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RELAÇÕES DE AJUDA E CUIDADO NO ĀMBITO DAS PRÁTICAS CRISTĂS ATUAIS RELATIONSHIPS OF HELP AND CARE IN THE SCOPE OF THE CURRENT CHRISTIAN PRACTICES Flávia Diniz Roldão ([email protected] ) RESUMO: Após abordar a questão das relações de ajuda e cuidado de um modo geral, o texto concentra-se nas relações de ajuda e cuidado desenvolvidas no contexto das práticas cristăs atuais, entendendo-as como ato diaconal, característica esta que as torna uma prática peculiar neste contexto. Entretanto, entende-se que há discussões advindas de diversas áreas do conhecimento científico que muito podem contribuir eficientemente na prática destas relações. Este ensaio inicial busca fazer dialogar Teologia e Psicologia, partindo de um olhar interdisciplinar, na tentativa de levantar contribuições advindas de ambas as ciências. Ao final são elencadas algumas categorias que na concepção da autora, são importantes de serem consideradas quando se trata das relações de ajuda e cuidado. PALAVRAS-CHAVE: cuidado, relações de ajuda, teologia, psicologia. ABSTRACT: After approaching the subject of the relationships of help and care in general, this text focus on the relationships of help and care developed in the context of the current Christian practices, understanding them as a diaconal act, characteristic that makes them a peculiar practice in this context. However, it is understood that there are discussions that have come from several areas of scientific knowledge which can contribute efficiently in the practice of these relationships. This initial assay aims at making Theology and Psychology dialogue, starting from an interdisciplinary view, in the attempt of raising contributions from both sciences. At the end, some

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RELAÇÕES DE AJUDA E CUIDADONO ĀMBITO DAS PRÁTICAS CRISTĂS ATUAIS

RELATIONSHIPS OF HELP AND CAREIN THE SCOPE OF THE CURRENT CHRISTIAN PRACTICES

Flávia Diniz Roldão([email protected])

RESUMO:Após abordar a questão das relações de ajuda e cuidado de um modo geral, o texto concentra-se nas relações de ajuda e cuidado desenvolvidas no contexto das práticas cristăs atuais, entendendo-as como ato diaconal, característica esta que as torna uma prática peculiar neste contexto. Entretanto, entende-se que há discussões advindas de diversas áreas do conhecimento científico que muito podem contribuir eficientemente na prática destas relações. Este ensaio inicial busca fazer dialogar Teologia e Psicologia, partindo de um olhar interdisciplinar, na tentativa de levantar contribuições advindas de ambas as ciências. Ao final são elencadas algumas categorias que na concepção da autora, são importantes de serem consideradas quando se trata das relações de ajuda e cuidado.PALAVRAS-CHAVE: cuidado, relações de ajuda, teologia, psicologia.

ABSTRACT:After approaching the subject of the relationships of help and care in general, this text focus on the relationships of help and care developed in the context of the current Christian practices, understanding them as a diaconal act, characteristic that makes them a peculiar practice in this context. However, it is understood that there are discussions that have come from several areas of scientific knowledge which can contribute efficiently in the practice of these relationships. This initial assay aims at making Theology and Psychology dialogue, starting from an interdisciplinary view, in the attempt of raising contributions from both sciences. At the end, some categories that are considered important by the author when dealing with the relationships of help and care are listed.KEY-WORDS: care, relationships of help, theology, psychology.

INTRODUÇÃO

TUDO DO NADA“Ґudo começa do nada...

E o nada vai ganhando forma,E encontrando o seu espaço no mundo.

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Tudo começa com a aceitação de alguém...Que fortalece quem está cansado

E não consegue mais viver!Tudo começa com a abertura ao outro...

Dedicação de tempo...Só pra ouvir e fortalecer.

Semente regada...Semente cuidada...Semente amada,

Cresce, e pode então florescer!” - Aquarela

Diversos profissionais das disciplinas da Psicologia e da Teologia têm se debruçado para estudar especificamente o tema das relações de ajuda e cuidado, dentre os quais, podemos citar Collins, 1996; Boff, 1999; Friesen, 2000, 2007; Benjamin, 2002; Feldman e Miranda, 2004; Rodrigues, 2004; Silva, 2004(b); Oliveira e Heimann, 2004, Poujol, 2006, Souza, 2007; Souza e Roldão, 2007. Também profissionais de outras disciplinas tais como a Enfermagem e a Medicina, têm se dedicado ao assunto, dentre estes merece menção os textos de SILVA, 2004 (a); e TOURNIER, s/d. Esse ensaio busca fazer dialogar, sobretudo, as disciplinas da Teologia e da Psicologia.

O artigo está constituído de três partes, indo de uma abordagem geral para uma abordagem cada vez mais específica. Parte-se de uma explanação geral sobre as relações de ajuda e cuidado, detendo-se posteriormente na concepção da relação de ajuda e cuidado como uma prática inerente ao cristianismo desde o exemplo dado por Jesus, sua missão, e a missão outorgada aos seus discípulos. A preocupação é com a dimensão prática da teologia, e dentro dela, a dimensão prática das categorias ajuda e cuidado. Destaca a possibilidade de significar as relações de ajuda e cuidado circunscritas dentro do contexto das práticas cristãs, como ato diaconal, tal como já o têm sinalizado alguns autores. Na última parte, a autora elenca alguns elementos para os quais deseja chamar a atenção do leitor, como importantes de serem considerados em uma relação de ajuda e cuidado. Nesta parte busca-se criar um instrumental, uma seleção de categorias teóricas advindas da Teologia e da Psicologia, que entende-se importantes de serem refletidas e consideradas, ao se pensar em relações de ajuda e cuidado humano no contexto das práticas cristãs.

Nesta introdução ao texto, cabe ainda destacar que durante a escrita do mesmo optou-se por romper com algumas normas tradicionais da escrita acadêmica. O texto é redigido na primeira e segunda parte [que constituem uma espécie de revisão de literatura], numa linguagem impessoal. Na última parte entretanto, optou-se por abrir mão de uma linguagem impessoal, para redigir em primeira pessoa, visto que os elementos nela tocados tomam uma configuração de ensaio pessoal no destaque das categorias apresentadas. Na escolha intencional por esse tipo de ruptura, influenciou o texto de MACHADO (2004), que destaca o estilo cartesiano de pesquisa e escrita, como assépticos e tristes, como textos que são lidos por obrigação e que não provocam, não trazem idéias ou indagações1. Ao contrário disso, propõe que o texto, mesmo na escrita acadêmica, possa constituir uma espécie de “escrita de si”, onde o autor exercendo a criatividade, combine e recombine as diversas

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consultas que realizou, e ao fazer isso, que este se construa e re-construa como autor de si próprio. O texto neste sentido, passa a ser algo vivo, que desafia a própria pessoa e transforma a sua própria vida, integrando-se a ela. Machado (ibidem, p.3) escreve:

Através da escrita podemos compor combinatórias com a diversidade de materiais de expressão trazidos pelas leituras. (...) Um trabalho de avaliação e de escolha de elementos heterogêneos. (...) É preciso que haja uma composição das consultas, das leituras e releituras, das escolhas, enfim, da vida, naquele que escreve e no que escreve. Trata-se de conectar fragmentos por meio da criação de um estilo de escrita. (....) A escrita pode transformar a coisa vista ou vivida em batalhas. Ela transforma-se em um principio de ação. Em contrapartida aquele que escreve se transmuta em meio a esse emaranhado. (...) [A escrita é] algo que nos incita a inventar outras formas ao conjugarmos os tantos verbos da nossa vida. Um desafio, uma provocação, o ressoar de uma questão em nós: o que tenho escolhido fazer de mim?

