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    Revista de Direito da Cidade vol. 08, n 1. ISSN 2317-7721

    DOI: 10.12957/rdc.2016.18518

    __________________________________________________________________Revista de Direito da Cidade, vol. 08, n 1. ISSN 2317-7721 pp.1-28 1

    SOBRE A PROMOO DO DIREITO MORADIA: UM ESTUDO LUZ DA POLTICA

    URBANA DO MUNICPIO DE CAMPINAS

    ON THE PROMOTION OF THE RIGHT TO HOUSING: A STUDY BASED UPON URBAN

    POLICIES

    Josu Mastrodi

    1

    Suzana Maria Loureiro Silveira Zaccara

    2

    Resumo

    Nesse trabalho, buscamos afirmar, a partir da problemtica habitacional do municpio deCampinas, a possibilidade de promover o direito moradia, por meio do Programa Minha CasaMinha Vida, em espaos urbanos vazios utilizando o instrumento jurdico-urbanstico denominadode Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Identificamos as normas jurdicas que impem aproduo de Habitao de Interesse Social em Campinas, constantes de seu Plano Municipal, e a

    medida em que os instrumentos de poltica urbana disponveis so utilizados pelo AdministradorPblico para planejar e construir a cidade a partir do direito moradia e volt-la ao interessepblico. A pesquisa foi realizada a partir do mtodo hipottico-dedutivo, tendo por hiptese, queconsideramos ter sido confirmada, saber se possvel produzir Habitaes de Interesse Social emreas urbanas definidas como ZEIS, de modo a induzir o uso da rea urbana para a incluso dapopulao de baixa renda.Palavras-chave:Direito moradia, Direito cidade, Espaos urbanos, Programa Minha Casa MinhaVida, Zonas Especiais de Interesse Social.

    Abstract

    In this work, based upon the housing policies in the city of Campinas, SP, we seek to affirm the

    possibility of promoting the right to housing, by the Program Minha Casa Minha Vida, in emptyurban spaces by a urbanistic measure called Special Zones of Social Interest. We identified the legalnorms that impose the production of Housing of Social Interests in Campinas, presented by its CityPlan,and the form those urban policy measures are used by Public Administrator to plan and buildthe city from the standpoint of the right to housing and turning it to the public interest. Thisresearch was made in accordance with the hypothetical-deductive method, and the hypothesis, webelieve it has been confirmed, is to know if its possible to produce housing of social interest inurban areas defined as ZEIS, so as to induce the use of urban area to promote inclusion of low-income population.Keywords: Right to housing, Right to the city, Urban spaces, Programa Minha Casa Minha Vida,Special Zones of Social Interest.

    1Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de So Paulo - USP. Professor pesquisadorda Pontifcia Universidade Catlica de Campinas - PUC-Campinas. Professor do programa de ps-graduaointerdisciplinar stricto sensu em sustentabilidade da PUC-Campinas. E-mail: [email protected] Graduanda na Pontifcia Universidade Catlica de Campinas - PUC-Campinas e bolsista da Fundao deAmparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP). E-mail: [email protected]

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    INTRODUO

    O presente estudo tem por objeto analisar como o direito moradia encarado na

    realidade atual no municpio de Campinas. O principal objetivo proposto no projeto de pesquisa

    que resultou na realizao desse artigo foi demonstrar como a produo maximizada de moradias,

    via Programa Minha Casa Minha Vida, no suficiente para mitigar o dficit habitacional na Regio

    Metropolitana de Campinas.

    O estudo partiu da anlise do Plano Municipal de Habitacional de Interesse Social de

    Campinas, documento oficial em que foram sintetizadas diversas informaes a respeito do

    diagnstico da realidade dessa regio. A elaborao desse Plano seguiu as orientaes da Lei

    Federal n 11.124/2005, que instituiu o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social, para

    que fosse possvel a captao de recursos federais a serem destinados a programas habitacionais

    de interesse social (cf. art. 12, inciso III, da referida Lei). Nesse instrumento, foi apresentada no s

    a situao habitacional do municpio de Campinas, mas tambm foram delineados mecanismos de

    poltica urbana dispostos em planos diretores da Regio Metropolitana de Campinas,

    instrumentalizados em planos locais de gesto.

    Em um primeiro momento, buscamos verificar como o espao urbano de Campinas se

    delineou com base numa ocupao perifrica e dispersa, fenmeno verificado a partir do xodo,

    do centro da cidade para reas mais afastadas, de parcela da populao que no detinha condies

    econmicas de se fixar em reas urbanas mais bem equipadas por servios pblicos, pelo fato de

    que, nestas reas, o valor de troca (preo) da terra elevado. Alis, considerando que a cidade s

    existe onde haja servios e equipamentos pblicos que permitam a organizao e a convivncia,

    talvez seja mais correto afirmar que essa ocupao dispersa impediu as pessoas de baixa renda de

    efetivamente se fixarem em quaisquer reas urbanas. Essas reas, em que passaram a morar de

    forma dispersa, s foi urbanizada depois. Na verdade, essas pessoas, que no moravam na cidade,

    continuam a morar fora dela, pois, ainda que esses espaos tenham recebido do Poder Pblicotanto qualificao de se tratar de reas urbanas, quanto servios e equipamentos pblicos (o que

    justificaria tal qualificao), tais servios ou equipamentos jamais atenderam de forma mnima a

    integrao dessas pessoas ao tecido urbano.

    Conforme Henri Lefebvre (2001), a questo urbana tem como ponto de partida o processo

    de industrializao, entendido como um fator caracterstico na sociedade moderna e que induziu a

    urbanizao e toda problemtica urbana, figurou como razo indutora, tanto do crescimento como

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    da planificao, desencadeando para a cidade e desenvolvimento da realidade urbana problemas

    cristalizados, como, por exemplo, a concepo sobre o termo sociedade urbana ser definido como

    a realidade social que nasce ao redor. Lefebvre destaca que, ao induzir a problemtica urbana, a

    industrializao, consequentemente, qualifica a sociedade como urbana, inapropriadamente, em

    razo de que, entre a chamada razo indutora industrializao e suas causas induzidas

    urbanizao, por exemplo, decorre um processo dialtico de crescimento e desenvolvimento,

    produo econmica e vida social (LEFEBVRE, 2001, p. 16).

    O autor indica como um duplo processo ou um processo com dois aspectos incompatveis

    entre si (LEFEBVRE, 2001, p. 17). Como decorrncia tambm induzido o processo chamado por

    Lefebvre de imploso-exploso da cidade. O territrio alcanado pelo fenmeno urbano tende a

    se espalhar em conformidade com a industrializao, num espao o qual Lefebvre (2001, p.18)

    chama de tecido urbano, consequentemente, as concentraes urbanas inflam, como as

    aglomeraes de pessoas. No s isso, cumpre dizer que esse tecido urbano vai alm da questo

    morfolgica, tambm modo de viver e, na orientao deste autor (2001, p.19), o suporte da

    sociedade urbana, assim qualificada por estar dentro dos limites dessa espalhada teia.

    Para Lefebvre, a ruralidade e a urbanidade no se distanciaram, mas se aproximaram,

    tambm como induo da questo industrial, dessa forma pontual ao afirmar que ambas so

    trazidas pelo tecido urbano, a sociedade e a vida urbana penetram no campo (LEFEBVRE, 2001,

    p. 19). O processo de urbanizao desordenada fez surgir a necessidade de organizao de espaos

    propulsores da incluso social. No entanto, apesar de uma grande parcela da populao se

    concentrar em zonas urbanas, no houve preocupao em organizar espaos urbanos aptos

    satisfao de integrao social. Este fenmenoa urbanizao decorre da industrializao das

    cidades, mas tambm da insero do capitalismo nas reas rurais, de acordo com Wood (2000, p.

    23) que promoveu o xodo rural e que permitiu a criao de um exrcito de ex-camponeses que,

    sem ter como produzir seu alimento, migraram para as cidades para servir nas fbricas e receber

    salrios (os poucos que ficaram nos campos foram proibidos de fazer lavoura de subsistncia,

    ganhavam salrio e compravam sua comida no armazm do fazendeiro).

    Na cidade, os subrbios so tidos como urbanizados se pensarmos em sua dependncia

    com o centro, mas igualmente desurbanizados se se levar em conta a relao entre o centro da

    cidade e a periferia (LEFEBVRE, 2001, p. 27). Ou seja, a conscincia urbana se dissolve nesse

    cenrio apartado dos centros, onde so (im) possibilitadas experincias urbanas, seja de acesso aos

    equipamentos pblicos, seja de convivncia e estabelecimento de relaes sociais. Nesses atos de

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    urbanizao dos centros, passa-se a autorizar e regulamentar o subrbio habitacional e os

    loteamentos, movimento contrrio da concepo da cidade como um local de verdadeiros

    encontros, interaes e incluses. Ou seja, passou-se a se positivar e regular a segregao social

    pelo modelo legal de ocupao da populao de baixa renda, cujo acesso se d por meio de poltica

    de produo de moradias inserida nesses espaos de urbanizao desurbanizantee desurbanizada

    (LEFEBVRE, 2001, p. 25), pois a influncia exercida pela ocupao perifrica tem papel

    determinante da forma como a poltica urbana vem sendo desenhada em todo territrio urbano.

