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141 4. DETERMINANTES SOCIAIS NA SAÚDE, NA DOENÇA E NA INTERVENÇÃO Antonio Ivo de Carvalho Paulo Marchiori Buss A busca da saúde é tema do pensar e do fazer humano desde tem- pos imemoriais. A luta contra a dor, o sofrimento, a incapacidade e, so- bretudo, contra a morte sempre mobilizou as energias humanas, as suas capacidades racionais, as suas emoções, para explicar e assim intervir nesses fenômenos, sempre fugazes em seu hibridismo de manifestações objetivas e sensações subjetivas. Ao longo da história humana, sucede- ram-se marcos explicativos de tais fenômenos, sempre nos limites da com- preensão humana sobre si e sobre o mundo, e sempre na busca, às vezes dramática, de ações práticas para neles intervir, seja no mundo físico, seja no mundo metafísico. Há muito a luta contra a doença e a busca da saúde saíram do âmbito privado de vidas individuais e do emprego empírico de conheci- mentos primitivos. Hoje mobilizam progressivamente refinados saberes, produzem e distribuem em larga escala conhecimentos científicos e tec- nológicos, em busca de desvendar os complexos processos biológicos e sociais envolvidos. Seguramente o tema da saúde situa-se hoje no topo da agenda pú- blica global. No centro desse processo, está o conceito da saúde como uma complexa produção social, em que os resultados para o bem-estar da humanidade são cada vez mais o fruto de decisões políticas incidentes sobre os seus determinantes sociais. Capitulo-4b.pmd 27/11/2009, 09:55 141

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4. DETERMINANTES SOCIAIS NA SAÚDE,

NA DOENÇA E NA INTERVENÇÃO

Antonio Ivo de Carvalho

Paulo Marchiori Buss

A busca da saúde é tema do pensar e do fazer humano desde tem-pos imemoriais. A luta contra a dor, o sofrimento, a incapacidade e, so-bretudo, contra a morte sempre mobilizou as energias humanas, as suascapacidades racionais, as suas emoções, para explicar e assim intervirnesses fenômenos, sempre fugazes em seu hibridismo de manifestaçõesobjetivas e sensações subjetivas. Ao longo da história humana, sucede-ram-se marcos explicativos de tais fenômenos, sempre nos limites da com-preensão humana sobre si e sobre o mundo, e sempre na busca, às vezesdramática, de ações práticas para neles intervir, seja no mundo físico,seja no mundo metafísico.

Há muito a luta contra a doença e a busca da saúde saíram doâmbito privado de vidas individuais e do emprego empírico de conheci-mentos primitivos. Hoje mobilizam progressivamente refinados saberes,produzem e distribuem em larga escala conhecimentos científicos e tec-nológicos, em busca de desvendar os complexos processos biológicos esociais envolvidos.

Seguramente o tema da saúde situa-se hoje no topo da agenda pú-blica global. No centro desse processo, está o conceito da saúde comouma complexa produção social, em que os resultados para o bem-estarda humanidade são cada vez mais o fruto de decisões políticas incidentessobre os seus determinantes sociais.

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DETERMINANTES EM SAÚDE: ANTECEDENTES REMOTOS

A doença é mais antiga que o homem, é tão antigacomo a vida, porque é um atributo da própria vida.

George Rosen

Pode-se dizer que o esforço humano para compreender o processosaúde-doença e intervir sobre ele desde sempre defrontou-se com ainterveniência de várias classes de fatores determinantes: físicos oumetafísicos, naturais ou sociais, individuais ou coletivos. Tais fatores com-binavam-se para fazer predominar ora uma visão ontológica da doença(doença como uma ‘entidade’ que se apossava do corpo), ora uma visãofuncionalista (doença como um desequilíbrio interno ou externo ao corpo).Ao longo da história e dos sucessivos modelos de civilização, combina-ram-se de forma variada esses diversos conceitos, em consonância com ospadrões vigentes de conhecimento e organização social. Diversas tipolo-gias e periodizações podem ser adotadas, dependendo do aspecto que sequer enfatizar. Curioso e obrigatório é constatar que o desenvolvimentodos conhecimentos e práticas de saúde não seguiu uma seqüência linear,cumulativa, ao longo da história, havendo avanços e retrocessos, idas evindas das crenças e dos modelos dominantes. A título de ilustração, valelembrar alguns momentos típicos desse processo.

Na Antiguidade Clássica, a vigência da explicação metafísica paraos fenômenos da doença (vontade dos deuses) levava à busca de terapêu-ticas mágicas (oferendas, poções, sacrifícios), ao mesmo tempo que ti-nham grande prestígio as práticas de recolhimento, relaxamento, em ge-ral buscadas nos templos de Asclepius, verdadeiros hospitais do espírito,com ambiente de penumbra, banhos, repouso e outras medidas em buscade paz e equilíbrio, num insuspeitado holismo à procura do reencontrode sua physis que, mais do que ausência de doença, significava integraçãocom a natureza, beleza exterior e interior, ideal de estética.

Mas é ainda na Idade Clássica, com Hipócrates, que tem início alógica do pensamento científico, baseado na observação clínica e da natu-reza, fundando a tradição da medicina ocidental.

Hipócrates

Quem quiser prosseguir no estudo da ciência da medicina deve proceder assim.Primeiro deve considerar que efeitos cada estação do ano pode produzir, porqueas estações não são iguais, diferem muito entre si mesmas e nas suas modificações.Tem que considerar em outro ponto os ventos quentes e os frios, em particular

Na mitologia grega,Higéia e Panacéia eramfilhas de Asclepius.Higéia, deusa da saúdee da higiene (e, depois,da lua), era associada àprevenção das doençase à manutenção da saú-de, enquanto o culto dePanacéia vinculava-se àbusca da cura, com aintervenção ativa noprocesso da doençapor meio de poções etc.

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aqueles que são universais, mostrando bem aqueles peculiares a cada região. Devetambém considerar as propriedades das águas, pois estas diferem em gosto e peso,de modo que a propriedade de uma difere muito de qualquer outra. Usando estaprova, deve examinar os problemas que surgem. Porque, se um médico conheceessas coisas bem, de preferência todas elas, de qualquer modo a maior parte, ele,ao chegar a uma cidade que não lhe é familiar, não ignorará as doenças locais oua natureza daquelas que comumente dominam.Fonte: Hipócrates, 2005.

Na baixa Idade Média, com o advento do monoteísmo cristão, a açãodivina (agora vingativa e corretiva, não mais dialógica) era responsabilizadapelos males e doenças, consideradas como punições por pecados, afrontase infrações cometidos por pessoas e coletividades perante os rígidos man-damentos divinos. A terapêutica então era a penitência, eram os castigos,até a fogueira, por meio dos quais as pessoas deveriam obter a cura expur-gando seus erros. As epidemias eram combatidas com a busca de bodesexpiatórios individuais e sociais. Esse tipo de obscurantismo certamentesignificou um estacionamento – até um retrocesso – do conhecimento edas práticas sanitárias, que se prolongou até o Renascimento.