Esse modo próprio de estruturar o texto, do qual fala Machado, lembra metaforicamente, que na vida toda nova produção precisa ser uma ruptura, senão, será apenas cópia – mímesi.

A propósito, outra ruptura realizada na escrita do presente texto, está na combinação de uma linguagem científica com inserções de textos poéticos. Entende-se que tal opção de redação é coerente com a postura adotada pela a autora de que, tanto o conhecimento científico, o religioso e o artístico, fazem parte da vida das pessoas, seres integrais, e constituem nelas uma configuração pessoal. Cada um destes tipos de conhecimentos, são importantes na constituição da pessoa do ajudador, bem como, do ajudado. São partes integrantes da multidimensionalidade da sua pessoa. São partes integrantes dos seus conhecimentos e construtos pessoais. Aqui, a inserção dos textos poéticos tem a intenção de destacar, e deixar falar esse outro saber, que apela à dimensão estética, acerca da temática trabalhada.

I. Relações de ajuda e cuidado: um panorama geral.

“Espera-se por mãos estendidas,

Mãos amigas que afaguem e acariciem.Espera-se por mãos que convidem à acolhida daquelas e daqueles que sofrem solitárias e

solitários.Espera-se pelo raiar de um novo dia!

Dia de sol, aquecido pelo calor humano trocado entre as pessoas no contato umas com as outras.

Não apenas se deve esperar...Não apenas se deve almejar...

É preciso que se tome a iniciativa de fermentar a massa para a construção de um novo ideal de vida.

Uma vida mais solidária!

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Vida de partilha!” - Aquarela

Ferreira (s/d), em seu Dicionário da Língua Portuguesa, define ajuda como: dar ajuda, auxiliar, socorrer, favorecer, facilitar, propiciar, fazer alguma coisa, prestar auxílio, socorrer-se, prestar auxílio a si mesmo, auxiliar-se reciprocamente. O mesmo autor define cuidado como: atenção, precaução, cautela, desvelo, encargo, responsabilidade, conta, inquietação de espírito. Define cuidar, dentre outros significados, como: tratar, aplicar a atenção, o pensamento, a imaginação.

Quando se fala em relações de ajuda e cuidado não se pode esquecer o aspecto de reciprocidade e de conexão com um “outro” que o termo expressa2 Isso implica, como destaca o Dicionário 2001 do Homem Moderno (MIRANDA, 1976, p.930), em algum sentido de interdependência. Ninguém sai ileso de uma relação. Ninguém sai de uma relação do modo como entrou nela, pois toda relação é movimento de conexão, onde sempre ocorrem ‘trocas’ de idéias, valores, percepções, conhecimentos, energias, emoções, etc.

Em muitos casos [porém nem sempre!], ao mesmo tempo em que o ajudador auxilia o ajudado, ele também torna-se de alguma forma ajudado. Isso não é uma regra, e nem sempre é possível que seja assim, pois quando se estabelece uma relação de ajuda e cuidado, o ajudado - aquele que buscou ajuda, deve ser o principal beneficiado. Porém numa relação que ocorre em um contexto de amizade, ou no contexto familiar, não raramente há uma ajuda e um cuidado recíprocos. Mesmo quando estas relações se dão num contexto profissional, por vezes o profissional que cuida e ajuda, além de dar e doar os seus conhecimentos e muito de si mesmo, também recebe do ajudado alguma ajuda em alguma área da sua vida3, embora esse não deve ser o objetivo4. Isso ocorre especialmente quando o profissional consegue estabelecer com o seu ajudado, seja ele um estudante, um paciente, um cliente, um paroquiano, uma relação do tipo pessoa a pessoa, tal como destacada por Tournier (s/d); ou do tipo “Eu-Tu”, como fala Buber (1979, in passin), ou simplesmente uma relação que envolve autenticamente dois sujeitos.

Quando um ser humano entra em comunicação com um outro através do diálogo, ou das diversas outras formas de comunicação não-verbal5, estabelece uma relação intersubjetiva e se constrói enquanto pessoa/sujeito ao se relacionar6. Ele constrói, sobretudo, sua identidade7, pois ela está sempre em movimento. Isso é parte do seu modo de ser e existir. Como diz Ciampa (1996, p. 16), identidade é movimento, é metamorfose, é história, é vida. Esse processo de construção, dentro de uma perspectiva psicológica [conforme a Psicologia Sócio-Histórica ou Sócio-Cultural] é chamado de interiorização ou internalização.

Molon (2003, in passin) destaca que a categoria internalização tem sido abordada de diversas formas por diferentes teóricos que fazem uma leitura deste conceito inicialmente colocado por Vygotsky, um dos pais da Psicologia Sócio-Histórica ou Sócio-Cultural. Vygotsky (1989, p. 63) assim se refere ao processo de internalização: “Chamamos internalização a reconstrução interna de uma operação externa”.

Conforme a abordagem do psicólogo González Rey – um dos teóricos contemporâneos que tem trabalhado dentro da abordagem sócio-histórica, mas que substitui

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o termo internalização por outros que veremos a seguir - não há uma dicotomia entre externo-interno, pois, “...a superação da dicotomia intrapsíquico-interativo passa, precisamente, por uma representação dialética da tensão necessária que existe entre elementos contraditórios em um mesmo sistema, que é a subjetividade humana” (2001, p.33). Em sua perspectiva, relação externo-interno não ocorre de um modo mecânico do âmbito externo para o interno, mas trata-se de uma “constituição” (2001, p.52-53), uma “produção” (2003, p. 79), uma “configuração” (2000, p.10) que apresenta um novo nível qualitativo. Ele usa estes termos no lugar do termo internalização.

O fato é que nesta abordagem, diferenciações compreensivas e terminológicas deixadas a parte, destaca-se o processo de integração/constituição do externo [o social] no interno [a subjetividade]. Assim, as experiências sociais vivenciadas pelos seres humanos são integradas em sua própria constituição subjetiva. Daí que teóricos desta abordagem tal como Vygotsky (1989 e 1991) destacam o papel fundamental do social e da linguagem, da narrativa (BRUNER, 1992, 1997, 2001), da intersubjetividade (SMOLKA, GOES e PINO, 1998), do outro (GONZÁLEZ REY, 2004), e da comunicação (idem, 1999), na constituição humana.

Dentro da abordagem da Psicologia Sócio-Cultural ou Sócio-Histórica os teóricos não têm discorrido de modo especifico sobre relações de ajuda e cuidado. Contudo, como grande parte destes teóricos tem trabalhado questões dentro da área da educação e da psicologia, entende-se que seus escritos podem oferecer contribuições ainda que de um modo indireto, mas que podem iluminar nossa compreensão na temática aqui desenvolvida, pois trabalham categorias que podem ser importantes de serem consideradas nas relações de ajuda e cuidado, como será destacado no último ponto deste artigo.