    No segundo momento, discorreremos sobre como o crescimento urbano no municpio de

    Campinas que resultou na constituio de espaos vazios dentro do territrio urbano, a partir da

    anlise de dados oficialmente disponveis pela prefeitura do Municpio de Campinas no prprio

    Plano Municipal de Habitao de Interesse Social de Campinas, com o intuito de dar embasamento

    ftico discusso acerca da problemtica urbana da Regio Metropolitana de Campinas.

    Em seguida, no terceiro item deste artigo, tratamos sobre como a poltica pblica se firmou

    com o advento do Estatuto da Cidade, e como a promoo de instrumentos urbansticos de

    interveno no espao da cidade atua no tocante dissociao entre a oferta e a procura,

    intensificada pelos agentes de mercado justamente para que a especulao imobiliria seja sempre

    possvel. A interveno pblica, no sentido de impedir ou minimizar as foras do mercado de se

    apropriarem do espao urbano e de devolver a cidade aos moradores independentemente de sua

    fora econmica, no se mostra eficaz ou mesmo efetiva, j que o mercado precifica, isto , inclui o

    custo dessas intervenes no preo dos imveis.

    Posteriormente, na quarta parte, apresentamos as polticas habitacionais que vm sendo

    desenvolvidas no municpio de Campinas, com nfase no Programa Minha Casa Minha Vida. Ao

    final, optamos por concluir o estudo apontando a necessidade de condicionamento da promoo

    do direito moradia em espaos urbanos localizados em reas demarcadas pelas ZEIS, em que

    pese a elevao do preo dos imveis no mercado imobilirio, visando incluso de todos os

    moradores no espao da cidade, visando quebrar o ciclo de envio dessas pessoas para periferias

    no urbanizadas.

    A justificao do estudo se deu no sentido de compreender que existem instrumentos de

    poltica urbana, como os planos diretores e planos locais de gesto, aptos a induzir, por sua forma

    normativa, a organizao do espao urbano segundo o interesse pblico, aptos a melhorar a

    distribuio de terras urbanizadas s camadas sociais que foram, ao longo da histria, postas s

    margens da cidade.

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    No entanto, no possvel trabalharmos com todos esses meios de interveno pblica no

    territrio da cidade em um nico texto, motivo pelo qual elegemos, para esta pesquisa, as Zonas

    Especiais de Interesse Social (ZEIS), que tm a capacidade de, quando regulamentadas e

    demarcadas, atuar na conformao do espao urbano de modo a torn-lo mais diversificado, como

    a possibilidade de que se realize, em determinado lugar por elas demarcado, Habitaes de

    Interesse Social (HIS).

    Nos termos da pesquisa realizada, foi possvel perceber que em Campinas no apenas

    existe a possibilidade de criao das ZEIS, como tambm espaos a abrigar a demarcao destas

    reas, mas que no existe, ainda, uma poltica mais incisiva no sentido de realmente modificar o

    desenho da cidade.

    CONTEXTUALIZAO: PROBLEMTICA HABITACIONAL DO MUNICPIO DE CAMPINAS

    Voltado especificamente realidade do municpio de Campinas, para este artigo, foi

    necessrio colher alguns dados disponibilizados pelo portal eletrnico da Prefeitura municipal, com

    a finalidade de obter informaes oficiais acerca da temtica versada.3

    Em agosto de 2011, foi elaborado e aprovado o Plano Municipal de Habitao de Interesse

    Social de Campinas (PMHIS),4pretendendo representar um avano na estrutura habitacional e nas

    polticas pblicas relativas a esse tema na Regio Metropolitana de Campinas (RMC). A orientaosob a qual se pautava foi estabelecida pela Lei Federal n 11.124, de 16 de junho de 2005, bem

    como no prprio Plano Diretor de Campinas, pelo qual os pormenores sobre a cidade estariam

    mais representados por se tratar de uma legislao especfica ao mbito local. 5

    No que respeita relao entre o Plano Municipal de Habitao e o planejamento

    habitacional das demais cidades da RMC, sejam consideradas individualmente ou em seu conjunto,

    h que se promoverem polticas integradas, de modo a resolver o problema municipal sem causar,

    3 Disponvel em: http://campinas.sp.gov.br/governo/habitacao/programas-habitacionais.php. Acesso em 22de maio de 2015.4 O acesso ao relatrio pode ser obtido no seguinte endereo:http://campinas.sp.gov.br/governo/habitacao/plano-habitacao.php Acesso em 22 de maio de 2015.5 Segundo o Plano Municipal de Habitao de Campinas, em relatrio cuja abordagem se voltou aodiagnstico, contextualizao e necessidades relacionadas problemtica da crise habitacional em Campinase regio. O municpio de Campinas est inserido em um contexto metropolitano, denominado RegioMetropolitana de Campinas (RMC), instituda pela Lei Complementar Estadual n 870, de 2000, tem em suaconstituio os municpios de Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmpolis, Engenheiro Coelho,Holambra, Hortolndia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguarina, Monte Mor, Nova Odessa, Paulnia, Pedreira, SantaBrbara dOeste, Santo Antnio de Posse, Sumar, Valinhos e Vinhedo, sobre uma rea ocupada de364.689ha, cerca de 1,3% do territrio do Estado de So Paulo.

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    colateralmente, problemas similares nas cidades vizinhas. A necessidade de integrao de polticas

    para promoo de servios metropolitanos um dever dos municpios que compem a RMC desde

    sua instituio. No que respeita poltica habitacional, isto est previsto no artigo 10, inciso III, de

    sua lei de criao, a Lei Complementar Estadual n 870/2000, e agora, por fora da Lei Federal n

    13.089/2015 (Estatuto da Metrpole), em especial por seu artigo 1, 2, as metrpoles possuem

    questes que so mais bem resolvidas se tratadas em conjunto (o artigo 6, inciso I, do Estatuto da

    Metrpole impe a prevalncia do interesse metropolitano sobre o municipal). Eis porque o PMHIS

    deve necessariamente dialogar com o dficit habitacional metropolitano e no apenas com o

    perifrico interno ao territrio municipal.

    A estruturao e expanso intraurbana da RMC no fugiu das consequncias do fenmeno

    da urbanizao. Nessa regio, assim como em outras reas metropolitanas do Brasil, afirmam

    Maria Clia Silva Caiado e Maria Conceio Silvrio Pires:

    Tem-se caracterizado pela urbanizao dispersa, em geral ancorada emempreendimentos imobilirios de grande porte e de usos diversos; peloaumento da mobilidade da populao, com as relaes cotidianas queenvolvem diversos municpios; pela supremacia do transporte individual; epela utilizao do sistema rodovirio nos deslocamentos cotidianos, entreoutros (CAIADO e PIRES, 2006, p. 279).

    Como em outras regies metropolitanas brasileiras, por volta de 1970, sua urbanizao se

    caracterizou como um processo de expulso de populao de baixa renda da centralidade

    oferecida pelos eixos principais de acesso a servios pblicos. Com isso, a ocupao urbana foi

    desenvolvida de maneira perifrica e dispersa, como relata o PMHIS. A regio da periferia deu

    espao estruturao da indstria local e populao que chegava para trabalhar na indstria,

    num chamado processo de periferizao metropolitana (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE

    HABITAO, 2011, p. 14). Constituram-se conjuntos habitacionais e assentamentos precrios, a

    exemplo das favelas e loteamentos clandestinos.6

    Os sinais de segregao urbana se tornam mais expressivos, e poderiam ser concebidos

    como manifestao espacial da forma como se organiza a sociedade, caracterizando-se por uma

    tendncia de agrupamento no espao de grupos sociais homogneos (NEVES e CUNHA, 2010,

    p.213).

    6Assim, nota-se que no houve uma preocupao com a incluso daqueles que foramoutrora segregados,mas pura e simplesmente com a ampliao desta segregao, com prevalncia dos interesses econmicosem detrimento dos interesses sociais, acarretando em segregao espacial e social. Espacial no sentido dodistanciamento entre os bairros, ditos de classe alta, mdia e baixa, e social, no sentido de ausncia deservios pblicos ligados aos locais de grupos da sociedade de baixa renda (MASTRODI eCONCEIO, 2015,p. 4).

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    Dessa forma, no municpio de Campinas possvel constatar em todo seu permetro a

    configurao de uma cidade caracterizada por uma mescla de reas urbanas e rurais dispostas no

    percurso de rodovias7(em especial, a Anhanguera), bem como prximas a entroncamentos virios,

    o que denota a monofuncionalidade em que foi moldada a RMC, pelo uso do automvel, como o

    acesso dificultado populao no detentora de veculo prprio e dependente de uso da poltica

    pblica de (i)mobilidade urbana (transporte pblico/coletivo) como meio de se deslocar

    cotidianamente do trabalho para casa. Com a demarcao da cidade definida, por vrias vias, mas

    em especial pela Rodovia Anhanguera, estabelecida uma diviso fronteiria entre uma poro

    nordeste rica e uma poro sudoeste pobre (ROLNIK et al., 2015, p.133).