Na Europa, com o avanço do Renascimento e com o impulso dopensamento racional inspirado na desnaturalização do mundo, as gran-des epidemias, inicialmente consideradas pragas divinas, passaram a serobjeto de observação e reflexão sistemáticas. Embora ainda muito longedo conhecimento de microrganismos, a reflexão sobre a causalidade dasdoenças passou a se concentrar nos fatores externos. Desenvolveram-seentão diversas teorias na tentativa de explicar o fenômeno do contágio eda disseminação das doenças, principalmente das epidemias. A mais im-portante delas foi a teoria dos miasmas, que, embora inconsistente doponto de vista científico, atribuía à insalubridade (pestilências) de ambi-entes físicos a origem dos fenômenos de contágio e difusão de epidemias.Esse é o momento em que se dá a base de evidência para as primeiraspolicies de saúde, dirigidas a medidas coletivas e individuais de proteção àsaúde, ou seja, defesa contra os miasmas.

O advento da modernidade, com seus avanços epistemológicos nadesnaturalização do mundo, com a emergência das trocas mercantis e arespectiva reestruturação das classes e dos segmentos sociais – e, sobre-tudo, com a organização de Estados Nacionais sob a égide da mediaçãointerna e da defesa externa dos interesses das sociedades nacionais –,trouxe consigo as políticas públicas, ou seja, as ações coercitivas e regula-tórias do Estado sobre a sociedade, visando ao bem comum.

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SAÚDE PÚBLICA E VIDA SOCIAL: UMA ASSOCIAÇÃO HISTÓRICA

Além de regulações pontuais no período de guerras ou inovaçõesna gestão das cidades visando ao abastecimento e ao escoamento de deje-tos, ocorridas em períodos anteriores, as políticas públicas para a saúdedesenvolveram-se, de maneira organizada e sistemática, a partir do sécu-lo XVII, durante a consolidação dos Estados Nacionais, quando a popu-lação passou a ser considerada um bem do Estado, que tinha interesse nasua ampliação e na sua saúde, já que isso significava um aumento do po-derio militar.

Pode-se dizer que é nesse momento que o cuidado público com asaúde nasce e se desenvolve como política de proteção contra riscos sociaise ambientais, muito mais do que como política de assistência. Ou seja, acompreensão da determinação social da saúde e da doença é anteriorà medicina científica ou medicina experimental.

Desde logo criou-se uma importante tradição de estudos, relacio-nando saúde, condições de vida (pobreza) e ambientes sociais e físicos. Es-pecialmente desde os primórdios da industrialização nos países ocidentais,tem sido reportado por autores pioneiros uma importante literatura ‘social’sobre saúde e doença, centrada na tese de que desigualdades no camposocial e econômico geravam desigualdades no campo da saúde. O médico efilósofo George Rosen, em sua monumental História da Saúde Pública (1994),traça um panorama ao longo dos séculos documentando a associação dasaúde pública com o processo de industrialização da Europa Ocidental,principalmente Inglaterra, França e Alemanha, registrando a estreita rela-ção entre o desenvolvimento do capitalismo (industrialização e urbaniza-ção) e o desenvolvimento da saúde pública, tentando minorar os malefíciosà saúde provocados pelo desenvolvimento capitalista.

As relações de influência recíproca entre saúde e economia, estru-turas sociais e política são historicamente associadas ao desenvolvimentoda saúde pública. Diversos autores e atores da época dedicaram-se aotema. Já no século XVIII, Johan Peter Frank publicou a célebre obraA Miséria do Povo, Mãe das Enfermidades, em que afirmava que a pobreza eas más condições de vida eram as principais causas de doença. Preconizavaamplas reformas sociais e econômicas, não simplesmente ações sanitárias,insuficientes para atingir as causas das doenças (Sigerist, 1956). Desde aprimeira metade do século XIX, na França (Villermé) e na Inglaterra(Chadwick), foram desenvolvidos vários inquéritos populacionais que do-cumentaram de maneira definitiva a associação da mortalidade e da mor-bidade ao gradiente social, isto é, às condições de vida das diferentes clas-ses e grupos sociais. Especialmente na Inglaterra, a partir da Comissão

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de Saúde das Cidades, tais resultados propiciaram políticas de manejosocial e ambiental, voltadas para enfrentar o círculo vicioso da pobreza-doença. O interessante é que isso era feito não propriamente numaperspectiva de solidariedade social, e sim a serviço da estabilidade e docrescimento econômico. Na Alemanha, nos anos que precederam a revo-lução de 1848, Virchow liderou um movimento radical de reforma médica,orientado pela idéia de que a medicina é uma ciência social e a políticanão é mais do que a medicina em larga escala.

É clássico o livro de McKeown & Lowe (1986) que demonstra quea redução da mortalidade na Inglaterra, ocorrida no século XIX e noinício do XX, deve ser creditada mais a melhorias nas condições de vida(saneamento, nutrição, educação) do que a intervenções médicas especí-ficas (vacinas e antibióticos).

São esses fatores que marcaram os primórdios da saúde pública nasociedade ocidental.

Por sua vez, o advento da microbiologia levou à chamada revolu-ção pasteuriana, que ampliou enormemente o conhecimento sobre osprocessos biológicos da saúde-doença e abriu uma era de progressocientífico sem precedentes, ao mesmo tempo que engendrou junto com aRevolução Industrial um grande incremento na complexidade das estru-turas econômicas e sociais. De tal maneira que o novo arsenal de conheci-mentos e tecnologias, produzido a partir da biomedicina, desenvolveu-senuma formação social crescentemente complexa.

Todavia, ao lado de notáveis façanhas sanitárias, que permitiram ocontrole de inúmeras doenças infecciosas, a dimensão social e o pensa-mento social em saúde, paradoxalmente, ficaram adormecidos ou negli-genciados por quase um século.

MODELOS DE CAUSALIDADE E MODELOS DE INTERVENÇÃO

Cada avanço no conhecimento das causas e determinações do pro-cesso saúde-doença foi gerando um enriquecimento e diversificação demedidas de proteção à saúde e combate à doença, que variam tambémcom a ênfase atribuída a cada um dos fatores.

Modelo da história natural da doença

A tentativa mais conhecida e abrangente de construir um modelode organização da intervenção humana sobre o processo saúde-doençafoi feita por Leavell e Clark (1976), que sistematizaram os conceitos depromoção, prevenção, cura e reabilitação no interior de um modelo de-

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nominado ‘história natural da doença’. Esta história compreende doisperíodos seqüenciados: o primeiro, de pré-patogênese; e o segundo, depatogênese. No período de pré-patogênese, as manifestações clínicas dadoença ainda não surgiram no indivíduo, mas as condições para o seuaparecimento existem no ambiente ou no patrimônio biológico da pes-soa. Por exemplo: em cultivos de cana-de-açúcar são utilizados no broto,antes do plantio, pesticidas, alguns deles à base de mercúrio; por isso,dependendo das circunstâncias de manipulação (o não-uso de luvas é umadelas), os lavradores podem vir a se contaminar através da pele e desen-volver uma grave doença neurológica.

