireficazmenteacorrupoumEstadofrgil,expostoaprticaspredadorasquesevo reproduzindonas suas instituiese injusto, isto, incapazdegaran-tirosdireitoseliberdadesdoscidados.Numapalavra,umEstadodeDireitosemntico.

    ******

    Conclumosdamesmaformacomoiniciamosesteensaio:aConstituiono,nemnuncafoioproblemadamqualidadedagovernaoemPortugal.Asres-postasterodeserprocuradasnopapeldospartidospolticosnorecrutamentoeformaodeelites,naeducaoeculturacvicadoseleitores,naestruturaodasrelaesentreoEstadoeoMercado.Contudo,tendoemcontaanovarevi-soConstitucionalqueseavizinha,seriarecomendvelqueseprocedesseaumasimplificaodamesma,deixandomaisespaodisputapolticaeserecuperasseaautoridadedoEstado,atravsdeumequilbrioharmoniosoentreadefesadasliberdadesegarantiasdosindivduoseaprotecodobempblico.

  • A Constituio Revista30

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    Lus de Sousa Investigador do Instituto de

    Cincias Sociais da Universidade de Lisboa.

    Doutorou-se em Cincias Sociais e Polticas pelo

    Instituto Universitrio Europeu de Florena

    em Julho 2002, com uma tese sobre politicas

    pblicas de combate corrupo. o fundador

    e coordenador responsvel da primeira rede

    de agncias anti-corrupo (ancorage-net) e

    presidente da Transparncia e Integridade

    Associao Cvica, ponto de contacto nacional

    da Transparency International. consultor

    internacional em medidas de controle da

    corrupo e do financiamento poltico.

  • Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

  • 33A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais (Art. 58. a 79.) e Organizao econmica (Art. 80. a 107.)Francisco Jos Veiga

    ApesardeentenderquearedacoactualdaConstituiodaRepblicaPortu-guesa,resultantedaVIIRevisoConstitucional(2005),noimpeditivadeumaboagovernaonemconstituiumobstculoaodesempenhoeconmicodePor-tugal,hvriosaspectosque,naminhaopinio,podemsermelhorados.Assim,dadaavontadeedisponibilidademanifestadasporvriospartidospolticosparaprocederaumanovarevisoconstitucional,entendoquevaleapenaaproveitarestaoportunidadeparareveranossaConstituio.

    UmprimeiroaspectoamelhorarconsisteemadaptaraConstituioaostem-posmodernoseretirardamesmavriasexpressescomfortecargaideolgica.Nessesentido,comeariaporrecomendaraeliminaodoprembulo,cujaredac-oestclaramentedesactualizadae incluioobjectivodeabrircaminhoparaumasociedadesocialista,quenoacreditoqueactualmentereflictaavontadedopovoportugus.Tambmmeparecemdatadasepoucocondizentescomaefi-cinciaeconmicaeagestomodernaeeficazdasempresasasvriasrefernciasfeitasautogestoeparticipaoefectivadostrabalhadoresnagestodasuni-dadesdeproduodosectorpblico.Assim,eliminariaon.5doArt.61.,on.3doArt.85.eoArt.89..Atendendoaqueumobstculoprodutividadedaagri-culturaportuguesaareduzidadimensomdiadosterrenos,fazactualmentepoucosentidooobjectivodeeliminaodoslatifndios,expressonaalneah)don.2doArt.81.enoArt.94..Relativamenteaosobjectivosdapolticaagrcola,expressosnon.1doArt.93.,eliminariatambmapartefinaldaalneab),ondeseleoacessopropriedadeoupossedaterraedemaismeiosdeproduodirectamenteutilizadosnasuaexploraoporpartedaquelesqueatrabalham.

    Relativamente aos direitos e deveres sociais e culturais, todos os cidadosdevem ter acesso protecoda sade e educao.Mas,de formaa assegu-rara sustentabilidadedeambas,entendoqueocustodaprotecodasadeedaeducaoacimadoensinoobrigatrioparaoscidadosdeveteremcontaascondieseconmicasdosmesmos.Destaforma,relativamenteSade,retira-riaa expresso tendencialmentegratuitodaalneaa)don.2doArt.64. e,

  • 34 A Constituio Revista

    atendendoaqueocrescenteenvelhecimentodapopulaotemaumentadocadavezmaisanecessidadedeprovercuidadospaliativos,acrescentariaarefernciaaosmesmosnasincumbnciasdoEstadoindicadasnaalneaa)don.3doArt.64..QuantoEducao,etendoemcontaqueparaosgrausdeensinomaisele-vadosoretornoindividualdaeducaoclaramentesuperioraoretornosocial,eliminariaaalneae)don.2doArt.74.,querefereaprogressivagratuitidadedetodososgrausdeensino.Ameuver,aalnead)suficienteparagarantirqueningum excludo da educao por falta demeios econmicos.Na alnea b)substituiriaaexpressoCriarumsistemapblicoporPromover,atendendoaqueosistemapblicodeeducaopr-escolarjexiste.Tendoemcontaqueosestabelecimentosdeensinoparticularecooperativotambmcontribuemparaacoberturadasnecessidadesdeensinodapopulao,mudariaaredacodon.1doArt.75.,atendendoaessa realidade,emvezdemantera redacoactualqueobrigaoEstadoacriarumarededeestabelecimentospblicosquecubraasnecessidadesdetodaapopulao.