    O processo de excluso da populao mais carente de recursos do grande centro da RMC,

    da sede, estimulou desigualdades socioespaciais mais expressivas, bem como o processo de

    metropolizao e a consolidao de cidades-dormitrio. Com grande parcela dos trabalhadores

    exilados em uma nova periferia urbana, comeam a ocorrer os deslocamentos pendulares, em

    razo da dependncia entre os municpios em que h trabalhadores e os municpios em que h

    emprego, estes os municpios centrais em que havia atividade econmica, e aqueles, os perifricos

    em que havia oferta de terrenos baratos que pudessem servir de moradia.

    No apenas a ocupao informal ao longo das periferias e dos entornos da RMC, houve

    igual contribuio do Estado, pela COHAB Companhia de Habitao Popular principal

    promotora de habitao social na regio (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p.

    18), para a somatizao dos problemas urbanos relacionados segregao socioespacial na regio,

    visto pela concentrao dos seus empreendimentos no espao da cidade correspondente ao

    quadrante sudoeste de Campinas, que setor menos urbanizado do municpio.

    Conforme Raquel Rolnik et al afirmam, existe um papel exercido pela poltica habitacional,

    a consagrao e solidificao de um modelo urbano voltado reproduo da segregao

    socioespacial, que acompanhou o processo de urbanizao experimentado nas regies

    metropolitanas, segundo o qual a populao de baixa renda foi relegada. A forma como se constri

    um conjunto habitacional atualmente segue os interesses dos agentes de mercado, para os quais

    existe um modo de operao determinante da proviso habitacional, um deles se relaciona com o

    elemento localizao, ou seja, onde se encontram terras mais baratas. Sem nenhum esforo

    possvel afirmar que esses espaos esto nas reas perifricas, s margens da cidade, onde os

    7 As rodovias at hoje tm funcionado como eixos impulsionadores da formao perifrica de ocupaoterritorial para a expanso urbana de toda a RMC.

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    servios pblicos so ausentes ou no mximo se tem acesso via uma nica linha de nibus. Para a

    autora, este modelo de cidade reproduzido dcada a dcada e tem predominado, sendo

    responsvel por fomentar o espraiamento urbano, a proliferao de um padro urbanstico

    monofuncional e o estabelecimento de uma diviso territorial entre ricos e pobres (ROLNIK et al.,

    2015, p.148).

    Nesse sentido, cumpre reproduzir a explicao lgica como se houvesse lgica em

    decises as quais se pautam tais demandasda atual produo de habitaes no Brasil, mediante

    a implantao do Programa Minha Casa Minha Vida (posteriormente apresentado), conforme

    Rolnik et al., tudo pensado e muito bem formulado na hora da produo da moradia, desde a

    escolha dos terrenos, pela captao de reas que possam dar um maior retorno financeiro

    (encarado como fator determinante para a implementao da poltica de habitao), e nesse

    sentido, segue uma equao complicada, sendo condicionada por variveis como o custo do

    metro quadrado e as exigncias estabelecidas na legislao quanto ao acesso a redes de

    infraestrutura, equipamentos e servios (ROLNIK etal, 2015, p. 132).

    Desta forma, percebe-se o raciocnio mercadolgico da produo habitacional que visa,

    com a produo de uma maior quantidade de residncias, aumentar a capacidade de lucro e

    propositalmente exilar os destinatrios includos em determinada poltica pblica para os vazios

    perifricos pondo ao seu alcance mnimas condies de existncia. De maneira que a proviso

    habitacional pela atuao conjunta entre Poder Pblico e mercado privado de habitao leva em

    considerao que os locais (des) interessantes devem ser perifricos o bastante para minimizar a

    porcentagem do investimento gasta com o terreno, mas no distantes a ponto de no atenderem

    s exigncias mnimas para a aprovao de uma operao, ou demandarem custos adicionais com

    a expanso de redes de infraestrutura bsica (ROLNIK et al, 2015, p. 132).

    Um fato relevante a se observar que, com o intuito de diminuir a forma desordenada

    assumida pelo crescimento na RMC, como tambm conservar o baixo nmero populacional

    garantindo caracteres de rea rural, fomentaram a elitizao da ocupao. O Plano de Habitao

    de Campinas deixa claro como o Poder Pblico, ainda que com a inteno de preservar e

    desenvolver uma poltica ambiental, foi protagonista da questo da especulao imobiliria e da

    segregao espacial, atuando como um promotor de interesses de mercado, praticamente

    revelia das diretrizes do Plano Diretor,8pelas quais a urbanizao deveria ser voltada ao interesse

    8O Plano Diretor considera a diviso do municpio de Campinas nas seguintes nove macrozonas: MZ1 reade Proteo Ambiental APA. MZ2 rea de Controle Ambiental ACAM, MZ3 rea de Urbanizao

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    pblico. Isto est evidente no Plano Diretor, em especial pela forma como se deu o

    desenvolvimento, por exemplo, dos distritos de Sousas e Joaquim Egdio (Macrozona 1) e de Baro

    Geraldo (Macrozona 3), cujas reas interessam ao mercado imobilirio.9

    Uma das formas de valorizar o preo do terreno estabelecer restries a ele, o que de

    fato ocorreu nessas Macrozonas 1 e 3 de Campinas, que foram naturalmente mais exploradas

    economicamente pelo mercado em razo da chamada tipologia do loteamento fechado, o que

    constatado pelo Plano Municipal de Habitao: A estrutura fundiria encontrada em Sousas e

    Joaquim Egdio e a manuteno de fazendas na zona rural permitem a conservao de diversas

    propriedades agrcolas improdutivas e desocupadas na zona rural, tornando-as espaos

    privilegiados para a especulao imobiliria (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011,

    p. 20).10

    ControladaAUC, MZ4 rea de Urbanizao Prioritria AUP, MZ5rea Prioritria de Requalificao APR, MZ6rea de Vocao AgrcolaAGRI, MZ7 rea de Influncia da Operao Aeroporturia AIA, MZ8rea de Urbanizao EspecficaAURBE e MZ9rea de Integrao NoroesteAIN.9 Em 1990, foram institudos novos Planos Locais de Gesto para o distrito de Baro Geraldo (Macrozona 3),caracterizado pelo Plano Diretor de Campinas como rea de Urbanizao Controlada, e tambm para osdistritos de Sousas e Joaquim Egdio (Macrozona 1) e esses dois ltimos foram transformados em rea dePreservao AmbientalAPA (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 20).A estruturao urbana do municpio de Campinas, conforme Captulo IV, do Plano Diretor municipal,institudo pela Lei Complementar n 15, configura o planejamento urbano sob a constituio das

    denominadas macrozonas, cuja finalidade conformar o territrio urbano, estabelecendo embasamento gesto dos espaos de atuao e, com isso, definir diretrizes para o planejamento e a implementao depolticas e programas, de acordo com as especificidades de cada Macrozona, a fim de promover odesenvolvimento sustentvel no municpio, conforme previsto no art. 21 da referida Lei. Em Campinas, noPlano Diretor, foram definidas nove Macrozonas, levando-se em considerao tanto os aspectos fsico-territoriais quanto socioeconmicos e ambientais.Para a atuao dos gestores pblicos em cada uma das nove Macrozonas, foram criados, por meio de leismunicipais, Planos Locais de Gesto Urbana, para, de acordo com o previsto no artigo 17, do Plano Diretor,agir de forma singular em cada Macrozona, visando adequao especfica do uso do solo; ao detalhamentodas polticas setoriais, a prescrio de orientaes virias e de preservao e recuperao ambiental, enfim,dar conformao ao zoneamento da cidade, seguindo as diretrizes do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor edas demais polticas nacionais, metropolitanas e locais (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011,

    p. 192).10No obstante, o Plano Local de Gesto da Macrozona 1, que corresponde a Sousas e Joaquim Egdio, comotambm o Plano Local de Gesto da Macrozona 3, relativo a Baro Geraldo, dispem sobre a previso deserem implementados programas de habitao de interesse social. A Macrozona 1 ficou definida pela Lei n10.850/2001, com base no pretrito Plano Diretor de Campinas, estabelecido pela Lei Complementar n 4 de1996 e de acordo com a legislao federal (Leis Federais n 6.902/81, 6.938/81 e 9985/00), segundo a qualficou instituda a rea de Proteo Ambiental - APA do municpio de Campinas, voltada promoo dapoltica ambiental municipal, compreendida pelos Distritos de Sousas e de Joaquim Egdio, e a regio anordeste do municpio localizada entre o distrito de Sousas, o Rio Atibaia e o limite intermunicipal Campinas-Jaguarina e Campinas-Pedreira, segundo o art. 1, 1, da mencionada lei. Esta Lei traz a possibilidade,como um dos objetivos de criao da APA, de ser promovida na regio poltica pblica voltada habitaosocial (conforme art. 3, inciso XVI). A definio da Macrozona 3 como rea de Urbanizao Controlada est

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    DOS DADOS COLHIDOS A PARTIR DO PMHIS

    O PMHIS constatou que a ocupao dispersa e perifrica transformou parte do espao

    urbano da RMC em grandes assentamentos precrios. Segundo dados colhidos e fornecidos pela

    Prefeitura do Municpio de Campinas, em 2006, o crescimento urbano nas regies do municpio

    por dcadas, em especial no Sudoeste e no Noroeste, contou com crescimento relativo superior s

    demais regies da cidade, com predominncia em conjuntos habitacionais, favelas e loteamentos

    clandestinos.

