Transcript of Evangélico roy b zuck - teologia do novo testamento - cpad
1. T E O L O G I A NOVOTESTAMENTO
2. REIS BOOKS DIGITAL
3. R O Y B. Z U C K E d i t o r T E O L O G I A
d>NOVOTESTAMENTO Traduzido por Lena Aranha Dos membros do Dallas
Theological Faculty Roy B. Zuck, editor Darrell L. Bock, editor
consultor CB4D Rio de Janeiro I a Edio 2008
4. Todos os direitos reservados. Copyright 2008 para a lngua
portuguesa da Casa Publicadora das Assemblias de Deus. Aprovado
pelo Conselho de Doutrina. Ttulo do original em ingls: A Biblical
Theology ofthe New Testament Moodv Publishers Primeira edio em
ingls: 1994 Traduo: Lena Aranha Preparao dos originais e reviso:
Csar Moiss Carvalho e Gleyce Duque Capa: Josias Finamore Adaptao de
projeto grfico: Osas F. Maciel CDD: 225-Novo Testamento ISBN:
987-85-263-0955-5 As citaes bblicas foram extradas da verso Almeida
Revista e Corrigida, edio de 1995, da Sociedade Bblica do Brasil,
salvo indicao em contrrio. Para maiores informaes sobre livros,
revistas, peridicos e os ltimos lanamen tos da CPAD, visite nosso
site: http://www.cpad.com.br SAC Servio de Atendimento ao Cliente:
0800-21-7373 Casa Publicadora das Assemblias de Deus Caixa Postal
331 20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Ia edio: 2008
5. Para o Dr. Stanley D. Toussaint, querido colega e estimado
professor, que ensinou o Novo Testamentopara cada um dos
colaboradores desta obra quando ramos estudantes no Dallas
Theological Seminary. O Dr. Toussaint serviu na Faculdade Dallas
Seminary de 1960 a 1968 e de 1973 a 1993.
6. ROY B. ZUCK Bacharel, Biola University; Mestre e Doutor em
Teologia, Dallas Theological Seminary), editor geral, chefe de
depar tamento. professor snior de Exposio Bblica no Dallas
Theological Seminary e professor emrito snior de Exposio Bblica no
Dallas Theological Seminary. Mais recentemente, ele foi registrado
no Whos Who in American Eucation [Quem Quem na Educao Estadun
idense] 1991-92 International Directory of Distinguished Leadership
[Listagem Internacional de Liderana Eminente] (1994) e Directory of
International Biography [Listagem de Biografia Internacional]
(1994). Ele tambm editor da Bibliotheca Sacra [Biblioteca sacra] e
co-editor de The Bible Knowledge Commentary [Comentrio compreensivo
da Bblia]. DARRELL L. BO CK Bacharel pela Universidade do Texas, em
Aus- tin; Mestre pela Dallas Theological Seminary; doutor pela
University of Aberdeen editor consultor de Novo Testamento,
professor associado de Estudos do Novo Testamento no Dallas
Theological Seminary e ministro da Palavra na Trinity Fellowship
[Fraternidade da Trindade], em Richardson, Texas. Ele autor de
Proclamation from Prophecy and Panem [Proclamao da profecia e do
modelo]. Ele tambm co-editor de Dispensationalism, Israel, and the
Church: The Search for Definition [Dispensacionalismo, Israel e a
Igreja: a busca por definio] (1992) e co-autor de Progressive
Dispensationalism [Dispensacional ismo progressivo] (1993), como
tambm contribuiu em muitos outros livros.
7. PREFCIO Tem-se designado a teologia sistemtica como a rainha
das cin cias. Ela dedica-se investigao de Deus e seu universo. Por
isso, a te ologia envolve a observao sobre a revelao especial a
Palavra inspi rada de Deus e a revelao natural a criao de Deus , e
tambm do relacionamento entre as duas. O telogo, para examinar a
revelao especial, tem de investigar o contedo da Escritura. Isso
exegese. A seguir, deve examinar passagens especficas luz da
estrutura teolgica da obra especfica do autor da Escritura. Isso
teologia bblica. Essa me dida tenta impedir que o telogo tire as
passagens de seu contexto ou de distorcer o sentido das passagens
da Escritura para que se ajustem a uma teologia pessoal. O papel
dos telogos bblicos difcil. De um lado, o comentarista pode pensar
que as ramificaes do debate no foram levadas a srio pelos telogos
bblicos. De outro lado, os telogos sistemticos podem achar que as
dedues teolgicas dos telogos bblicos no se aprofundaram o
suficiente. E um deleite verificar que no presente volume houve um
exame cuidadoso dos frutos da exegese em uma tentativa de
determinar a teologia dos escritores do Novo Testamento. A boa
teologia sistemtica fundamenta-se nos frutos da boa teologia
bblica, e esta, por sua vez, baseia-se na boa exegese. A presente
obra no s discorre sobre as interpretaes histricas dos textos
bblicos, mas tambm sobre a discusso contempornea dessas
8. 8 Teologia do Novo Testamento passagens e livros bblicos. Os
autores discutem vrios pontos de vista sobre as passagens que tm
relao com os ensinos teolgicos dos escri tores bblicos especficos,
alm de ser justos na expresso dessas vrias in terpretaes e
judiciosos em suas crticas. Ao ler esta obra, no sentimos que os
autores querem iniciar nenhuma polmica nem enfocar apenas os
assuntos que mais os atraem. Muitas vezes, difcil ler teologia, no
necessariamente por ser pro funda, mas pela confuso causada pelo
uso de linguagem complexa. No entanto, este livro fcil de ler. Esta
obra pode ser usada na ntegra pela igreja, pois no se dirige a uns
poucos intelectuais. Ela serve como um instrumento acessvel a todos
que comentam as Escrituras. Professores e pregadores conseguiro
alcanar a compreenso do contedo de pas sagens particularmente
problemticas do Novo Testamento e tambm observaro a relao dessas
passagens com o desenvolvimento da teologia dos escritores bblicos
e de como isso contribui para a teologia da Bblia como um todo.
Esta obra, em razo dessa tendncia pandmica atual de fazer o que
conveniente, um contrapeso bem-vindo. Os cristos no devem se deixar
influenciar facilmente, nem pelas foras seculares nem pelas ecle-
siais, mas devem, isso sim, seguir as ordens bblicas. Todos os
cristos, com muita freqncia, so encorajados a tomar atitudes com
base em uma exegese pobre ou em uma teologia sentimentalista.
Quando os cris tos lerem este livro, percebero o carter de Deus e o
que Ele deseja para eles. Harold W. Hoehner Professor snior e
diretor do departamento de Estudos do Novo Testamento do Dallas
Theological Seminary
9. SUMRIO Sobre os
editores..................................................................................
6
Prefcio.................................................................................................
7
Introduo.............................................................................................
11 1. Teologia de
Mateus............................................................................
19 2. Teologia de
Marcos............................................................................
69 3. Teologia de
Lucas-Atos......................................................................
95 4. Teologia dos Escritos
Joaninos..........................................................
187 5. Teologia das Epstolas Missionrias de
Paulo.................................269 6. Teologia das Epstolas
Paulinas Escritas na Priso......................... 331 7. Teologia
das Epstolas Pastorais de
Paulo....................................... 369 8. Teologia de
Hebreus...........................................................................
409 9. Teologia de
Tiago.................................................................................
461 10. Teologia de Pedro e
Judas...................................................................483
10. INTRODUO Eugene H. Merrill apresenta A Biblical Theology of
the Old Testament [Teologia Bblica do Antigo Testamento] com uma
definio de teologia bblica e uma discusso sobre o carter dessa
disciplina em comparao com a teologia sistemtica.1Nessa obra, ele
define que a teologia bblica traa passo a passo, ao longo da Bblia,
a histria da salvao, permitindo que a histria assuma qual quer
forma apropriada a cada dado estgio da revelao, reconhecendo como a
doutrina se desenvolve medida que a revelao progride.2Essa definio
de teologia bblica reflete a preocupao de traar de forma cuidadosa
o desenvol vimento da doutrina no perodo da produo da Bblia, perodo
esse que cobre mais de mil anos. A questo do progresso da revelao
no tempo especialmente intensa no Antigo Testamento, j que sua
produo estendeu-se por diversos sculos. Todavia, no que se refere
ao Novo Testamento, a questo do progresso da re velao assume uma
dimenso distinta. Esse Testamento, do comeo ao fim, emerge em um
perodo de cinqenta anos. O Novo Testamento reflete o pe rodo mais
intenso do desenvolvimento da revelao especial, uma vez que ele
cobre o impacto da vida e do ministrio de Jesus sobre o plano de
Deus. O que 0 Antigo Testamento aguarda como promessa, o Novo
Testamento afirma que comeou no cumprimento dessa promessa em
Jesus. Hebreus 1.1,2 afirma isso com clareza: Havendo Deus,
antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas, a ns falou-nos, nestes ltimos dias, pelo 1Roy B.