    Algunsprincpios fundamentaisdaorganizaoeconmica listadosnoArt.80.parecem-mealgodesnecessrios,tendoemcontaarealidadeactual.Destaforma,podemsereliminadasasalneasb),e),f)eg).Quantosincumbnciasprio-ritriasdoEstado(art.81.),sugiroasubstituiodeAssegurarporPromovernaalneac),poisnumaeconomiademercadooEstadonocapazdeasseguraraplenautilizaodasforasprodutivas.Pode,sim,incentivaroupromoveressautilizao.Aalneae)podesereliminada,tendoemcontaqueasregiesautno-masdaMadeiraedosAoresjhalgumtempoquenosoasmaispobresdePortugal.Pelocontrrio,aregiodaMadeiranestemomentoasegundaregioNUTSIImaisricadePortugal(sultrapassadaporLisboa),eosAoresjultra-passaramasregiesdoNorteedoCentroemtermosdeProdutoInternoBrutoper capita.Assim,odispostonaalnead),Promoveracoesoeconmicaesocialdetodooterritrionacionalsuficiente.Finalmente,asalneash)ej)doArt.81.parecem-medesactualizadas,peloquepodemsereliminadas.

    AsituaobastantecomplicadaemqueactualmenteseencontramasfinanaspblicasportuguesaseofactodenenhumoramentodesdeaRevoluode25deAbril 1974terapresentadoumsaldopositivoou,sequer,equilibrado justificamaintroduoderegrasmaisapertadaselaboraodooramentodoEstadoeoreforodasuafiscalizao.Aestepropsito,importanterelembrarquePortugalregistoudficesoramentaisde,pelomenos,2%doProdutoInternoBruto(PIB)emtodososanosdesde1974efoi,em2001,oprimeiropasaviolarasregrasdoPactodeEstabilidadeeCrescimentodaUnioEuropeia,sendosujeitoaoProce-dimentodosDficesExcessivos.Aolongodosltimos36anos,opesodoEstadonaeconomiaportuguesaaumentouincessantemente,apontodesetornarumempecilhoaodesempenhoeconmicodopas,eadvidapblicajultrapassouos80%doPIB,colocandoemcausaasustentabilidadedasfinanaspblicas.Acresceofactodeamaiorpartedadvidapblicaserfinanciadanoexterior,oqueagrava

  • 35Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    ajexcessivadvidaexternaecolocaemcausaofinanciamentodopas.Assim,atendendosituaodramticaemqueoclarodescontrolodasfinanaspblicascolocouopas,urgeincluirnaConstituiodisposiesqueobriguemaumages-tomaisprudentedapolticaoramental.

    Emboraasoscilaeseconmicasjustifiquemvariaesnossaldosoramen-tais,seriadesejvelqueestestendessemparaoequilbrio.Ouseja,osdficesregis-tadosemanosderecessooudemuitofracocrescimentoeconmicodeveriamsercompensadospor supervitesemanosdemelhordesempenhoeconmico.Infelizmente, esta gesto prudente do saldooramental, que at est contem-pladanoPactodeEstabilidadeeCrescimento,nofoiadoptadaemPortugalnosltimos36anos.Poressemotivo,entendoquedeviaseracrescentadoumn.5aoArt.105.(Oramento),prevendoarealizaodeoramentosplurianuais,cujosaldomdiodeveriaserequilibrado.Adicionalmente,acrescentariaumaalneah)aon. 3doArtigo 106., estipulandoqueapropostadeOramentoacompa-nhadadeumrelatriosobreosdesviosverificadosfaceaoOramentoplurianualemvigoreasmedidasprevistasparaoscorrigirnoanoseguinte.

    Comoaimposioderegrasnoresultasenohouverumafiscalizaorigo-rosadasuaobservnciaepenalizaesseverasemcasodeincumprimento,torna--senecessrioreforarafiscalizaoprevistanoArt.107..

    EmboraoTribunaldeContasdesempenheumimportantepapeldefiscaliza-odaexecuooramental,entendonecessriaacriaodeumanovaentidadeindependentedesupervisodapolticaoramentalefiscal.Talentidadepode-riasercompostaporcincoperitosindependentes,dereconhecidacompetncianareadasfinanaspblicas,nomeadosporumperodode8anos,norenov-vel,sendodoisnomeadospeloPresidentedaRepblicaetrspelaAssembleiadaRepblica,comumamaioriadepelomenosdoisteros.Exceptonomomentodaconstituiodestaentidade,seriaconvenientequeasnomeaesdosseusmem-brosnoocorressemtodasaomesmotempo.UmapossibilidadeseriaoprimeiromandatodosmembrosnomeadospeloPresidentedaRepblicateraduraodequatroanos,passandoos seguintesmandatosa serdeoitoanos.Desta forma,haveriarotaodealgunsmembrosdequatroemquatroanos.

    CaberiaaestaentidadeemitirparecerestrimestraissobreaexecuodoOra-mento,deformaadetectarcomrelativaceleridadeeventuaisdesviosfaceaopre-visto.Adicionalmente,deveriaemitirumparecersobreaContaGeraldoEstado,queseriaanalisadopelaAssembleiadaRepblicajuntamentecomoparecerdoTribunal de Contas. Seria tambm da responsabilidade desta entidade avaliarregularmenteaevoluodadvidapblicaportuguesa,usandoadefiniomaisabrangente possvel, e pronunciar-se sobre medidas governamentais previstasouanunciadasque tivessem implicaes sobreas responsabilidades futurasdoEstado.

    Relativamentespenalizaesporincumprimento,sugiroqueseacrescenteapossibilidadedeoPresidentedaRepblica,medianteparecerdaentidadeacima

  • 36

    referida, demitir o governo caso se verifiquem repetidos desvios face ao ora-mentoplurianualvigente,quenosedevamasituaesespecialmenteadversaseimprevisveis.

    Francisco Veiga Professor Catedrtico da

    Universidade do Minho, onde dirige o Ncleo de

    Investigao em Polticas Econmicas (nipe) e o

    curso de Doutoramento em Economia. Licenciado

    em Relaes Internacionais Econmicas e Polticas

    pela Universidade do Minho e doutorado em

    Economia pela University of South Carolina

    (EUA), ensina e investiga nas reas de Economia

    Monetria Internacional, Economia Poltica e

    Crescimento Econmico. Tem vrios artigos

    publicados em revistas cientficas internacionais,

    entre as quais o Journal of Development Economics e

    o Journal of Money, Credit, and Banking e participou

    e coordenou vrios projectos de investigao

    financiados pela Fundao para a Cincia e a

    Tecnologia.