    Entre 1970 e 1980, houve crescimento anual maior que 18% (Sudoeste) e 18% (Noroeste);

    entre 1980 e 1991, cerca de 6% a.a. (Sudoeste) e 8% (Noroeste); entre 1991 e 1996, cerca de 5%

    a.a. em ambas as regies (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 24).

    A regio Leste apresentou: nos anos de 1970 e 1980, aproximadamente 4%; entre 1980 e

    1991, cerca de 2% a.a. e entre 1991 e 1996, por volta de 1% a.a. J a regio Sul apresentou, nos

    anos de 1970 e 1980, aproximadamente 6%; entre 1980 e 1991, cerca de 2% a.a., e entre 1991 e

    1996, pouco mais de 1% a.a. (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 24).

    Na regio Norte, entre os anos de 1970 e 1980, quase 6% a.a.; entre 1980 e 1991, pouco

    mais de 2% a.a. e entre 1991 e 1996 no chegou a 1% a.a. (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE

    HABITAO, 2011, p. 24).

    No que se refere sntese da problemtica habitacional da RMC, de acordo com os dados

    da Fundao Joo Pinheiro (FJP), conforme o Programa Nacional por Amostragem de Domiclios

    (PNAD/2005), foi concludo, dentre outros pontos, que o nmero total de domiclios em

    assentamentos precrios apresentado pelos municpios da RMC quase trs vezes maior do que o

    apresentado pela FJP: enquanto o FJP afirma haver 90.802 domiclios precrios na RMC, o PNAD

    indica haver apenas 34.602. H inconsistncia de dados, tambm, na comparao entre o nmero

    de domiclios vagos: para a FJP h quase o dobro do nmero do dficit habitacional total (76.161

    contra 45.850) (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 37).No PMHIS, com relao ao potencial fundirio que, possivelmente, poderia ser destinado e

    utilizado para a proviso de moradias, foi constatada a presena de terrenos vazios sem destinao

    disciplinada no artigo 27 do Plano Diretor, tendo o inciso XI deste artigo potencial de instrumento deoperao urbana com capacidade de ampliar os recursos voltados Habitao de Interesse Social. O PlanoLocal de Gesto Urbana de Baro Geral foi institudo pela Lei n 9.199/1996 e traz disposies sobre aviabilidade de habitao de interesse social na referida Macrozona, como o caso do artigo 34, 1; artigo46, inciso III; inclusive a demarcao de Zonas Especiais de Interesse Social, no art. 75, inciso V.

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    ou, em linguagem jurdico-urbanstica, poderamos dizer, sem servir sua funo social.11 Nesse

    sentido, o PMHIS, ao levar em considerao grandes espaos dentro da rea urbana de toda RMC,

    a falta de terra urbanizada poderia ser suprida pela utilizao destes vazios ou reas subutilizadas;

    alm disso, a totalidade deste potencial fundirio, compatibilizando o total de 415.090.528 m de

    terras consideradas, expressa 27,9% de todo o permetro urbano, consequncia do processo de

    urbanizao disperso como o vivenciado na RMC.12

    Ainda em sede conclusiva do potencial de terras passvel de destinao para moradias de

    interesse social, o PMHIS apontou sobre o quantum de reserva fundiria ser suficiente para sanar o

    problema de espao, ou seja, onde empreender, afirmando hipoteticamente sobre a possibilidade

    de utilizao de metade dos imveis vazios para destinao de moradias, atingindo dessa forma o

    total de 1,6 milhes de unidades, o que superaria o dficit habitacional equacionado pela FJP,

    conforme censo de 2000, 36 vezes maior do que a quantidade indicada (CAMPINAS. PLANO

    MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 41). Em poucas palavras: Informao oficial do municpio de

    Campinas declara que o estoque de moradias na RMC 36 vezes superior ao nmero necessrio

    para eliminar o dficit habitacional.

    Conforme verificvel no PMHIS, o municpio de Campinas detm cerca de 35 mil imveis

    vazios, totalizando quase duas vezes o nmero do dficit habitacional estimado pela Fundao

    Joo Pinheiro (2000) para o municpio, correspondente a 18.786 domiclios. Alm disso, o

    municpio possui 34.641.418,00m de reas urbanas vazias, representando 8,88% da rea do

    permetro urbano municipal (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 122125).

    POLTICA URBANA E A DISSOCIAO ENTRE OFERTA E PROCURA: O PAPEL DAS

    ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL ZEIS

    11 Por funo social, podemos afirmar que o proprietrio no deve apenas possuir um bem, masefetivamente utiliz-lo.Cumpre alertar, no obstante, que alguns imveis, mesmo urbanos, podem cumprir sua funo social

    justamente mantendo-se no edificados/ocupados, como reas de interesse ou preservao ambiental oureas com riscos de desastres. No presente caso, porm, o PMHIS no considerou as reas ou imveis quetenham funes ambientais para identificao dos locais disponveis para produo de moradias.12Como no foram levantadas reas localizadas em permetros rurais, uma das observaes pontuadas naconcluso do tpico voltado ao potencial fundirio, ainda no diagnstico do problema do dficit habitacional,verificou-se que A profuso de loteamentos fechados em grandes reas rurais insere-se no processo deespeculao dos imveis existentes nas reas urbanas dos municpios, contribuindo para manter o seu altovalor. Os valores menores do metro quadrado nos terrenos rurais estimulam os incorporadores eempreenderem nestas reas, deixando de disputar os terrenos nas reas urbanas. Estes imveis no soatrativos nem mesmo para eles, mantendo-se no ciclo especulativo. Disto resulta um potencial imobilirioconsidervel, mas difcil de ser utilizado por programas habitacionais (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DEHABITAO, 2011, p. 40).

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    Sob aspecto jurdico-normativo, a Constituio Federal de 1988 positivou, em seu Ttulo VII

    Da ordem econmica e financeira e em captulo reservado Poltica Urbana, nos artigos 182 e 183,

    novas bases de desenvolvimento urbano bem como o protagonismo dos municpios na gesto de

    interesses locais, com a determinao de que entes federados desta natureza, com mais de vinte

    mil habitantes, editassem seus planos diretores, como instrumentos normativos de poltica urbana

    local com o objetivo de, em conformidade com as diretrizes de poltica urbana federal,

    instrumentalizar prefeituras e, assim, direcionar a cidade e a propriedade de modo a se

    harmonizarem s suas respectivas funes sociais.

    Tal destaque Poltica Urbana em reservado espao pelo constituinte de 1988 revestido

    de carter inaugural, pois no havia, nas Constituies anteriores, explcita preocupao em

    construir um dilogo mais articulado entre as esferas federal e municipal no tocante legislao

    urbanstica. importante pontuar este uso pela primeira vez da questo urbana como parte da

    Constituio Federal, em razo de ser, desde 1960, objeto de luta, em especial, quando, no

    governo Joo Goulart, levantou-se discusso a respeito da Reforma Agrria como parte integrante

    do plano de Reformas de Base, porm, com o advento dos governos militares (1964 a 1985), a

    ltima reforma no Congresso datava de 1963, proposta pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil

    (SAULE JNIOR e UZZO, 2010, p. 261).

    Em 1985 foi criado o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, visando a mudanas

    estruturais em relao questo fundiria, com a elaborao de um projeto de lei a ser

    incorporado ao novo texto constitucional. Na proposta se atacava a segregao existente nas

    cidades brasileiras, decorrente de ausncia de polticas pblicas de habitao, transporte,

    saneamento bsico e ocupao do solo urbano. Entre outros aspectos, a reforma urbana tinha

    como escopo compreender a cidade como um direito, sendo necessrio caracteriz-la como

    representao da gesto democrtica e a participao das pessoas neste espao, sendo

    imprescindvel, para esta realizao, nova roupagem poltica urbana (SAULE JNIOR e UZZO,2010, p. 263).

    Aps a promulgao da Constituio Federal de 1988, a aprovao do Estatuto da Cidade

    (Lei n 10.257/2001) surge como forma de regulamentar a Poltica Urbana, disposta nos artigos

    182 e 183 da Constituio Federal, tornando explcita a necessidade de se pensar na questo

    urbana como fator essencial de organizao dos indivduos no espao da cidade. Como uma das

    consequncias da regulamentao, afirmou-se como objetivo da Poltica Urbana, a necessidade de

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    direcionar a cidade e a propriedade urbana ao cumprimento da funo social (artigo 2, caput, do

    Estatuto da Cidade), por meio da utilizao de mecanismos dispostos, em linhas gerais, no Estatuto

    da Cidade (em especial, em seu artigo 4), e especificado em legislaes de cada municpio.