Zuck, ed., A Biblical Theology of the Old Testament, Chicago:
Moody, 1989; p. 1-6. 2Ibid., p. 2.
11. 12 Teologia do Novo Testamento Filho, a quem constituiu
herdeiro de tudo, por quem fez tambm o mundo. Em suma, o Novo
Testamento a respeito de Jesus e de como Ele completa o plano para
o restabelecimento do governo de Deus sobre sua criao. Contudo,
como organizar um material to firmemente condensado e carregado de
sentido teolgico? O uso de que categorias melhor para a sintetizao
desse material? Se, como mostrou Merrill, a teologia bblica
distinta da teologia sistemtica, qual a relao dela com a exegese, o
terceiro elemento da trindade interpreta- tiva? Como conseguir os
blocos para construir a mensagem teolgica da Bblia? Onde se encaixa
este volume sobre a teologia bblica do Novo Testamento? Esta
introduo busca responder a essas questes ao definir a incomoda
relao da teologia bblica com a exegese e a sistemtica, enquanto
compara como este volume se encaixa nos esforos anteriores de
escrever uma teologia bblica para o Novo Testamento. R elao d a T e
o l o g ia B b l ic a com a E x eg ese e a S ist e m t ic a Exegese
a cuidadosa explicao do sentido de um determinado texto. O termo
origina-se da palavra grega exgsis, que quer dizer explicao.3A exe
gese envolve analisar um texto em seu cenrio histrico, cultural e
literrio com referncia a seu contedo lxico, gramatical e teolgico.
Contudo, todo aquele que estuda em um seminrio ou participa de
aulas de estudo bblico sabe que, com freqncia, a exegese e a
teologia parecem operar em programas distintos. Isso acontece
apenas por que essas disciplinas questionam a partir de
perspectivas diferentes. Entender como cada uma delas funciona
ajuda a acabar com a tenso sentida nas diferentes abordagens. No h
nada de errado em examinar um texto de vrios ngulos a fim de
avaliar as vrias dimenses do texto bblico. Fica claro que a
teologia bblica, quando comparada com a exegese e a teologia
sistemtica, ocupa a posio de ponte entre as outras duas formas de
leitura da Bblia. Todas as trs disciplinas trazem uma contribuio
vlida ao estudo teolgico, embora a suposio que possibilita que a
teologia bblica e a teologia sistemtica trabalhem em direo a um
objetivo unificador a de que um Autor divino permanece por trs das
pores individuais da Escritura. Todas as trs disciplinas, sem o
compromisso com o Autor por trs dos auto res humanos, perdem
qualquer esperana de produzir uma leitura unificada da mensagem da
Bblia. E problemtico fazer teologia bblica ou sistemtica em um
documento escrito e reunido de forma aleatria. A Bblia, todavia, no
um agrupamento de registros de experincias religiosas individuais.
Os au tores deste volume sobre a teologia do Novo Testamento
compartilham, com 3Henry Liddell e Robert Soctt, A Greek-English
Lexicon, ed. Henry Jones, Oxford: Clarendon, 1968, p. 593.
12. Introduo 13 os autores do volume sobre a teologia do Antigo
Testamento, o compromisso com a viso superior da inspirao e
autoridade da Bblia. Apenas essa viso fornece alguma esperana de se
manter juntas as distintas perspectivas que emergem da exegese, da
teologia bblica e da teologia sistemtica.4 Desse modo, como fazer
com que a exegese, a teologia bblica e a siste mtica se relacionem
umas com as outras? A histria da interpretao mostra que a teologia
sistemtica e a exegese sempre tiveram um carter definido, enquanto
a teologia bblica no tem carter definido. A relao das trs disci
plinas ajuda a explicar o porqu disso. A sistemtica pega o todo da
revelao e busca tecer a unidade inerente entre as partes com o uso
de categorias des critivas e tpicos de tema que facilitem unificar
o todo. O que emerge uma grade que explica como as partes se
encaixam. A prpria natureza do bloco de construo da disciplina
representa que vrias grades foram propostas. Mas o mtodo, em cada
caso, busca trabalhar a unidade esboada pelo todo da Es critura. Em
contraste a isso, a exegese trabalha minuciosamente com as peas
individuais do texto escriturai, procurando explicar o que cada
parte diz. A terminologia da exegese, com freqncia, a do texto
conforme definido pelo cenrio bem especfico a que a passagem se
destinou originalmente. Questes de fundo, muitas vezes, dominam a
busca do sentido original ou a pesquisa do ponto inicial por trs da
mensagem. A justaposio dessas duas outras disciplinas, junto com o
relativamente pouco tempo em que se considera a teologia bblica
como disciplina, fazem com que a essa ltima seja o mais novo e
esforado membro da famlia.3 Ela, com freqncia, extrada em 4Para uma
perspectiva distinta de que no h nenhuma esperana de se fazer
teologia bblica e sistemtica, a no ser em contextos eclesisticos,
veja Heikki Risnen, Beyond New Testa ment Theology, Philadelphia:
Trinity Press Int., 1990. Ele foca exclusivamente a disciplina
histrica que mantm a histria e a teologia em campos totalmente
distintos. Essa separao entre histria e teologia e a falta de
separao entre ortodoxia e heterodoxia justamente o que os estudos
teolgicos no devem fazer, embora o propsito de Risnen seja uma
conseqncia natural do fato de ele conceber as matrias bblicas como
parte do processo histrico natural, e no como dirigidos por Deus. A
teologia bblica, como disciplina teolgica formal, , de fato, a mais
nova das trs formas de ler o texto. Sua identidade, como a de todo
recm-nascido, sempre esteve sujeita rivalidade das outras
disciplinas irms. A primeira proposta notvel para se fazer teologia
bblica veio de uma preleo de Johann Philipp Gabler, em 1787, em
Altdorf, Alemanha. (A preleo citada e brevemente discutida na obra
de Werner Georg Kmmel, The New Testament: The His- tory of the
Investigation of Its Problems, traduo de S. McLean Gilmore e Howard
C. Kee, Nashville: Abingdon, 1972, p. 99-104.) A teologia
sistemtica e a exegese so alguns sculos mais antigas que a teologia
bblica. Gabler descreve uma disciplina que teria o foco histrico e
seria sensvel ao texto, em contraste aos vrios sistemas
desenvolvidos de teologia dogmtica com orientao formal e filosfica
to populares na poca. Gabler sobrepujou as tenses entre a histria e
a Bblia, como tambm entre a teologia dogmtica e bblica ao
desvalorizar demais a teologia sistemtica; porm, seu chamado a uma
disciplina intermediria foi til ao permitir
13. 14 Teologia do Novo Testamento discusses ou, caso contrrio,
seria empurrada em duas direes distintas ao mesmo tempo. A teologia
bblica a tentativa de estudar a contribuio individual de um dado
escritor ou de um determinado perodo ao cnon da mensagem. Ela
combina anlise e sntese. A posio intermediria da teologia bblica
represen ta que se tem dado muito menos ateno a ela que teologia
sistemtica ou exegese. Quando ela levada a srio, a questo passa a
ser a direo para qual preciso voltar sua ateno. A teologia bblica
deve honrar seu compromisso com a sntese e usar as categorias da
sistemtica para descrever seu material? Ou deve demonstrar seu
compromisso em traar o progresso histrico do material bbli co da
revelao? A teologia bblica deve focar a mensagem do cenrio histrico
original ou as estruturas teolgicas que tratam daquele cenrio
especfico? A teologia bblica, como uma corda puxada por duas foras
poderosas e relaciona das, sempre luta com seu carter por este ser
uma fuso de interesses sintticos e analticos. Ela, como a construo
de qualquer ponte, aprende vagarosamente, medida que a teologia
procede de sua base histrica para sua expresso como proposio de
princpios, como agentar tanto peso. T e o l o g ia s d o N o vo T e
st a m e n t o : O n d e este V o lum e se E n c a ix a Esse
impulso da teologia bblica reflete-se nas vrias teologias bblicas
do Novo Testamento em circulao hoje. Como o Novo Testamento foi
escrito em um perodo de tempo muito mais condensado que o Antigo
Testamento, um perodo de tempo ou organizao diacrnica dos escritos,
conforme feito em algumas teologias do Antigo Testamento, no
exeqvel. Outros caminhos tiveram de ser abertos. Assim, uma breve
avaliao da abordagem de outras te ologias do Novo Testamento pode
servir como pano de fundo para onde se en caixa este volume sobre
teologia bblica do Novo Testamento e como ele resolve essas tenses.