  • 37A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Breve Comentrio Constituio da Repblica PortuguesaPedro Pita Barros

    Foi-me solicitadoum breve ensaio,noacadmico, comummnimode refe-rnciasbibliogrficas,maisopinativodoquedescritivo,comamenoexplcitaNosttulosDireitosedevereseconmicos,sociaiseculturais(Art.58.a79.)eOrganizaoEconmica(Art.80.a107.)daConstituiodaRepblicaPortu-guesa,oqueachaquedevemudar,acrescentar,retirarouoquedevenecessaria-mentemanter-se?

    Comopontodepartida,devoassinalarquesoupartidriodeumaConstitui-omais leveemenoscomplicada.Masnotendoformao jurdicae,dentrodesta em aspectos de direito constitucional, opto por um comentrio sobre ocontedoeconmicodosdiversosartigos,seguindoaactualConstituio.

    Emtermosglobais,aactualConstituiotem,ameuver,diversasdeficinciasquandoseolhadeumpontodevistadassuasimplicaesemtermoseconmicos:

    1. frequenteaconfusoentreobjectivoseinstrumentos,sendoamaiscomumter-seumobjectivodegarantiadeacessodoscidadosaalgoconsideradoumdireito,eautilizaodeprestaopblicadirectacomogarantiadessedireito.

    2. comumautilizaodotermogratuitidadeapropsitodediversaspresta-es.Quer-sedizersempregratuitidadenomomentodeconsumoouutili-zaodoservio,enohqualquerrefernciaformacomoeporquemessagratuitidadepaga.

    3. Noclarocomoseresolvemascontradiesassociadascomaliberdadedeescolha. Por exemplo, no ensino, se algum decidir ter duas licenciaturas,porquedeverasegundaserpagaportodososcontribuintes?Liberdadedeescolhapodelevaradiferentesopes(senoseriairrelevanteemsimesma),mas diferentes opes podem gerar diferentes resultados, que podero servistoscomodiscriminaesoudesigualdades.Qualovalormaiselevado?Aliberdadedeescolha,ououtroprincpiodereduodediscriminaesou/edesigualdades?

    4. Nohqualquerpreocupaodetransparnciadofuncionamentodoinstru-mentosectorpblicofacesociedade,aspectoquehojemaisfcildecon-cretizardadasasnovastecnologiasdecomunicao.DeveriaserconsagradoumprincpiogeraldetransparnciaeinformaoperanteaSociedade.

  • 38 A Constituio Revista

    VejamosentoconcretizaesdestasideiascomrefernciaavriosdosartigosdaConstituiopropostospara comentrio. Semapreocupaode exaustividadedecomentartodoequalquerartigodaConstituio,apresentounicamenteparadiscussoosquejulgosermaisrelevantealterar.SoreferidospelasuaordemnaactualConstituiodaRepblicaPortuguesa (enopela suaordemde impor-tncia).Hartigosquenosoaquifocados,essencialmenteporopodetrata-mento,enoporosconsideraratodoscomoessenciaisoutodoscomoacessrios.

    NoArtigo58.Direitoaotrabalho,comodesconheooquesejampolticasdeplenoemprego,sugiroreformularparapolticasqueestimulemacriaodeemprego.Arealidadeeconmicatemmostradosaciedadequenofcilemeconomiasdemercadoatingirsituaesdeplenoemprego.Paraalmdisso,sabe-moshojeemdiaqueanoodeplenoempregonoindependentedepolticasadoptadas,nomeadamentenomercadodetrabalho.Daserimportanteamudanaparaumaperspectivadecriaodeemprego.maisclaronosseuspropsitosemaisfcildeavaliaremtermosdecumprimento.Aindanesteartigo,noperceboporque a formao cultural fica restrita aos trabalhadores, pelo queme pareceredundante(ediscriminatriaquantoaosnotrabalhadores)esseelemento.

    NoArtigo59. Direitosdos trabalhadores,anodiscriminaodeacordocomidade,sexo,raa,cidadania,territriodeorigem,religio,convicespol-ticasouideolgicas,elementofundamental.Nosabendocomointroduziremtermosderedaco,consideroimportantedefiniroqueseentendeportrabalhoigual(paralevararetribuioigual)nocertamenteigualnmerodehoraspassadasnopostode trabalho, sermais resultadosde exercciode actividadeiguais(incluindoadimensodaqualidadedotrabalhorealizado),doquetempo.Oelementofundamentalareconheceraquiquefrequentementetrabalhotemdimensesobservveis(tempopassadonopostodetrabalho)edimensesdificil-menteobservveis,oucomprovveisemtribunal(empenhocolocadonarealiza-odotrabalho),edeterminararetribuioapenasdeacordocomacomponenteobservvelpoderserelementodeflagrantesinjustiaseiniquidades.

    Retirardonmero2doArtigo63.Seguranasocialesolidariedadeaobri-gaoda participaodasassociaes sindicais,deoutrasorganizaes repre-sentativasdostrabalhadoresedeassociaesrepresentativasdosdemaisbenefi-cirios,poissendooEstadoaorganizar,aparticipaodeapenasestasentidadesdeixadeforatodososoutroscidadoscontribuintesequefinanciamasdespe-sasdoEstadocomosseusimpostos,taxasecontribuiesdiversas.(Questionoigualmenteseosnmeros4e5 tmsuficiente importnciaparaconstaremdaConstituio.)

