Post on 23-Oct-2015
TEORIA DA COMBUSTÃO
&
EQUIPAMENTOS DE QUEIMA DE GÁS NATURAL
Isabel Cabrita*
Ibrahim Gulyurtlu**
_____________________________ * Professor Catedrático da Universidade Moderna / Investigadora/Directora do Departamento de Engenharia Energética e
Controlo Ambiental do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI), Ministério da Economia.
** Professor da Universidade Nova de Lisboa / Investigador/Director de Unidade no Departamento de Engenharia Energética e
Controlo Ambiental do INETI, Ministério da Economia. Em 2000-2001, Professor Catedrático da Universidade de Aveiro.
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PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DE RELEVÂNCIA À COMBUSTÃO
1.1 Propriedades relevantes para determinação do comportamento dos combustíveis
O gás natural é um gás combustível essencialmente constituído por metano, havendo outros
compostos na sua composição cuja constituição depende da sua proveniência. O gás não tem
cheiro nem cor, pelo que a sua detecção em caso de ocorrência de fugas ou ausência de
combustão é difícil se não for adicionado um agente odorífero. A Tabela I apresenta a
composição referente ao gás natural distribuído em Portugal.
TABELA I - Composição química do gás
(em percentagem volúmica dos compostos presentes)[1]
Composição Química aprox.(% vol)
do Gás Natural de Hassi R´Mel
Metano CH4 83,7 %
Etano C2H6 7,6 %
Azoto N2 5,4 %
Propano C3H8 1,9 %
Butano C4H10 0,7 %
Pentano C5H12 0,2 %
O comportamento dos gases combustíveis, incluindo as características de combustão, pode ser
avaliado através das seguintes propriedades:
- Densidade
- Limites de Inflamação
- Temperatura de Ignição
- Razão Carbono/Hidrogénio
- Poder Calorífico
- Índice de Wobbe
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1.2 Influência das propriedades no comportamento dos gases
Apresentam-se a seguir as propriedades identificadas como relevantes para a determinação do
comportamento dos gases e a forma como determinam esse comportamento.
Densidade
A densidade é determinada pela massa da unidade de volume de uma substância (massa
específica) em relação à massa específica da substância de referência (ar). Uma vez que o
volume de um gás varia com a temperatura e pressão, este é determinado nas mesmas
condições, sendo as condições de referência: 0oC para a temperatura e 1 atmosfera para a
pressão. No entanto, variando estas condições, estas deverão ser sempre indicadas, uma vez
que o valor de densidade virá naturalmente alterado.
A densidade de um gás está directamente relacionada com o seu comportamento face à
alteração de condições. Assim, quando se comprime um gás, a sua temperatura e pressão
aumentam. Por sua vez, a expansão de um gás provoca a diminuição de temperatura e da
pressão. Assim, a densidade de qualquer gás altera-se em situações de compressão ou
expansão. A densidade relativa irá determinar o comportamento do gás em termos de
movimentação no seio do ar, designadamente em situação de fuga.
Assim, o metano, sendo mais leve que o ar, escapa-se para os tectos, enquanto que os gases
combustíveis mais densos, designadamente o GPL, se escapa para o chão, caves e zonas
baixas. Note-se que o coeficiente de difusividade do gás natural no ar (0,16cm2/s) é um valor
intermédio, entre o hidrogénio, com 0,61, o propano, com 0,10, e a gasolina, com 0,05 cm2/s.
A densidade está directamente relacionada com o número de átomos de carbono e, portanto,
com a quantidade de calor libertada durante a combustão. A Figura 1.1 representa
esquematicamente esta situação, em comparação com outros gases, o propano e o butano.
CH4 ar CH4 C3H8 C3H8 C4H10
(0,4-0,84) (1,0) (1,5) (2,0)
Metano Propano Butano
Figura 1.1–Representação comparativa do comportamento de diferentes gases combustíveis[2]
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A densidade afecta o fluxo de gás em tubagem e através de orifícios, designadamente em
injectores. O caudal de gás que sai do injector depende do diâmetro do orifício e da pressão a
montante. Quanto mais leve é o gás, maior é a quantidade debitada pelo mesmo orifício à
mesma pressão. A mesma situação se verifica em tubagem. Consequentemente, em diferentes
aplicações de conversão de sistemas a gás, quer para dimensionamento quer para selecção de
tubagem, injectores ou queimadores, deve-se ter em conta tanto o valor de pressão como de
densidade do gás.
O gás natural distribuído nacionalmente tem uma massa específica igual a 0,84kg/m3(n) e o
valor da densidade é de 0,65.
Limites de Inflamação
Os limites de inflamação são indicativos das proporções, mínima e máxima, de combinação
do combustível e comburente, entre as quais é possível manter a combustão. Assim, a queima
de combustível processa-se entre estes valores, mínimo e máximo, pelo que qualquer
equipamento de combustão deverá assegurar uma razão de ar/combustível, denominada de
razão de equivalência ( dentro destes valores.
O limite inferior de inflamação será referente à quantidade mínima de combustível necessário
misturar com o comburente para sustentar a combustão; e, o limite máximo de inflamação
será a quantidade máxima de combustível que, quando misturado com o comburente, é capaz
de manter a combustão.
No caso do gás natural, tendo como base as propriedades do metano, a combustão processa-se
entre os valores abaixo indicados.
5,3 % GN em ar 15 % vol.
Poder Calorífico
O poder calorífico representa a quantidade de calor libertada por unidade de volume, no caso
de gases combustíveis, em condições bem determinadas. No caso de gás natural, em que os
produtos da combustão incluem a água, definem-se dois valores para o poder calorífico,
consoante a água se encontra no estado líquido ou no estado vapor.
Assim, define-se o poder calorífico superior (PCS) como determinando a quantidade de calor
libertada em condições em que a água produzida se encontra no estado líquido; e, o poder
calorífico inferior (PCI), em que parte da quantidade de calor libertada durante a combustão é
utilizada para vaporização da água que se forma. Logo, o poder calorífico inferior está
relacionado com o PCS, deduzindo-se deste o calor latente de vaporização da água nas
condições em que se processa a combustão.
Esta propriedade determina a quantidade de calor libertada durante a combustão de um
determinado caudal de gás, valor este que é essencial conhecer em processos energéticos. As
características referentes ao gás natural distribuído em Portugal são apresentadas na Tabela II,
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após definição de Índice de Wobbe, propriedade dos gases que se relaciona com o valor de
poder calorífico.