No que tange as produções teóricas específicas sobre o tema das relações de ajuda e cuidado, cabe destacar a produção de Feldman e Miranda (2004) que escreveram um livro que é referência na temática das relações de ajuda. Ele centra-se na contribuição do modelo desenvolvido por Robert R. Carkhuff8. Ao descrever tal modelo escrevem:

(...) Desenvolvendo o Modelo de Ajuda, Robert R. Carkhuff buscou incessantemente uma operacionalização, cada vez maior, das habilidades interpessoais. Não se tratava então de sonegar informações e conhecimentos aos interessados em ajudar, mas, ao contrário, de compartilhar as habilidades de ajuda com o maior número possível de pessoas. Essas incluíam também os chamados leigos, uma vez que essas dimensões não eram privilégio ou exclusividade dos profissionais de ajuda. Não só eram encontradas em qualquer segmento da população, como havia também enorme necessidade de serem aprendidas pelas pessoas significativas: pais, educadores, patrões, profissionais da saúde, assistentes sociais, religiosos, empresários, etc. São pessoas que normalmente exercem influencia marcante na vida dos outros – além , naturalmente, dos próprios profissionais da área de saúde mental – psiquiatras, psicólogos, psicoterapeutas, orientadores, conselheiros. (ibidem, p.31)

A este grupo de pessoas acima mencionado, Carkuff chamou ajudadores, e ao grupo que sofre influências destes, chamou ajudados. No seu entender, “o ajudado é, antes de mais nada, uma pessoa a quem faltam algumas habilidades de vida” (ibidem, p.31).

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Este modelo é, a nosso ver, fundamentalmente técnico. Ele é centrado em um grupo de quatro habilidades interpessoais que deve apresentar o ajudador, e outras quatro habilidades que o ajudado deve apresentar, tal como explicitam Feldman e Miranda (ibibem, in passin). O ajudador deve sintonizar com o ajudado, responder a ele comunicando compreensão, personalizar mostrando ao ajudado sua responsabilidade no problema, e orientá-lo nas ações rumo a solução de suas questões. O ajudador: sintoniza, responde, personaliza e orienta. O ajudado deve: envolver-se com o problema, explorá-lo, compreender as diversas relações entre a sua vida, o problema e a sua responsabilidade diante dele, e agir em direção a resolução do mesmo. O ajudado envolve-se, explora, compreende e age.

Percebe-se que tal modelo é bastante pré-determinado. Assim, indagamos: Conseguiria ele dar conta da complexa dinâmica de uma relação de ajuda, considerando que toda relação humana abriga sempre em seu constante vir-a-ser o inesperado, tanto da parte do ajudado, quanto da parte do ajudador? Consideramos interessantes as diretrizes por ele oferecidas, entendendo que elas têm um valor didático. Mas destacamos que o elemento inesperado que sempre faz parte das relações humanas precisa ser lembrado, e sempre considerado.

De nosso ponto de vista, parece importante buscar criar caminhos próprios nas relações únicas que estabelecemos com cada ajudado (e ele conosco). Criatividade, imaginação e espontaneidade, nos parecem categorias fundamentais ao se pensar em relações de ajuda e cuidado.

Quanto ao contexto, há diferentes contextos nos quais podem ocorrer as relações de ajuda e cuidado. Elas podem acontecer dentro de um contexto profissional, educacional, familiar, eclesiástico, de lazer, ou de amizade. Oliveira e Heimann (2004, p.80) ao abordar a questão “Quem são os cuidadores?” delimitam estes contextos em três, e destacam três grandes grupos de cuidadores. O primeiro contexto destacado é o das relações de afeto, cujos cuidadores são os familiares em geral. O segundo contexto é o das relações solidárias, o qual engloba cuidadores voluntários que ajudam sem receber remuneração pelo serviço ou auxilio prestado. Por fim, destacam o contexto das relações profissionais, comerciais e burocráticas, o qual é chamado “terceirização do cuidado”, e do qual fazem parte os diversos profissionais: médicas (os), enfermeiras (os), psicólogas (os), pastoras (os), capelās (es), professoras (es) e outros.

Parece importante destacar, entretanto, a idéia de Codo (1994, 1999 apud MENEZES, 2004, p.36), de que “todo trabalho envolve algum investimento afetivo”. É justamente este envolvimento, que no caso dos ajudadores e cuidadores, implica entre outras coisas, em estabelecimento de vínculo, que por sua vez implica sempre para ambas as partes [o ajudado e o ajudador] em um investimento afetivo, e em um risco. Mas para que se estabeleça uma relação de ajuda ou cuidado, esse risco precisa sempre ser enfrentado, como bem lembra o poema “Arriscar-se” de W. Brendam Redely9:

“Sorrir é arriscar-se a parecer bobo;Chorar é arriscar-se a parecer sentimental;

Aproximar-se do outro é arriscar envolvimento;

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Expressar sentimento é arriscar expor seu verdadeiro ‘EU’;Colocar idéias, expor seus sonhos antes dos outros, é arriscar perder;

Amar é arriscar não ser amado como resposta;Viver é arriscar morrer;

Ter esperança é arriscar a desesperança;Tentar é arriscar na direção do erro;

Mas todos os riscos precisam ser tomados, porque o maior obstáculo da vida é nunca arriscar-se;

A pessoa que não arrisca nada, nada faz, nada tem, nada é.Ela pode evitar sofrimentos e lamentações, mas não poderá

Aprender. Sentir. Mudar. Crescer e Viver.A liberdade dos homens passa pelo risco que eles aceitam em suas vidas.”

Da parte do ajudado, há sempre um risco de sofrer iatrogenia. Iatrogenia é um termo comum à medicina. A dra. Márcia R. Lima (2003, p.1) define-o como “palavra composta que vem do grego:iatrós (médico) + genos (geração) + ia. Trata-se da expressão usada para indicar o que é causado [gerado] pelo médico, não só [refere-se] ao que ocorreu pelo que o médico fez, como também pelo que [este] deixou de fazer e deveria ter feito.”10 Guardadas as devidas diferenças disciplinares entre a medicina e as outras áreas do conhecimento, nas quais os profissionais também envolvem-se em diferentes tipos de relações de ajuda e cuidado, bem como, percebendo a amplitude das formas possíveis de estabelecimento de relações de ajuda, indagamos sobre a possibilidade e mesmo, a necessidade, de se ampliar as possibilidades de uso do termo, e falar em iatrogenia, e efeitos iatrogênicos, também no que tange a outras formas de relação de ajuda estabelecidas por diferentes profissionais11.

Em revisão de literatura, percebemos que já há alguns profissionais de outras áreas do conhecimento, além da área da medicina, que têm se utilizado deste termo em suas reflexões teóricas, e se detido a estudar o assunto de um modo mais detalhado. Dentre estes citamos Madalosso (2000) na área da Enfermagem; e Vechi (2004) na área da Saúde Mental.

Conforme Feldman et. al. (ibidem, p.25-26) pesquisas na área da psicoterapia, desenvolvidas pelo psicólogo americano Carl Rogers entre os anos de 1962 e 1967, demonstram que em muitos casos a psicoterapia pode ter efeitos nocivos sobre a pessoa. Na área da enfermagem, Madalosso (2000, p.11) alerta ao falar sobre o cuidado:

“Este cuidado é mais que um fazer, é buscar na ecologia interna do ser humano, a arte de viver em equilíbrio consigo próprio, com os que o rodeiam e com a natureza que lhe ambienta. Mas o cotidiano de cuidar, apesar desse envolvimento e da sustentação científico-técnica que o ampara, muitas vezes estabelece situações que nem sempre são almejadas. Ao invés de resolvermos os problemas do nosso cliente, somos capazes sim é de gerá-los, e o tão esperado resultado deste cuidado torna-se indesejável.”