    OArtigo64.Sademerecevrioscomentrios,peloquemeatrevoarepro-duziraquioseutexto:

    1.Todostmdireitoprotecodasadeeodeverdeadefenderepromover.2.Odireitoprotecodasaderealizado:

  • 39Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    a)Atravsdeumservionacionaldesadeuniversalegerale,tendoemcontaascondieseconmicasesociaisdoscidados,tendencialmentegratuito;b)Pelacriaodecondieseconmicas,sociais,culturaiseambientaisquegarantam,designadamente,aprotecodainfncia,dajuventudeedavelhice,epelamelho-riasistemticadascondiesdevidaedetrabalho,bemcomopelapromoodacultura fsicaedesportiva, escolar epopular, e aindapelodesenvolvimentodaeducaosanitriadopovoedeprticasdevidasaudvel.

    3.Paraassegurarodireitoprotecodasade,incumbeprioritariamenteaoEstado:

    a)Garantiroacessodetodososcidados,independentementedasuacondi-oeconmica,aoscuidadosdamedicinapreventiva,curativaedereabilitao;b)Garantirumaracionaleeficientecoberturadetodoopasemrecursoshuma-noseunidadesdesade;c)Orientarasuaacoparaasocializaodoscustosdoscuidadosmdicosemedicamentosos;d)Disciplinarefiscalizarasformasempre-sariaiseprivadasdamedicina,articulando-ascomoservionacionaldesade,porformaaassegurar,nasinstituiesdesadepblicaseprivadas,adequadospadresdeeficinciaedequalidade;e)Disciplinarecontrolaraproduo,adis-tribuio,acomercializaoeousodosprodutosqumicos,biolgicosefarma-cuticoseoutrosmeiosdetratamentoediagnstico;f)Estabelecerpolticasdeprevenoetratamentodatoxicodependncia.

    4.Oservionacionaldesadetemgestodescentralizadaeparticipada.

    Otendencialmentegratuitonoa)donmero2desteartigocompletamenteilusrio.Oquesepretendedizertendencialmentegratuitonomomentodeuti-lizaodecuidadosdesade,dadoqueoscuidadosdesadeprestadosterodesersemprepagos.Ob)donmero2demasiadoextenso.

    Nonmero3humaconfusoentregarantircapacidadedetratamento,pres-taodirectapeloEstado(ousimplesmentegarantiafinanceiradeacesso,mesmoqueaprestaosejaprivada).

    Emtermosglobaisimportadefiniroqueservionacionaldesade,emter-mosdassuasfunesdegarantiadeacessodecuidados,edoque,deveoupodeserasuaestruturadeprestaodirectadecuidadosdesadeaoscidados.Humamisturapoucosaudvelentreobjectivoseinstrumentosnareadasade.

    RelativamenteaoArtigo65.Habitaoeurbanismo,creioquehaveriatodaavantagememeliminaronmero3,3.OEstadoadoptarumapolticatendenteaestabelecerumsistemaderendacompatvelcomorendimentofamiliaredeacessohabitaoprpria.Apolticadegarantiadedireitohabitaonodevepassarpeladistorodomercadodearrendamento.Aexperinciamostraqueessaabordagemlevapraticamenteaodesaparecimentodomercadodearrendamento,e degradao fsicadopatrimnio imobilirio quandonoh capacidadedeactualizaoderendas.Aprossecuodeobjectivossociaisnahabitaodeveser

  • 40 A Constituio Revista

    feitaatacandooproblemanasuaessnciaacapacidadedepagarrendaspelasfamliasdebaixosrendimentos,enopelocontroleadministrativodasrendas.

    NoArtigo69.Infncia,ditoserproibido,nostermosdalei,otrabalhodemenoresemidadeescolar.Entende-seporidadeescolar,aescolaridadeobriga-tria,em[?]estaltimatemvindoaaumentar?Creioqueserdeternestecampoalgumaredefiniodeconceitoseobrigaes.

    AparentementeocorrenoArtigo73. Educao, culturae cinciaumtra-tamentodoproblemadeacessodoscidadoseducao,culturaecincia;eopapeldoEstadonaproduodeeducao,culturaecincia.AcessoeprestaodirectapeloEstadosoaspectosbastantedistintosedeveriamveressadiferenaexpressanospreceitosconstitucionais.

    EliminaroArtigo77.Participaodemocrticanoensino.Professoresealu-nosdevemserouvidospelagestodasescolas,masnodeveserdelesagestodasescolas,pressupondoquesetratedeescolaspblicas.Asescolaspblicastmumamissoperanteasociedade,eagestodasescolasdeveserresponsabilizadaemfunodessamisso.Emparticular,deve-seevitarqueagestodasescolasvenhaatercomoobjectivoservirosinteressesdosprofessores,ouoqueosalunosjulgamserosseusinteresses(frequentementedecurtoprazo).

    DeverserlimpaalistanoArtigo81.IncumbnciasprioritriasdoEstado,queencerraalisvriascontradiespotenciais.Porexemplo,assegurarofuncio-namentoeficientedosmercados(agrcolas)poderimplicarunidadesdemaiordimensodasexploraesagrcolascomoformaderecolhervantagensdedimen-so (economiasde escala).As incumbnciaspodemserordenadas segundoasuanaturezaderedistribuioecorrecodedesigualdadesoudeeficinciadefuncionamentodaeconomia.

    Parece-me desnecessrio particularizar a actividade econmica e investi-mentosestrangeiros,namedidaemquegestoprivadagestoprivada,qual-querquesejaasuanacionalidade.Nosepercebeemquemedidaosinteressesdostrabalhadoressodistintosseestiveremnumaempresaresultantedeinvesti-mentonacionaloudeinvestimentoestrangeiro.Noigualmenterazovelpedirsempresas(pessoassingularesoucolectivas)nacionaisquecontribuamparaodesenvolvimentodopas?

    EliminaroArtigo89.Participaodostrabalhadoresnagesto.Noporsertrabalhadordosectorpblicoqueseficailuminadoenquantogestor.Osser-viosdosectorpblicodevemestarorientadosparaocidadoenoparaadaremomximodesatisfaocomomenordocustoparaostrabalhadores.