Índice de Wobbe
O Índice de Wobbe de um combustível gasoso relaciona o seu poder calorífico com a sua
densidade. Uma vez que existem dois valores para o poder calorífico, determinam-se dois
valores para o Índice de Wobbe, um inferior (Wi - relativamente ao PCI) e outro superior (Ws
- referente ao PCS). As fórmulas de cálculo são as seguintes:
Ws = PCS / (dgás)1/2
Wi = PCI / (dgás)1/2
Este parâmetro, além de ser indicativo do calor libertado por um determinado gás
combustível, serve de termo de comparação entre diferentes gases.
Esta propriedade tem particular importância no dimensionamento de queimadores e em
processos de conversão de sistemas a gás, uma vez que diferentes gases com o mesmo valor
de Índice de Wobbe podem ser usados para queima no mesmo sistema de combustão. Os
gases de substituição são seleccionados dentro deste princípio, podendo ser usados como
combustível sem ser necessário introduzir alterações aos equipamentos de queima.
TABELA II - Valores para o PCI e PCS do gás natural e Índice de Wobbe[1]
O Gás Natural proveniente de Hassi R' Mel tem as seguintes
características:
Poder calorífico
Superior PCS 10032 kcal / m3(n)
42,0 MJ / m3(n)
Inferior PCI 9054 kcal / m3(n)
37,9 MJ /m3(n)
Densidade relativa(ao ar): 0,65
Grau de humidade: 0 %
Índice de Wobbe:
Superior Ws
12442 kcal / m3(n)
52,1 MJ / m3(n)
Inferior Wi
11200 kcal / m3(n)
46,9 MJ / m3(n)
Temperatura de Ignição
Ignição trata-se do início de uma combustão, a qual poderá ser, ou não, controlada. Neste
início de combustão, existe um valor determinado de temperatura abaixo do qual não se dá a
combustão. A esta temperatura limite dá-se o nome de temperatura de ignição.
- Aumento de Temperatura -
Ignição ocorre logo que seja
atingida a T ignição = 540oC
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Esta situação verifica-se quando a mistura do combustível com o ar se encontra dentro dos
limites de inflamação ou de explosibilidade. Na situação em que a mistura é rica ( em
combustível ), e a quantidade de combustível é superior ao limite superior, não ocorre
ignição. Se a mistura está próxima do limite superior, a ignição dá-se e a combustão sustém-
se enquanto houver ar disponível, extinguindo assim que o oxigénio não for suficiente para
suster a combustão. Na situação em que a mistura é pobre, ela sustém-se enquanto houver
combustível, e a sua proporção se encontra acima do valor de limite inferior de inflamação,
abaixo do qual a chama extingue-se.
Ar Ar Ar
Faísca
Combustível
Combustível
Mistura rica Mistura estequiométrica Mistura pobre
Esquematicamente, tem-se o seguinte:
Limite superior
100% de inflamação Ar - 0%
Combustível - 0% 100%
Limite inferior
de inflamação
A combustão só tem lugar quando a mistura de combustível e ar se encontrar em proporções
dentro dos limites de inflamação. Na situação da mistura se encontrar dentro dos limites de
inflamação/explosão, e sendo criadas condições de temperatura para auto-ignição, há
cuidados a ter pois que a combustão poderá tomar a forma de deflagração ou de detonação.
A seguir apresentam-se os limites de explosibilidade para misturas de gás natural com o
oxigénio.[1]
5,0 % GN em O2 59 % vol.
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Os limites de detonação do gás natural no ar são a seguir apresentados. [1]
6,3 % GN no ar 13,5 % vol.
A tabela III faz a comparação destes valores com os de outros combustíveis, apresentando
também os valores de energia mínima para a ignição.
TABEL III – Limites de Detonação de Gases no Ar e Energia Mínima para Ignição no Ar[1]
Hidrogénio Metano Propano Gasolina
Limites de
Detonação
(% vol.)
18,3 - 59
6,3 – 13,5
3,4 - 35
1,1 – 3,3
Energia ( J) 20 290 305 240
Considere-se a figura seguinte, que estabelece a relação entre o volume crítico e a pressão
crítica dos gases, estabelecendo zonas de ocorrência de deflagração e de detonação.
Figura 1.2 - Curvas de correlação entre o volume reduzido e a pressão reduzida para gases
combustíveis, com base nas teorias de von Newmann e Chapman-Jouguet[1]
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
CJ Detonação
CJ Deflagração
V = Vc e P = Pc
von Newmann "spike"(CJ - Chapman-Jouguet)
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1.3 Caracterização do combustível e determinação dos parâmetros da combustão
As propriedades consideradas de relevância para a combustão dependem do tipo de
combustível. No caso dos combustíveis gasosos o seu comportamento poderá ser avaliado
conhecendo:
- a densidade
- a composição, por composto e molecular
- a velocidade de propagação da chama
- a temperatura de chama
- o poder calorífico
- o índice de Wobbe
A ocorrência de combustão tem lugar através de mecanismos de oxidação por elemento
constituinte. Assim, sendo a composição elementar do gás natural a que consta da Tabela IV,
ocorrem reacções químicas como as que se apresentam a seguir.
TABELA IV - Composição do gás natural, por composto e molecular[1]
Composto % vol. kg/kmol kg/kmol CH4
% em massa
CH4 83,7 16,0 13,39 71,42
C2H6 7,6 30,0 2,28 12,16
N2 5,4 28,0 1,51 8,06
C3H8 1,9 44,0 0,84 4,46
C4H10 0,7 58,0 0,41 2,17
C5H12 0,2 72,0 0,14 0,77
C6H14 0,1 86,0 0,09 0,46
CO2 0,2 44,0 0,09 0,47
He 0,2 4,0 0,01 0,04
Total 100,0 18,8 100,00
C H2 O2 He N2
69,89 21,67 0,34 0,04 8,06
C + O2 CO2
2 H2 + O2 2 H2O
N2 + O2 2 NO
N + NO N2
Os produtos da combustão referidos têm como base uma combustão completa. No entanto, se
as condições favorecerem a situação de se ter uma combustão rica, proporcionar-se-á a
formação de monóxido de carbono (CO) e de óxido nitroso (N2O). Por sua vez, uma
combustão pobre levará a um fornecimento em oxigénio tal que poderá proporcionar a
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formação de dióxido de azoto (NO2) que, em atmosfera húmida, poderá levar à condensação
de ácido nítrico (HNO3). Dependendo da temperatura de combustão ter-se-á também a
produção de monóxido de azoto pela via térmica, em que o azoto do ar e o oxigénio reagem
entre si. Os hidrocarbonetos presentes e seus radicais poderão, a temperaturas tão baixas
quanto os 700oC, levar a reacções intermédias, muito rápidas, conducentes à produção de
óxidos de azoto, através do seguinte mecanismo.