A interação entre os estímulos patogênicos – conhecidos ou não, in-fecciosos ou de outra natureza – e o indivíduo leva às transformações fisio-patológicas que se manifestam por sinais e sintomas da doença, atingindo oque os autores denominam de ‘horizonte clínico’. Este é o período de pato-gênese, no qual os processos mórbidos são mais reconhecíveis e podem serfoco de ações no sentido de evitar ou retardar a progressão de seu curso.

Os autores reconhecem três momentos no período de patogênese:patogênese precoce, doença precoce discernível, doença avançada e adecorrência final desse processo, que pode ser a cura, a invalidez, oóbito (Figura 1).

As ações decorrentes das políticas e dos serviços de saúde incidemnos diversos momentos da história natural de uma determinada doença.No período pré-patogênico, predominam as ações de prevenção primária,atuando sobre o meio ambiente ou protegendo o indivíduo contra agentespatológicos. No período patogênico, quando a doença começa a se mani-festar, incluem-se as ações voltadas para o diagnóstico precoce e a limitaçãoda invalidez – conhecidas como ações de prevenção secundária –, e final-mente aquelas destinadas a recuperar e reabilitar o indivíduo das seqüe-las fixadas pelo processo mórbido – prevenção terciária.

NÍVEIS DE PREVENÇÃO SEGUNDO LEAVELL E CLARK (1976) E AÇÕES DE SAÚDE

Prevenção primária

Compreende a aplicação de medidas de saúde que evitem o aparecimento de doen-ças. As ações de promoção à saúde visam a estimular, de forma ativa, a manutençãoda higidez como, por exemplo, os cuidados com a higiene corporal e a prática deatividades físicas, a fluoretação da água, a implementação de políticas voltadaspara o saneamento básico e a prevenção do uso de drogas. As ações de proteçãoespecífica são conduzidas de modo a inibir o aparecimento de determinadas doen-ças, como a imunização de crianças contra poliomielite, sarampo, tétano.

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Prevenção secundária

Compreende o diagnóstico precoce das doenças, permitindo o tratamento imedi-ato, diminuindo as complicações e a mortalidade. Neste caso, a doença já estápresente, muitas vezes de forma assintomática. Exemplos: as dietas para controlara progressão de determinadas doenças, como diabetes ou hipertensão arterial; arealização de mamografia e de exame preventivo para detecção do câncer do colouterino.

Prevenção terciária

Nesse momento, a doença já causou o dano, compreendendo, então, prevençãoda incapacidade total, seja por ações voltadas para a recuperação física, como areabilitação, seja por medidas de caráter psicossocial, como a reinserção doindivíduo na força de trabalho. Exemplos: o tratamento fisioterápico após osurgimento de moléstias que causam incapacidade física.

HISTÓRIA NATURAL DE QUALQUER DOENÇA DO HOMEM

Inter-relações de fatores ligadosao agente, ao hospedeiroe ao meio ambiente

Produção deestímulo

Período de pré-patogênese

Reação do hospedeiro ao estímulo

Primeiros estágiosde patogênese

Primeiras lesõesdiscerníveis

Estágio avançadoda doença

Convalescença

Período de patogênese

Promoção da saúde

Limitação dainvalidez

NÍVEIS DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS

Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terceária

Medidas individuais ecoletivas para adescoberta de casos

Pesquisas de triagem

Exames seletivos

• ObjetivosCurar e evitar oprocesso da doença

Evitar complicações eseqüelas

Encurtar o período deinvalidez

Evitar a propagação dedoenças contagiosas

Tratamento adequadopara interromper oprocesso mórbido eevitar futurascomplicações e seqüelas

Provisão de meios paralimitar a invalidez eevitara morte

Prestação de serviçoshospitalares e comunitáriospara reeducação etreinamento, a fim depossibilitar a utilizaçãomáxima das capacidadesrestantesEducação do público eindústria, no sentido deque empreguem oreabilitado

Emprego tão completoquanto possível

Colocação seletivaTerapia ocupacional emhospitaisUtilização de asilos

Uso de imunizaçõesespecíficas

Atenção à higiene pessoal

Hábito de saneamentodo ambiente

Proteção contra riscosocupacionais

Proteção contra acidentes

Uso de alimentosespecíficos

Proteção contrasubstâncias carcinogênicas

Evitação contra alérgenos

Educação sanitária

Bom padrão de nutrição,ajustado às fases dedesenvolvimento da vida

Atenção aodesenvolvimento dapersonalidade

Moradia adequada,recreação e condiçõesagradáveis de trabalho

Aconselhamentomatrimonial e educaçãosexual

Genética

Examos seletivosperiódicos

Proteção específicaDiagnóstico precocee pronto atendimento

Reabilitação

Figura 1 – Níveis de aplicação de medidas preventivas

Fonte: Leavell & Clark, 1976.

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Embora teoricamente abarcassem também as dimensões sociais eambientais, os conceitos elaborados por Leavell e Clark partem de umavisão essencialmente biológica da doença, derivada do conhecimento dapatogênese das enfermidades infecciosas. Sua aplicação é então forte-mente marcada por esse viés que, na verdade, teve e ainda tem fortepresença na comunidade científica, nas esferas gestoras e no imaginá-rio da população (Buss, 2000).

Modelo social estruturalista

Outros autores procuraram avançar nessas formulações, incluin-do as determinações sociais dos processos mórbidos, no que poderia serum modelo de ‘história social da doença’. Breihl e Granda (1986) situa-ram o processo saúde-doença como resultante de um conjunto de deter-minações que operam numa sociedade concreta, produzindo nos dife-rentes grupos sociais o aparecimento de riscos ou potencialidades carac-terísticos, que se manifestam na forma de perfis ou padrões de doença ousaúde. Ou seja, há relação entre mortalidade e classe social: estar doenteou sadio é determinado pela classe social do indivíduo e a respectiva con-dição de vida, em razão dos fatores de risco a que esse determinado gru-po da população está exposto.

Nas décadas de 1950 e 1960, por exemplo, as principais doençasregistradas entre trabalhadores brasileiros eram as intoxicações e as der-matoses profissionais. Nos dias de hoje, com as mudanças decorrentesdos processos de trabalho e da própria organização econômica do país, aslesões por esforços repetitivos (LER) e as perdas auditivas ocupacionaisprevalecem (Wünsch Filho, 2006).

Nessa linha de pensamento, há uma dimensão estrutural que secaracteriza pelo modelo econômico de desenvolvimento da sociedade, istoé, o modo de produção – capitalista, socialista. Os autores consideramtambém uma dimensão particular, na qual operam os processos de re-produção social, ditados pelo trabalho e pelo consumo, que são particu-lares de cada classe social, e ainda uma terceira dimensão individual.

Mortalidade e classe social

Já no século XVIII, Friedrich Engels, companheiro de Karl Marx na formulaçãode um novo paradigma, à época, para análise do modo de produção econômico (osocialismo científico), indica as transformações decorrentes do processo de indus-trialização na sociedade inglesa e seu impacto no adoecer e morrer, acentuando asdisparidades entre classes sociais. Estudando a mortalidade entre crianças meno-res de cinco anos em Manchester, cidade industrial, Engels conclui que mais de

Saiba mais sobre a rela-ção entre modelos assis-tenciais e concepções doprocesso saúde-enfermi-dade no capítulo 15. Oautor indica que a epide-miologia e a clínica re-presentariam as discipli-nas básicas para a inter-venção na história natu-ral das doenças. Enquan-to a primeira estariavoltada especialmentepara o estudo das doen-ças nas populações e dosseus determinantes, so-bretudo no período pré-patogênico, a segundaanalisaria os processosmórbidos no âmbitoindividual, ou seja, noperíodo patogênico.