    Na esfera municipal, a regulao urbanstica, representada no corpo do Plano Diretor,

    recebe um novo significado. Ressalte-se que, apesar de ter havido uma nova ordem no tocante

    poltica urbana, o instrumento normativo denominado plano diretor j constava das normas de

    direito urbanstico nas dcadas de 1960 e 1970, estava voltado s cidades mdias e grandes, em

    razo do repasse de recursos pelo Servio Federal de Habitao e Urbanismo (SERFHAU). Sua

    edio, poca, era condio para o recebimento, por parte dos municpios, de recursos federais

    para a realizao de polticas pblicas de habitao e urbanizao (CYMBALISTA e SANTORO, 2009,

    p. 5).

    A partir desse marco normativo, este instrumento de gesto urbana municipal passa ser

    considerado determinante para a realizao de poltica urbana local, de modo a materializar os

    ditames constitucionais de uso e ocupao do solo, com relao ao cumprimento da funo social

    da propriedade. A transformao havida no Plano Diretor se deu no sentido de deixar de ser

    encarado como uma pea tcnica (voltada compreenso apenas dos profissionais que a

    redigiram) e se torna uma pea poltica, tida como mecanismo de gesto democrtica e

    participativa, e mais, a ser utilizada por setores antes excludos do debate acerca da poltica urbana

    (CYMBALISTA, 2006, p. 34).

    Nessa perspectiva, ao desenvolver estratgias locais de desenvolvimento do municpio, o

    plano diretor, entre outros aspectos, tem a funo de pormenorizar regras estabelecidas tanto na

    Constituio Federal como no Estatuto da Cidade, de modo que, no municpio, considerado em sua

    singularidade, possam ser desenvolvidas aes de atuao estatal no desenho urbano, por

    exemplo, pela incorporao dos instrumentos jurdico-urbansticos nos planos diretores, conforme

    disposto no artigo 4, inciso V, do Estatuto da Cidade.13 nesse sentido que a redao dos planos

    diretores se aproxima ao Estatuto da Cidade, principalmente na instituio desses instrumentos

    jurdicos e polticos de interveno no espao urbano.

    13Os autores reconhecem que os planos diretores tm sido redigidos e aprovados pelos municpios muitomais para cumprir a formalidade pela qual se exige a existncia de plano diretor para o municpio receberrepasse de verbas federais do que para, de fato, servir de instrumento de poltica urbana por excelncia. gritante a existncia de planos diretores praticamente idnticos uns em relao aos outros, com redaoquase que integralmente copiada do texto do Estatuto da Cidade, sem qualquer especificao das normasdeste a serem aplicadas aos respectivos municpios.

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    Em sntese, as polticas urbanas esto fundadas em normas constitucionais e no Estatuto

    da Cidade, mas tambm direcionadas, em cada municpio, por normas locais. No Brasil,

    necessrio a municpio com mais de 20 mil habitantes a elaborao do Plano Diretor (BRASIL,

    ESTATUTO DA CIDADE, artigo 41, inciso I). A criao do Plano Diretor surgiu com o intuito de ser o

    instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e expanso urbana, conforme redao do

    mencionado dispositivo legal.

    No caso da realidade social do municpio de Campinas, seu Plano Diretor foi institudo pela

    Lei Complementar n 15/2006.

    Assim, um dos instrumentos disposio dos gestores pblicos municipais o

    estabelecimento de Zonas Especiais de Interesse Social, cujo objeto a definio e a demarcao

    de reas urbanizadas destinadas habitao de interesse social. Seguindo as diretrizes normativas

    federais, podemos dizer que a cidade reflete sua funo social quando os servios e equipamentos

    pblicos so postos em reas de acesso terra urbanizada.

    Flvio Villaa (1995), por outro lado, considera que o Plano Diretor reafirma, politicamente,

    a subordinao das classes populares no espao urbano, no passando de retrica poltica.

    Ideolgico e tecnocrata, o Plano Diretor tem sido instrumento de boa tcnica, porm sem nenhum

    contedo transformador, e que a boa tcnica tem o poder mgico de solucionar todos os

    problemas urbanos (VILLAA, 1995, p. 47). Ao ser editado e aprovado por lei municipal, o Plano

    Diretor deve induzir Administrao Pblica local a realizao de funes urbansticas para alm

    do aspecto ambiental ou paisagstico, mas, tambm e principalmente, de organizao do espao

    pblico e da subordinao, a este, dos espaos privados.

    Quinto Jr. (2003) afirma que o desenvolvimento das cidades brasileiras produto da

    realizao de uma poltica urbana liberal, pensada e reiteradamente praticada, como ocorreu nas

    cidades latino-americanas desde o sculo XIX. Para o autor, as cidades foram transformadas, em

    razo de interesses de mercado, em um instrumento de especulao e de valorizao imobiliria,

    sobrepondo-se, portanto, concepo de cidade segundo a qual os padres urbansticos

    participavam da regulao social (QUINTO JR., 2003, p. 188). Assim, a forma de se planejar as

    cidades produto da concepo no intervencionista do Estado nos interesses do mercado privado

    de habitao, compreendida como prtica expressada, na maioria das vezes, como aparente

    'ausncia' de poltica ou de planejamento urbanos.

    De acordo com Ermnia Maricato (2013), o modelo pensado de planejamento urbano

    contribuiu para disfarar o que a realidade ftica das nossas cidades e, na mesma intensidade, para

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    solidificar (no sentido de consolidao) um mercado imobilirio restrito e especulativo. Foi dentro

    desta poltica liberal, processo poltico e econmico que o Brasil firmou uma das sociedades mais

    desiguais do mundo. O planejamento urbano modernista/funcionalista, comporta o modo de

    transformar a cidade como um instrumento de dominao ideolgica. O problema em si

    apontado pela autora no apenas pela ausncia de legislao e regulamente, nem muito menos

    pela falta de qualidade destes textos normativos, no entanto, a questo que se coloca como

    sintomtica so os interesses da poltica local e os grupos especficos que esto envolvidos em toda

    elaborao do planejamento urbano A ilegalidade , portanto, funcional para as relaes

    polticas arcaicas, para um mercado imobilirio restrito e especulativo, para a aplicao arbitrria

    da lei, de acordo com a relao de favor. (MARICATO, 2013, p.124).

    No por falta de planos e nem de legislao que as cidades brasileiras crescem de modo

    predatrio, haja vista a presena de leis de zoneamento, normas de parcelamento do solo, cdigos

    de edificaes. No entanto, h uma gritante desconsiderao com relao condio de

    ilegalidade de grande parte da populao urbana brasileira, tanto em relao moradia, como em

    relao ao acesso terra urbanizada. O que esclarece que a excluso social passa pela lgica da

    aplicao discriminatria da lei (MARICATO, 2013, p. 147). As leis so aplicadas conforme as

    circunstncias e o resultado para a falta de definies de pautas que se discutam a habitao,

    saneamento, mobilidade o planejamento urbano para alguns, mercado para alguns, leis para

    alguns, modernidade para alguns, cidadania para alguns (MARICATO, 2013, p. 125).

    Trindade (2012, p 147), ressalta a funo dada propriedade pelo mercado privado de

    terras, numa conjuntura de no ingerncia estatal, obviamente, de acordo com seus interesses ao

    afastar o carter social e atribuir funo econmica, compreendida pelo enriquecimento de seus

    detentores. Notadamente, as classes menos favorecidas social e economicamente foram postas

    margem das vantagens oferecidas pela urbanidade, como a ocupao formal, migrando, assim,

    para as zonas perifricas pendentes de infraestrutura adequada promoo do direito cidade. O

    no controle do Estado em razo da liberdade dada ao mercado pela poltica econmica do

    liberalismo resultou nas ocupaes precrias e informais, em outras palavras, no direito

    ocupao sem a concretizao do direito cidade.

    Diante de toda conjuntura que se apresentava de certo podemos afirmar que o discurso

    poltico e o arcabouo jurdico se encontram diametralmente opostos realidade social, fazendo

    com que o plano diretor, em ltima instncia, revele-se como plano discurso no desenvolvimento

    das cidades brasileiras. A tenso existente entre a cidade formal e a cidade ilegal, segundo

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    Maricato (2013, p. 165) dissimulada. Para a autora, cidade uma representao, de modo que a

    sua parte oficial dissimula a sua realidade social (parte tida como informal ou ilegal), mas tambm

    acoberta a funo de um papel econmico ligado gerao e captao da renda imobiliria.

    Por no haver correspondncia equitativa entre o que se oferece de terras promoo de

    habitao social e a sua procura ou, em outras palavras, a necessidade de moradia (o dficit, no

    apenas quantitativo, mas tambm qualitativo), dissociao entre oferta e procura que

    intensificada pelos agentes de mercado justamente para que seja possvel especulao imobiliria,

    existe desde 2001, no Estatuto da Cidade, a previso de instrumentos jurdico-urbansticos de

    interveno pblica nos espaos urbanos, sejam eles privados (como o caso, por exemplo, da

    desapropriao, art. 4, inciso V, alnea a) ou pblicos, voltados concepo de uma poltica

    urbana mais incisiva no que se refere ao resgate das funes sociais da cidade 14e da propriedade

    (art. 2 do Estatuto).