Tratando da questão da enfermagem, esta autora chama a atenção do leitor de que pelo fato de serem humanos, e não divinos, é próprio dos profissionais serem falíveis e cometerem erros, mesmo buscando justamente ajudar. Parece importante considerar essa

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idéia do ponto de vista de todos os profissionais [e mais amplamente, de todas as pessoas que de algum modo envolvem-se em relações de ajuda]. No caso dos diversos ministros da área da teologia, tais como, pastoras (es), capelãs (es), conselheiras (os), diaconisas e diáconos, dentre outros, cujo cuidado da alma e do espírito ganha primazia, e muitas das ações de Deus sobre a vida humana ocorrem a partir de uma mediação humana, destaca-se que por vezes podem também estes causar efeitos iatrogênicos advindos do processo de cuidado. Indagamos: Estamos atentando para este fato com a devida atenção preventiva necessária12?

Do lado do ajudador, considerando que toda relação implica em uma mútua conexão e influência, muitos estudos em relação a profissionais de diversas áreas de ajuda (MELEIRO, 1998; SEBASTINI, 2002; OLIVEIRA, 2004, VASQUEZ-MENEZES, 2004) tem alertado, para a sobrecarga à qual estes estão expostos constante e continuamente. Tal sobrecarga gera um risco de esgotamento constante ao próprio profissional, que se não atentar para o fato de que antes de cuidar do outro, precisa cuidar de si próprio, pode sofrer muitas complicações e sofrimentos advindos deste esgotamento, dentre as quais, chamamos a atenção do leitor para a Síndrome de Burnout, sobre a qual falaremos mais a seguir.

Destacamos como de fundamental importância, que independente do contexto no qual um ajudador/cuidador atua, bem como, das pessoas as quais ele ajuda ou das quais ele cuida, todo ajudador/cuidador deve ser ANTES DE TUDO um ajudador/cuidador de si mesmo. É de fundamental importância, reconhecer o que os muitos e experientes profissionais que trabalham na área de humanas e da saúde já têm alertado, ou seja, para o fato de que trabalhar com pessoas, implica em desgaste. O processo de interação que se estabelece nas relações interpessoais nem sempre é fácil, e implica em despender energias e esforços em dedicação. Todos precisamos repor as energias gastas, e entender, que todos temos limitações. Oliveira (2003, p.29) chama a atenção para isso nas seguintes palavras: “Trabalhar nossas próprias questões como cuidadores, é fundamental. O cuidar-se é, num sentido amplo, uma vida com sentido. O cuidado de si mesmo envolve a parte orgânica, física, bem como a emocional e a espiritual.” A partir de uma visão cristã a respeito, Oliveira e Heimann (2004, p. 86) escrevem: “O cristianismo, portanto, é um modo de ser e de viver que se ocupa do outro, mas que não descuida de si mesmo.” O próprio Jesus ordena que os seus seguidores amem ao seu próximo COMO A SI MESMOS (Mt 22:39).

Todo cuidado, precisa ser antes de mais nada, um auto-cuidado. Quando meus filhos eram pequenos e viajávamos de avião, sempre me chamou a atenção quando a aeromoça explicava da necessidade de em caso de despressurização, que a pessoa colocasse a máscara em si primeiro, para depois colocá-la na criança ao seu lado. Isto faz sentido. Faz muito mais sentido ainda, se usarmos essa ilustração como uma metáfora do que deve ocorrer em se tratando das relações de ajuda e cuidado.

Cuidar de si, especialmente quando se cuida do outro, não se trata apenas de uma recomendação ou um postulado ético, filosófico, ou religioso, trata-se de uma necessidade premente. Pena que alguns cuidadores descobrem isso tarde demais, quando já foram acometidos por sofrimentos advindos do des-cuido para consigo mesmo13. Muitos profissionais da área da saúde e educação, são acometidos de uma doença desencadeada pelo trabalho, que ainda hoje é pouco conhecida, mas cujas implicações para a vida e o projeto de vida daqueles que por ela são acometidos [e muitas vezes sobre a vida e o projeto

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de vida de suas famílias], não são nada desprezíveis, muito pelo contrário, trazem muito sofrimento. Falo da Síndrome de Burnout, também chamada por Portero & Ruiz (1998, apud BENEVIDES-PEREIRA, 2002, p.33) de “A Síndrome do Cuidador Descuidado”, ou ainda de “A Síndrome do Assistente Desastido”, conforme denominada por GONZALEZ (1995 apud BENEVIDES-PEREIRA, ibidem). Uma síndrome que advém da influência direta do mundo do trabalho sobre a pessoa, e que compromete profundamente a sua vida em diversos sentidos. A este respeito Menezes (2004, p. 37-38) alerta:

“Em última instância, o Burnout é uma síndrome de caráter relacional estabelecida por uma trilogia trabalhador-objeto do trabalho – condições de trabalho. Um trabalhador que entra em Burnout sofre ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional. Compromete suas relações afetivas e sociais. Compromete sua vida.”

E se esse trabalhador é casado, e chefe de família, compromete toda a sua família, bem como seus projetos de vida pessoal e os projetos de vida familiar. Conforme Cray & Cray (1977, apud Benevides-Pereira, 2002, p.71), não raro são os casos de divórcio que ocorrem diante desta situação.

Conforme Carlotto (2001, apud Benevides-Pereira, 2004, p.34-37) há quatro concepções teóricas acerca da Burnout. Ao determo-nos nestas quatro abordagens, é possível perceber que a grande diferença entre elas são os aspectos que cada qual privilegia. A concepção Clínica postulada por Freudenberger privilegia as características individuais no desencadear da síndrome. A concepção Sócio-Psicológica postulada por Maslach e Jackson destaca “as variáveis sócio-ambientais como coadjuvantes do processo de desenvolvimento do Burnout” (Carlotto apud Benevides-Pereira, 2004, p35). Nesta concepção a Síndrome de Burnout aparece como um processo multidimensional. Na concepção Organizacional, “o Burnout é a conseqüência de um desajuste entre as necessidades apresentadas pelo trabalhador e os interesses da instituição” (ibidem p.36). Nesta concepção os agentes estressores organizacionais ganham destaque, e a síndrome é concebida como um “mecanismo de enfrentamento” (ibidem, p.36). Há ainda a concepção Sócio-Histórica, que salienta “o papel da sociedade, cada vez mais individualista e competitiva, mais do que os fatores pessoais e institucionais” (ibidem, p.36). Mas o fato é que, mesmo não concordando em tudo, todos eles admitem o aspecto relacional e social da síndrome14.

Merece destaque o alerta que alguns teóricos, tal como Vásquez-Menezes (2004, in passin) fazem, sobre a importância da relação do trabalho com a clínica psicológica. Ela ressalta que a desconsideração da relação entre as categorias saúde e trabalho, leva a dificuldades dos profissionais em diagnosticar e tratar corretamente alguns problemas. Ela chama a atenção para o fato de ser o trabalho, uma atividade social complexa, que apresenta uma dupla possibilidade: prazer e sofrimento; saúde e doença. No caso específico da Síndrome de Burnout, entende-se que outras dificuldades na realização de seu diagnóstico podem estar relacionadas ao fato de que as investigações sobre ela são ainda recentes aqui no Brasil, e conforme Benevides-Pereira (2002, p.75), a síndrome é ainda pouco divulgada, sendo que as primeiras investigações datam da década de 90 do século passado (ibidem). Porém, parece interessante destacar que recentemente, cada vez mais

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profissionais das áreas das relações de ajuda têm se dedicado a entender um pouco mais essa síndrome que pode afetá-los, comprometendo não apenas seu desempenho profissional, mas afetando profunda, decisiva e maleficamente muitas outras áreas da sua vida.