A avaliao se limitar ao tratamento destinado originalmente a mais
de um escritor do Antigo Testamento. No passado, seguiram-se quatro
abordagens distintas. A primeira delas, que algumas teologias
bblicas do Novo Testamento optaram pela organizao por autor, mas
usaram categorias sistemticas como ponte para a sntese. As obras de
Alan Richardson e de Charles Ryrie usaram essa abordagem.6 O valor
dessa abordagem que os que trabalham com a que se construsse, passo
a passo, a leitura da teologia com sensibilidade em relao ao carter
histrico e ao progresso da revelao e, ao mesmo tempo, com
sensibilidade s contribuies nicas de cada poro da Escritura. Desde
sua obra, a teologia bblica busca definir se seus princpios
organizadores devem se fundamentar na exegese, na sistemtica ou na
histria. 6Alan Richardson, Introduction to the Theology of the New
Testament, New York: Harper, 1959; Charles Ryrie, Biblical Theology
of the New Testament, Chicago: Moody, 1959.
14. Introduo 15 teologia sistemtica conseguem perceber onde o
material do Novo Testamento se encaixa em um esquema mais sinttico
de coisas. No entanto, o ponto fraco dela que incita a unificao das
distintas linhas de nfase do Novo Testamento com muita rapidez e
sob categorias diferentes das usadas pelos escritores indi viduais.
A segunda, afirma que outras teologias bblicas organizaram-se
basica mente pelos indivduos, usando a categoria teolgica que cada
um deles usou. Os indivduos escolhidos podem ser, ou no, escritores
do Novo Testamento. Essa escolha traz preocupao histrica para o
presente medida que cada indi vduo destacado por sua contribuio
nica para a teologia. Werner Kmmel e George Ladd focaram os
ensinamentos de Jesus, Paulo eJoo, enquanto Ladd tambm tratou
individualmente dos outros escritores importantes do Novo
Testamento.7 Ladd apresentou Jesus unificando o tratamento dos
evangelhos sinticos em uma nica discusso dos principais temas do
ministrio de Jesus. Essa tambm uma forma til de proceder, e este
volume adota, basicamente, essa abordagem, mas com duas diferenas.
Este trabalho d tratamento individual aos evangelhos. Embora a
tentativa de apresentar uma teologia unificada de Jesus tenha
valor, o fato que a Bblia inclui quatro apresentaes de Jesus por
intermdio da viso de seus seguidores. Os evangelhos so a descrio
que eles fazem de Jesus, e cada descrio dis tinta da outra. A
estrutura deste volume procura respeitar a estrutura literria da
Escritura ao mesmo tempo em que presta ateno base histrica por trs
dessa estrutura. A obra de Ladd mostra que o retrato de Jesus
apresentado no Novo Testamento tem muitos traos em comum, em
especial, os retratos dos sinticos. No entanto, em sua abordagem
perde-se o retrato caracterstico que cada evangelho apresenta. Por
isso, os colaboradores deste volume optaram por deixar que a
teologia de cada evangelho aparea por si s. Emborasepossatratar a
teologiade Paulo como uma unidade, o material dele, nesta obra, est
separado em trs grupos principais. As epstolas pastorais tm um foco
to exclusivo emassuntos ministeriais eestruturais da igreja que
parece que elas ficariamperdidas em uma apresentao unificada da
teologia de Paulo. Ademais, as epstolas escritas napriso tm um
sabor mais cosmopolita. E provvel que duas de las, Efsios e
Colossenses, pretendiam abranger mais de uma comunidade da igreja
primitiva. Assim, as epstolas escritas na priso tambm
recebemtratamento distin- 7Werner George Kmmel, The Theology of the
New Testament According to Its Major Wit- nesses: Jesus Paul John,
trad. John E. Steeley, Nashville: Abingdon, 1973; e George E. Ladd,
A Theology o f the New Testament, Grand Rapids: Eerdmans, 1974. Em
1993, publicou-se uma edio revisada da teologia de Ladd. Essa edio
acrescenta um breve captulo individual sobre Mateus, Marcos e Lucas
com a finalidade de melhorar o tratamento dado aos evangelhos
sinticos, mas essa viso geral to resumida que apenas as diferenas
mais bsicas de perspectiva existentes entre os evangelhos vm
tona.
15. 16 Teologia do Novo Testamento to a fim de refletir no s o
carter mais regional delas, mas tambm o fato de que emergem de um
mesmo perodo essencial da vida de Paulo. As epstolas restantes
focam claramente as comunidades individuais para as quais foram
escritas, e, por isso, so tratadas como reflexo das inquietaes
teolgicas fundamentais de Paulo. A fim de impedir que a separao
desse material fragmentasse o retrato teolgico de Paulo, pediu-se
aos diferentes autores dessas sees para que, quando apropriado,
observassem as conexes do material paulino com os outros grupos. Os
grupos res tantes tambm so divididos por autor: Joo, Hebreus,
Tiago, Pedro eJudas. A terceira abordagem para escrever uma
teologia bblica do Novo Testa mento a conciliao entre as categorias
sistemticas e as de escritores. O livro de Donald Guthrie trata as
categorias sistemticas como a estrutura unificadora e a
subestrutura, mas discute cada categoria e subcategoria de um autor
por vez.8Esse mtodo tambm faz a conexo com snteses mais extensas,
mas perde- se o sentido de coerncia que reflete a contribuio de
cada autor. Por exemplo, a pessoa, para determinar o ensinamento de
Joo, tem de ler individualmente diversas discusses de categorias
teolgicas definidas e depois, junt-las. Este estudo no segue esse
caminho. A quarta abordagem popular na Europa. Ela fundamenta-se na
histria e na crtica, procurando ir atrs dos documentos mais antigos
referentes his tria e teologia refletidas neles. Joachim Jeremias e
Leonard Goppelt tentam trabalhar a fim de determinar as formas mais
antigas das tradies relacionadas a Jesus.9J que Jeremias escreveu
apenas um volume inicial, seu esforo cessa aqui. Goppelt continuou
sua obra e trata cada autor do Novo Testamento de forma individual
e, ao estabelecer o autor em seu cenrio original, tem um enfoque
mais exegtico. Esses esforos histricos tendem a tirar a nfase na
mensagem do texto bblico visto que tentam voltar s expresses mais
antigas dos eventos associados a Jesus ou se preocupam em detalhar
o cenrio original do ensinamento da forma mais especfica possvel. A
natureza especulativa desse tipo de trabalho no parece ser um tpico
para a teologia do Novo Testamen to, desde que a Bblia, como a
conhecemos hoje, tratada como um espelho nebuloso do passado. Esses
tpicos devem ser tratados pelo estudo exegtico formal e histrico,
no pela teologia bblica. E essa a razo pela qual este livro no
investiga essas questes. Lida-se apenas em grau limitado com
assuntos de pano de fundo e introdutrios. 8Donald Guthrie, New
Testament Theology: A Ihematic Study, Downers Grove, 111.:
InterVar- sity, 1981. 9Joachim Jeremias, New Testament Theology:
The Proclamation of Jesus, trad. John Bowden, New York: Charles
Scribners & Sons, 1971; Leonard Goppelt, Theology of the New
Testa ment, ed. Jrgen Roloff, trad. John Alsup, 2 volumes, Grand
Rapids: Eerdmans, 1981, 1982. Uma srie de volumes, atualmente
produzido no Reino Unido, sob a editoria de James Dunn, tambm adota
essa abordagem com forte concentrao no cenrio original.
16. Introduo 17 Talvez Rudolf Bultmann10nos fornea o exemplo
perfeito dessa aborda gem. Ele tambm tenta determinar o Novo
Testamento historicamente neste mundo, mas fundamenta muitssimo seu
trabalho em questes relacionadas crtica. Ele muito mais radical em
sua abordagem que Jeremias ou Goppelt. Ele to ctico em relao ao
retrato deJesus apresentado no Novo Testamento que mal chega a
discutir a teologia de Jesus.11Antes, ele segue a diviso fun
damentada na histria e na etnia: o querigma da igreja primitiva (ou
seja, a comunidade judaica crist), o querigma da igreja helnica e,
depois, a teologia de Paulo. Essa abordagem considera grande parte
do Novo Testamento como produto da reflexo da Igreja Primitiva,
mais que a afirmao de assuntos que dizem respeito aJesus. Embora
essa teologia seja provavelmente a mais lida nes te sculo e a que
mais influencia os estudos do Novo Testamento, ela muito ctica no
tratamento dos documentos e muito influenciada pelo uso excessivo
de assuntos relacionados crtica. Em contraste a isso, este volume
trabalha o texto do Novo Testamento como seu ponto de referncia.