    Dentro do rol de possibilidades jurdicas, polticas e urbansticas do Estatuto da Cidade,

    advindas da regulamentao da poltica urbana capitulada na Constituio Federal de 1988,

    preciso ressaltar um instrumento capaz de relativizar os efeitos dos processos especulativos, como

    o caso da previso e, mais importante, a demarcao das Zonas Especiais de Interesse Social

    (ZEIS). A previso desse instrumento est no art. 4, inciso V, alnea f, do Estatuto, mas que se faz

    necessria a especificao e regulamentao em mbito local pelos Planos Diretores para serem

    efetivamente aplicveis. S com a demarcao destas zonas, em especial por meio de Leis de

    Gesto Local, que o Poder Pblico pode condicionar o mercado na produo de moradias de

    interesse social.

    A Lei n 11977/2009, alm de dispor sobre o programa federal de promoo de moradias

    Minha Casa Minha Vida, tambm traz quesitos referentes regularizao fundiria. Neste aspecto,

    o que nos interessa que a lei d uma definio s ZEIS, em seu art. 47, inciso V, como parcela de

    rea urbana instituda pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada

    14O conceito da funo social da cidade, por sua vez, incorpora a organizao do espao fsico como frutoda regulao social, isto , a cidade deve contemplar todos os seus moradores e no somente aqueles queesto no mercado formal da produo capitalista da cidade. A tradio dos cdigos de edificao, uso eocupao do solo urbano no Brasil sempre partiram do pressuposto de que a cidade no tem divises entreos includos e os excludos socialmente, de modo que nossa legislao edilcia por si s normatizaria todos ospreos de custo. (Antes do surgimento da incorporao imobiliria, a cidade era produzida por rentistasimobilirios e para uso prprio [conhecido como preo de custo], mas de fato existia um terceiro setor, o dosmoradores de cortio.) O acesso habitao como direito e garantia fundamental, conforme expresso naConstituio de 1988, coloca um fato novo na nossa cultura urbanstica, qual seja, a de que temos deoferecer uma habitao digna para todos os moradores das cidades (QUINTO JR, 2003, p. 191).

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    predominantemente moradia de populao de baixa renda e sujeita a regras especficas de

    parcelamento, uso e ocupao do solo.

    As ZEIS, assim, podem ser compreendidas, em ltimo grau de especificidade, como

    decorrncia normativa existente entre a poltica urbana inaugurada na Constituio Federal de

    1988, positivada no Estatuto da Cidade e Plano Diretor de Campinas. Conforme aponta Levy (2014,

    p. 227) o conceito de ZEIS, sob o aspecto da regularizao fundiria, o instrumento disposto em

    textos normativos, em especfico, no Estatuto da Cidade, capaz de, ao menos, tentar frear a forma

    desordenada da expanso urbana consequente da especulao imobiliria que, entre outros

    efeitos, cria vazios geogrficos e expulso dos mais pobres para reas mais perifricas, com

    grande impacto na prestao de servios pblicos, que precisam ir para cada vez mais longe

    (LEVY, 2014, p. 227). Em outras palavras, por meio das ZEIS, a Administrao atuaria de modo a

    trazer essa parcela da populao centralidade urbana, como bem pontua Henri Lefebvre (2001),

    em o Direito Cidade.

    As ZEIS funcionam como um instrumento jurdico, por estarem inseridos em norma legal, e

    poltico, por se efetivarem a partir de decises a cargo da Administrao Pblica, com vistas a

    regularizar a situao fundiria e o modelo de uso e ocupao do solo. A ideia que se possa

    manej-las como mecanismos capazes de dar mais diversidade ao espao urbano, sob a nossa

    hiptese, com a determinao de que, em reas bem servidas por urbanizao, seja necessrio

    implementar poltica habitacional voltada populao de baixa renda.

    Assim, esse instrumento pode realizar duas formas de transformao no espao da cidade,

    a saber: promover a regularizao fundiria e urbanstica dos assentamentos informais, bem como

    impulsionar a construo de novas unidades habitacionais de interesse social em reas no

    edificadas, subutilizadas ou no-utilizadas.

    luz da realidade atual do municpio de Campinas, bem como de sua regio

    metropolitana, em que pese a mencionada disposio de um potencial fundirio bastante a suprir

    as necessidades deficitrias de habitao social, o nmero de ZEIS estabelecidas na RMC

    (correspondente a uma rea de 8.367.900,84 m) no suficiente para fazer frente ao dficit

    habitacional.

    Embora haja condies materiais para resolver tal dficit, o instrumento urbanstico ZEIS

    ainda no aplicado de forma a supri-lo ou, minimamente, a enfrent-lo. Aparentemente, isso

    ocorre por falta de vontade poltica ou por presso do mercado imobilirio, cujo interesse em

    manter a especulao maior que o de construir habitaes de interesse social o que, ao menos

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    no curto prazo, tenderia a causar a reduo da procura e, com isso, a reduo do preo dos

    imveis disponveis.

    Constata-se, assim, que no se trata de tarefa irrealizvel ou para alm das capacidades de

    disposio de espao urbano, mas da definio de uma poltica de distribuio de terras

    urbanizadas, isto , do ponto de vista de terra urbanizada, h viabilidade para o atendimento das

    necessidades habitacionais estimadas nos instrumentos de poltica urbana.

    O relatrio descrito no PMHIS verificou a presena de mecanismos normativos voltados

    poltica urbana de regularizao fundiria, assim como a possibilidade de serem empreendidas

    novas unidades em reas j servidas por servios urbanos, como os espaos urbanos vazios.

    Chamamos de espaos urbanos vazios as reas localizadas dentro do territrio da cidade e

    compostas por servios pblicos capazes de gerar incluso de pessoas situadas em zonas marginais

    da cidade. So propriedades pertencentes a algum, porm que no cumprem funo social

    destinada a imveis urbanos (moradia, comrcio ou indstria) e que potencialmente representam

    possibilidade de integrao social.

    No entanto, tambm foram reconhecidos, nos Planos Diretores das cidades que compem

    a RMC, impedimentos no tocante exequibilidade de polticas pblicas em sua funo de interferir

    no domnio privado dos imveis urbanos. Um deles a falta de preocupao com a demarcao

    das ZEIS. Outro, a considerao de que no possvel aplicar esse ou outros instrumentos

    urbansticos sem que eles sejam devidamente conceituados em leis posteriores. Um terceiro, a

    falta de preocupao com o contedo dos Planos Diretores e dos Planos de Habitao Local,

    criados exclusivamente para que o municpio cumprisse requisito sem o qual no poderia captar

    verbas federais para programas de habitao (artigo 12, inciso III, da Lei n. 11.124/2005).

    Institucionalmente, porm, e justamente por fora dessas normas que permitem captao

    de verbas com finalidade direcionada a polticas de habitao, observa-se a existncia de

    organizao e participao quanto captao de recursos federais e estaduais tendentes a

    consolidar e materializar a poltica habitacional, a partir da melhora e regularizao de habitao

    de interesse social (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 46).

    As limitaes encontradas so relacionadas possibilidade de aplicao e a implementao

    de uma poltica habitacional tendente afirmao do espao urbano mais diversificado. Apesar de

    existir, na extenso territorial de todos os municpios da RMC, espao suficiente para a promoo

    de polticas habitacionais aptas a reduzir tantoo dficit habitacional atual quanto demanda futura

    (CAMPINAS. PLANO MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 42-43), apenas parcela insuficiente de

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    toda essa rea destinada demarcao de ZEIS. A importncia desse instrumento considerar a

    necessidade de integrao terra urbanizada dos novos assentamentos humanos, como por

    exemplo a localizao, valor da terra, modalidade do programa etc.

    Conforme os dados disponibilizados pelo relatrio do PMHIS, o Sistema de Gesto e o

    Marco regulatrio contam com instrumentos de poltica urbana j previstos no Estatuto da Cidade,

    quais sejam: ZEIS, Parcelamento, edificao e utilizao compulsrios, IPTU provisrio no tempo e

    desapropriao sancionatria, direito de preempo. Ao tempo do estudo, Engenheiro Coelho e

    Holambra no tinham Planos Diretores aprovados.

    Existe a previso de ZEIS em Campinas, porm necessria edio de leis para a

    regulamentao da forma como sero demarcadas, passando a efetivamente surtirem efeitos na

    realidade social desse municpio. Segundo o pargrafo nico do art. 84 do Plano Diretor

    (CAMPINAS. Lei Complementar n 15/2006), a fim de dar cumprimento poltica de habitao, h

    ZEIS de induo e de regularizao.

    As primeiras correspondem definio desse instrumento de gesto urbana em reas no

    edificadas, subutilizadas ou no utilizadas destinadas promoo de empreendimentos

    habitacionais de interesse social (cf. art. 84, pargrafo nico, inciso I), enquanto as de reas

    ocupadas correspondem s ZEIS de regularizao e resultam de ocupaes espontneas,

    produzidas de forma desorganizada, por populao de baixa renda, em reas pblicas ou privadas

    ou resultantes de parcelamentos irregulares ou clandestinos (cf. art. 84, pargrafo nico, inciso II).