N no combustível + CnHm
N2 no ar HCN/CN
+Oxidante
+ NHi
+ Oxidante
NO NHi
As condições em que se dá a combustão vão proporcionar a maior ou menor produção dos
diferentes compostos produtos da combustão e poluentes, pelo que os parâmetros a considerar
para regular o processo da combustão deverá ter presente objectivos de optimização da
eficiência e diminuição da formação de poluentes. No entanto, a optimização da eficiência da
combustão leva a temperaturas de combustão relativamente elevadas que promovem a
formação de óxidos de azoto se a alimentação de oxigénio for adequada. Logo, esta situação
deverá ser considerada no processo de regulação da combustão, tendo presente que o
combustível tem azoto na sua constituição.
Dentro de determinadas necessidades energéticas, os cálculos de combustão são efectuados
tendo como base as reacções químicas presentes, sua cinética, com o objectivo de determinar
a quantidade de mistura ar/combustível necessária alimentar ao sistema de queima. Nestes
cálculos, no que respeita à alimentação de ar como combustível, há que ter em atenção a
presença de humidade, que se comporta como um “ absorvedor ” de energia. Conhecendo as
condições atmosféricas, a quantidade de água transportada pelo ar poderá ser determinada
recorrendo a diagramas de ar húmido, como o que se apresenta no final do capítulo.
Outra característica relevante, tanto para o projecto de queimadores como para determinar o
valor do caudal da mistura combustível/comburente, é a velocidade de propagação de chama,
ou velocidade de queima. A tabela seguinte apresenta o valor da velocidade máxima em
comparação com outros gases.
TABELA V – Velocidade de queima de gases com o oxigénio (m/s) [1]
Acetileno Gás Natural Propano Propileno
6,097 4,633 3,718 4,635
A velocidade de queima dos combustíveis gasosos está directamente relacionada com a razão
Carbono – Hidrogénio (C/H) e daí a importância deste parâmetro na comparação entre o
comportamento de diferentes gases, muito embora os valores de velocidade sejam
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determinados experimentalmente recorrendo a métodos avançados para visualização da frente
de chama.
Por sua vez, a temperatura de chama é uma característica da combustão que irá depender da
razão ar/combustível e da forma como se processa a combustão. Teoricamente, pode ser
calculado o valor da temperatura para condições adiabáticas e com base em misturas
estequiométricas, no entanto, os valores reais das temperaturas deverão ser sempre sujeitos a
medidas recorrendo a equipamento específico e adequado, o mais possível não interferindo
com a própria chama.
A Tabela VI apresenta valores para diferentes combustíveis, incluindo o gás natural.
TABELA VI – Valores teóricos de temperatura de chama (oC)
[1]
Hidrogénio Gás Natural Propano Gasolina
2045 1875 1970 2200
Finalmente, o poder calorífico é relevante para a combustão, determinando a quantidade de
energia libertada e, consequentemente, determinando o dimensionamento do equipamento ou
os parâmetros de operação face ao processo industrial em questão. O poder calorífico, inferior
ou superior, deverá ser aplicado o mais possível traduzindo as condições reais em que se
processa a combustão, isto é, se a água é produzida na sua forma de vapor ou líquida.
O índice de Wobbe será, por sua vez, relevante para equacionar a adequabilidade do
equipamento de queima, não sendo considerado a nível das propriedades da combustão em si.
Este parâmetro será analisado com maior pormenor, ao desenvolver a área da
Intermutabilidade dos Gases.
1.2 Determinação da potência calorífica do equipamento de queima
O gás natural pode ter várias aplicações e em vários sectores de actividade económica,
podendo ser usado no sector de transportes, na indústria química, para produção de produtos
químicos e outros gases (e.g. acetileno, hélio), no sector industrial e energético utilizado como
combustível.
A sua aplicação energética poderá levar tanto à produção de calor como de frio, águas quentes
e vapor, sendo concorrencialmente usado em fornos industriais, motores de combustão
interna, turbinas a gás e aparelhos termodomésticos e termoindustriais para catering. O gás
natural poderá também ser aplicado em processos de incineração para re-queima, na
eliminação de poluentes como dioxinas e furanos e ainda, os óxidos de azoto.
A potência calorífica de um determinado equipamento térmico é determinada pela energia
libertada por unidade de tempo, isto é:
Potência calorífica = [Caudal (m3/h) x Poder calorífico (kJ/m
3) ] / 3600s , em kW.
O rendimento de determinado equipamento é dado pela razão entre a energia útil inerente ao
processo em si e a energia total fornecida. Para determinar estes parâmetros energéticos, há
que estabelecer o balanço energético ao sistema alvo de estudo, identificando os fluxos
energéticos de entrada ao sistema e os fluxos de saída com respectivas perdas (veja-se a figura
seguinte).
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ENERGIA perdida
Calor perdido
- gases de
ENERGIA fornecida combustão
Calor sensível - produtos
- ar
- combustível - condução
Calor da combustão - convecção
Infiltrações térmicas - radiação
Reacções exotérmicas Reacções endotérmicas
Perdas não contabilizadas
O rendimento Energia útil / Energia fornecida ) x 100 (%).
Figura 1.3 – Representação esquemática dos fluxos energéticos a considerar no balanço
energético duma instalação para determinação do seu rendimento.
Os cálculos de combustão e o estabelecimento do balanço energético deverão ter como base
as características reais de pressão, temperatura e humidade do ar de combustão, apresentando
o diagrama de ar húmido para consulta no final do presente capítulo.
1.3 Intermutabilidade dos gases no equipamento de queima
Não existe uma definição explícita sobre intermutabilidade de gases, o que determina a sua
complexidade. Uma definição típica é a possibilidade de se usar um gás de substituição sem
alteração das características de operação dos equipamentos. Existe sempre uma certa
tolerância aceitável na substituição de um gás por outro, que depende de vários factores,
nomeadamente o tipo de queimador e grau de ajuste, bem como a tolerância possível por
parte do consumidor face a condições de ponta.