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57% das crianças filhas de trabalhadores morriam antes de completar cinco anos,enquanto nas classes sociais mais favorecidas este percentual não chegava a 20% –sendo a média, considerando todas as classes sociais em todo o país, de 32%.Fonte: Engels, 1985.

Esses diferentes enfoques sobre os determinantes das doenças re-metem a uma renovação e complexificação dos conceitos de saúde e do-ença. Afinal, para promover a saúde e prevenir as enfermidades, curar ereabilitar os doentes, é necessário perguntar: existe uma fronteira claraentre esses dois estados do indivíduo?

As diferentes visões sobre saúde – e sobre o que é estar sadio – nãosão apenas oriundas das necessidades físicas e mentais que cada um re-quer durante sua respectiva etapa no ciclo biológico, mas agregam valo-res culturais que, em nossa sociedade contemporânea, são cada vez maisdifundidos pelos meios de comunicação de massa.

Dessa forma, as idéias sobre saúde e doença, seja do ponto devista individual das pessoas, seja na ótica dos profissionais que traba-lham na área, são mediadas por diferentes disciplinas do conheci-mento, tais como:

• biomedicina – baseada no conhecimento científico sobre estrutu-ras biológicas e de funcionamento do corpo humano;

• epidemiologia – ancorada nas análises sobre as causas e a distri-buição das doenças na população;

• ciências sociais – agregando conceitos derivados de estudos sobreas doenças e relações sociais;

• psicologia – enfocando a dinâmica dos processos mentais, pensa-mentos, sentimentos e atos (Davey, Gray & Seale, 2001).

Além disso, crescentemente, a abordagem em apenas um campodisciplinar torna-se insuficiente, sendo necessário um tratamento interou transdisciplinar. Essas mediações conduzem à elaboração de concei-tos mais abrangentes sobre os determinantes da saúde e da doença.

Modelo do campo da saúde

Inspirando-se no processo de reforma do sistema de saúde cana-dense na década de 1970 e alimentando-se dele, cristalizou-se um modeloexplicativo mais abrangente – o modelo do campo da saúde. Segundo ele,pode-se dizer esquematicamente que as condições de saúde dependemde quatro conjuntos de fatores:

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• o patrimônio biológico;

• as condições sociais, econômicas e ambientais nas quais o homemé criado e vive;

• o estilo de vida adotado;

• os resultados das intervenções médico-sanitárias, que têm impor-tância relativa variável de acordo com o problema de saúde emquestão (Figura 2 e Gráfico 1).

Figura 2 – O modelo do campo da saúde

Biologia humana

Estilos de vida Ambiente

Serviços de saúde

Saúde

Estilo de vida

Ambiental

Assistência médica

Biológico

20

5110

19

Gráfico 1 – Campo da saúde: influência de diferentes fatores de risco

Fonte: Haskell, 1998.

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O campo biológico inclui aspectos físicos e mentais de base biológi-ca, como patrimônio genético, os processos físicos e mentais de desenvolvi-mento e amadurecimento, e toda a fisiopatologia do organismo humano.

O segundo grupo consiste nas condições sociais, econômicas eambientais nas quais fomos criados e vivemos, que reúnem um conjuntode fatores de expressão mais coletiva como acesso à educação, aos servi-ços urbanos, e toda uma gama de agentes externos, cujo controle indivi-dual é mais restrito. Por exemplo, a qualidade do abastecimento de águae dos produtos alimentares, a poluição atmosférica, entre muitos outros.

A categoria ‘estilo de vida’ compreende fatores sob maior controledos indivíduos, como hábitos pessoais e culturais (fumo, dieta, exercíciosfísicos etc.), cuja incorporação à vida da pessoa depende, em grande me-dida, da decisão de cada um.

No quarto conjunto de situações, encontra-se o sistema que a socie-dade organiza para cuidar da saúde de seus cidadãos e responder às suasnecessidades. Compreende os serviços de saúde, os hospitais e centros desaúde, os profissionais, o conjunto dos equipamentos e tecnologias. Tradici-onalmente, é onde os governos aplicam mais recursos financeiros, sem quese possa identificar, na maior parte das vezes, um retorno em termos demudança dos níveis de saúde da população como um todo (Lalonde, 1974).

Essa concepção parte, assim, do reconhecimento de que o adoeci-mento e a vida saudável não dependem unicamente de aspectos físicos ougenéticos, mas são influenciados pelas relações sociais e econômicas queengendram formas de acesso à alimentação, à educação, ao trabalho, ren-da, lazer e ambiente adequado, entre outros aspectos fundamentais paraa saúde e a qualidade de vida. Tem como principal atributo uma abordagemmais abrangente e integrada dos quatro grupos, permitindo a inclusão detodos os diversos campos de responsabilidade pelas questões de saúde,como autoridades (dentro e fora do setor saúde), pacientes, profissionaisde saúde, proporcionando, ainda, uma análise interativa do impacto decada grupo em um determinado problema de saúde.

Como causas subjacentes à mortalidade por acidentes de trânsito,por exemplo, podem-se considerar os riscos assumidos pelos indiví-duos (como não usar cinto de segurança, dirigir alcoolizado, em veloci-dade excessiva), os riscos socioambientais (como a pavimentação das ruas,a manutenção de semáforos, sinalizações) e os riscos decorrentes da qua-lidade da organização de serviços de saúde (disponibilidade de serviçosde emergência e unidade de terapia intensiva (UTI), para os primeiroscuidados). Note-se que o grupo de fatores biológicos não está conside-rado no presente exemplo. Essa abordagem permite definir políticas

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voltadas para a diminuição da mortalidade por acidentes de trânsito eque inclui ações de prevenção primária, secundária e terciária, orien-tando os diversos agentes responsáveis por sua implementação –governo, sociedade.

Os quatro grupos de determinantes podem ser analisados comoresultantes de um acúmulo histórico de interações recíprocas, em que adominância de cada um deles, no tempo, leva a uma previsão de futurasvantagens ou desvantagens (Blane, 1999). Por exemplo, o prognósticode vida de crianças nascidas no sertão nordestino difere do prognóstico decrianças de classe média alta, nascidas na cidade de São Paulo – a espe-rança de vida de uma criança nascida na região Nordeste, em 2000, erade 65,8 anos, enquanto a de uma criança nascida na região Sudeste era de69,6 anos. Experiências de má nutrição na infância, baixo aprendizadoescolar, trabalho infantil, trabalho adulto sub-remunerado e outros con-dicionantes consistem em acúmulo de desvantagens que podem conduzira um estado de saúde de maior precariedade.