    NoentendoqueplanossoosfocadosnosArtigo90.eseguintes,nocon-textodeuma economiademercado.Os objectivos soumaspecto, os planosenquantoinstrumento,outro.Dever-se-reformularestesartigos,atribuindoaoConselhoEconmicoeSocialopapelconsultivoedeinflunciaquetem,sema

  • 41Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    preocupaodosplanosporsi.TalvezmesmoeliminaroConselhoEconmicoeSocialenquantotal.

    Osprincpiosreferentesspolticassectoriaisdevemserrevistos.Emparticu-lar,parece-merelevantereformulartodaacomponentedapolticaagrcola.Pri-meiro,justificarporquemerecedestaquenaConstituioumapolticasectorial.Segundo,distinguirclaramenteosobjectivosquesepretendealcanar.Terceiro,identificar os instrumentos para alcanar esses objectivos. Eliminar as restan-tespolticassectoriaisdaConstituiocabedepoisacadaGovernodecidiraspolticaseconmicasaseguir.Osobjectivostraadossodemasiadoamplosparaseremteisemtermosdeespecificaoconstitucional.Alis,estasconsideraesdevemseranalisadasdentrodocontextodaUnioEuropeiaedosseustratados.

    Julgo, com referncia aos preceitos daConstituio quanto aoOramento(doEstado),merecerdiscussoeeventualinclusoemtermosconstitucionaisdelimitesaodficepblico,comoinstrumentodedisciplinainterna,edeapresen-taodeOramentosplurianuais.

    Pedro Pita Barros Professor Catedrtico na Nova

    School of Business & Economics e Research

    Fellow do CEPR (Londres).Foi membro do

    Conselho de Administrao da Entidade

    Reguladora dos Servios Energticos. A sua

    investigao e interesses centram-se na Economia

    da Sade, na Regulao Econmica e na Defesa da

    Concorrncia.

  • 43A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    A constituio (econmica) revistaMaria Eduarda Gonalves

    ComoleidasleisecartaidentitriadoEstado-nao,aConstituiorequerestabilidade.Masomomentodarevisopodee,anossover,deveofereceraopor-tunidadedea (re)pensar luzde realidadespolticas, sociaiseeconmicasemmudanaedenovasviseseparadigmasquesevmimpondo leituradessasrealidades.DoisacontecimentosrecentesdaroomoteparaestecomentrioConstituiodaRepblicaPortuguesa (CRP): a adopodaCartadosDireitosFundamentaisdaUnioEuropeia;acrisefinanceiraeeconmicaeoapeloquegerouaumreconsiderardarelaodoEstadocomomercado,apardatomadadeconscinciadequeoacentuardasdesigualdadesreforaaimportnciadoEstadoSocial.Nosetratadequestionaromodelopolticoouomodeloeconmicocon-solidadosaolongodemaisdetrsdcadasderegimedemocrtico,masdeoapro-fundarclarificandooestatutodosdireitoseconmicos,sociaiseculturaiscomoverdadeirosdireitosfundamentaisedefinindodemodomaisprecisoasmissesdoEstadocomoregulador.

    Direitos fundamentais na esfera econmica

    Os direitos fundamentais constituem o ncleo central, seguramente o maisnobre,daCRP.Invocadoscomoprviosordempositiva(human rights are an ethical idea,escreveAmarthyaSen),osdireitosfundamentaisdependem,porm,daexistnciademecanismosdasuaefectivao.Aconstitucionalizaodosdirei-tos envolvepor issoo compromissode aclararosdeveresquedecorremdesseimperativotico.Umadasnovidadesdamodernateoriadosdireitosfundamen-taisresidejustamentenaconfiguraodestesdireitoscomopadresderefern-cianosdaproduopoltico-legislativa (viacontrolodaconstitucionalidadedasleis),mastambmdaacodasinstituiespblicaseatprivadas.Aprpriaideiadeconstitucionalismovemsendoreconstrudanumquadroderefernciasocial-causalalargadocompaginvelcomaemergnciadenovasformasdepoderassociadassdinmicasdaprivatizao,daglobalizaoedadigitalizao(Teu-bner, 2004).Umcorolriodesta viso adefesadaoponibilidadedosdireitoseconmicosesociais,nosaospoderespblicos,mastambmsinstituiessociaiseaoscentrosdepodereconmico.

  • 44 A Constituio Revista

    Os direitos econmicos e sociais tm sido entendidos, tradicionalmente,comoumacategoriadistintadosdireitos, liberdadesegarantiasecatapultadosparaaordemdoprogramtico:objectivosarealizaremfunodascondiesoudisponibilidades(inclusivefinanceiras)doEstado,enojudiciveis.ACRPrecu-peraestadicotomia,reconhecendoto-saosdireitos, liberdadesegarantiasaforavinculativadirectadeentidadespblicaseprivadas (art. 18.).Estaopotem-sereflectidonajurisprudnciadoTribunalConstitucional,quetemconce-didoumamargemdedecisoquasetotalaolegisladorordinrionaconformaodosdireitossociais(Novais,2006).Queaquelacategorizaoartificialeinsatis-fatriadecorre,porm,noapenasdofactodeageneralidadedosdireitosfunda-mentaisimplicarobrigaespositivasdoEstado,mastambmdetodososdirei-tos constitucionalmente consagrados partilharem omesmo fundamento ticoedignidade(Feldman,2009).UmforteargumentonosentidodaunicidadedosdireitosfundamentaisprovmagoradaCartadosDireitosFundamentaisdaUE:aoclassificarestesdireitosemseiscategorias(dignidade, liberdades, igualdade,solidariedade,direitosdoscidados,justia),incumbindoaUnioEuropeiaeosEstados-Membrosderespeitar os direitos, observar os princpios e promover a sua aplicao(art.51.,n.1),aCartaignoraaclssicadistinoestendendoatodososdireitosaobrigaodospoderespblicosdeadoptarasmedidaslegislativas,administrativas,oramentaiseoutrasvisandoasuamaterializao.ACartad,aomesmotempo,umpassoimportanterumoaumconceitoamplodeliberdadequeatendescondiesquepermitemexerc-la.Propomosporissoamodifica-odosartigos17.e18.daCRPnosentidodedaremexpressounicidadedosdireitosfundamentais.