O grau de intermutabilidade é estudado em queimadores padrão através das características da
chama. O Índice de Wobbe é a propriedade que determina o grau de intermutabilidade dos
gases, relacionando o input de energia com a sua densidade, esta relacionada com o grau de
aeração necessário. Para um gás poder substituir outro, dever-se-á garantir quantidades de ar
primário e de calor fornecido dentro de limites restritos do gás combustível de base, isto é, de
forma a ter uma chama estável e sem pontas amarelas.
A figura seguinte apresenta curvas típicas para o limite da estabilidade da chama em
queimador padrão, para um gás considerado de referência (a) e para um gás de
substituição (s), sendo possível a intermutabilidade dos gases quando as condições de
fornecimento de ar primário e de energia levam a identificar a mistura combustível dentro das
zonas de valores limite para as curvas estabilidade.
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Figura 1.4 - Diagrama de funcionamento de queimador de referência para ajuste do gás a
e o gás de substituição s[3]
-Curvas L - Limites para o descolamento da chama -Curvas Y - Limites para ocorrência de pontas amarelas
-Curvas F - Limites para retorno de chama
O grau de intermutabilidade, no entanto, nem sempre pode ser previsto directamente através
das características de combustão. O tipo de queimador e a forma como se procede à sua
regulação também têm influência. Uma vez que o design do queimador tem influência, para
determinar o grau de intermutabilidade de dois determinados gases, o estudo deverá ser feito
recorrendo a diferentes tipos de queimadores de referência, construindo os respectivos
diagramas de funcionamento.
O grau de intermutabilidade entre gases pode ser determinado recorrendo a índices, como o
Índice de Wobbe, já definido, ou de Knoy - C = (Poder calorífico do gás - 175)/d1/2
em
unidades inglesas. Para uma boa intermutabilidade o gás de substituição deverá ter o mesmo
AR
PR
IMÁ
RIO
, %
DE
AR
NE
CE
SS
ÁR
IO
ENERGIA FORNECIDA MBTU
POR POLEG. QUADRADA DA SECÇÃO RECTA
GÁS a: 1030 BTU / ft3
0,65 DENSIDADE
GÁS s: 1200 BTU / ft3
0,65 DENSIDADE
LIMITES PARA AJUSTE DO
QUEIMADOR PARA SER ACEITE A
SUBSTITUIÇÃO DO GÁS
13
valor de índices, sendo aceitável desvios da ordem dos 5%, e em casos especiais até aos 10%.
A figura 1.5 apresenta os valores de índice de Knoy para diferentes gases.
Figura 1.5 - Carta de Intermutabilidade dos gases baseada no Índice de Knoy. [3]
A intermutabilidade é indicada pelo enquadramento das condições de operação em
queimador, de forma a obter-se uma chama estável. Isto representa que o gás de substituição
comportar-se-á de forma a que as curvas limite para a estabilidade da combustão se situam
nas zonas consideradas de estabilidade para o gás de referência, tal como acima exposto.
Como aproximação, dado que o gás natural contém na sua maior parte metano, pode-se
recorrer a experiências em diferentes tipos de queimadores recorrendo ao metano como
combustível, com o objectivo de determinar com alguma precisão as curvas limite de
estabilidade de chama e parâmetros de influência na ocorrência de pontas amarelas. Os
valores obtidos poderão ser então aplicados como previsão do comportamento no caso de se
recorrer ao gás natural.
A figura seguinte apresenta as propriedades de combustão do metano referentes à estabilidade
de chama, para diferentes dimensões de orifícios para o queimador. Qualquer gás de
GR
AD
IEN
TE
DE
VE
LO
CID
AD
E C
RÍT
ICA
NO
LIM
ITE
EXTINÇÃO
ZONA ESTÁVEL
- chana azul
RETORNO
ZONA ESTÁVEL
- chama azul com pontas amarelas
LEGENDA
Diâmetro do Tubo, cm
3,78
2,47
1,914
1,503
0,776
0,413
0,294
0,195
CONCENTRAÇÃO DE GÁS, FRACÇÃO DA ESTEQUIOMETRIA
Segundos-1
14
substituição deverá reproduzir as condições referentes à zona estável, podendo haver alguma
flexibilidade no caso de se situar na zona limite próxima do descolamento, sem pontas
amarelas.
Figura 1.6 - Diagrama de estabilidade da chama com metano e influência do diâmetro do
orifício do queimador para a formação de pontas amarelas. [3]
Bibliografia
[1] – Dados obtidos via internet:
Flammability Limits
http://www.ngvc.org/safetybulletin.html
http://www.erpud.com/natural_gas_facts.htm
Chemical Composition of natural gas
http://www.uniongas.com/NaturalGasInfo/AboutNaturalGas/composition.asp
Cost Effective Lean Conversion of Natural Gas Engines
http://www.remtechnology.com/applications/lean_con2.htm
Flammability Chart
http://www.jandnent.com/news/leakdetect_101.asp
Comparison of Hydrogen and other fuels
A – Gás Natural por “reforming”
B – Gás Butano
C – Propano por “reforming”
D – Propano-ar por “reforming”
E – Gás de alto forno
F – Propano-ar por “reforming”
G – Gases de exaustão
H – Água carburante
K – Gás de alto forno-Gás Natural
L – Gás Natural
M – Gás Manufacturado
N – Ar
O – Propano-butano-ar
P – Propano
R – Propano-butano-ar
S – 50-50 propano-butano
LEGENDA
LINHAS DE APROXIMAÇÃO DA INTERMUTABILIDADE
PR
OP
AN
O-A
R
PR
OP
AN
O-B
UT
AN
O-A
R
BU
TA
NO
-AR
PO
DE
R C
AL
OR
ÍFIC
O, B
TU
PO
R P
É C
ÚB
ICO
DENSIDADE
N-G
ÁS
-AR
15
http://www.ieagreen.org.uk/h2ch12.htm
Gas Natural – Overview by GDP
http://www.gdp.pt/gasnatural.htm
[2] - Curso de Combustão para controle e afinação de chama (1983), Ibrahim Gulyurtlu &
Isabel Cabrita, CATIM
[3] - Gas Engineers Handbook - Fuel Gas Engineering Practices (1965), 1ª ed.,
Industrial Press Inc.
[4]- Gas Encyclopedia (1976), L’Air Liquide,Elsevier Sciece Publishers Company Inc.
Fonte:
16
17
2. NOÇÕES BÁSICAS DE COMBUSTÃO
Combustão é o fenómeno de oxidação da matéria com libertação de calor. A matéria
combustível pode ser sólida, líquida ou gasosa. No primeiro caso a reacção de
combustão dá-se simultaneamente na fase sólida, sob fixação do comburente que
estabelece ligações químicas com o carbono, e na fase gasosa constituída pelas
matérias voláteis libertadas. No caso dos líquidos, a combustão dá-se em redor das
gotas, na atmosfera constituída pelos voláteis libertados em redor das gotas.