A dinâmica dessas relações entre os determinantes da saúde-doen-ça caracteriza o perfil sanitário de uma população e, conseqüentemente,deve alimentar a implementação de políticas de saúde como políticas depromoção, prevenção, cura e reabilitação.

Para refletir

Identifique uma doença de alta prevalência em sua área de atuação e analise seusdeterminantes sociais.

Para Arouca (apud Teixeira, 1989: 30),

Saúde é um objeto concreto que compreende:1. um campo de necessidades geradas pelo fenômeno saúde-enfermidade;2. a produção dos serviços de saúde com sua base técnico-material, seusagentes e instituições organizados para satisfazer necessidades;3. ser um espaço específico de circulação de mercadorias e de sua produ-ção (empresas, equipamentos e medicamentos);4. ser um espaço de densidade ideológica;5. ser um espaço da hegemonia de classe, através das políticas sociais quetêm a ver com a produção social;6. possuir uma potência tecnológica específica que permite solucionar pro-blemas tanto em nível individual como coletivo.

As políticas de saúde conduzidas pelo Estado, visando ao bem-estar de toda a população, surgem de modo mais sistematizado na Fran-ça, na Inglaterra e na Alemanha, durante os séculos XVIII e XIX. Origi-nadas na necessidade de legislar sobre a higiene urbana, implementar me-didas de quarentena e isolamento de pacientes com doenças infecciosas,

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promover a assistência social aos pobres e controlar as fronteiras, as po-líticas de saúde resultavam das necessidades de higienização do proleta-riado nascente, das tensões entre as lutas urbanas e operárias e da ne-cessidade de assegurar os interesses das classes dominantes, mantendoa ordem social e o processo de acumulação capitalista (Rosen, 1980;McKeown & Lowe, 1986).

Tendo como berço o Estado capitalista moderno, essas políticasvão se delineando progressivamente, em razão tanto do conhecimentocientífico disponível (por exemplo, as descobertas de Pasteur, Snow) quan-to do compromisso como responsabilidade pública de governo. Note-se adiferença entre a criação do Serviço Nacional de Saúde na Inglaterra, em1948, um sistema abrangente que assistia o conjunto da população ingle-sa, e a criação, apenas em 1966, dos sistemas americanos Medicare eMedicaid, cuja cobertura, ainda hoje, é bem mais restrita.

Em termos práticos, pode-se admitir que a definição de uma polí-tica de saúde deve repousar sobre três conceitos básicos:

• a compreensão de que a saúde resulta de um processo de interaçãocontínua entre o indivíduo e o ambiente físico e social em que vive;

• o entendimento de que boas condições de saúde consistem em umaresponsabilidade compartilhada por todos, indivíduos e poderpúblico; e de que

• a saúde é um investimento para a sociedade como um todo, eque a diminuição das desigualdades em saúde no país resultanão apenas na efetivação de um compromisso ético, mas tam-bém em elemento de desenvolvimento e progresso para toda anação (Canadá, 1994).

Para refletir

Quais os principais campos de intervenção para incidir sobre os determinanteseconômicos e sociais das doenças de maior prevalência em seu município? Quaisseriam os setores governamentais responsáveis por essas intervenções?

PROMOÇÃO DA SAÚDE: EM BUSCA DE NOVO PARADIGMA

A frustração com os resultados da biomedicina, crescentementecaudatária dos interesses do complexo médico industrial, e responsávelela própria por provocar riscos e danos, fez com que surgisse, a partirsobretudo dos anos 60 do século passado, e em várias partes do mundoocidental, um pensamento crítico ao modelo e voltado para revalorizar as

Para saber mais sobreos diferentes sistemasde saúde e suas refor-mas, consulte os capí-tulos 3 e 25.

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dimensões sociais e culturais determinantes do processo saúde-enfermi-dade, ultrapassando o foco exclusivo de combater a doença somente de-pois de instalada.

Embora diversificado em suas referências conceituais e na varie-dade de perfis sanitários e sociais nacionais, tais idéias tiveram sua ex-pressão mais organizada no chamado movimento da promoção da saúde,que, inspirado na reforma do sistema canadense, consolidou-se a partirda 1ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada emOttawa, Canadá, em 1986.

O que caracteriza a promoção da saúde modernamente é conside-rar como foco da ação sanitária os determinantes gerais sobre a saúde.Saúde é assim entendida como produto de um amplo espectro de fatoresrelacionados à qualidade de vida, como padrões adequados de alimenta-ção e nutrição, habitação e saneamento, trabalho, educação, ambiente fí-sico limpo, ambiente social de apoio a famílias e indivíduos, estilo de vidaresponsável e um espectro adequado de cuidados de saúde.

A Carta de Ottawa define promoção da saúde como “o processode capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade devida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse pro-cesso” (Brasil, 2002). Destacando, na promoção da saúde, seus papéis dedefesa da causa da saúde (advocacy), de capacitação individual e socialpara a saúde e de mediação entre os diversos setores envolvidos, a Cartade Ottawa preconiza cinco campos de ação para a promoção da saúde:

• elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis;

• criação de ambientes favoráveis à saúde;

• reforço da ação comunitária;

• desenvolvimento de habilidades pessoais;

• reorientação do sistema de saúde.

A promoção da saúde como campo conceitual e de práticas e comomovimento político desenvolve-se nesse período em uma seqüência deconferências internacionais e nacionais (Quadro 1).

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Quadro 1 – Conferências de Promoção da Saúde – 1986-2005

1986 – Carta de Ottawa sobre Promoção da Saúde1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Canadá)

1988 – Declaração de Adelaide sobre Políticas Públicas Saudáveis2ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Austrália)

1991 – Declaração de Sundsval sobre Ambientes Favoráveis à Saúde3ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Suécia)

1993 – Carta do Caribe para a Promoção da Saúde1ª Conferência de Promoção da Saúde do Caribe (Trinidad y Tobago)

1997 – Declaração de Jacarta sobre Promoção da Saúde no século XXI emdiante – 4ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Jacarta)

2000 – 5ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (México)

2005 – 6ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Tailândia)

Uma análise detalhada dos marcos referenciais e recomendaçõesdessas conferências internacionais pode ser encontrada em Buss (2003).

As idéias da promoção da saúde difundiram-se e foram progressi-vamente absorvidas por policy makers e profissionais envolvidos com a te-mática da saúde, sobretudo no mundo ocidental, onde fatores como oenvelhecimento da população, a difusão de hábitos de sedentarismo e ali-mentação industrializada, a exposição a ambientes poluídos e o estresseda saturação urbana vinham aumentando exponencialmente a prevalên-cia de doenças crônico-degenerativas, com suas implicações na elevaçãocontinuada dos custos da assistência.

A retórica baseada nas determinações sociais e culturais do pro-cesso saúde-doença e na necessidade de estratégias de conquista dasaúde baseadas em intervenções além das práticas médico-assistenciaislogrou induzir práticas inovadoras, tanto no campo da intersetoria-lidade como no campo da educação e mobilização por mudanças decomportamentos, principalmente estas últimas. Práticas de aconse-lhamento, acolhimento, práticas coletivas saudáveis (exercício, ali-mentação), além de esforços pela responsabilização e conscientiza-ção dos cidadãos (empowerment), começam a compor a agenda de prá-ticas dos serviços de saúde. As práticas de aconselhamento entramnos consultórios médicos e ocupam hoje grande parte do tempo deconsulta dos bons profissionais e serviços médicos (inclusive na clí-nica privada).