    Agarantiadosdireitoseconmicosesociaisenvolveocompromissocomaigualdadeeanodiscriminao,oportunidadesdeacessoaemprego,condiesdetrabalhosegurasesaudveis,seguranasocial,cuidadosdesadeeeducao.Noessencial,aCRPcontemplaestesdireitoseasinerentesresponsabilidadesdoEstado.Carece,noentanto,anossover,derefernciaexplcitaaalgunsdireitosbsicos,asaber:odireito alimentao,reconhecidoemdeclaraesinternacio-naisdedireitos enoutras constituiesnacionais; eodireito de acesso informao e s redes informticas,decisivonaactual sociedadeda informaoedoconhecimento.Esteltimojazdiludonoart.35.(relativoprotecodedadospessoais),sendo,julgamos,importanteautonomiz-locomodireitosocial.

    Acresce que a responsabilidade do Estado deve expressar-se em deveresprecisos que permitam a traduo dos direitos no espao social: implicandopolticas emeios adequadosnosplanosfinanceiro,humano, tecnolgico, emobedinciaacritriosdedisponibilidade,acessibilidade,aceitabilidadeticaecultural,equalidade,eexpondojuridicamenteoEstadopeloseunocumpri-mento.ConstituiesrecentescomoasdafricadoSul(1996)edaFinlndia(1999)reconhecemjopapeldostribunaisnaverificaodarazoabilidadedessetipodemedidas.

  • 45Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    Mais,hojevitalqueosagentessociais,asorganizaesprivadas,concorramparaocumprimentodosdireitoseconmicosesociais.QueasociedadesujeitopassivodedireitossociaisreconhecidopelaCRPnoquerespeitafamliaecriana(arts.67./68.).AindaqueaCRPnooadmitaexplicitamente,tambmascondiesindispensveisrealizaodedireitoseconmicoscomoosdireitosdostrabalhadores(condiesdetrabalho,retribuio,repousoart.59.)oudosconsumidores(qualidadedosbenseserviosart.60.)dependem,emrigor,deentidadesnoestaduais,asempresas.Nosentidodesublinharaquota-partedasempresasnaefectivaodosdireitosfundamentais,sugerimosqueosdireitosliberdadedeiniciativaprivadaedepropriedadeprivada(arts.61.e62.)sejamqualificadoscomaintroduodoprincpiodaresponsabilidadesocial.

    Artigo17.Regimedosdireitos fundamentais1

    1. O Estado e as suas instituies devem respeitar os direitos, observar os princpios e promover a sua aplicao, de acordo com as respectivas competncias.

    2.(textoactualdoart.17.)3. O regime dos direitos econmicos, sociais e culturais aplica se aos enun

    ciados no ttulo III.

    Artigo18.(Forajurdica)1a. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos econmicos,

    sociais e culturais vinculam as entidades pblicas adopo de polticas e mobilizao de meios adequados nos planos financeiro, humano e tcnico, em obedincia a critrios de disponibilidade, acessibilidade e qualidade de instalaes, bens, servios e programas funcionais.

    1.Aleispoderestringirosdireitos fundamentaisnoscasosexpressamenteprevistosnaConstituio,devendoasrestrieslimitar-seaonecessrioparasal-vaguardaroutrosdireitosouinteressesconstitucionalmenteprotegidos.

    2.Asleisrestritivasdedireitos fundamentaistmderevestircarctergeraleabstractoenopodemterefeitoretroactivonemdiminuiraextensoeoalcancedocontedoessencialdospreceitosconstitucionais.

    Qualquer referncia a direitos, liberdades e garantias constante dos arti-gosseguintesdoTtuloI(Princpiosgerais)devesersubstitudapelarefernciaadireitosfundamentais.

    Artigo61.(Iniciativaprivada,cooperativaeautogestionria)1.Ainiciativaeconmicaprivadaexerce-selivrementenosquadrosdefinidos

    pelaConstituioepelalei,tendoemcontaointeressegerale com sentido de responsabilidade social.

    Artigo62.(Direitodepropriedadeprivada)

    1 As alteraes sugeridas figuram em bold.

  • 46 A Constituio Revista

    1.Atodosgarantidoodireitopropriedadeprivadaesuatransmissoemvidaoupormorte,assim como o dever de a proteger e utilizar de forma socialmente responsvel,nostermosdaConstituioe da lei.

    Artigo63.A(novo)Atodosgarantidoodireitodeacessoregular,permanenteesemrestries,

    directamenteoupormeiodeaquisiespblicas,aalimentaoquantitativaequalitativaadequadaesuficiente,emmoldesqueasseguremcondiesdevidafsicaementalsatisfatriasedignas,individualecolectivamente.

    Artigo78.A(novo)1.Atodosgarantidoolivreacessosredesinformticasdeusopblico.2.IncumbeaoEstadoedemaisentidadespblicasfacilitaroacessosbasesde

    dadosedeinformaodeinteressepblicosobsuatutela.

    Organizao Econmica

    A Organizao Econmica (Parte II da CRP) construda sobre a dicotomiaEstado/mercadoluzdeummodelodeeconomiamistaassentenacoexistnciadossectoresdepropriedadeede iniciativaeconmica (arts.80.,alneasb),c),d) e f)).Omercado, sobretudo,presumidoquando se encarregaoEstadodeasseguraroseufuncionamentoeficiente(art.81.,alneaf)).OpapeldoEstado,emcontrapartida,densamenteexplanadoemobedinciaaoprincpiofundamen-taldoplaneamento democrtico do desenvolvimento econmico e social(art.80.,alnea e)). As incumbncias prioritrias do Estado so enunciadas no art. 81.,combinandoquatrotiposdetarefas:i)asrelativasefectivaodosdireitosfun-damentais,prolongandofunesdecorrentesdosTtulosIIeIIIdaParteIcomoapromoodobem-estaredajustiasocialouadefesadosconsumidores;ii)apromoododesenvolvimentoedacoesosocialeterritorial;eiii)apromoodasolidariedadepormeiodacorrecodasdesigualdades;eiv)polticaspblicastransversaisnosdomniosdacinciaetecnologia,energiaegua.