Reuniu-se uma equipe de estudiosos de acordo com sua especialidade
na rea designada a cada um deles. Eles esto bem conscientes de que
poderiam dizer muito mais sobre cada rea de que tratam, mas
foi-lhes pedi do que salientassem os principais aspectos do
desenvolvimento teolgico da rea de cada um deles. As preocupaes
histricas da exegese ou tentativas detalhadas de voltar histria que
impacta o texto ou ao cenrio original especfico no tm um lugar
importante no tratamento teolgico aqui apresentado. O sentido do
texto escriturai o foco fundamental e primrio desta obra,
especialmente a forma como as vrias passagens sobre temas
semelhantes, dos escritos de cada autor, se ajusta. Este estudo
tenta trazer tona a nfase teolgica fundamental de cada escritor do
Novo Testamento. Esses estudos, primeiro, trabalham com as prprias
categorias do autor bblico, embora muitas das discusses procedam de
disposies facilmente relacionveis com disposies sistemticas mais
tradi cionais. O objetivo trazer tona as estruturas e perspectivas
teolgicas bsicas que enfatizam o todo da obra de um autor. Detalhes
que preenchem as estruturas 10Rudolf Bultmann, Theology of the New
Testament, trad. Kendrick Grobel, 2 volumes, New York: Charles
Scribners & Sons, 1952, 1955. O livro de Hans Conzelmann, An
Outline of the Theology of the New Testament, trad. John Bowden,
New York: Harper & Row, 1969, apresenta uma abordagem similar.
A maior parte da abordagem dele faz paralelo com a de Bultmann, a
no ser pelo fato de que a dele apresenta uma seo separada sobre os
evangelhos sinticos e uma para Joo, ao mesmo tempo em que combina a
teologia das comunidades primitivas e das helenistas. Ele, do ponto
de vista histrico, tambm menos ctico que Bult mann, embora seja
mais ctico que Goppelt e Jeremias. 11Na verdade, podemos suspeitar
que Jeremias e Goppelt podem ter escrito, em parte, para tentar
desafiar Bultmann a respeito desse ponto. Yeja Bultmann, Theology
of the New Testament, p. 3-32.
17. 18 Teologia do Novo Testamento bsicas apresentadas pela
teologia bblica podem ser encontrados em coment rios exegticos
sobre as passagens essenciais em questo, enquanto a forma como
vrias passagens se ajustam s estruturas ou sistemas teolgicos que
se estendem ao longo da Bblia podem ser examinados em discusses
sistemticas. A leitura destevolume capacita-nos a sentir a unidade
entre os autores do Novo Testamen to, como eles dizem coisas
semelhantes de formas distintas, e em que ponto um autor bblico
traz uma contribuio nica para a teologia do Novo Testamento.
Podemos observar, como uma luz atravessando o diamante, a
diversidade de cores e a intensidade da verdade teolgica que o Novo
Testamento oferece. Nessa rica diversidade da teologia do Novo
Testamento emerge a unidade inerente em torno da atividade de Deus
por intermdio de Jesus Cristo. A pro messa caminha para a realizao.
A expectativa est se tornando realidade. A sal vao vem por
intermdio dEle, medida que Ele inicia sua obra de recuperao do
relacionamento da humanidade com Deus. A criao suspira por sua
redeno final, e o grande Mdico Jesus vir para aliviar o sofrimento
dela. A teologia do Novo Testamento proclama a mensagem da esperana
por meio da narrativa, da histria e do debate. A teologia bblica
preenche o espao entre o sentido das passagens individuais e a
sntese da proposio teolgica. Os colaboradores deste volume oferecem
este estudo com a esperana de que os leitores consigam uma melhor
avaliao da riqueza e da diversidade existente no terreno bblico,
como tambm da relao entre interpretao e teologia. s vezes, ficar de
p em uma ponte alta permite que a pessoa perceba com mais clareza a
extenso e o progresso da esperana bblica. s vezes, ao lermos a
Bblia sob uma nova perspectiva, ve mos as coisas antigas de uma
nova forma. D arrell L. B o c k
18. 1 TEOLOGIA DE MATEUS D avid K. Low ery* Acho til, antes de
considerar aspectos particulares do Evangelho de Ma teus, pensar
sobre a natureza dos quatro Evangelhos. No entanto, fornecer uma
breve definio de um Evangelho no to simples como pode parecer, j
que os Evangelhos funcionam de vrias maneiras distintas. Em um
sentido, eles servem como biografias de Jesus. Mateus, por exemplo,
inclui um relato de eventos rela cionados ao nascimento de Jesus e
tambm aspectos de seu ministrio pblico e de sua morte. Seu
Evangelho, como a maioria das biografias, fornece a compreen so de
seu sujeito no s pela narrativa das palavras e obras que fizeram
parte da vida deste, mas tambm pela interpretao do sentido delas
para o leitor. Todavia, os evangelhos, de forma distinta da maioria
das biografias mo dernas, so relativamente breves. Mateus, por
exemplo, devota diversas longas sees de seu Evangelho ao
ensinamento de Jesus, mas cada seo pode ser lida em minutos. Fica
claro que o escritor bblico est apresentando um resumo do
ensinamento de Jesus. A comparao de passagens semelhantes dos
evangelhos tambm sugere que cada escritor exerceu liberdade (em
comparao com as restries, em geral, associada historiografia
moderna) na apresentao e dis posio do material. Essa liberdade
permitiu que cada autor, sob a inspirao do Esprito Santo,
salientasse aspectos distintos das palavras e obras de Jesus. O
resultado disso que os relatos fornecem, de modo cumulativo, uma
compreen so mais rica da importncia da vida e do ministrio de
Jesus. Embora Jesus seja o foco central dos evangelhos, o relato de
sua vida e de seus ensinamentos no a nica preocupao deles. Os
Evangelhos tambm David K. Lowery, bacharel, mestre em Teologia e
doutor, professor de Estudos do Novo Tes tamento no Dallas
Theological Seminary.
19. 20 Teologia do Novo Testamento ajudam os leitores a
entender alguns dos fatores que levaram formao da Igreja, j que os
discpulos que Jesus reuniu a sua volta e instruiu foram os membros
fundadores dela. Meditar sobre o que Jesus disse e fez com seus pri
meiros discpulos responde, em parte, a uma questo crucial: como
chegamos onde estamos hoje? Por essa razo, os evangelhos tambm so
homilias pasto rais, sermes na forma escrita que buscam conseguir
uma resposta afirmativa e prtica de cada leitor. D eus Ao mesmo
tempo em que a vida e o ministrio de Jesus so o foco do Evangelho
de Mateus, ele tambm deixa claro que o que Jesus disse e fez, como
tambm os eventos que conspiraram para lev-lo cruz, faz parte do
plano e do propsito de Deus. O principal sentido de salientar esse
ponto a freqen te ligao de eventos da vida de Jesus com passagens
do Antigo Testamento. Todos os escritores dos evangelhos, em um
grau ou outro, retratam a vida e o ministrio de Jesus como o
cumprimento da profecia e da expectativa do Anti go Testamento. Mas
Mateus particularmente caracterstico em relao a isso. Seu evangelho
caracteriza-se por uma srie de citaes do Antigo Testamento
introduzidas com o uso do verbo cumprir na voz passiva (plrothna).
A pri meira ocorrncia no evangelho de Mateus ilustra a natureza
dessas introdues: Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que
foi dito da parte do Senhor pelo profeta (Mt 1.22). A essa
introduo, segue-se uma citao de Isaas 7.14. Diz-se que o evento, ou
circunstncia, acontece de acordo com o plano e pro psito de Deus.1
Diversas dessas citaes so ligadas s circunstncias do nascimento de
Je sus, da subseqente fuga da famlia para o Egito e do retorno para
que a famlia se estabelecesse em Nazar. Esses eventos, do ponto de
vista do ser humano, parecem uma estranha variao ao auspicioso
incio, geralmente associado a um rei, a um rei divino, em especial.
Mesmo em seus primeiros dias, o Filho amado e sua famlia tiveram de
fugir da perseguio em Israel. Eles retornaram apenas para fixar
residncia nas regies remotas da Galilia, longe do centro de
influncia poltica e religiosa de Jerusalm em que se esperava que um
rei davdico residisse. No entanto, Mateus, com esse recurso de
citaes do Antigo Testamento, mostra que, nessas exigncias
aparentemente espontneas, pode-se observar a mo determinada de Deus
cumprindo seu plano na vida de Jesus. Mateus, na apresentao da
genealogia de Jesus, tambm ilustra que o propsito de Deus alcanado
apesar das circunstncias adversas e do com portamento deplorvel de
algumas dessas pessoas que aparecem na genealogia. 1O evangelho tem
onze citaes semelhantes a esta (1.22,23; 2.5,6,15,17,18,23;
4.14-16; 8.17; 12.17-21; 13.35; 21.4,5; 27.9,10). A estas, pode-se
acrescentar 26.56, em que no se menciona uma passagem especfica do
Antigo Testamento; Mas tudo isso aconteceu para que se cum pram as
Escrituras dos profetas.