II. Relações de ajuda e cuidado como ato diaconal: uma perspectiva teológica das relações de ajuda.

“Mais vale dois que um só, porque terão proveito do seu trabalho. Porque se caem, um levanta o outro; mas o que será de alguém que cai sem ter um

companheiro para levantá-lo? Se eles se deitam juntos, podem se aquecer; mas alguém sozinho como vai se aquecer?” – Ec. 4:9-11

Neste segundo tópico, discute-se a questão das relações de ajuda e cuidado no contexto das práticas cristãs atuais. Elas são entendidas aqui como ação diaconal.

Souza, Josgrilberg, e Cunha (2004, p.10) ao discorrer sobre o diaconato, salientam a diaconia como algo inerente a toda a Igreja. Josgrilberg (2004, p.30) escreve: “Diakonia, no NT, é parte da natureza essencial da ação da Igreja em relação ao mundo. Todos os ministérios são diaconia. (...) Diakonéw = servir. Diákonos = servo.”

Desde este ponto de vista, entende-se que considerar as relações de ajuda e cuidado como ação diaconal, significa considerá-las como parte integrante de um serviço prestado ao outro [nosso semelhante], realizado para Deus [de quem nós fomos criados ā imagem e semelhança], pelos seus servos [seus discípulos]. Neste sentido, cabe lembrar o que Jesus ensinou em seu discurso escatológico e que se encontra escrito em Mateus 24 e 25, com destaque para o verso 40 deste último capítulo, onde Jesus alerta: “... cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.” Também em Lucas 10, vemos uma das muitas histórias [parábolas] contadas por Jesus, e cujo ensino retrata qual a verdadeira postura prática que deve ter um cristão: uma atitude de serviço, compaixão e cuidado, para com o seu próximo, seja este quem for. Cada pessoa tem ao longo de sua vida, algumas oportunidades de tomar atitudes tais como a do desprezado samaritano deste texto de Lucas, que exerceu compaixão e cuidado, servindo ao homem que “havia sofrido as violências e os abusos15de um assalto seguido por omissão de socorro” (ROLDÃO, 2006).

Rodrigues (2004, p.151), em seu texto “Compaixão diaconal: algumas reflexões sobre os fundamentos da prática do cuidado cristão”, entende a prática do cuidado “enquanto compaixão exercida pelo ato diaconal”. Ele destaca que o fato de sermos filhas e filhos de Deus, trazendo assim a imago dei, nos coloca a responsabilidade para acolher e socorrer o outro, nosso semelhante. Ao refletir acerca dessa definição da prática do cuidado oferecida pelo autor, lembrei-me da interessante definição de compaixão dada por Gilbert (2004, p. 6-10) já no título de seu artigo: “Compaixão é... ver, ouvir, falar e agir”. Em dada altura do seu

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escrito, a autora alerta: “um bom coração embora seja essencial, não é o suficiente”! Como expressa a frase, ver, ouvir e falar são importantes, são parte do que seja compaixão, porém, não são a totalidade do que se pode entender por compaixão. Compaixão implica também em agir; nas palavras da autora: “agir em resposta prática a esse sofrimento e em obediência as orientações especificas de Deus.” (ibidem, p.10). Não se trata de um ativismo, nem de um parasitismo, mas de uma ação orientada. Ela desafia:

“Toda vez que você perceber uma certa inércia de sua parte, uma relutância em agir diante do sofrimento alheio, observe atentamente para ver onde estão as suas mãos: tapando os seus olhos, obstruindo os seus ouvidos, ou fechando a sua boca? A posição certa para as nossas mãos é: uma segurando na mão de Deus e a outra estendida para o nosso próximo.” (ibidem)

Se ver, ouvir e falar, não são suficientes, por que diante da necessidade e do sofrimento é preciso agir, precisamos perceber que para agir, é preciso `saber agir`. A sabedoria, o livro de Provérbios indica, é dada por Deus (Pv 2: 1-6; 3:7) e pode ser buscada na comunhão com Ele (Pv 1:7). Ele também criou o ser humano dotado de inteligência e capacidades cognitivas. A partir destas capacidades e outras funções psicológicas superiores, todas em complexa interelação, os seres humanos mediante a prática de atividades, têm se desenvolvido e acumulado muitos conhecimentos, inclusive os manifestos nas diversas ciências e nas artes; e estes também capacitam e auxiliam os ajudadores e cuidadores na sua missão.

Quando se fala em ajuda e cuidado, outro termo que vêm à mente é terapia16, e no ambiente cristão, fala-se em Igrejas como Comunidades Terapêuticas. NOÉ (2003, p.11 – grifo meu) ao discorrer sobre o conceito de Comunidade Terapêutica desde a perspectiva das comunidades cristãs, levanta dentre outras, a seguinte tese: “a comunidade é terapêutica, na medida em que possui um caráter diaconal, ou seja, de serviço. Este caráter é vivido dentro do contexto da própria comunidade, onde um auxilia e cuida do outro. Ele também é vivido para além dos contornos da comunidade, em relação a pessoas e grupos a sua margem.”

Entende-se que a diaconia é parte da missão, e assim deveria tornar-se um modo de ser de todo cristão. Esse modo de ser, se aproxima muito do modo-de-ser-cuidado colocado por BOFF (1999). Por “um modo de ser” ele entende “a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros” (ibidem, p. 92). Quanto ao modo-de-ser-cuidado, contrapondo-o ao modo-de-ser-trabalho17, mas não opondo-se a ele e sim conferindo-lhe uma tonalidade diferente, ele o entende como um modo de ser que permite “ a experiência fundamental do valor, daquilo que tem importância e definitivamente conta.” (ibidem p.96). Nesse modo de ser, resistências e perplexidades são “superadas pela paciência perseverante. No lugar da agressividade, há a convivência amorosa. Em vez da dominação, há a companhia afetuosa, ao lado e junto com o outro” (ibidem). O referencial é a “inter-ação e a comunhão” (idem. p. 95), a centralidade é ocupada pelo sentimento (ibidem). Ele alerta: “é um modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com as coisas” (ibidem, p.92).

A partir destas idéias concluí-se que, numa perspectiva teológica, cuidar e servir são atitudes18 muito próximas. Tais atitudes são também a marca distintiva de todo cristão, isso

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pode ser constatado, quando olhamos para a história de Jesus e para as manifestações de Deus na História, tal como relatadas no livro-texto do cristianismo - a Bíblia.

Considerando que o primeiro mandamento é amar a Deus, e o segundo, considerado de igual importância é amar ao próximo (Mt 22:37-39), e que todo amor se manifesta em atos de cuidado e ajuda, e isso é servir, entendemos as relações de ajuda e cuidado que se estabelecem no contexto cristão, como ação diaconal. Tal como Jesus que afirma que não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10:45), também o modo de ser cristão fundado na diaconia, desafia a um modo de ser serviço, que estabelece a realidade cristã.