    Ou seja, trata-se de instrumento pendente de efetiva aplicao, assim como os demais

    instrumentos catalogados, tais como Parcelamento, edificao e utilizao compulsrios, IPTU

    progressivo no tempo, desapropriao sancionatria e direito de preempo (CAMPINAS. PLANO

    MUNICIPAL DE HABITAO, 2011, p. 49).

    POLTICAS HABITACIONAIS DESENVOLVIDAS NO MUNICPIO DE CAMPINAS

    Em textos oficiais, luz do corpo normativo do municpio de Campinas, em especial do

    Plano Diretor, promulgado por meio da Lei Complementar n 15/2006 e Plano de Gesto, ambos

    do municpio de Campinas, foram identificadas as seguintes polticas pblicas voltadas habitao

    implantadas pela Secretaria de Habitao (SEHAB): Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),15

    Programa Casa Paulista, Programa de Acelerao ao Crescimento (PAC) e Cooperativas

    15Lei n 11.977, de 7 de julho de 2009. Disponvel em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977.htm. Acesso em 8 de setembro de 2015.

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    Habitacionais (Cohab - Campinas). Pela densidade de cada uma dessas polticas, optamos por

    tratar, nesse artigo, exclusivamente do Programa Minha Casa Minha Vida, por se tratar do

    programa habitacional mais efetivo j realizado. Os demais programas podero ser objeto de

    estudos posteriores.

    Campinas tem promovido o direito moradia sob a formatao do Sistema Nacional de

    Habitao de Interesse Social (SNHIS) e do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), porm a

    implementao dessa poltica habitacional no suficiente para a mitigao do dficit habitacional.

    Esses programas tm sido executados, e em ritmo superior a qualquer outra poltica habitacional j

    desenvolvida em territrio nacional, porm mantm a lgica de promover moradias em reas

    pouco ou nada integradas ao tecido urbano, mais voltadas eficincia econmica dos

    empreendimentose ao lucro do negcioque propriamente incluso dos moradores cidade.

    Conforme nossa hiptese, uma das vias pelas quais o planejamento urbano poderia

    deveria! direcionar as polticas de habitao, seria determinar a construo das novas

    Habitaesde Interesse Social em ZEIS demarcadas e no em locais desvalorizados, ainda mais

    perifricos, sem acesso aos servios pblicos, o que seria uma forma de forar os executores dos

    planos habitacionais, no apenas no mbito do PMCMV, mas de todas as polticas vinculadas ao

    Plano Nacional de Habitao Urbana, a simplesmente cumprirem a lei. Em especial, o disposto no

    artigo 5-A da Lei n. 11.977/2009, includo pela Lei n. 12.424/2011 que, de certo modo, internaliza

    em nosso ordenamento a Recomendao Geral n 4 do Comit das Naes Unidas para os Direitos

    Econmicos, Sociais e Culturais, de 1991:16

    Art. 5o-A. Para a implantao de empreendimentos no mbito do PNHU, devero ser

    observados:

    1.

    Localizao do terreno na malha urbana ou em rea de expanso que atenda aos requisitos

    estabelecidos pelo Poder Executivo federal, observado o respectivo plano diretor, quando

    existente;

    2.

    Adequao ambiental do projeto;

    16Trata-se, a Recomendao Geral n 4, do Conselho de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, das NaesUnidas, de 1991, de uma das principais contribuies para a conceituao do direito moradia adequada:Do ponto de vista deste Comit, o direito moradia no deveria ser interpretado segundo um sentidoestreito ou restritivo, que definiria a moradia como simples abrigo provido por um teto sobre a cabea ouque definiria o abrigo exclusivamente como uma mercadoria. Em vez disso, ele deveria ser visto como odireito de viver em algum lugar com segurana, paz e dignidade. (NAES UNIDAS, General Comment n. 4,1991, s/p.). A doutrina nacional traduziu este item por Comentrio. No entanto, parece -nos mais acertadocham-lo de Recomendao, j que um documento que oferece subsdios para o correto entendimentodos Tratados e, por essa razo, recomenda certas condutas aos Estados.

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    3. Infraestrutura bsica que inclua vias de acesso, iluminao pblica e soluo de

    esgotamento sanitrio e de drenagem de guas pluviais e permita ligaes domiciliares de

    abastecimento de gua e energia eltrica; e

    4.

    A existncia ou compromisso do poder pblico local de instalao ou de ampliao dos

    equipamentos e servios relacionados a educao, sade, lazer e transporte pblico.

    As unidades habitacionais produzidas pelo PMCMV so executadas pelo critrio de diviso

    em faixas. A Faixa 1 destinada ao atendimento de famlias com renda mensal de at R$1.600,00;

    a Faixa 2, de famlias com renda mensal entre R$1.600,00 e R$3.100,00; e a Faixa 3, de famlias

    com renda entre R$3.100,00 e R$5.000,00 (ROLNIK et al.2015, p. 129). A RMC se destacou na

    promoo de unidades habitacionais via Minha Casa Minha Vida, seus resultados quantitativos na

    etapa inicial do programa foram aproximadamente 20 mil unidades, em segundo momento,

    ampliou em 23% e, consequentemente, o nmero de unidades construdas da Faixa 1 dobrou.

    O PMCMV foi institudo pela Lei n 11.977 de 07 de julho de 2009, a mesma Lei que

    tambm disciplina a regularizao fundiria de assentamentos humanos em zonas urbanas. Como

    a estrutura e a finalidade do PMCMV esto voltadas configurao de medidas que visem a

    estimular a produo e aquisio de novas unidades habitacionais para famlias com renda mensal

    de at R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais), conforme preleciona o seu art.1.

    A Portaria n 595, de 2013,17 do Ministrio das Cidades, prev sobre a forma de

    atendimento dos destinatrios do Programa, ao dispor a respeito dos parmetros de priorizao e

    sobre o processo de seleo dos beneficirios do PMCMV, no mbito do Programa Nacional de

    Habitao Urbana (PNHU), conforme prescreve o art. 1 da normativa. Os critrios estabelecidos se

    destinam s operaes realizadas por meio da utilizao dos recursos oriundos da integralizao de

    cotas do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que so transferidos ao Fundo de

    Desenvolvimento Social (FDS), conforme os objetivos dessa Portaria.

    No tocante seleo dos beneficirios inscritos, cabe dizer que 50% das unidades sero

    encaminhadas para famlias indicadas pelos municpios, priorizando os potenciais adquirentes

    assentados em reas de risco (seja risco ambiental ou de insalubridade), os demais 50% de

    unidades so remetidos ordem definida em sorteio pelo Cadastro de Interesse de Moradia. Para

    seleo e hierarquizao da demanda via sorteio so considerados os critrios nacionais de famlias

    residentes ou que tenham sido desabrigadas de rea de risco ou insalubres; famlias com mulheres

    17http://www.habitacao.sp.gov.br/casapaulista/downloads/portarias/portaria_595_12dez_18_2013_selecao_dos_beneficiarios_pmcmv.pdf.

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    responsveis pela unidade familiar; e famlias da qual faam parte pessoas portadoras de

    deficincia.

    Dos critrios locais, aprovados pelo Conselho Municipal de Habitao temos: famlias

    moradoras em Campinas h mais de 10 anos; famlias com renda per capita inferior a salrio

    mnimo; e pessoas com, no mnimo, 02 dependentes habitacionais.18

    Em Campinas existem 8.030 unidades aprovadas. Dos empreendimentos em execuo ou

    j executados, o Residencial Santa Luzia no foi entregue ainda. O Residencial Vilas de Taubat est

    em construo e faz parte do projeto conjugado Parque Linear Vilas de Taubat, que conta com

    recursos conjuntos do programa de acelerao do crescimento (PAC) e do PMCMV. Beneficiaria

    14.608 famlias no total que vivem no entorno do crrego Taubat, na regio sul, com

    regularizao fundiria dos assentamentos precrios; reassentamento de parte das famlias

    removidas de reas imprprias nas unidades do Vilas de Taubat; e obras de macrodrenagem,

    saneamento, pavimentao, requalificao ambiental e sistema de lazer.19

    Percebe-se, em termos de condies urbanas mais vantajosas que, na regio nordeste da

    RMC, o nmero de empreendimentos no expressivo e os que existem so, geralmente,

    destinados Faixa 3 de renda, principalmente quando comparado parte sudoeste, onde esto

    localizados residenciais.

    Um dos objetivos do PMCMV era reduzir o dficit habitacional, pela construo de novas

    residncias para serem adquiridas por meio de financiamento. Conforme afirmam Rolnik et al.