20. Teologia de Mateus 21 Mateus, no primeiro versculo de seu
evangelho, diz que Jesus descendente de Davi e de Abrao. A seguir,
exploraremos a relevncia dessas designaes para o retrato que Mateus
apresenta deJesus. Por ora, suficiente dizer que a linhagem
abramica e davdica de Jesus envolve muitas guinadas e voltas
penosas que, todavia, no impedem a realizao do plano divino. A meno
das quatro mulheres na genealogia de Jesus (Mt 1.1-17) uma ilustrao
disso. No se pode determinar com certeza por que Mateus, ao con
trrio da prtica usual de citar apenas os homens, escolhe mencionar
essas mu lheres. Contudo, digno de nota que Tamar (v. 3), Raabe (v.
5), Rute (v. 5) e Bate-Seba (v. 6, mencionada apenas como mulher de
Urias) eram gentias e, no caso de Tamar, Raabe e Bate-Seba, o nome
de cada uma delas est ligado a casos de imoralidade. Elas servem
para lembrar o leitor de que Deus demons trou misericrdia com
gentios indignos no passado e tambm que o plano de Deus no pode ser
frustrado pelas falhas humanas. A linhagem do Messias marcada por
alguns personagens questionveis, os tipos que um genealogista
seletivo poderia ficar inclinado a no mencionar. Esses personagens,
embora no sejam modelos de comportamento (conforme veremos, Mateus
estabelece os mais altos padres ticos), so um lembrete de que, com
freqncia, a graa de Deus estende-se s pessoas mais improvveis, as
quais, por sua vez, servem para desenvolver os propsitos dEle no
mundo. Esse tema de que o plano de Deus avana por meio das pessoas
mais im provveis e em face de circunstncias inescrutveis aparece
repetidas vezes no evangelho de Mateus. Um texto clssico em relao a
esse tema a orao de Jesus de ao de graas e de louvor a Deus: [...]
Graas te dou, Pai, Senhor do cu e da terra, que ocultaste estas
coisas aos sbios e instrudos e as revelaste aos pequeninos. Sim,
Pai, porque assim te aprouve (11.25,26; cf. Lc 10.21). Essa
declarao est ligada ao tema da seo precedente, a misso dos
discpulos (que se inicia em Mt 9.35). Ela um lembrete de que a
resposta adequada pregao deles est inseparavelmente relacionada
obra de Deus de tornar o corao e a mente receptivos mensagem que os
discpulos de Jesus proclamam e tambm de lembrar que essa graa se
estende com mais freqncia queles que so menos considerados pela
sociedade em geral. Os prprios discpulos so um caso em pauta. Eles,
um grupo heterogneo de personagens diversos, parecem candidatos
improvveis ao papel de repre sentar Jesus e de desenvolver o
ministrio dEle. Contudo, foi a esses que Deus concedeu revelaes a
respeito de quem Jesus. Isso revelado com clareza no relato de
Mateus sobre a confisso de Pedro. Este, em resposta pergunta: Quem
dizem os homens ser o Filho do Homem?, declara: Tu s o Cristo, o
Filho do Deus vivo (16.13,16). Todavia, a resposta de Jesus deixa
claro que Pedro no chegou a esse fato por sua inteligncia ou
habilidade intelectual, por mais que ele pudesse ter essas duas
coisas em boa quantidade (v. 17). Pedro era um dos pequeninos,
mencionados por Jesus na passagem 11.25, para quem Deus revelou
essa verdade. Observe o registro prprio de Mateus das palavras
21. 22 Teologia do Novo Testamento de Jesus para Pedro nessa
ocasio: [...] Bem-aventurado s tu, Simo Barjonas, porque no foi
carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que est nos cus
(16.17). E Deus quem revela (as passagens 11.25 e 16.17 usam o
mesmo verbo, apokalupt), conforme lhe apraz (11.26), essa verdade s
pessoas. Jesus, em sua resposta pergunta dos discpulos a respeito
do uso que faz de parbolas (13.10: Por que lhes falas por
parbolas?), tambm expressa essa mesma viso da obra divina de Deus
de revelar a verdade para alguns, mas no para outros. Ele responde
aos discpulos: Porque a vs dado conhecer os mis trios do Reino dos
cus, mas a eles no lhes dado (v. 11). As vezes, nesse tipo de
declarao, chama-se o uso da voz passiva ( dado conhecer) de passivo
divino.: Dessa forma, os escritores e oradores judeus podiam se
referir a um ato de Deus sem mencionar explicitamente o nome dEle,
e essa forma de falar era considerada reverente.3Mas entendia-se
quem executava a ao do verbo. Mais uma vez, o ponto que o ato da
revelao por meio da qual a pessoa entende e acredita na mensagem
proclamada por Jesus algo feito por Deus. Embora essas declaraes
possam confundir aqueles que se acham donos de seu destino,
improvvel que Mateus as registre apenas para esse propsito. Antes,
essas afirmaes a respeito da soberania de Deus, particularmente
ligadas resposta positiva mensagem de Jesus e a respeito dEle,
servem para acalmar as inquietaes que os discpulos pudessem ter em
relao adequao e eficcia deles para a responsabilidade confiada a
eles. A recepo adequada mensagem que eles proclamam , em ltima
instncia, um feito de Deus, no deles. Eles tm um ministrio a
exercer e devem exerc-lo de uma forma que agrade a Deus; no
entanto, o resultado do ministrio no responsabilidade deles. Esse
um conceito libertador no s para aqueles acossados por dvidas em
relao a si mesmos (momentos que, compreensivelmente, a mdia dos
indivduos cha mados a executar a obra de Jesus enfrenta), mas tambm
para aqueles embria gados pela autoconfiana (Pedro, assim como
outros, tambm passou por esses momentos) e que tentam, por meio do
charme ou da prtica manipuladora, exagerar o efeito do evangelho
entre seus ouvintes. Para uma minoria assediada, o que, em geral, a
Igreja do sculo I o era, a garantia da soberania de Deus uma
palavra de encorajamento. Sem dvida, esse tipo de pensamento
poderia levar passividade ou produzir uma mentalidade escapista; no
entanto, a apresentao de Mateus percorre um longo caminho a fim de
impedir essa eventualidade. 2Cf. Friedrich Blass e Albert
Debrunner, A Greek Grammar o fthe New Testament and Other early
Christian Literature, traduo da 9a 10a edio alem por Robert W.
Funk, Chicago: Univer- sity of Chicago, 1961, p. 313; e Joachim
Jeremias, The Parables ofJesus, 8a ed., London: SCM, 1972, p. 203
n. 57. 3Esse mtodo de expresso tambm se relacionava preocupao de no
tomar o nome de Deus em vo (Ex 20.7). Uma forma bvia de impedir
isso era usar o nome de Deus o menos poss vel. Dessa forma,
surgiram circunlquios metafricos (a habitao de Deus, cu em vez de
Deus) e o uso do verbo na voz passiva (evitando a meno de Deus como
sujeito do verbo).
22. Teologia de Mateus 23 Mateus, de modo caracterstico, no
hesita em registrar o fato de que Joo Batista e Jesus cumpriram a
vontade de Deus e que, ao fazer isso, seguiram o caminho que os
levou ao martrio. Nisso, vemos a mo de Deus at mesmo no incio do
ministrio pblico de Jesus. Logo aps o batismo de Jesus, ainda com
as palavras de Deus: Este o meu Filho amado, em quem me comprazo
(3.17), ecoando nos ouvidos dos leitores, Mateus registra a tentao
de Jesus, introduzindo-a com estas palavras: Ento, foi conduzido
Jesus pelo Esprito ao deserto, para ser tentado pelo diabo (4.1).