    Falta,cremos,umconceitoagregadoraptoadesenharopapeldoEstadodeuma forma socialmente apreensvel emobilizadora: desde logo, como EstadoSocialecomoEstadoAmbiental:aresponsabilidadehojevitaldeprotegeranatu-reza e o ambiente deve atravessar toda a aco pblica. Estesmeta-princpiosdeveriam,nonossoentender,figurarcomofundamentosexplcitosdoprprioEstadonoart.2..2

    AcrisefinanceiraeeconmicatrouxeconsigoumreavivardodebatesobreopapeleconmicodoEstadoobrigandoarepensaracomplementaridadeentreEstadoemercado.Nasltimasdcadas,aprivatizaoeliberalizaodasactivida-deseconmicasreafirmaramoEstadocomoreguladornoapenasnosmercados

    2 Cremos ser insuficiente reconhecer a relevncia jurdico -constitucional do Estado Social de natureza interpretativa, como fazem Canotilho e Moreira (2007, p. 211).

  • 47Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    emergentes,mastambmdaconcorrnciadeumaformamaisgeral,bemcomodos riscos ambientais, de sadepblica, de segurana.O actual paradigmadoEstadoreguladornosetraduziu,noentanto,notextoconstitucional (Santos,GonalveseMarques,2011).3Oplaneamentoperdeu,porseu lado,actualidadecomoprincpiofundamentaldaorganizaoeconmica.Actualmente,afunodo(s)plano(s)ordenarapromoododesenvolvimentoeconmicopeloEstado,no propriamente planear esse desenvolvimento. A nfase no planeamentodeixa,almdisso,napenumbraainflunciadoEstadosobreomercado,oqueverdadeiramente importa fazer transparecer.Anossa sugestode alteraodoart.80.procurasuperaressedesajustamento.

    Finalmente,oenunciadodaspolticaspblicasnaesferaeconmica(agrcola,comercial, industrial) reflecte uma viso porventura demasiado convencional,sectorizada, da economia.Domnios transversais presentemente de relevnciadecisivacomoapolticadeambiente(referidanaversoactualdaCRPaprop-sitododireitofundamentalaoambiente)e,eventualmente,umapolticadomar,mereceriamserdiscriminadasenquantopolticaspblicascomefeitosestrutu-rantesdaactividadeeconmica.

    Artigo2.(Estadodedireitodemocrtico, social e ambiental)ARepblicaPortuguesaumEstadodedireitodemocrtico,social e ambien

    talbaseadonasoberaniapopular,nopluralismodeexpressoeorganizaopol-ticademocrticas,norespeitoenagarantiadeefectivaodosdireitose liber-dades fundamentais e na separao e interdependncia de poderes, visando arealizaoda democracia econmica, social e cultural e o aprofundamentodademocraciaparticipativa.

    Artigo80.(Princpiosfundamentais)e) Planeamentodemocrticodaspolticaspblicasdedesenvolvimentoeco-

    nmicoesocial;f) Regulao pblica da actividade econmica; (nova)

    Artigo81.(IncumbnciasprioritriasdoEstado)g)Regulaopblicadaprestaodosserviosdeinteressegeral,competindo

    aoEstadovelarpeloseufuncionamentoregularnasmelhorescondiesdequan-tidadeequalidadedaofertaepelagarantiadoacessoeigualdadedetratamentodetodososcidados.(nova)

    3 O termo regulao referido apenas uma vez pela CRP, a respeito da comunicao social (art. 39.).

  • 48

    Bibliografia

    Canotilho,J.G.eVitalMoreira(2007),Constituio da Repblica AnotadaVol.I,Coimbra:Almedina.

    Feldman,Sandra(2009),Human Rights Transformed. Positive Rights and Positive Duties,Oxford:OxfordUniversityPress

    Novais,J.Reis,(2006),Direitos Fundamentais. Trunfos contra a Maioria,Coimbra:Coimbraeditora.

    Santos,A.C.,M.E.GonalveseM.M.LeitoMarques(2011),Direito Econmico,Coimbra:Almedina.(6.edio,noprelo)

    Teubner,Gunther(2004),Societal Constitutionalism: Alternatives to State centred Constitutional Theory,StorrsLectures2003/04YaleLawSchool,http://www.jura.uni-frankfurt.de/l_Personal/em_profs/teubner/dokumente/societal_constitutionalism.pdf

    Maria Eduarda Gonalves LL.M, Harvard Law

    School, Doctorat dtat en Droit, Universidade

    de Nice, professora catedrtica no ISCTEIUL

    do DINMIA-CET, ISCTEIUL, tem coordenado e

    participado em diversos projectos de investigao

    apoiados pela FCT ou pela Comisso Europeia e

    publicado em Portugal e internacionalmente em

    especial nos domnios do direito da economia e da

    informao, da regulao do risco e das relaes

    entre cincia, poltica e direito, privilegiando

    perspectivas transdisciplinares sobre a realidade

    jurdica. Tem participado em diversos conselhos e

    grupos de trabalho quer no plano acadmico, quer

    no mbito das Naes Unidas e da UE.

  • 49A Constituio Revista, um e-book da Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Despesas (e Receitas)Jos A. Tavares

    raroumtextodeeconomiaresistirtentaodecitarAdamSmith.Ainclinaonatural.Oprimeironomeumepteto:quasetudoderealmentesubstancialnavidadaseconomiasfoidiscutidoporesseAdoe(quase)primeirohomemdaeconomiapoltica.OapelidodeSmith,comoquealudedepragmticoeuniver-sal,sugereadensidadedebomsensoqueopacatoprofessorescocsdestilounasuaobra.