COMBUSTÍVEL
SÓLIDO
LÍQUIDO
GAS
OXIGÉNIO
CALOR CALOR
CALOR
Na fase gasosa, o comburente mistura-se com o combustível, constituindo uma fase
homogénea constituída por gases.
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2.1 Combustão em fase homogénea gasosa
Quer na fase de voláteis (produzidos pela volatilização de sólidos e líquidos) quer no
gás combustível propriamente dito, a combustão dá-se através da mistura com o
comburente. O ar, no caso dos combustíveis gasosos, actua como comburente,
alimentando o oxigénio, que se mistura intimamente com o ar, não sendo necessário
fornecer excesso de ar para alimentação da combustão. Neste caso, o fornecimento de
excesso de ar deve-se à necessidade em proceder ao controlo da temperatura.
A combustão pode ser espontânea, perfeita, completa, incompleta ou parcial, normal
ou detonação.
A combustão espontânea tem lugar quando a massa combustível aquece, o calor não é
dissipado, a temperatura aumenta gradualmente até que ainge o ponto de ignição,
tendo lugar a deflagração.
A combustão perfeita refere-se à situação em que todo o combustível é queimado na
proporção exacta de estequiometria da reacção de combustão, tendo como produtos na
exaustão, vapor de água, dióxido de carbono e azoto.
A combustão completa é aquela em que todo o combustível é queimado, formamdo
vapor de água e dióxido de carbono, podendo haver ar em excesso. Quando a
combustão é incompleta ou parcial, os produtos intermédios formados durante a
combustão, como monóxido de carbono e hidrogénio, por vezes aldeídos, não
terminam a oxidação saindo desta forma nos gases de exaustão. Esta situação pode ser
devida a insuficiência de comburente, ou a arrefecimento, quer devido ao
descolamento da chama quer ao facto das pontas tocarem superfícies frias.
Combustão normal é aquela em que a combustão se processa sem descontinuidades a
nível da pressão na frente de chama. No caso da detonação, a combustão dá-se
gerando uma onda de choque que se move a velocidade supersónica através da
atmosfera gasosa.
2.2 Triângulo da Combustão
Para que a combustão se dê são necessárias três presenças em simultâneo:
combustível, comburente e, calor no que se chama o "Triângulo da Combustão".
19
COMBUSTÍVEL
OXIGÉNIO
CALOR
Se qualquer destes elementos faltar, a combustão não se dá. No combate ao fogo,
tapar a chama com uma manta traduz-se na limitação do fornecimento de ar
(oxigénio) à combustão, enquanto que a adição de água se traduz no arrefecimento da
combustão por evaporação. Naturalmente que existem outros métodos,
designadamente a adição de produtos químicos e inibidores que, ao formarem
ligações químicas, poderão actuar conjuntamente no desequilíbrio do fornecimento
dos três parâmetros essenciais considerados no Triângulo da Combustão.
2.3 Diagrama de Ostwald
Os cálculos da combustão baseiam-se na determinação da quantidade de ar
estequiométrico necessário para a combustão perfeita, adicionando ar em execsso
como regulador da temperatura. A quantidade de ar em excesso (e) pode ser
determinada pela seguinte expressão
% e = [(pA - pa) / pa ] x 100,
em que: pA é a massa de ar seco admitido (kg) por cada kg de combustível, e
pa é a massa de ar estequiométrico (kg) por kg de combustível.
A massa de ar estequiométrico é função da composição elementar do combustível,
podendo ser determinada pela seguinte expressão:
pa = 11,47 [C] + 34,48 [H] + 4,31 [S] - 4,31[O],
em que [ ] representa a fracção mássica do elemento em referência.
O excesso de ar pode ser determinado a partir da análise dos gases de combustão,
conhecidos os teores em oxigénio, monóxido e dióxido de carbono. Assim, tem-se:
e = [%O2 / (21 - %O2)],
sendo a %O2 referente ao teor em oxigénio medido nos gases de combustão.
Duma forma expedita recorre-se à utilização de gráficos para cálculos de combustão,
como o diagrama de Ostwald que, para cada tipo de combustível, faz a relação entre o
teor em oxigénio nos gases de combustão e, portanto, o excesso de ar, e a produção de
20
CO e CO2. A figura 5 apresenta o diagrama de Ostwald referente às condições de
combustão do gás natural.
Figura 5 - Diagrama de Ostwald referente à combustão de gás natural.
Cálculos de combustão são efectuados para várias situações de dimensionamento,
determinação de consumos e caudadis de gases de combustão e na determinação do
rendimento de equipamentos térmicos. Os equipamentos são utilisados para geração
de calor, através da produção de gases quentes, directa ou indirectamente, e para
produção de água quente ou vapor. Tais determinações são feitas através de cálculos
de combustão, estabelecendo-se balanços energéticos, podendo recorrer-se a software
específico como é o caso do "COMB". [1]
2.4 Definição e condições de segurança
Combustão trata-se, portanto, de uma oxidação de um combustível acompanhada de
libertação de calor, podendo ou não, apresentar luminosidade, levando então à
presença de chama. Face ao exposto, as condições em que se processa a combustão
devem ser ajustadas no sentido de evitar situações de perigo, devendo sempre haver o
espírito de observância, especialmente em equipamento de funcionamento em
contínuo. A detecção de chama pode ser assegurada de forma electrónica, podendo
associar-se um sistema automático que desligue o fornecimento de gás em situação de
ausência de chama.
A adição de um agente odorífero torna a detecção de fuga mais fácil. A observância
para identificação da ocorrência de fugas deverá sempre ser feita recorrendo a agentes
21
frios, pois utilizar uma fonte quente poderá criar condições favoráveis à ocorrência da
ignição, havendo combustível e comburente em presença um do outro.
Nas condutas de alimentação de combustível aos equipamentos térmicos, por vezes
incorpora-se malha de aço, ou outro tipo de dispositivo, que irá servir com uma
superfície fria que actua com elemento inibidor de calor no caso da combustão ter
lugar no interior da conduta. Estes dispositivos são particularmente importantes em
casos em que o combustível é alimentado ao queimador já misturado com o ar,
portanto, em situações de presença simultânea de combustível e comburente.