Cada um dos escritores sinticos registra a tentao de uma maneira
bastante distinta, peculiar ao escritor, mas os leitores de Mateus
no podem deixar escapar o fato de que a mo de Deus est presente
nessa experincia da tentao de Jesus. Ele conduzido (voz pas siva)
pelo Esprito (o agente de Deus)4a fim de ser tentado (outro verbo
na voz passiva, dessa vez um infinitivo que transmite propsito)
pelo Diabo (o agente da tentao). Em vista das citaes subseqentes de
Deuteronmio por parte de Jesus (4.4,7,10), o leitor poderia achar
que a experincia de Israel no deserto a contraparte do Antigo
Testamento para essa provao de Jesus (cf. Dt 8.2). No entanto,
deve-se desculpar o leitor se a histria deJ tambm vier mente. Em
bora seja possvel ver claramente que o que aconteceu a J era do
conhecimento de Deus, naquele relato, Satans, pelo menos, vai at
Ele para pedir permisso para o que se seguiu. No caso deJesus, Ele
levado a essa tentao pelo Esprito! O pedido final da orao (modelo)
do Pai Nosso, E no nos induzas tentao, mas livra-nos do mal (Mt
6.13), assume um sentido especial quando visto luz da experincia de
Jesus no deserto. Tiago afirma, com acerto, que Deus mesmo no tenta
ningum (Tg 1.13), mas Mateus no deixa dvida de que, s vezes, Ele
permite que seus filhos sejam tentados. Da mesma forma, Mateus
deixa claro que as provaes podem levar ao mar trio, como aconteceu
comJesus eJoo Batista. Mateus, na responsabilidade mis sionria
transmitida aos discpulos por Jesus, inclui esta palavra de
advertncia: E no temais os que matam o corpo e no podem matar a
alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma
e o corpo. No se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum
deles cair em terra sem a vontade de vosso Pai (10.28,29). Se algum
inventasse a categoria de ditos assustadores para as afirmaes
bblicas, essa certamente seria uma candidata. Contudo, ela tambm
fornece uma palavra de garantia em relao ao cumprimento do plano de
Deus para seu povo no mundo. A experincia de oposio, de perseguio e
at mesmo de martrio no uma indicao de que Deus se separou de seu
povo ou virou as costas para ele. Essas so experincias que
acontecem, como aconteceram com Joo eJesus, e aos servos mais
seletos de Deus. O pardal no cai sem a vontade de Deus. Todavia, o
pardal cai. Essa a viso de Mateus da vontade de Deus. Em Mateus
3.16, o escritor do evangelho utiliza uma meno modificada ao
Esprito com o genitivo de Deus, indicando que o Esprito pertence a
Deus (posse) ou vem dEle (fonte). De qualquer forma, o Esprito
Santo o agente que executa a vontade de Deus.
23. 24 Teologia do Novo Testamento Isso, sem dvida, no tudo que
Mateus escreve sobre a forma como Deus realiza seu plano para este
mundo por intermdio de seus servos da Igreja. Con tudo, esse um
lembrete de que este Deus, conforme descrito com freqncia por
Mateus, realiza seus propsitos de formas inesperadas e, muitas
vezes, de safiadoras, de acordo com o ponto de vista do homem.
Entretanto, Ele, ao fazer isso, no um Deus afastado de seu povo nem
indiferente situao dele. O Se nhor est profundamente preocupado com
o bem-estar de seu povo, consciente das suas necessidades e
desejoso de cuidar de cada um. Vrias passagens do Sermo do Monte
apresentam esse ponto. Na senten a introdutria do Pai Nosso, os
discpulos recebem a garantia da preocupao real de Deus para com
eles: [...] Vosso Pai sabe o que vos necessrio antes de vs lho
pedirdes (6.8). Poucos versculos adiante, reafirma-se essa
garantia, quando os discpulos so informados que no precisam se
preocupar com o alimento e a vestimenta, pois o Pai celestial bem
sabe que necessitais de todas essas coisas (v. 32) e que todas
essas coisas [lhes] sero acrescentadas (v. 33). Da mesma forma,
descreve-se Deus como o doador de boas coisas para os que lhe pedem
isso (7.11). Essas boas coisas no incluem apenas as necessidades da
vida fsica, mas tambm as bnos espirituais associadas ao evangelho
(cf. o uso da mesma palavra, agatha, boas em Rm 10.15 [Is 52.7] e
Hb 10.1).5 O cuidado de Deus em relao a todos os membros da
comunidade de discpulos tambm vem tona na parbola da ovelha perdida
(Mt 18.12- 14), registrada em um captulo que contm vrias instrues a
respeito da manu teno do relacionamento correto com os seguidores
de Cristo. O versculo que introduz essa parbola enfatiza como
aqueles que, por muitos motivos, so pouco estimados pelos outros
membros da comunidade, entretanto, so importantes para Deus. Na
verdade, o versculo uma advertncia: Vede, no desprezeis algum
destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos cus
sempre vem a face de meu Pai que est nos cus (18.10). Embora, s
vezes, entenda-se que esse versculo diz que todos os cristos tm um
anjo da guarda designado para cuidar deles, provvel que essa seja
uma inter pretao extremada da declarao. O que se afirma que os
anjos da mais alta ordem (os mais prximos de Deus) ministram para
os pouco estimados (kataphrone quer dizer desprezar ou tratar com
desprezo6) pela sociedade humana. Esse um lembrete de que Deus
valoriza as diferenas da humanida de e tambm que a avaliao que
algum faz da importncia dos outros pode ser distinta da avaliao de
Deus e, portanto, talvez os critrios de avaliao precisem ser
revistos. 5A afirmao paralela do evangelho de Lucas (11.13) se
refere a Deus conceder o Esprito Santo, o agente de muitas boas
ddivas ligadas s bnos da salvao. 6Walter Bauer, William F. Arndt e
F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon ofthe New Testa ment
and OtherEarly Christian Literature, 2a ed., rev. F. Wilbur
Gingrich e FrederickW. Danker, Chicago: University of Chicago,
1979, p. 420.
24. Teologia de Mateus 25 A parbola da ovelha perdida
(18.12-14) uma ilustrao disso. Jesus foca um membro da comunidade
que se desviou (a palavra descritiva plana quer dizer levado a
desviar ou desencaminhar, por conseguinte, enganar ou corromper).
Talvez a resposta de alguns seja: Bons ventos o levam, ou: Estamos
contentes que ele se foi. Contudo, por mais que alguns sejam
propensos a tratar esse desviado com desprezo, as palavras de
Jesus, aqui, so um lembrete contundente de que a pessoa fraca e
desviada importante para Deus. Deve-se procurar essa pessoa com
solicitude e, se possvel, salv-la do erro de seu caminho. [...] No
vontade de vosso Pai, que est nos cus, que um destes pequeninos se
perca (18.14). Essa afirmao da preocupao de Deus com o perdido no
se restringe queles que se consideram discpulos. Mateus tambm
registra as palavras de Jesus sobre o cuidado de Deus com o mundo,
geralmente como fundamento para exortar os discpulos a demons trar
amor por todas as pessoas, at mesmo seus adversrios: [...] Amai a
vos sos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que
vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que
sejais filhos do Pai que est nos cus; porque faz que o seu sol se
levante sobre maus e bons e a chuva desa sobre justos e injustos
(5.44,45). O ponto est bem claro. Deus concede bnos naturais de
forma abran gente e incondicional. Os discpulos, da mesma forma,
devem amar os outros, fazer o melhor para eles e orar para que os
inimigos se tornem aliados. No entanto, parece haver uma dissonncia
nessa comparao por causa da discre pncia entre o natural e o
espiritual. Podemos ver e sentir o sol e a chuva. A orao, com
certeza, menos tangvel. Dar po ao inimigo parece uma compa rao mais
apropriada, mas a ilustrao um tanto enigmtica comum no estilo de
ensino de Jesus. Esse estilo provoca o pensamento e no d espao para
a complacncia. E o Antigo Testamento, como muitas vezes o caso,
fornece um ponto de conexo que serve para elucidar e revelar a
simetria da comparao. No Antigo Testamento, a ordem de Deus para
que haja sol e chuva no retratada apenas em termos de uma bno
natural. Antes, os elementos da na tureza tambm testemunham por
Deus: Os cus manifestam a glria de Deus e o firmamento anuncia a
obra das suas mos. [...] ouvem-se as suas vozes em toda a extenso
da terra, e as suas palavras, at ao fim do mundo (SI 19.1,3,4). Da
mesma forma, o relato do protesto de Paulo, contra a lisonja
dirigida a Bar- nab e a ele, comprova o testemunho da natureza:
[...] No se deixou a si mes mo sem testemunho, beneficiando-vos l
do cu, dando-vos chuvas e tempos frutferos (At 14.17).7Os elementos
naturais so uma declarao de Deus para toda humanidade a respeito de
si mesmo.8De forma semelhante, os discpulos, em sua resposta ao
mandamento de amar todas as pessoas, devem testemunhar 7Paulo disse
quase a mesma coisa em sua Epstola aos Romanos (1.20). 8Isaas
55.10,11 compara a palavra que sai da boca de Deus com a chuva do
cu que rega a terra.
25. 26 Teologia do Novo Testamento por Deus e manifestar, por
meio de suas obras, a bondade do Senhor. Assim, a comparao
completa-se no objetivo do empreendimento missionrio de trazer
todas as pessoas ao ponto em que tambm podem glorificar a Deus e
orar com propsito a splica inicial do Pai Nosso: [...] Pai nosso,
que ests nos cus, san tificado seja o teu nome (6.9). Mas isso
antecipar outro aspecto da teologia de Mateus. Todavia, antes de
considerarmos esse aspecto, devemos dar ateno principal figura do
Evangelho de Mateus. C r ist o O foco do Evangelho de Mateus a
pessoa de Jesus Cristo. Pode-se obter alguma idia de quem Ele e do
que faz ao se meditar sobre os vrios ttulos concedidos ao Salvador.