    (2015, p. 130), o PMCMV foi idealizado para satisfazer uma necessidade do mercado econmico,

    no sentido de estimular a construo civil voltada ao mercado privado de habitao popular. No

    entanto, no se notou preocupao em caminhar no sentido apontado pelo que foi pensado pelo

    18As famlias que atendem de 5 a 6 critrios so encaminhadas para o sorteio do grupo onde haver 75% das

    unidades habitacionais disponveis (denominado grupo 1), bem como as que atendem at 04 critrios soencaminhadas ao grupo onde haver 25% das unidades (denominado grupo 2). Segundo a Portaria595/2013, 3% das unidades habitacionais devero ser reservadas para atendimento aos idosos e 3% dasunidades habitacionais devero ser reservadas para atendimento a pessoa com deficincia ou cuja famliafaam parte pessoas com deficincia.Os deficientes e os idosos que no so sorteados no grupo especial(Grupo Idosos e Grupo Deficientes), tambm participam do sorteio dos grupos 1 e 2, conforme a quantidadede critrios que atendem. Conforme disponvel em:http://campinas.sp.gov.br/governo/habitacao/programas-habitacionais.php.Acesso em 26 de julho de 2015.19De acordo com: http://campinas.sp.gov.br/governo/habitacao/programas-habitacionais.php Acesso em 26de julho de 2015.

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    Sistema Nacional de Interesse Social (SNHIS), institudo pela Lei n. 11.124/2005, e pelo Plano

    Nacional de Habitao (PlanHab), lanado em 2009.

    A implementao do direito moradia tem se orientado com base em uma agenda que

    no se pauta pela necessidade de efetivamente sanar o dficit habitacional no seu sentido de

    garantir, parcela da populao excluda, acesso terra urbanizada, o que tornou o desenho do

    programa, conforme Rolnik et al. (2015, p. 131), um fator determinante para a reproduo do

    padro perifrico da moradia da populao de baixa renda no pas.

    CONCLUSO

    Enfim, confirmamos nossa hiptese, ou seja, que existe a possibilidade da produo de

    Habitaes de Interesse Social ser realizada em reas demarcadas e definidas como ZEIS,

    instrumento j previsto na legislao urbanstica mencionada, apto a induzir o uso da rea urbana

    para a incluso --e no a excluso-- da populao de baixa renda no tecido da cidade, em especial

    no mbito deste estudo, voltado realidade de Campinas, em que dados oficiais constatam a

    existncia de espaos urbanos vazios aptos a abarcar a execuo de polticas habitacionais que se

    prestem incluso social.

    Por outro lado, as ZEIS vm sendo empregadas de modo a consolidar a exportao da

    populao das camadas mais populares para reas da cidade localizadas fora do entorno servidopor equipamentos pblicos. Isto , estes instrumentos, por vezes, so definidos e, quando

    demarcados, acabam sendo mecanismos de condicionamento da produo de moradias, via

    Programa Minha Casa Minha Vida, em locais de pouca infraestrutura ao alargar as fronteiras

    municipais minimamente urbanizadas para espaos menos urbanizados ainda, em razo do

    preo da terra.

    Um dos fatores que maculam a questo urbana est intimamente ligado a este modelo de

    uso e ocupao do solo, comeando pela questo da circulao de pessoas no territrio urbano.

    Temos, nesse modelo, a cristalizao de um processo cotidiano que alarga as fronteiras da cidade e

    lana a habitao popular ou de menor renda para as zonas perifricas, distantes de reais

    possibilidades de integrao cidade. A justificativa para essa forma de apartao do tecido

    urbano de parte da populao est no custo da terra, pois s seria economicamente vivel

    construir-se Habitao de Interesse Popular onde o preo das terras captadas representasse

    garantia de aferir, da produo das moradias, mais contraprestao pecuniria.

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    Em outras palavras, nega-se o fator localizao, descumpre-se o artigo 5-A da Lei

    instituidora do Programa Minha Casa Minha Vida, que impe a construo, no mbito do Plano

    Nacional de Habitao Urbana, de unidades habitacionais sempre dentro das reas urbanas ou, no

    mximo, das reas em fase de urbanizao, justamente visando a garantir aos moradores no s

    direito moradia como tambm direito cidade. Deixam-se de lado a lei e os princpios de direito

    internacional sob o argumento da eficincia e da viabilidade econmica. Em nome da realizao do

    empreendimento em qualquer lugar, e de qualquer jeito, desde que lucrativo exilam-se os

    futuros moradores em reas s margens do tecido da cidade, muitas vezes sem qualquer previso

    de que tais reas sero um dia equipadas com servios ou instalaes pblicas e, dessa forma,

    finalmente, se tornem urbanas.

    Morar margem ou exilado de condies mais favorecedoras da experincia urbana

    carrega, como implicao direta, a necessidade de deslocamento dirio (e, por isso, com a entrega

    da unidade residencial, a nica presena do Poder Pblico no local se reduz ao ponto final d a linha

    de nibus que leve o morador, no mnimo, ao trabalho, escola dos filhos e ao posto de sade,

    todos estabelecidos em outros lugares mais ou menos distantes). Esse deslocamento, cada vez

    mais, cobre reas cada vez mais extensas.

    Essa parcela da populao que vive nessas zonas perifricas ou delineando os contornos da

    cidade, na realizao de seus movimentos pendulares, cotidianamente exportada: essa parcela

    da populao, por ser fixada em residncias to distantes, expulsa para fora da cidade; para

    sobreviver, trabalhar, estudar, e at ter lazer, submete-se migrao diria para a cidade, e seu

    retorno a uma residncia que, no final das contas, serve quase que exclusivamente como

    dormitrio. Em outras palavras, as atuais polticas habitacionais simplesmente reproduzem as

    formas de ocupao de espao urbano promovidas no Brasil desde o incio do sculo XX, definindo-

    se a fixao nas reas equipadas com servios com base exclusivamente na capacidade econmica

    do morador.

    O direito moradia deve ser entendido como um forte elemento de concretizao do

    direito cidade, motivo pelo qual se justifica a necessidade de que polticas pblicas sejam

    definidas de modo a garantir que haja uma certa vinculao em promover Habitaes de Interesse

    Social em locais em que j exista cidade, e no em locais afastados, sem qualquer equipamento

    pblico.

    No existe nenhum impedimento jurdico ou urbanstico para integrao de moradias de

    interesse social no tecido urbano. O impedimento de ordem econmica, pois isso contraria os

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    clculos de eficincia e de lucro dos empreendimentos. A demarcao de ZEIS e a exigncia de

    produo de Habitaes de Interesse Social em reas j urbanizadas impe aumento dos custos de

    produo dos novos imveis do PHIS ou do PMCMV, j que o custo de terreno em rea urbana

    mais alto. Alm disso, o uso de reas j urbanizadas para construo de moradias de interesse

    social causaria, no mercado, mudanas na precificao de praticamente todos os demais imveis,

    j que a rea urbana disponvel para demais usos, por ficar relativamente menor (devido a seu uso

    para algo indito, qual seja, construo de moradias populares), em tese causar elevao global

    dos preos dos imveis.

    As razes da no-aplicao do instrumento e os fatores/agentes de resistncia

    concretizao da funo social da propriedade justificada em razo dos prprios interesses de

    mercado e da estrutura em que est inserida a lgica de produo habitacional. A produo de

    moradias se d segundo o interesse dos construtores e dos bancos, na estrutura em que se

    reproduz propriedade privada, concretizando-se o direito moradia apenas se revestido dos

    caracteres do direito de propriedade. Mesmo no mbito do programa federal vigente de produo

    de unidades habitacionais para populao de baixa renda, o PMCMV, os moradores se tornam os

    muturios de um contrato em que, ao final, tero sua casa prpria, mas no detm os elementos

    que compem o direito moradia (segurana da posse, habitabilidade, acesso a equipamentos

    pblicos etc.). Esse modelo se pautou por tratar de um direito de maneira mercantilizada, a

    moradia como um produto, relegando-o aos interesses imobilirios que, em poucas palavras, so

    reduzidos obteno de lucro.

    Desde 1873, em Sobre a Questo da Moradia, conforme Friedrich Engels, h a constatao

    de que o problema no de dficit de moradias, mas de estrutura fundiria que impede a fixao

    de pessoas de baixa renda na terra urbanizada (2015, p. 29-71). Se no campo o problema nunca foi

    a seca, mas a cerca, na cidade o problema nunca foi a falta de moradias, mas a apropriao dos

    espaos para fins privados dos grupos econmicos mais fortes.

    Neste artigo, a questo, contudo, reside em saber se o interesse pblico estaria na

    integrao dos moradores ao tecido da cidade ou na manuteno de uma forma de planejamento

    urbano que, se promove algum planejamento, o de entregar linhas de nibus porta dos

    conjuntos habitacionais construdos nas periferias.

    Em termos prticos, verifica-se, no permetro urbano do municpio de Campinas, a

    presena de espaos urbanos vazios ou sem utilizao que poderiam servir para a implementao

    de ZEIS, j previstas no Plano Diretor vigente, como forma de condicionar estas reas a servirem

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    sua funo social, a saber: morar, comerciar ou industriar. Bem como tambm possvel, a partir

    da demarcao desses instrumentos urbansticos situ-las em reas com melhor localizao,

    especialmente nos espaos urbanos vazios existentes, promover nelas, e no to distante l longe,

    Programas de Habitao de Interesse Social. Assim, sustentamos a necessidade de condicionar a

    produo do direito moradia em espaos urbanos providos pelo acesso aos servios pblicos, o

    que entendemos ser possvel pela aplicao das ZEIS, algo que, por ora, est longe de ocorrer no

    municpio de Campinas.

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