1 Ainda sobre esse tema da autoria, sugere-se a leitura dos seguintes textos: MACHADO, A. M. N. Tendências das políticas de produção intelectual e suas repercussões na autoria de pesquisadores na área de educação. In: Anais do V ANPEDSUL. Curitiba, 2004.2 Esse outro, na concepção cristã, trata-se de um semelhante a mim, e também criado a imagem e semelhança de Deus.3 A esse respeito vale ler a experiência relatada pelo Jornalista Philip Yancey sobre sua relação com Dr. Paul Brand. Veja YANCEY, P. Desvios no caminho da felicidade. In: Alma Sobrevivente: sou cristão, apesar da igreja. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. Também vale a pena lembrar a afirmação da professora e enfermeira Adriana R. M. Madalosso, que escreve: “encontrei o cuidado como uma característica de envolvimento, de fazer pelo outro enriquecendo a relação interpessoal e propiciando o desenvolvimento mútuo, dos seres cuidados e dos cuidadores”. MADALOSSO, A. R. M. Iatrogenia do cuidado de enfermagem: dialogando com o perigo no quotidiano profissional. In: Revista Latino-Americana de Enfermagem. Ribeirão Preto. v. 8, n.3, julho., 2000.4 Todas as pessoas sempre necessitam receber algo, e por sua vez, todas têm algo que podem compartilhar.5 Para outras leituras sobre o processo de comunicação e sobre comunicação não-verbal indicamos: BORDENAVE, J. E. D. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1982. SILVA, M.J.P. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. São Paulo: Loyola, 2002. MEIRA, A. C. S. O “silêncio fala”. Sim, mas o quê? – reflexões sobre o “silencioso” no grupo. In: Revista Brasileira de Psicoterapia. v. 3, n. 1, 2001. FERRARA, L. D. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática. ALVES, J. F. e RIBEIRO, M. M. G. Na confluência das linguagens: o fotográfico, o verbal, e o corpóreo. Anais do XII ENDIPE, Curitiba, 2004. FERNÁNDEZ, V.M. Quero comunicar-me contigo. São Paulo: Paulus, 2001.6 Diversos teóricos na abordagem da Psicologia Sócio-Histórica e Sócio-Cultural têm se dedicado a aprofundar reflexões sobre essa temática e podem ser consultados para uma reflexão mais profunda a esse respeito: VYGOTSKY, L S. A formação social da mente. 3˚ ed. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1989. GONZALEZ REY, F. Comunicación, personalidad y desarrollo. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1995. _____. O sujeito, a subjetividade e o outro na dialética complexa do desenvolvimento humano. In: MARTÍNEZ, A. M. e SIMÃO, L. M. (orgs,). São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. SMOLKA, A. L. B., De GÓES, M.C. R. e PINO, A. A constituição do sujeito: uma questão recorrente? In: WERTSCH, J.V., DEL RÍO, P., e ALVAREZ A. Estudos Socioculturais da Mente. Porto Alegre: ArtMed, 1998. BRUNER, J. Realidade Mental, Mundos Possíveis. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. _____. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. BEÁTON, G. A. El papel de los `otros` y sus características em el proceso de potenciación Del desarrollo humano. In: Revista Cubana de Psicologia. v. 16, n. 3, 1999.7 Para aprofundar o assunto remeto o leitor a minha dissertação de mestrado: ROLDAO, F.D. Vivências em Atividades Artístico-Expressivas e a construção da identidade: um estudo com jovens e adultos-idosos. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004.8 Conforme se pode perceber no livro de FELDMAN e MIRANDA (op. cit.), bem como em textos de outros psicólogos tais como PIZZARRO s.d., Carkhuff foi influenciado por algumas das idéias do psicólogo existencialista-humanista Carl Rogers, e questionou outras. Vide: PIZZARRO, P. L. Concepcion de ROBERT R. CARKHUFF sobre el desarrollo de destrezas interpesonales. s./d. Disponivel em: http://humanistas. academia.cl/documentos/practicas/CARKHUFF.htm Acessada em janeiro de 2006.

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As relações de ajuda e cuidado entendidas como ação diaconal, são práticas/serviço exercidas por pessoas, ou comunidades, e dirigidas a pessoas e/ou comunidades. Fundam-se em princípios cristãos advindos do exemplo e dos ensinos de Jesus. Direcionam-se a partir destes ensinos, e por isso são fundamentadas nos Evangelhos e na Bíblia como um todo19.

Em sua prática, os ajudadores e cuidadores cristãos também beneficiam-se das experiências daqueles discípulos que exercem essa prática, e que por meio de seus escritos, partilham com outros suas experiências, tais como os relatos contidos nos livros e que superam as limitações de espaço e tempo, podendo ser lidos e enriquecer pessoas que

9 In: BOZZA, M. G. C. Argila: Espelho da Auto-Expressão. Apostila do Curso. s/d.10 As expressões inseridas entre colchetes são minhas.11 No que se refere às relações de ajuda no âmbito das práticas cristãs, talvez também fosse sábio abranger inclusive os voluntários, e outras pessoas que movidos por diferentes intuitos, e em diferentes contextos [tais como os de amizade, ou em contextos familiares] envolvem-se em relações de ajuda, a fim de alertar para os benefícios, mas também, os malefícios potenciais dessas relações. 12 Cabe lembrar que quando não se está atento a prevenção e proteção, resta apenas remediar.13 E pelo descuido da instituição para a qual trabalha, em relação a saúde de seus colaboradores, visto que a Síndrome de Burnout tem um caráter multidimensional.14 Para maiores detalhes a respeito, veja também o trabalho de outros autores na referida obra organizada por BENEVIDES-PEREIRA (2002). Confira ainda: RAMOS, F. El Síndrome de Burnout. Madrid: DOPPEL, 1999. FORMIGHIERI, V.J. Burnout em fisioterapeutas: influencia sobre a atividade de trabalho e bem estar físico e psicológico. Dissertação. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. RAMİREZ, L. G. Tratamento do assédio psicológico, do estresse e do burnout como assidentes de trabalho. Havana, Cuba, 2003. Disponível em: http:// www. serrano.neves.nom.br .SILVA, F. P.P. Burnout: um desafio a saúde do trabalhador. Disponível em: http://www2.uel.br/ccb/psicologia/revista/textov2n15.htm SILVEIRA, N.M. et.al Avaliação de burnout em uma amostra de policiais. Revista de Psiquiatria da UFRS. Mai-ago, 2005. SILVA M.M.A. Trabalho medico e o desgaste profissional. Dissertação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2001. GARCIA, L.P e BENEVIDES-PEREIRA, A.N.T. Investigando o burnout em professores universitários. Revista eletrônica InterAção-Psy. Ano 1. n. 1.ago, 2003. NAUJORKS, M.I. Burnout Docente: no trabalho com inclusão de alunos com necessidades educativas especiais. Disponível em: http://www.ufsm.br /ce/revista/ceesp/2003/02/a7.htm CARLOTTO, M.S. Burnout e o trabalho docente: considerações sobre a intervenção. Revista Eletrônica Inter Ação Psy. Ano 1. n 1. ago, 2003..BORGES, L.O. et al. A síndrome de burnout e os valores organizacionais: um estudo comparativo em Hospitais Universitários. Psicologia, Reflexão e Critica. n. 15, v.1, 2002. MONTE, P.R.G. Validez factorial de la adaptación al espaňol Del Malash Burnout Inventory - General Survey. Salud Publica de México. v.44, n. 1. Enero-Febrero, 2002. MENEGAZ F.D.L. Características da incidência de burnout em pediatras de uma organização hospitalar publica. Dissertação. Florianópolis:UFSC, 2004.15 Segundo o Dicionário 2001 do Homem Moderno (MIRANDA, 1978), o termo abuso significa: mal uso, uso errado, excessivo ou injusto de alguma coisa. Considera-se que o sacerdote e o levita, ao verem o samaritano caído no chão quase morto, e não lhe prestarem socorro, tem uma atitude abusiva diante dele, pois percebem sua necessidade, têm a possibilidade de ajudar, mas não o fazem, omitindo-lhe socorro. 16 Terapia é um termo que vem do grego therapéia. Conforme GINGER (1995, p.144) “therapéia, em grego, significa cuidado religioso, culto aos deuses. Therapêutris é uma religiosa (...) ou seja, uma mediadora encarregada de manter uma boa relação entre os homens e os deuses, (...) entre a matéria e o espírito. Therapeuticos, é aquele que presta cuidados aos deuses ou a um mestre, ou seja, o servidor devoto, serviçal (...)”. NOÉ (2003, p.10) ao desenvolver o conceito de terapêutica escreve: “O termo `terapêutico` deriva-se do verbete grego therapeuo, que é traduzido no Novo Testamento como sarar ou curar, trazendo a idéia de levar a efeito a recuperação da doença física ou mental. No grego profano, porém, therapeuo tem o significado de