Embora freqüentemente exitosas em nível local, as experiênciasde intersetorialidade tiveram pouco alcance geral e pouco impacto so-bre as desigualdades sociais e sanitárias, em razão de sua baixa possibi-lidade de influir sobre os determinantes sociais de caráter mais estrutu-

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ral, produzidos por políticas econômicas geradoras de pobreza, desem-prego e risco social em geral.

Na verdade, o discurso excessivamente geral da promoção da saú-de tem gerado diferentes matrizes de pensamento e prática. Nos paísesdo Primeiro Mundo a tendência é a ênfase nas mudanças comportamen-tais, na esfera dos indivíduos, e nas regulações sociais orientadas a livraras coletividades de riscos assumidos por indivíduos (tabagismo, drogas,atividades físicas, alimentação). Mesmo nesse terreno, hoje se consideraque medidas educativas e legislativas são insuficientes para enfrentar comefetividade alguns desses grandes problemas. Sendo fruto dos complexose mórbidos processos sociais e culturais da humanidade contemporânea(industrialização predadora, saturação urbana, cultura consumista demassas), esses riscos e doenças precisariam ser enfrentados não apenascom políticas de saúde produtoras de atenção, educação etc., mastambém por meio de políticas reguladoras da própria atividade econômica.Assim como a adição compulsória de iodo ao sal marinho comercializadoacabou com o hipotireoidismo endêmico (bócio) e a adição de cloro e –mais recentemente – flúor aos sistemas de abastecimento de água permi-tiu a redução drástica da ocorrência de doenças de veiculação hídrica eda cárie dental, é possível pensar que o controle da epidemia da obesidade,da hipertensão, das doenças cardiovasculares e da diabetes, por exemplo,exijam políticas de industrialização de alimentos que regulem e mode-rem a presença de patógenos nos alimentos industrializados, como gor-duras insaturadas, sal, açúcar refinado etc. (Kickbush, 2003).

Na América Latina, as idéias do movimento da promoção da saúdeencontraram uma realidade de pobreza e desigualdade que, desde logo,impôs um deslocamento do foco para as questões estruturais. Mais doque práticas educativas voltadas para mudanças comportamentais, a pro-moção da saúde na América Latina priorizou os processos comunitáriosvoltados para mudanças sociais. Ademais, desde os anos 70 desenvolvia-se na região um movimento crítico ao modelo médico hegemônico que,com base numa abordagem estruturalista e numa pedagogia libertadora,foi refinando um campo de pensamento e prática que viria a se consoli-dar no Brasil como o campo da saúde coletiva. Nos anos 80, tal movimen-to plasmou o programa da Reforma Sanitária brasileira, orientado peloprincípio da construção social da saúde, da universalização e equalizaçãodo acesso não só aos serviços, mas aos demais meios de obtenção de saúde(Carvalho, Westphal & Lima, 2007). Por isso foi cunhada a expressão‘promoção da saúde radical’ para expressar que o movimento canadenseaqui, na América Latina e no Brasil deve aplicar-se de forma associada àperspectiva da mudança social (Buss, 2003). Apesar da existência de uma

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variedade de tendências, seja na promoção da saúde, seja na saúde coletiva,pode-se considerar que elas apresentam uma convergência estratégicacomo projetos de construção social da saúde (Carvalho, 2005).

No Brasil, o Grupo de Trabalho sobre Promoção da Saúde eDesenvolvimento Social da Associação Brasileira de Pós-Graduação emSaúde Coletiva (Abrasco) define a sua agenda em três planos da determi-nação do processo saúde-doença:

• plano da atenção à saúde, envolvendo esforço de mudança da lógi-ca assistencial e dos modelos de gestão, no rumo de favorecer aautonomia dos sujeitos;

• plano da gestão das políticas públicas, envolvendo esforço de inter-setorialidade, o combate à fragmentação de ações e programas, amobilização de organizações governamentais e não governamentais;

• plano da política (modelo) de desenvolvimento, envolvendo a de-fesa de políticas voltadas para a distribuição mais equânime dosrecursos socialmente produzidos, para a solidariedade social epara a subordinação virtuosa da economia ao bem-estar e à vidacom qualidade.

INIQÜIDADES EM SAÚDE: ENFRENTAR AS CAUSAS DAS CAUSAS

Há evidências de que as estratégias da promoção da saúde logra-ram avanços no controle de algumas doenças crônicas e agudas, relacio-nadas à vida moderna, sobretudo por meio de inovações na assistênciasanitária (protocolos e práticas educativas), de políticas regulatórias(legislação, posturas urbanas) e da comunicação de massa, todas incidindosobre temas relacionados à alimentação, a exercícios físicos, uso dedrogas e outros hábitos pessoais. Ou seja, ações que envolvam decisãopolítica de caráter inter ou transetoriais têm se mantido como exceções,com toda a ênfase de recursos ainda concentrada nos serviços de saúde.

Na verdade, os avanços sanitários, que são reais, ainda ocultamenormes desigualdades (em alguns casos, de forma crescente) nas médiasem que se apresentam. As iniqüidades em saúde entre grupos e indivíduos,ou seja, aquelas desigualdades de saúde que, além de sistemáticas e rele-vantes, são evitáveis, injustas e desnecessárias, segundo a definição deMargareth Whitehead (2004), são um dos traços mais marcantes dasituação de saúde no Brasil e no mundo. A mortalidade infantil, cujamédia nacional em 2004 foi de 23,1 por mil nascidos vivos (NV), segundodados do Ministério da Saúde, apresenta grandes disparidades regionais,

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observando-se taxas inferiores a dez por mil NV em alguns municípiosdo Sul e do Sudeste e valores maiores do que cinqüenta por mil NV emáreas do Nordeste.

De acordo com o relatório do Fundo das Nações Unidas para aInfância (Unicef) de 2006 sobre a situação da infância brasileira, em 2000a taxa de mortalidade em menores de cinco anos (TMM5) entre filhos demulheres com até três anos de estudo era de 49,3 por mil NV, quase 2,5vezes maior que entre os filhos de mães com oito anos ou mais de estudo(TMM5 20,0 por mil NV).

Os filhos adolescentes de mulheres brasileiras com até um ano deescolaridade têm uma probabilidade 23 vezes maior de chegarem analfa-betos à adolescência em comparação com os filhos de mulheres com 11anos ou mais de estudo.

Há muito se reconhece que os principais determinantes dessas ini-qüidades estão relacionados às formas como se organiza a vida social. Jáem meados do século XIX, Virchow entendia que a ciência médica éintrínseca e essencialmente uma ciência social, que as condições econô-micas e sociais exercem um efeito importante sobre a saúde e a doença eque tais relações devem submeter-se à pesquisa científica. Entendia tam-bém que o próprio termo ‘saúde pública’ expressa seu caráter político eque sua prática deve conduzir necessariamente à intervenção na vidapolítica e social para indicar e eliminar os obstáculos que dificultam asaúde da população.