    Citemos,ento,aspalavrasdeAdamSmith.Segundoofilsofo,ogovernante:

    ()deveestimularosgovernadosaexercerpacificamenteoseuofciotantonocomrciocomonaagriculturaouemqualqueroutraprofisso,demodoaqueotemordelheseremretiradasassuaspropriedadesnoodissuadadeasmelhorar,equeotemordostributosnooimpeadeabrirumcomrcio.

    Despesas

    caractersticoenosurpreendequeoprimeiroartigodaconstituiodarep-blicaportuguesaareferirdespesasoureceitasdoestado(Artigo103.)mencioneasatisfao(sic)dasnecessidadesfinanceirasdoestado,edeoutrasentidadespblicas. Infelizmente no surpreende. Parte-se do estado e no do cidado eindivduo.Umindividualismoau contraire.Dasreceitasnumaperspectivadeente-souramento,enodanaturezadasdespesas,suanecessidadeeplausibilidade.Eatribui-segrandeentidadeannimaeabstracta,oEstado,eavagasoutrasenti-dadespblicasnecessidadesfinanceirasque,comonoestolimitadaspelasuautilidadeebomsenso,suspeitamosquenuncapoderoserrealmentesatisfeitas.

    NoArtigo105.,referidoqueasdespesasereceitasnooramentosodeci-didas de harmonia com as grandes opes emmatria de planeamento.Umestadoquepensacomogastar,emlugardecidadosqueexpressamvontadesenecessidades.DasfunesqueasdespesaspblicasdevemdesempenharaparecenoArtigo103.umarepartiojustadosrendimentosedariqueza.Nummundoemqueoestadodeveponderarliberdadeeigualdade,anossaconstituioaindapermiteaoestadopensarpoucoepensarmenosquandosedecideagastar.

  • 50 A Constituio Revista

    e Receitas

    NoArtigo104.ficamosasaberqueoimpostosobreorendimentovisaadimi-nuiodasdesigualdadeseatributaodopatrimnioaigualdadeentreoscida-dos.Oimpostocomocastigoenocomoinstrumento.Ausenteaponderaodoscustos,privadosesociais, resultantesdos impostos.Ausenteemparticularacomparaodoscustosdosimpostoscomosbenefciosqueadespesaporelesfinanciadageraparaoscidados.Nemoseficazesimpostossobreoconsumoselivramdaobrigaodejustiasocial,devendoonerarosconsumosdeluxo.Adimensojusticialistadacobranadeimpostosevidente.Aignornciapuerildacomplexidadedasrelaessociaisflagrante.

    Elenca-senoArtigo103.comoosimpostosdevemsercriados(porlei)eoqueestadelesdetermina (incidncia, taxaebenefciosfiscais).Umpoucoantesdopontofinal,incluem-se,finalmente,asgarantiasdoscontribuintes.Reconforta--nos a sugestode quenodevem ser cobrados impostos retroactivos ounoprevistospelalei.

    OArtigo105.,sobreooramentoanual,apontaasreceitasnecessriasparacobrirasdespesas.Maisumavez,nohumexercciosobrealgicaouraciona-lidadedasdespesascomopontodepartidaparaqualqueresforodecobrana.Osimpostoscomorecolhamecnicadefundos.Esquece-seapossvel intelignciadosimpostosquecorrigemfalhasdemercado,promovemaconcorrnciaeasse-guramaigualdadedeoportunidades.Doladodasreceitasdoestadopredominaavisofinancistaematerialista,histrica.

    OArtigo167.impedevriosactorespolticosesociaisdeelaborarprojectosdelei,propostasdeleioupropostasdealteraoqueenvolvam()aumentodasdespesasoudiminuiodasreceitas.Oponto3acrescentaquetambmnoopodero fazer atravs de referendo.Alguma sensatez.Mas tambmo tiquedelimitarainiciativacidad.

    Eosgovernosemfunes?Queaumentosdadespesaestoautorizadosapro-mover?Todas?Algumas?Nenhumas?SegundooArtigo200.,podemosgover-nos,atravsdoConselhodeMinistros,aprovaractosqueenvolvamaumentooudiminuiodasreceitasoudespesaspblicas.Umaincompreensvelconfiananaliberdadedeiniciativaparaogovernogastarecobrar.

  • 51Direitos e deveres econmicos, sociais e culturais e Organizao Econmica

    Dois Princpios

    Noquerespeitaadespesasereceitaspblicas,aconstituioportuguesahesitaentre o estadomasculino e antigo e castigador que cobraparapunir, e ameenormeeimpossvelqueabraatodososdireitosdosfilhos,quaseincapazdeosdistinguirevalorizar,promovendooseudesenvolvimento.Comosesabe,asfigu-raspaternaisematernais, seelevadasaproporesconstitucionais, facilmenteadquiremtiquesmonstruosos.

    Asoportunidadesdebuscadafelicidadeederealizaopessoalquecontinuamabertasgeneralidadedoscidados,noreguladasporordensprofissionais,resi-demhojequasesnaarte,napolticaenaprticaquotidianadocapitalismo.Asduasprimeirastmlimitesbvios:oraotalento,oraonmeroescassodeeleitosno sistemapoltico representativo.nacriaoe transformaodaactividadeeconmicaqueamaiorpartedoscidadosencontraoportunidadesdeexpresso,deafirmaoedemobilidadesocial.Umcapitalismosujeitoresponsabilidadeeao riscoque lhecorrespondem,naturalmente.Umdosprimeirosdeveresdoestado abster-se de despesas e tributos quena prtica destruamesse espaoindividualdeliberdadeedeigualdadedeoportunidades.

    Naconstituiodeumarepblica,adefiniodasdespesasereceitasdoestadopodeseguirdoisprincpiosdebomsenso:

    Definir e enumerar os benefcios a retirar