A combustão dos hidrocarbonetos é particularmente complexa e se não houver
quenching das reacções químicas que ocorrem, poder-se-á ter uma situação de reacção
em cadeia em proporções que levam à elevação significativa de pressões, situações
perigosas quer em espaços confinados quer em espaços abertos.
No caso dos combustíveis gasosos, existem 2 teorias aceites que identificam o
processo de combinação, a do mecanismo de reacção com base na formação de
radicais livres, e a teoria de hidroxilação. A 1ª teoria apresenta como 1º passo a
formação de formaldeído, como estado inicial de combinação do metano com o
oxigénio (HCHO) que, ao reagir com o oxigénio, forma radicais livres em cadeia e de
forma rápida, até que se atinge o estado estacionário.
HCHO + O2 radicais livres (CHO, OH, H, CH, etc.)
OH + CH4 H2O + CH3
CH3 + O2 HCHO + OH
OH + HCHO H2O + CHO CO + H + H2O
Os radicais CHO são facilmente destruídos, formando monóxido de carbono que, ao
reagir com o oxidante, produz dióxido de carbono. O OH que não reage é
normalmente adsorvido nas paredes do queimador ou da câmara de combustão. O
processo de ignição está relacionado com a produção de átomos de hidrogénio, que
ocorre a velocidades muito altas.
A diferença entre as 2 teorias reside na iniciação das reacções, em que na teoria de
hidroxilação se assume que o 1º passo é a reacção entre o hidrocarboneto e o
oxigénio, formando aldeídos antes da fomação do formaldeído que, a seguir produz o
monóxido de carbono, e dióxido de carbono, através dos passos acima expostos.
CH4 + O2 CH3OH H2 + HCHO
Por sua vez, a presença de hidrogénio e dos radicais OH leva à produção de água.
Normalmente, a reacção que se apresenta é a reacção global, resultado do mecanismo
de reacções mais ou menos complexo que, no caso dos hidrocarbonetos constituintes
do gás natural, tem-se:
22
CH4 + 2O2 CO2 + 2H2O
C3H8 + 5O2 3CO2 + 4H2O
No entanto, a temperaturas elevadas, os próprios gases de combustão interferem no
mecanismo de reacções, uma vez que eles próprios se dissociam, acima dos 1400oC,
tal como se apresenta no diagrama seguinte.
Figura 6 - Dissociação de CO2 e H2O, misturas sem O2, e várias pressões parciais.[2]
Associada a condições de segurança em termos de saúde pública tem-se a libertação
de monóxido de carbono durante a combustão. Este gás é incolor e inodoro, altamente
tóxico mas não irritante, acrescendo assim a sua perigosidade. O monóxido de
carbono entra na circulação sanguínea, actuando como agente asfixiante, ao
combinar-se com a hemobglobina em substituição do oxigénio, entrando no corpo
humano através da respiração. A combinação da hemoglobina com CO é mais estável
do que com o oxigénio, devido a ter maior afinidade com aquele gás. Estima-se que
uma parte de CO no sangue equivale a 210 partes de oxigénio para sua substituição.
A quantidade de CO absorvida pela corrente sanguínea depende de vários factores,
tais como: a concentração de CO no ar, o tempo de exposição, número e período
TEMPERATURA (ºF)
CU
RV
AS
PAR
A O
CO 2
% D
ISS
OC
IAD
A
CURV
AS P
ARA
A H 2
O
PR
ES
SÃ
O P
AR
CIA
L (
atm
)
23
temporal de respiração de ar limpo, ar fresco entre inalações, preparação física da
pessoa, e estado de saúde.
A figura 7 apresenta os efeitos da exposição em percentagem de saturação do sangue
e respectivo impacto a nível de estado físico da pessoa.
Figura 7 - Absorção do monóxido de carbono pela corrente sanguínea do ser humano.
A Tabela VII elucida sobre os efeitos do monóxido existente no ar no que respeita aos
seres humanos.
TABELA VII- Efeito fisiológico do monóxido de carbono.
Concentração de CO no
Ar
Partes por milhão Percentage
m
EFEITOS
100 0,01 Concentração que pode ser suportada
durante período longos de exposição
400 a 500 0,04 a 0,05 Concentração que pode sr inalada durante
uma hora sem produzir efeito apreciável
600 a 700 0,06 a 0,07 Concentração que provoca efeito
apreciável após uma hora de exposição
1000 a 1200 0,10 a 0,12 Concentração que provoca desconforto
após uma hora de exposição mas que não
CO
% MORTE REPENTINA
sa
t
u
r
a COLAPSO FATAL
ç
ã
o
n COLAPSO
o
Prisão nos movimentoss
a
n Tonturas
g Dores de cabeça
u Reflexos lentos
e e
Horas de Exposição
24
gera sintomas de perigo
4000 e acima 0,40 e
acima
Concentração fatal em exposições de
duração inferior a uma hora
Para garantia das condições de segurança em termos de combustão e das emissões de
CO, não deverá ser emitido mais do que 0,01% de CO em ambiente fechado com
cerda de 30,48m com 4 mudanças de ar para uma combustão que liberte cerca de
15.240 kcal. Esta concentração é possível de suster durante 8 horas de exposição sem
efeitos perceptíveis.
A quantidade de CO presente na atmosfera pode ser determinada por vários métodos,
colorimétricos, através de indicadores químicos ou por infra-vermelhos.
Note-se que, para além da perigosidade do CO em termos de saúde pública, existe o
perigo de ocorrência de explosão em misturas com o ar, levando por vezes à
necessidade de incorporação de alarmes em atmosferas fechadas.
A norma Portuguesa NP 1796 (1988) indica o valor de 50 ppm (55mg/m3) como o
valor limite de exposição para o monóxido de carbono. De qualquer forma, as
concentrações no ar dos gases e vapores são limitadas pelo teor em oxigénio
disponível que nunca deverá ser inferior a 18%, em volume, à pressão atmosférica
normal.
As técnicas de colheita para análise de gases em ambientes de trabalho são definidas
na NP 2199 (1986). No que respeita à amostragem de gases em chaminés e condutas
de exaustão, as metodologias são referidas nas normas específicas ao tipo de
equipamento instalado.
A título de exemplo e no que se refere a aparelhos termodomésticos e termoindustriais
a gás, tem-se: a NP EN 778 (2000) para geradores de ar quente de convecção forçada
para aquecimento doméstico com potência igual ou inferior a 70kW, que define as
metodologias de amostragem e medida e respectiva instrumentação e equipamento; a
NP EN 621 (2000), que se refere a geradores de ar quente de convecção forçada para
aquecimento não doméstico com potência igual ou inferior a 300kW; e, a NP EN
1196 (2000), que define os requisitos suplementares para geradores de ar quente com
condensação.