Mas os ttulos apenas no exaurem a mensagem de Mateus a respeito de
Jesus. Os relatos do que Jesus disse, fez e continua a fazer tambm
fornecem discernimento de quem Ele e mostra por que o Mestre o
objeto de f adequado. O primeiro versculo do Evangelho apresenta
quatro nomes, ou ttulos, des critivos de Jesus: Jesus Cristo, Filho
de Davi, Filho de Abrao. O nome dado a Ele no nascimento, Jesus, a
forma grega do nome hebraico Yeshua que quer dizer o Senhor salva.
Esse nome foi aquele que o anjo do Senhor ordenou Jos a dar ao
filho de Maria, sua noiva, que nasceria (1.21). Portanto, o nome
foi escolhido por Deus, em nome de quem o anjo falou. O nome
descreve o queJesus estava destinado a fazer: Ele salvar o seu povo
dos seus pecados (1.21). Acostumados a pensar que as pessoas tm
diversos nomes, sendo o ltimo o que designa o nome de famlia da
pessoa, talvez alguns fiquem inclinados a achar que Cristo, da
mesma maneira, algum tipo de ltimo nome ou so brenome de Jesus.
Mas, ele, na verdade, um ttulo, ou designao, concedido ao Filho de
Deus. Cristo, como o nome Jesus, tambm a forma grega da palavra
hebraica Messias e quer dizer Ungido, uma pessoa especialmente
designada por Deus para realizar sua vontade. O Evangelho da vida e
do ministrio deJesus revela qual a vontade de Deus para o Messias.
A forma como o Messias salvaro seupovo dos seus pecados um tanto
distintado que seriaprovvel que a maioria das pessoas esperasse.
Embora seja difcil determinar com certeza qual seria a expectativa
geral dos judeus do sculo I para um messias, provavelmente seria
correto dizer que a idia de algum sofredor e humilhado no deveria
ser muito difundida na imaginao pblica.9 Mateus mostra que os
associados mais prximos de Jesus seus disc pulos acham censurveis
(16.21-23) e dolorosos (17.22,23) os comentrios dEle sobre seu
sofrimento e morte iminentes. Portanto, causa pouca surpresa o fato
de Ele, em geral, procurar chamar pouca ateno sobre si mesmo no
curso de seu ministrio e tentar limitar a propagao de suas obras
miraculosas que, 9VejaJacob Neusner, William Green, Ernest
Frerichs, eds,,Judaisms and TheirMessiahs at the Turn ofthe
Christian Em, New York: Cambridge University, 1987.
26. Teologia de Mateus 27 como compreensvel, alimentariam
esperanas nacionalistas de um libertador poltico.10No entanto, a
libertao poltica no era seu objetivo imediato, no obstante, sua
reconhecida linhagem real. F IL H O D E DAVI A terceira designao
atribuda a Jesus no primeiro versculo do Evangelho foca sua
linhagem real como descendente de Davi com direito a reivindicar o
trono de Israel. A genealogia que se segue enfatiza esse ponto ao
dividir a rvore familiar de Jesus em trs blocos genealgicos com
quatorze nomes em cada um,11nmero que corresponde soma acumulada
das letras hebraicas do nome Davi: dalet = 4; vav = 6; dalet = 4.12
Essa nfase sobre as ligaes davdicas de Jesus diz respeito afirmao
do Evangelho de que Jesus, na verdade, o Rei de Israel, embora a
manifestao da realeza dEle difira, de forma marcante, da norma. Ele
um rei que se caracteriza pela humildade, conforme Mateus, citando
Zacarias 9.9, declara: Dizei filha de Sio: Eis que o teu Rei a te
vem, humilde e assentado sobre uma jumenta (Mt 21.5). No obstante,
Ele um rei, fato que reconhece quando Pilatos lhe pergunta: Es tu o
Rei dos judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes (27.11). Os soldados
romanos zombam dEle por causa dessa verdade: Salve, Rei dos ju
deus! (v. 29). E tambm includa na placa posta acima da cabea dEle
na cruz: ESTE JESUS, O REI DOS JUDEUS (v. 37). Todavia, se a
realeza de sua primeira vinda foi marcada pela humilhao, no ser
assim no retorno dEle. Aqui, Mateus retrataJesus como o Rei
exaltado, sentado em seu trono na glria celestial (25.31). Ele
sintetiza a reverso que caracterizar o povo de Deus em geral
(19.28). Ele no ser mais aquEle que julgado, pois julgar e vindicar
o justo (25.34,40). F IL H O D E A BRA O A quarta designao, Filho
de Abrao, mais um lembrete de que Jesus judeu, descendente de
Abrao, o pai da nao israelita.13 Talvez os leitores 10Esse um fator
na pergunta de por que Jesus tentou manter seu messiado em segredo,
fenme no particularmente associado ao relato de Marcos sobre o
ministrio dEle. 11Essa arrumao conta Jeconias duas vezes, no final
do segundo bloco (1.11) e no incio do terceiro (v. 12), o que
termina com Jesus em 14 (v. 16). 12Essa conveno literria, que os
judeus chamam de gematria (termo emprestado da palavra grega para
geometria), curiosa para os leitores modernos, mas relativamente
comum e compreensvel para os leitores judeus e gentios da poca de
Mateus. Veja EncyclopaediaJudaica, New York: Macmillan, 1971,
7:369-74. 13Josefo, historiador judeu, refere-se a ele como nosso
pai Abrao Jewish Antiquities 1.158; cf. Jo 8.39). Outra designao
para Jesus no Novo Testamento descendncia de Abrao (Jo 8.33,37; Rm
9.7; 11.1).
27. 28 Teologia do Novo Testamento tambm devam pensar na
promessa que Deus fez para Abrao de que em ti sero benditas todas
as famlias da terra (Gn 12.3) e ver na vida e ministrio de Jesus,
Filho de Abrao, o cumprimento dessa promessa. FILHO DE DEUS Esse o
ttulo mais comum para Jesus no Evangelho de Mateus e, diriam
alguns, o mais importante.14No Antigo Testamento, s vezes, a
expresso filhos de Deus serve para se referir a Israel como um todo
(Os 11.1) e a diferentes grupos ou a indivduos de Israel, como os
reis (2 Sm 7.14) ou os sacerdotes (Ml 1.6). No Novo Testamento, os
cristos tambm so chamados de filhos de Deus (por exemplo, Rm 8.14).
A importncia da idia de filiao aplicada a todos esses diversos
grupos que se espera que os chamados de filho representem com
fidelidade Deus, seu Pai, e que realizem a vontade dEle. A mesma
noo primordial no uso desse ttulo em relao a Jesus. Ele, de forma
distinta de todos, realizou fielmente a vontade de Deus Pai, fato
afirmado de forma lancinante em sua orao no Get- smani: Meu Pai,
[...] faa-se a tua vontade (Mt 26.42). Assim, Filho de Deus antes
de tudo uma descrio funcional. Claro que essa designao tambm tem
relevncia para a compreenso da posio e do relacionamento de Jesus
com Deus, mas o fato de outros serem cha mados de filhos de Deus um
lembrete de que essa expresso menos uma afirmao, ou confirmao,
ontolgica da divindade dEle, e mais uma afirmao tica, ou funcional,
de que Jesus, na verdade, realizou a vontade de seu Pai. No resta a
menor dvida, obviamente, quanto divindade dEle. Cristo foi
concebido pelo Esprito Santo (1.20). Ele recebe o nome de E m a n u
e l , que quer dizer Deus conosco (1.23). Ele recebeu todo o poder
no cu e na terra (28.18). No entanto, a designao Filho de Deus d
particular ateno ao modo de vida dEle. Nessa rea, Ele mostrou-se
nico. FILHO DO HOMEM Se algum ttulo disputa com Filho de Deus o
lugar de maior importn cia como designao descritiva deJesus o de
Filho do Homem.Jesus usa essa designao de si mesmo com mais
freqncia que qualquer outro ttulo. Talvez alguns digam que ele no
tem mais relevncia que um circunlquio ambguo, uma forma indireta
por meio da qual Jesus diz coisas sobre si mesmo sem usar o pronome
pessoal eu.A validade dessa argumentao ilustrada pelo fato de que
os escritores do Evangelho, no registro das afirmaes dEle, s vezes,
alter nam Eu e Filho do Homem. 14Jack Kingsbury, Mathew: Structure,
Christology, Kingdom, Philadelphia: Fortress, 1975.
28. Teologia de Mateus 29 Duas passagens de Mateus 16 ilustram
isso. Na pergunta que Jesus apre senta a Pedro em relao a sua
identidade, Mateus escreve: Quem dizem os homens ser o Filho do
Homem? (16.13b), enquanto Marcos diz: Mas vs quem dizeis que eu
sou? (Mc 8.29b), e Lucas: Quem diz a multido que eu sou? (Lc 9.18).