Desde então, muito se avançou na construção de modelos expli-cativos que analisam as relações entre a forma como se organiza e sedesenvolve uma determinada sociedade e a situação de saúde de suapopulação. Um dos principais desafios desses modelos explicativos é oestabelecimento de uma hierarquia de determinações entre os fatores maisglobais de natureza social, econômica, política e as mediações pelas quaisesses fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas.É esse complexo de mediações que permite entender por que não háuma correlação constante entre os macroindicadores da riqueza de umasociedade, como o Produto Interno Bruto (PIB), e os indicadores de saúde.Evidentemente, o volume de riqueza gerado por uma sociedade é umelemento fundamental para proporcionar melhores condições de vida ede saúde, mas há numerosos exemplos de países com PIB total ou PIBper capita bem superior a outros que, apesar disso, apresentam indicadoresde saúde muito mais satisfatórios.

Nos últimos anos, aumentaram também em quantidade e qualida-de os estudos sobre as relações entre a saúde das populações, as desigual-dades nas condições de vida e o grau de desenvolvimento da trama de

Você vai saber maissobre a situação de saú-de dos brasileiros nocapítulo 5.

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vínculos e associações entre indivíduos e grupos. Tais estudos permitemconstatar que, uma vez superado um determinado limite de crescimentoeconômico de um país, um crescimento adicional da riqueza não se traduzem melhorias significativas das condições de saúde. A partir desse nível, ofator mais importante para explicar a situação geral de saúde de um paísnão é sua riqueza total, mas a maneira como ela se distribui.

Em outras palavras, a desigualdade na distribuição de renda não ésomente prejudicial à saúde dos grupos mais pobres, mas é também pre-judicial à saúde da sociedade em seu conjunto. Grupos de renda média emum país com alto grau de iniqüidades de renda apresentam uma situaçãode saúde pior que a de grupos com renda inferior, mas que vivem em umasociedade mais eqüitativa. Um estudo comparativo entre os estados dosEUA revelou que os indivíduos que vivem em estados com grandes desi-gualdades de renda têm pior saúde que aqueles com renda semelhante,mas que vivem em estados mais igualitários (CNDSS, 2006). O Japão não éo país com maior expectativa de vida do mundo apenas por ser um dospaíses mais ricos ou porque os japoneses fumam menos ou fazem maisexercício, mas porque é um dos países mais igualitários do mundo.

Um dos principais mecanismos pelos quais as iniqüidades de ren-da produzem um impacto negativo na situação de saúde é o desgaste dochamado capital social, ou seja, das relações de solidariedade e confiançaentre pessoas e grupos (CNDSS, 2006). O desgaste do capital social emsociedades iníquas explicaria em grande medida por que sua situação desaúde é inferior à de sociedades em que as relações de solidariedade sãomais desenvolvidas. A debilidade dos laços de coesão social ocasionadapelas iniqüidades de renda corresponde a baixos níveis de capital social ede participação política. Países com grandes iniqüidades de renda, escas-sos níveis de coesão social e baixa participação política são os que menosinvestem em capital humano e em redes de apoio social fundamentaispara a promoção e a proteção da saúde individual e coletiva.

No caso do Brasil, o fardo é duplo, pois além de apresentar gravesiniqüidades na distribuição da riqueza, há grandes setores de sua popu-lação vivendo em condições de pobreza que não lhes permitem ter acessoa mínimas condições e bens essenciais à saúde. Além de a renda dos 20%mais ricos ser 26 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres, 24% dapopulação economicamente ativa possui rendimentos inferiores que doisdólares por dia (CNDSS, 2006). Com um maior debate sobre as desigual-dades sociais, o entendimento sobre a pobreza também tem mudado. En-tende-se que a pobreza não é somente a falta de acesso a bens materiais,mas é também a falta de oportunidades e de possibilidades de opção entrediferentes alternativas. Pobreza é também a falta de voz ante as instituições

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do Estado e da sociedade e uma grande vulnerabilidade diante de impre-vistos. Nessa situação, a capacidade dos pobres de atuar em favor de suasaúde e da coletividade está bastante diminuída.

Para ser coerente com essa nova maneira de entender a pobreza, asestratégias para combatê-la devem incluir tanto a geração de oportunidadeseconômicas como medidas que favoreçam a construção de redes de apoio e oaumento das capacidades desses grupos para melhor conhecer os proble-mas locais e globais, para estreitar suas relações com outros grupos, parafortalecer sua organização e participação em ações coletivas, para constituir-se enfim em atores sociais e ativos participantes das decisões da vida social.

A maneira mais moderna de explicar as determinações do proces-so saúde-doença, e assim conceber os diversos planos de intervenção éexpressa na Figura 3.

Figura 3 – Determinações do processo saúde-doença

Enfrentar as causas das causas, as determinações econômicas esociais mais gerais dos processos saúde-enfermidade, envolve portantoações não apenas no sistema de atenção à saúde, com mudanças nos mo-delos assistenciais e ampliação da autonomia dos sujeitos, mas tambémintervenções nas condições socioeconômicas, ambientais e culturais pormeio de políticas públicas intersetoriais. E sobretudo em políticas de de-senvolvimento, voltadas para a distribuição mais equânime dos recursossocialmente produzidos, subordinando a economia ao bem-estar social.

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AMBIENTEDE TRABALHO

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OSIDADE, SEXO

E FATORESHEREDITÁRIOS

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HABITAÇÃO

SERVIÇOSSOCIAIS

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Fonte: Dahlgren & Whitehead, 1991.

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UMA AGENDA PARA O SÉCULO XXI

Em março de 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) crioua Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (Commission on SocialDeterminants of Health – CSDH), com o objetivo de promover em âmbi-to internacional uma tomada de consciência sobre a importância dos de-terminantes sociais na situação de saúde de indivíduos e populações e,também, sobre a necessidade do combate às iniqüidades em saúde poreles geradas. Um ano depois, em 13 de março de 2006, por meio de de-creto presidencial, foi criada no Brasil a Comissão Nacional sobre Deter-minantes Sociais da Saúde (CNDSS), com um mandato de dois anos.

O fato de o Brasil ser o primeiro país a criar sua própria comissão,integrando-se precoce e decisivamente ao movimento global em torno dosdeterminantes sociais da saúde (DSS) desencadeado pela OMS, respondea uma tradição do sanitarismo brasileiro. De fato, desde o início do sécu-lo passado os sanitaristas brasileiros vêm se dedicando a aprofundar oconhecimento das relações entre os determinantes socioeconômicos e asituação de saúde e a desenvolver ações concretas, baseadas nesse conhe-cimento. Mais recentemente, inspirados por essa tradição, diversos seto-res da sociedade se articularam em um movimento de Reforma Sanitária,que consolidou sua força política e sua agenda de mudanças na memorá-vel 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, com a presença de maisde quatro mil representantes de diversos setores da sociedade. Tal movi-mento contribuiu decisivamente para a inclusão na Constituição de 1988do reconhecimento da saúde como um direito de todo cidadão e um de-ver do Estado, assim como para a criação do Sistema Único de Saúde(SUS), fundado nos princípios de solidariedade e universalidade.