No que se refere aos equipamentos e instalações industriais, o Decreto Lei 352/90 de
9 de Novembro transpõe para a legislação nacional as seguintes directivas europeias
de aplicação a equipamentos de combustão que poderão usar o gás natural como
combustível principal, ou auxiliar:
- 88/609/CEE - grandes instalações de combustão;
- 89/369/CEE - prevenção da poluição atmosférica provocada por
incineradores.
A Portaria nº 286/93 de 12 de Março apresenta os valores limites e os valores guias
das emissões gasosas, incluindo o monóxido de carbono, para os diferentes processos
de produção industrial. De uma forma global a legislação vigente para o Ar, obriga
25
ao cumprimento de valores limites para as emissões, os quais são apresentados na
Tabela VIII. Note-se que os valores medidos deverão ser determinados com base num
teor em oxigénio presente nos gases de combustão de 8% em volume.
TABELA VIII - Valores limite de emissões gasosas para um teor em oxigénio de 8%.
Tipo de emissão Valor limite (mg/(n)m3)
Partículas em suspensão 300
Monoxido de Carbono (CO) 1000
Óxidos de Azoto (NOx), expressos em NO2 1500
Dioxido de enxofre (SO2) 2700*
Compostos orgânicos, expressos em Carbono Total 50
Compostos inorgânicos fluorados, expressos em F- 50
Compostos inorgânicos clorados, expressos em Cl- 250
Metais pesados totais 8
Os valores indicados naturalmente que se referem simultaneamente aos gases de
combustão e a outros tipos de gases que são provenientes do processo industrial. É de
notar que existe também legislação específica aos diferentes sectores e sub-sectores
industriais, normalmente inscritos em Nota Técnica, e os valores a considerar serão os
indicados para estas situações. Em termos de especificidade ao equipamento em
estudo, apresenta-se o caso da queima de gás em turbina, cujos valores são
apresentados para um valor da correcção ao oxigénio correspondente a um valor base
de 15%. O valor limite de emissão de NOx é igual a 150mg/(n)m3.
De acordo com o Despacho nº 79/95 de 12 de Janeiro 1996, a concentração de
qualquer poluente, para comparação com o valor legislado (Cref) deve ser corrigido a
partir da concentração medida (Cmed), aplicando a seguinte expressão:
Cref = Cmed [(21 - O2ref) / (21 - O2med) x [100/(100 - H2Omed) x (Tmed/Tref)x (Pref/Pmed)
em que:
Cref - concentração normalizada (mg/(n)m3),
Cmed - concentração real, não normalizada (mg/m3),
O2 - teor em oxigénio (%),
T - temperatura (K),
H2O - teor em vapor de água (%),
P - pressão (kPa),
med - valor medido,
ref - valor de referência.
A Pr NP 2617 é a norma de referência no estabelecimento das condições de
amostragem de gases em chaminés industriais circulares, recorrendo-se aos métodos
EPA para medida dos poluentes gasosos.
26
2.5 Identificação de outros gases poluentes gerados durante a combustão -
condições de formação e respectivo controlo
Os produtos da combustão do gás natural são essencialmente dióxido de carbono e
água, e em situações de combustão defeituosa ou incompleta, forma-se monóxido de
carbono, podendo também haver hidrocarbonetos não queimados na exaustão.
Face à evolução do conhecimento e a maior consciencialização da sociedade
moderna, o que eram normais produtos de combustão, começaram a ser tratados como
agentes nocivos, face às implicações ambientais dos produtos de combustão. O
próprio CO2, produto de uma combustão perfeita, é um gás de estufa, com impacto a
nível das alterações climáticas. A tabela seguinte situa o dióxido de carbono
comparativamente com outros gases de estufa que, embora tenha menor poder de
concentração energética, é o gás que se produz em maior quantidade e, daí, a
preocupação em termos de controlo da sua emissão.
TABELAIX - Poder de concentração energética de diferentes gases de estufa e
respectivo
tempo de vida[3]
Gases de Estufa CO2 CH4 CFC11 CFC12 N2O Outros
Poder energético
(GWP)*
1 21 3 500 7 300 290 vários
Crescimento/ano
( % )
0,5 0,9 4 4 0,25 vários
Tempo de vida
(anos)
50-200
10 65 130 15 vários
Contribuição
(>100 anos)
61% 15% 11,5% 11,5% 4% 8,5%
* O poder energético da emissão de 1kg de cada gás relativamente ao poder de concentração energética do C02. # Não é simples a forma como o CO2 é absorvido pelos oceanos e pela biosfera, pelo que não pode ser indicado um único valor.
A emissão de CO para a atmosfera eventualmente irá gerar dióxido de carbono, e os
hidrocarbonetos não queimados entram em reacções químicas na atmosfera e
estratosfera. A este nível acelera a geração de compostos orgânicos complexos que
dão origem à formação de nevoeiro químico, nocivo à saúde pública e aos seres vivos,
atacando as estruturas patrimoniais e provocando a poluição da água, do ar e do solo.
No que respeita às emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, a sua redução
poderá ser assegurada incrementando a eficiência energética dos equipamentos, ou
através da diversificação energética, designadamente através da substituição de
equipamentos térmicos para queima de gás natural, ou recorrendo a outras técnicas,
designadamente pré-aquecendo o ar que alimenta a combustão. A Figura 8 apresenta
valores de economia de combustível em função da temperatura do ar, o que se traduz
numa redução das emissões de dióxido de carbono.
27
Figura 8 - Poupança em gás natural (e, redução de CO2) com o pré-aquecimento do ar
Os poluentes formados durante a combustão do gás natural, uma vez que não possui
enxofre na sua constituição, resumem-se aos óxidos de azoto. Consoante a atmosfera,
se redutora se oxidante, e a temperatura, assim se forma óxido nitroso (N2O),
monóxido de azoto (NO) ou dióxido (NO2).
Os óxidos de azoto não são produtos da combustão mas o ambiente de combustão
oferece condições propícias à sua produção. O azoto e o oxigénio do ar reagem entre
si a temperaturas acima dos 900oC pelo denominado mecanismo de Zeldovi'ch, de
acordo com o seguinte mecanismo:
N2 + O NO + N
N + O2 NO + O
N + NO N2 + O
A figura 9 apresenta a produção de NO em função da temperatura. Note-se o
incremento a nível da velocidade de reacção que se verifica acima dos 1100oC,
aumentando significantemente a taxa de produção do NO.