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viveram em diferentes locais e períodos da história. Também destaca-se aqui os diversos cursos, encontros de capacitação, e outras oportunidades onde ocorrem as trocas de experiências entre os diversos ajudadores/cuidadores.

Por serem dirigidas a beneficiar a pessoas ou grupos de pessoas20, e considerando a elevada complexidade do mundo contemporâneo, as relações de ajuda e cuidado entendidas como ato diaconal são enriquecidas pelo diálogo entre o saber religioso/espiritual, com as diversas ciências humanas e da saúde. Por isso esse diálogo não deve ser relegado como algo sem importância, antes pelo contrário, considera-se importante que ele possa ser estabelecido, e junto com ele, há a necessidade de que se perceba as potencialidades, peculiaridades, e os limites de cada forma de saber [cada qual com sua linguagem própria]: o saber religioso/espiritual [que trata do mistério, da revelação e do sobrenatural], e o científico [que se funda na materialidade, parte desta, e a esta retorna e nela se finaliza].

Também considera-se relevante o saber peculiar que é adquirido mediante a fruição das artes, sejam eles advindos da poesia, da música, do cinema, ou de outras linguagens. O próprio Deus foi quem dotou o ser humano de uma dimensão estética, e o fez um ser criativo e imaginativo. Já nos primeiros capítulos da Bíblia isso pode ser destacado, quando após ter criado os animais e as aves, os trouxe a Adão para que lhes desse nome (Gn 2:19), convidando assim o ser humano a exercitar a sua criatividade e imaginação, e participar com Ele como co-criador [criando os nomes dos animais]. Esse saber sensível, estético, possibilita-nos um conhecimento advindo de uma dimensão humana especifica: a dimensão estética, e se complementa com os demais tipos de saberes na totalidade do ser do ajudador/cuidador. Apelando aos sentidos e a emoção, o saber advindo da dimensão estética do ser, é um saber que possibilita ao ajudador/cuidador o desenvolvimento do seu

servir ou ` estar a serviço a` (...)”.17 Modo-de-ser-trabalho é para BOFF é um modo de ser que se dá na forma de “inter-ação e de intervenção” (1999,p.93). “A lógica do ser-no-mundo no modo de trabalho configura o situar-se sobre as coisas para dominá-las e colocá-las a serviço dos interesses pessoais e coletivos. No centro de tudo se coloca o ser humano dando origem ao antropocentrismo” (idem, p.94).18 BOFF entende que “a atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam a atitude de fundo” (1999, p. 33).19 Em documento final acerca de uma consulta sobre diaconia realizada na ICLB, destacou-se o ministério diaconal e pastoral como realidades distintas porem complementares. Entretanto parte do documento trás um alerta que pode ser real também no contexto de outras denominações eclesiásticas: “Mesmo que a igreja sejam criatura da Palavra e do Espírito de Deus, também são parte do mundo cujas dinâmicas permeiam a igreja de maneira dolorosa. Estruturas de poder assimétricas, dominação, abuso de poder e corrupção atormentam também a igreja. Alguns participantes trouxeram exemplos de como pessoas em altas posições na igreja tentam defender o seu monopólio ministerial rebaixando a contribuição do ministério diaconal e relegando-o a funções de categoria inferior (...).” In: DOCUMENTO FINAL DA CONSULTA GLOBAL DA FLM SOBRE “O ministério diaconal nas Igrejas Luteranas”. São Leopoldo, RS. 2 a 7 de nov., 2005. Conforme bem explicita BRASIL (s./d.) Jesus retoma do conceito grego de diaconia e lhe confere um novo sentido, tão digno, que pode ser usado para expressar a obra de salvação de Deus, e o ministério de Jesus, que diz: “Pois, qual é o maior: o que está a mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está a mesa? Eu, porem, estou no meio de vóz como aquele que serve!” (Lc 22:27). BRASIL R.G. VIVIR SEGÚN EL ESPÍRITU: fundamentación teológica de la diaconia a partir de la comsalidadde Jesus. In: http://www.pastoralsida.com.ar/estudiosbiblicos/

vivir_segun_el_epiritu.htm20 Considera-se aqui a importância de entendermos a pessoa como um ser integral: bio-psico-socio-espiritual.

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lado sensível, e o exercício de aguçamento do uso dos cinco sentidos, tão fundamental na prática das relações de ajuda e cuidado21.

III Destacando categorias importantes: considerações a partir de uma perspectiva Interdisciplinar entre a Teologia e a Psicologia – a construção de um olhar.

“(...) Pelo olhar passam as grandezas todas e todas as vilezas do ser humano,pois os olhos sempre revelarão algum estado de nosso mundo interior” – Sergio Farina22

Optei por iniciar essa subdivisão com a epígrafe acima, pelo fato dela falar sobre a revelação que é trazida a tona por um olhar. O olhar como instrumento de revelação23 é algo que desejo trabalhar aqui. Como diz o autor da epígrafe, retirada do texto “O olhar”, olhar é uma palavra que admite muitos adjetivos diferentes.

Fazendo uma paráfrase com a questão das bases que podem sustentar as práticas de ajuda e cuidado, é possível dizer que estas também admitem muitas possibilidades de abordagens. Aqui, tenta-se delinear uma das possibilidades que percebo como possível, para sustentar estas práticas. Intenta-se construir um olhar sobre elas, considerando que há muitos outros olhares possíveis. E visto que este trata-se de um ensaio inicial sobre o assunto, entende-se que possivelmente este olhar será convidado posteriormente a voltar-se ainda para ver outras coisas que podem também ser abordadas e incorporadas a ele. O próprio leitor é convidado a nos ajudar trilhar esse caminho, e expandir este olhar inicial. Mas sempre se tem que começar em algum ponto. E assim, inicio relatando um pouco da história de como surgiu esse desejo de olhar para as relações de ajuda, e construir um olhar sobre as bases que podem sustentar essa prática.