A criação da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saú-de se inscreveu nesse processo de desenvolvimento da Reforma Sanitária.Integrada por dezesseis expressivas lideranças de nossa vida social, cultu-ral, científica e empresarial, sua constituição diversificada é uma expres-são do reconhecimento de que a saúde é um bem público construído com aparticipação solidária de todos os setores da sociedade brasileira.

No início de 2008, a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociaisda Saúde apresentou o seu relatório final, contendo diversas recomenda-ções tendo como ênfase a necessidade da criação de espaços institucionaispara o enfrentamento dos determinantes sociais da saúde, sobretudo vi-sando integrar a ação de diversos setores governamentais e da sociedade.

Segundo o relatório, as intervenções sobre os DSS com o objetivode promover a eqüidade em saúde devem contemplar os diversos níveisassinalados no modelo de Dahlgreen e Whitehead (1991), ou seja, devem

Mais informações sobreos temas e deliberaçõesda 8ª Conferência Nacio-nal de Saúde você en-contra nos capítulos11 e 12.

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incidir sobre os determinantes ‘proximais’, vinculados aos comportamen-tos individuais, ‘intermediários’, relacionados às condições de vida e traba-lho, e ‘distais’, referentes à macroestrutura econômica, social e cultural.

São exemplos dessas intervenções:

• políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteçãoambiental e de promoção de uma cultura de paz e solidariedadeque visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindoas desigualdades sociais e econômicas, as violências, a degradaçãoambiental e seus efeitos sobre a sociedade;

• políticas que assegurem a melhoria das condições de vida da po-pulação, garantindo a todos o acesso à água limpa, a esgoto, habi-tação adequada, ambientes de trabalho saudáveis, serviços de saú-de e de educação de qualidade, superando abordagens setoriaisfragmentadas e promovendo uma ação planejada e integrada dosdiversos níveis da administração pública;

• políticas que favoreçam ações de promoção da saúde, buscando es-treitar relações de solidariedade e confiança, construir redes de apoioe fortalecer a organização e a participação das pessoas e das comu-nidades em ações coletivas para melhoria de suas condições de saú-de e bem-estar, especialmente dos grupos sociais vulneráveis;

• políticas que favoreçam mudanças de comportamento para a re-dução de riscos e para o aumento da qualidade de vida medianteprogramas educativos, comunicação social, acesso facilitado a ali-mentos saudáveis, criação de espaços públicos para a prática deesportes e exercícios físicos, bem como proibição à propaganda dotabaco e do álcool em todas a suas formas.

Para que as intervenções nos diversos níveis do modelo deDahlgren e Whitehead (1991) sejam viáveis, efetivas e sustentáveis, de-vem estar fundamentadas em três pilares básicos: a intersetorialidade, aparticipação social e as evidências científicas (Figura 4).

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Determinantes Sociais na Saúde, na Doença e na Intervenção 163

Figura 4 – Pilares das intervenções sobre os determinantes sociais

Uma vez que a atuação sobre os diversos níveis dos DSS extrapolaas competências e atribuições das instituições de saúde, torna-se obriga-tória a ação coordenada dos diversos setores e instâncias governamentais.Com vistas a institucionalizar um processo sustentável de coordenaçãodas ações intersetoriais sobre os determinantes sociais da saúde quepermita superar os problemas de baixa articulação anteriormente mencio-nados, a CNDSS recomenda estabelecer no âmbito da Casa Civil da Presi-dência da República uma Câmara de Ações Intersetoriais para Promoçãoda Saúde e Qualidade de Vida com a responsabilidade de realizar oseguimento e a avaliação de projetos, programas, intervenções ou políticasrelacionadas aos DSS desenvolvidas pelas diversas instâncias nele repre-sentadas. Deverá também propor à Casa Civil mecanismos de coordenaçãodas ações em curso, constituindo-se numa instância de revisão e aprovaçãodessas ações, segundo seu impacto na saúde, além de elaborar projetos ecaptar recursos para a implantação de novas intervenções intersetoriaissobre os DSS de caráter estratégico. A câmara seria coordenada pela CasaCivil da Presidência da República e o Ministério da Saúde, devendo fun-cionar como a sua Secretaria Técnica/Executiva.

Recomendou-se, num primeiro momento, prioridade às ações in-tersetoriais relacionadas à promoção da saúde na infância e na adoles-

Distais

Intermediários

Proximais

Intersetorialidade Participação social

Intervenções sobre os DSS

baseadas em evidências e

promotoras da eqüidade em saúde

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Fonte: Dahlgren & Whitehead, 1991.

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cência – respondendo à atual mobilização da sociedade com relação aotema – e ao fortalecimento das redes de municípios saudáveis já existen-tes no país, por meio de um programa continuado de disseminação sele-tiva de informações, capacitação de gestores municipais e criação de opor-tunidades e espaços de interação entre gestores para intercâmbio e avali-ação de experiências relacionadas aos DSS. Ademais, foi proposto o for-talecimento de duas outras estratégias da promoção da saúde, experi-mentadas com sucesso em diferentes contextos: as escolas promotorasda saúde e os ambientes de trabalho saudáveis.

Para a produção regular de evidências científicas sobre os DSS,sugeriu-se a criação de um programa conjunto do Ministério da Ciência eTecnologia e do Ministério da Saúde para apoio, por meio de editais perió-dicos, de projetos de pesquisa sobre DSS e estabelecimento de redes deintercâmbio e colaboração entre pesquisadores e gestores, visando ao se-guimento dos projetos e à utilização de resultados. Sugeriu-se tambémestabelecer no nível da Rede Interagencial de Informações para a Saúde(Ripsa) um capítulo sobre dados e informações relativos aos DSS, incluindoum conjunto de indicadores para monitoramento das iniqüidades de saúdee para avaliação de impacto de ações intersetoriais sobre a saúde.

Para a promoção da participação social, com vistas a conferir anecessária base de apoio político às ações sobre os determinantes sociais dasaúde e para ‘empoderar’ os grupos populacionais vulneráveis, de maneiraque possam participar das decisões relativas à sua saúde e bem-estar, foireiterada a necessidade de fortalecer os mecanismos de gestão participativa,principalmente os Conselhos Municipais de Saúde, por meio de ações dedisseminação intensiva de informações pertinentes e capacitação de lide-ranças comunitárias com relação aos DSS, além de fortalecer as ações decomunicação social referentes aos determinantes sociais da saúde.

Iniciativas como essas da Comissão Nacional sobre DeterminantesSociais da Saúde contribuem para a ação coordenada dos diversos seto-res governamentais com participação social, condição necessária paraenfrentar as determinações econômicas e sociais mais gerais dos proces-sos saúde-enfermidade.

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LEITURAS RECOMENDADAS

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MARMOT, M. & WILKINSON, R. (Eds.) Social Determinants of Health. Londres:Oxford University Press, 1999.

MCKEOWN, T. & LOWE, C. R. Introducción a la Medicina Social. México, D.F.:Siglo Veintiuno, 1986.

ROSEN, G. Da Polícia Médica à Medicina Social. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

REFERÊNCIAS

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