0
10
20
30
40
50
60
70
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600
Tem peratura do ar (ºC)
Ec
on
om
ia d
e c
om
bu
stí
ve
l (%
)
600º C
800º C
1000º C
1200º C
1400º C
Tem peratura do forno
28
Figura 9 - Concentração de NO em função da temperatura para a reacção global
N2 + O2 2NO [2]
No entanto, na presença de hidrocarbonetos, a temperaturas tão baixas quanto os
700oC, a produção de NO é significativa, sendo acelerada através da reacção de
compostos intermédios formados pelo ataque dos radicais livres ao azoto do ar, a sua
produção incrementando a sua produção -"prompt - NO", pelo chamado mecanismo
de Fenimore:
CHi + N2 HCN + N
N + OH NO + H
N + NO N2 + O
A acrescentar a esta situação, a presença de azoto no combustível - "NO -
combustível" também poderá promover a sua produção, adicionando reacções como
as seguintes:[4]
HCN + OH HOCN + H
HOCN+ OH CNO + H2O
CNO + H2O CO + NH2 +O
+ Pontos calculados
o Valores observados
Mudança de escala
NO
CO
NC
EN
TR
AÇ
ÃO
(P
PM
)
TEMPERATURA (ºF)
29
NH2 + OH NO + H + H2
NH2 + NO N2 + H2O
No caso do gás distribuído a nível nacional, o facto de que é o próprio azoto que entra
na composição do gás natural, e não os átomos de azoto quimicamente ligados, leva à
possibilidade de poder ser previamente removido à priori à sua utilização. O processo
mais usado para sua remoção em gases naturais tem sido o recurso ao método de
separação por arrefecimento, com liquefacção do gás. Outro processo, que se pensa
promissor para o futuro, é o de adsorção em leito móvel ou fluidisado com carbono
activado, com vantagens de natureza económica comparativamente ao processo com
refrigeração.
A produção de óxidos de azoto pode ser controlada actuando na temperatura e no
fornecimento de ar. Actuando neste último caso, poder-se-á limitar a produção de
NOx recorrendo ao oxigénio puro como comburente, o que naturalmente encarece o
processo, ou então recorrendo ao método de fornecimento de ar por andares,
envolvendo alterações a nível do queimador e/ou da câmara de combustão.
Estes métodos envolvem o controlo das emissões na fonte, no entanto, existem
processos de limpeza de gases de combustão que poderão ser usados como forma de
despoluição. Um destes processos é visto a seguir, o da requeima, cada vez mais
utilizado pela sua simplicidade e vantagens económicas, tirando partido da ocorrência
das reacções químicas supra citadas - prompt - NO e NO - combustível - para sua
destruição.
2.6 Requeima - definição e sua importância no controlo de poluentes,
localização, condições de operação e controlo
Existem várias formas de controlo de emissões de óxidos de azoto: queimadores
concebidos para geração de baixos níveis de NOx, alimentação do ar em andares, a
recirculação dos gases de combustão, a requeima e ainda, combinações entre estes. A
requeima, muitas das vezes apresentada como uma combustão em 3 fases, é uma
tecnologia desenvolvida muito recentemente[5]
. Envolve a introdução de um
combustível secundário, ou combustível para requeima, em zona subsequente à zona
principal da queima onde estão localizados os queimadores principais, alimentando-se
a seguir o comburente para queima deste combustível, esquematizando-se a seguir os
locais de adição do combustível e ar de requeima na zona pós- combustão.
Combustível para requeima Ar adicional para a requeima
Combustível
Ar
30
ZONA - PRIMÁRIA - REQUEIMA - QUEIMA COMPLEMENTAR
A seguir apresenta-se de forma esquemática uma fornalha com zona de requeima.
Figuar 9 - Representação esquemática e localização da alimentação de combustível e
comburente na zona de requeima em fornalha industrial.
O facto de que os radicais livres provenientes dos hidrocarbonetos, e as próprias
espécies azotadas, reagem com os óxidos de azoto regenerando o azoto, leva a que se
possam reduzir as suas emissões através de aditivos para destruição de NOx, com ou
sem catalisador. Este processo de destruição de NOx é denominado de requeima.
Neste processo, usam-se os gases de combustão, parcialmente como combustível
(dependente do grau de completamento das reacções de combustão), parcialmente
como comburente, adicionando-se um combustível auxiliar. A produção de radicais
livres vai promover o ataque ao NOx e, controlando o fornecimento de oxigénio e a
temperatura, é possível regenerar o azoto. Muitas das vezes incorpora-se a zona de
requeima na base da chaminé da instalação energética, assegurando o controlo das
emissões à priori à saída dos gases de combustão para a atmosfera.
Bibliografia
[1] - "COMB" (1995), Software para cálculos de combustão - versão 2.0, Rui André,
COALTEC e Ambiente em cooperação com o INETI, Lisboa (PO).
Zona decombustão
Injecção decombustível secundário
Zona da
requeima
Injecção
de ar
31
[2] - Gas Engineers Handbook (1965), American Gas Association, Industrial Press
Inc., N.Y. (EUA).
[3] - I. Cabrita (1995), "Iniciativas a nível de Tecnologias Climáticas para o Sector
Energético", 2ª Conferência sobre o Desenvolvimento da Meteorologia nos Países de
Língua Oficial Portuguesa, Lisboa (PO).
[4] - I. Cabrita (1981), "The formation and destruction of Nitric Oxide in Flames",
Ph.D. Thesis,Universidade de Sheffield (GB).
[5] - "Development of Advanced Characterization Tools for the Prediction of reburn
Performance in PF Combustors" (1998-2002), Projecto europeu ao abrigo do
Programa CECA, com a participação de: INETI (PO), CRE Group Ltd (GB), Leeds
Innovations (GB), Gaswarme (G), CERCHAR (FR), IFRF (NL).
[6] - NP 1796 (1988), Higiene e Segurança no Trabalho, Ed. Março 1990, Instituto
Português da Qualidade.
[7] - NP 2199 (1986), Higiene e Segurança no Trabalho - Técnicas de colheitas de ar
para análise de gases e vapores nos ambientes dos locais de trabalho, Ed. Agosto
1986, Instituto Português da Qualidade.
[7] – Techniques de l’ingenieur, Vol. B2, I, Génie Energétique, Génie Climátique,
Anexos, 1982