No ano de 1997 fui trabalhar numa região missionária no norte do país. Ali vivenciei algumas experiências com relações de ajuda e cuidado, algumas positivas, outras negativas. O fato é que todas elas me intrigaram e levantaram muitos questionamentos em relação à pessoa do cuidador/ajudador, das relações interpessoais, e do processo de ajuda e cuidado.

Em 2001, de volta ao meu estado natal, ainda pude vivenciar algumas experiências positivas e outras bastante negativas, que continuaram a me ensinar e intrigar acerca dessa temática. Foi decisiva a oportunidade de cursar mestrado em psicologia, e neste curso obtive uma profunda influencia da Psicologia Social e Sócio-Cultural nas discussões com os professores. Também uma experiência como monitora em Oficinas de Artecrescimento,

21 A esse respeito indica-se também a leitura do texto de ROLDÃO, F.D. e MÉIER, M.J. Percepção e Comunicação na Oficina dos sentidos com acadêmicos de um curso de teologia: um relato de experiências.(texto encaminhado para publicação). E _____. Vivências em Atividades Artístico-Expressivas como estratégia para uma reflexão grupal sobre os conceitos saúde e doença. Trabalho apresentado no VII Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional. Curitiba, 2005.22 FARINA, Sérgio. O olhar. In: Novo Olhar. Ano 2. n. 2. mar., 2004.23 Conforme o dicionário 2001 do homem moderno revelar significa: tirar o véu, descobrir, denunciar, fazer conhecer, indicar, mostrar, declarar, manifestar, fazer conhecer o sobrenatural.

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trabalhadas junto a adultos-idosos pelo período de 2002 e 2003, foram fundamentais para minhas reflexões. Percebi então, que atentar para algumas categorias que são bastante trabalhadas na Psicologia, podem trazer uma contribuição efetiva para pensarmos as relações de ajuda e cuidado também no âmbito das práticas cristãs atuais.

Minha posição é a de que a Teologia Prática muito pode se beneficiar de um diálogo interdisciplinar ao aproximar-se da Psicologia, e com ela poder aprender. Também creio que o inverso é uma possibilidade frutífera, e alguns profissionais da Psicologia também têm feito incursões neste sentido. Contudo, cabe destacar a especificidade de cada área de saber e prática, porém, demarcar quão infrutífera é a dicotomia humana, pois as pessoas são seres integrais, e o conhecimento fragmentado e fechado em disciplinas, não nos pode ajudar numa tentativa de maior aproximação da integralidade da realidade e do ser.

Foge ao escopo deste trabalho aprofundar acerca de cada uma das categorias a serem levantadas a seguir. Isso poderá vir a ser tema para outros escritos, visto que cada uma delas pode ser material para um artigo mais aprofundado a respeito. Também não é a proposta aqui, desenvolver um modelo teórico completo que possa fundamentar as práticas de ajuda e cuidado no âmbito das práticas cristãs atuais [objeto mais detido de nosso olhar]. Apenas é meu desejo “destacar”, convidando o leitor para “olhar”, para algumas categorias que me parecem importantes de serem consideradas e refletidas pelos que exercem tais práticas, as quais percebo estarem muitas vezes ausentes, dos discursos atuais sobre as práticas de relações de ajuda e cuidado neste contexto. Trata-se de “um olhar”, entre os diversos olhares possíveis. Você deseja me acompanhar neste olhar?

Passo a destacar a seguir algumas categorias importantes de serem consideradas quando falamos, refletimos ou atuamos em relações de ajuda e cuidado.

1. A questão da identidade.2. A centralidade da comunicação e narrativa.3. O destaque para a figura do “outro”.4. O papel da linguagem nas relações interpessoais.5. O ser humano como um ser multidimensional e multiconstruido.6. A sensibilidade como categoria fundamental nestas relações.7. A realidade, como uma realidade construída em processos de relação e em

constante movimento.8. A importância dos processos grupais em processos de ajuda e cuidado.9. As relações entre educação, modo de vida e os processos de saúde e

adoecimento.10.O lugar da ternura, do carinho e do confronto nestas relações.11.A importância fundamental da comunicação não-verbal.12.O “não-fazer-nada” e o papel da oração.13.O papel do louvor no cuidado da espiritualidade e da saúde mental.14.O lugar do silêncio na ajuda e no cuidado com o outro.15.Espontaneidade, criatividade e imaginação como categorias muito importantes

nestas relações.16.Formação e rompimento de vínculos.17.Educação x des-cuido/cuidado.

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18.Percepção x des-cuido/cuidado.19.A relação entre o kairós, o Cronos, e o tempo pessoal/subjetivo.20.O lugar da cultura: contribuições e entraves nestas relações21.O papel da família na ajuda e no cuidado.22.O papel da comunidade eclesiástica: diferentes possibilidades?23.A função pedagógica do sofrimento para a pessoa do ajudado e do ajudador24.Descuido e adoecimento: as várias facetas.25.Repertório cultural e interação ajudado-ajudador.26.O exercício da espiritualidade pelo ajudador, como o fundamento da ajuda e

cuidado espiritual.27.O papel central do emprego de instrumentos ou recursos espirituais específicos da

fé cristã nestas relações de ajuda (oração, meditação, intercessão, etc)

As categorias anteriormente elencadas advieram de minha experiência de vida na atuação junto às pessoas no meu dia a dia de educadora, teóloga e arteterapeuta. Muitas destas categorias já foram elencadas anteriormente como importantes de serem consideradas em trabalhos de arteterapia e educação, e em estudos sobre processos constitutivos da identidade – temáticas com as quais tenho trabalhado nos últimos anos24. Na abordagem deste texto sobre as relações de ajuda e cuidado, estas categorias foram inicialmente elencadas para nos chamar a atenção a fim de atentarmos para elas no que tange a temática aqui trabalhada.

Assim, como alguém que apenas revela um possível olhar, ou como uma artista que seleciona os materiais com os quais deseja trabalhar para construir a sua obra de arte, encerro o texto deixando esses elementos sobre a mesa, a fim de que com imaginação e criatividade possamos refletir, organizar e reorganizar as idéias, e construir com estes elementos [todos ou alguns deles apenas] e outros a serem acrescidos a eles, a mais difícil obra de arte que necessita ser construída: a vida. Vida complexa e interconexa umas com as outras, e na qual cada um de nós está as vezes na posição de ajudados, e outras, na de ajudador. E neste último caso, pode ser que na combinação única destes elementos, que se presentifica em cada caso, e com a graça de Deus, consigamos ajudar/cuidar eficientemente de quem se achega até nós precisando de acolhida. Que não ocorra conosco a desventura de precisarmos de ajuda e não encontrarmos uma alma sensível, tal qual lemos no poema de ESPANCA (1999) “A minha dor”:

“A minha dor é um convento ideal.Cheio de claustros, sombras, arcarias (...)

Nesse triste convento aonde eu moro.

24 Confira ROLDÃO, F.D. Vivências em Atividades artístico-expressivas e a construção da identidade: um estudo com jovens e adultos-idosos. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2004. 242 f., e ROLDAO, F.D. Mediações Artísticas e Vivência Grupal como elementos potencializadores para o contínuo desenvolvimento humano. Monografia. Curitiba: ISEPE, 2003. 82 f.

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Noites e dias rezo e grito e choro!E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...”

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