Poucos versculos adiante, Mateus registra a primeira predio de
Jesus de sua morte iminente com estas palavras: Comeou Jesus a
mostrar aos seus discpulos que convinha ir a Jerusalm, e padecer
muito (Mt 16.21), enquanto Marcos e Lucas escrevem: importava que
Filho do Homem pade cesse muito (Mc 8.31), e: E necessrio que o
Filho do Homem sofra muitas coisas (Lc 9.22; ARA). O fato de os
escritores do Evangelho intercalarem, com relativa liberdade, a
designao Filho do Homem com o pronome pessoal no quer dizer que o
ttulo no tivesse importncia teolgica para eles. Quer dizer apenas
que eles no tinham dvida de que os leitores saberiam que a designao
aplica-se ape nas aJesus. provvel, com base na afirmao deJesus em
seujulgamento dian te do Sindrio: [...] vereis em breve o Filho do
Homem assentado direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do
cu (Mt 26.64), que o fundamento teolgico da expresso se encontre em
Daniel 7.13,14. Essa passagem ilustra nitidamente o duplo sentido
da designao conforme usada em Mateus (e nos outros Evangelhos
sinticos). Jesus estava em meio hu milhao que culminaria na cruz;
contudo, Ele se refere a sua futura exaltao. A maioria dos usos da
designao no Evangelho cai em uma ou outra destas catego rias: na
presente humilhao do Filho do Homem ou em sua futura exaltao em que
Ele manifestar as prerrogativas da divindade. Assim, os leitores do
Evangelho de Mateus observam no uso dessa designao de Jesus que
ambos os aspectos, a humilhao e a exaltao, so vivenciados por Ele.
Essas duas experincias, no en tanto, so diferenadas temporalmente
para que a humilhao caracterize a maior parte do curso de sua vida
terrena. Todavia, Jesus, aps a ressurreio, entra em seu papel
exaltado. Ele recebe toda autoridade no cu e na Terra (28.18),
embora a manifestao terrena dessa glria exaltada seja apenas
demonstrada em plenitu de em sua segunda vinda. Ento, aparecer no
cu o sinal do Filho do Homem; e todas as tribos da terra se
lamentaro e vero o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do cu, com
poder e grande glria (24.30). A garantia de sua derradeira
vindicao, a despeito da realidade de sua presente humilhao, explica
a prefe rncia de Jesus por essa enigmtica expresso como designao de
si mesmo, um ttulo que, em alguma medida, captura o enigma da
encarnao: Deus tornou-se homem para, no fim, ser aclamado como
Senhor de todos. SENHOR Talvez algum se incline a pensar que o
ttulo Senhor, de todas as desig naes aplicadas a Jesus, implique,
de forma to clara quanto qualquer outro, a realidade da divindade
dEle. E provvel que nas tradues do Evangelho para
29. 30 Teologia do Novo Testamento o portugus isso seja
verdade. Todavia, a palavra grega kyrios, traduzida por Senhor, tem
uma gama mais ampla de sentidos. Ela pode ser usada como uma
simples expresso de respeito corts. Por exemplo, quando o chefe dos
sa cerdotes e os fariseus vo a Pilatos para pedir que ponha um
guarda no tmulo de Jesus, o relato da petio deles comea com o
(vocativo do) tratamento kyrie, que averso em portugus traduz, com
acerto, por senhor (27.63). No se re tratam os judeus como
indivduos que conferem prerrogativas divinas a Pilatos; eles apenas
o tratam com respeito. Kyrios, por sua vez, usado, em geral, como
um ttulo de Deus na tradu o grega do Antigo Testamento, por isso,
as citaes do Antigo Testamento que aparecem no Evangelho, em geral,
referem-se a Deus dessa forma. Esse uso como divindade relevante
luz da discusso de Jesus com os fariseus sobre sua filiao. A
pergunta apresentada desta forma: Que pensais vs do Cristo? De quem
filho? (22.42). Quando eles respondem de forma correta que Ele
Filho de Davi, Jesus lhes apresenta um enigma, fundamentado em Sal
mos 110.1: Como , ento, que Davi, em esprito, lhe chama Senhor,
dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te minha direita, at
que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus ps. Se Davi,
pois, lhe chama Senhor, como seu filho? (Mt 22.43-45). Com certeza,
aqui, afirma-se tanto a superioridade de Cristo em relao a Davi
como tambm se observa a implicao da divindade dEle graas ao jogo de
palavras com o ttulo Senhor. Mateus deixa claro, em duas passagens
referentes a Jesus como o Juiz que determina os destinos
individuais, que v prerrogativas divinas associadas ao t tulo
Senhor. De acordo com a passagem 7.22, muitos professaro submisso a
Jesus e sero contados entre seus seguidores, mas, no fim, sero
banidos da presena dEle. Muitos me diro naquele Dia: Senhor,
Senhor, no profetiza mos ns em teu nome? E, em teu nome, no
expulsamos demnios? E, em teu nome, no fizemos muitas maravilhas?
E, ento, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de
mim, vs que praticais a iniqidade (7.22,23). Nesse contexto, chamar
Jesus de Senhor identifica formalmente es ses indivduos como
seguidores de Cristo; todavia, no fim, as obras deles mostram que
essa confisso de f falsa. E digno de nota o fato de que as obras
que revelam a falsidade da confisso deles no so os milagres e as
maravilhas. No se nega a afirmao deles em relao a essas obras.
Antes, eles no fizeram a vontade de Deus (v. 21); eles deixaram de
fazer as obras aparentemente prosaicas e comuns. O que isso pode
representar ilustrado, em parte, pela segunda passagem a respeito
da relevncia de Jesus como Senhor e Juiz supremo. O relato que
compara o julgamento das naes com a separao entre ovelhas e bodes
tambm uma passagem distintiva do evangelho de Mateus (25.31-46).
Aqui tambm, Jesus, como Juiz de toda a humanidade, exaltado como
Senhor pelos benditos (v. 34) e pelos malditos (v. 41).
Menciona-se, como evidncia da realidade dessa confisso, a ateno que
Jesus dedica aos
30. Teologia de Mateus 31 chamados meus pequeninos irmos (v.
40), com os quais Ele se identifica de forma a poder dizer que o
que se faz a um deles como se fizesse a Ele (cf. 10.45). Embora os
malditos aclamem Jesus como Senhor, eles, por suas obras, mostram
que no so suas ovelhas. O fato de os benditos e os malditos
reconhecerem Jesus como Senhor coerente com a convico de que Deus o
exaltou soberanamente e lhe deu um nome que sobre todo o nome, para
que ao nome de Jesus se dobre todo joelho [...], e toda lngua
confesse que Jesus Cristo o Senhor (Fp 2.9-11). Assim, Senhor o
ttulo associado ao exerccio das prerrogativas divinas por parte de
Jesus, e esse ttulo sugere a sua divindade. Senhor tambm parece ser
a designao que Mateus considera a mais apropriada para os lbios dos
discpulos. Alm das duas passagens discutidas acima, a comparao com
dois relatos tambm registrados por Marcos e Lucas ilustram esse
fato. A primeira comparao est no relato em que Jesus acalma a
tempestade do mar da Galilia (Mt 8.23-27; Mc 4.35-41; Lc 8.22-25).
Os discpulos, embora Jesus estivesse com eles no barco, ainda que
adormecido, tm medo de morrer e pedem ajuda a Ele. No entanto, os
escritores registram formas de tratamento distintas em relao a
Jesus: Lucas e Marcos usam Mes tre (Lc 8.24; Mc 4.38); e Mateus,
Senhor (Mt 8.25). O mesmo padro ocorre no relato da transfigurao de
Jesus (Mt 17.1-9; Mc 9.2-10; Lc 9.28-36). Pedro, ao aparecimento de
Moiss e Elias na conversa com Jesus, faz uma proposta. De novo, os
escritores registram formas de trata mento distintas consistentes
com a usada antes: Lucas e Marcos usam Mestre (Lc 9.33; Mc 9.5); e
Mateus, Senhor (Mt 17.4). Mateus parece dizer aos seus leitores que
a forma mais certa de se dirigir a Jesus cham-lo de Senhor. Esse
evangelista reconhece tanto a autoridade de Jesus como a
responsabilidade que os discpulos tm de obedecer s ordens dEle
(28.20). OUTRAS DESIGNAES E PAPIS Esse breve exame dos nomes e
ttulos, ou designaes, dados a Jesus no Evangelho de Mateus no
pretende sugerir que apenas a compreenso deles fornecer a completa
viso do carter e da pessoa de nosso Salvador. Todavia, eles
representam uma maneira de o leitor conseguir avaliar a vida e
ministrio dEle e, por sua vez, dar a resposta apropriada a Ele. O
que Jesus disse e como se conduziu so tambm, bvio, uma parte
crucial do processo pelo qual os dis cpulos chegam correta avaliao
do Mestre que eles devem imitar (10.25). A meno ao papel de mestre
um bom exemplo disso. Embora Jesus, com freqncia, fosse chamado de
Mestre pelas pessoas fora do crculo de dis cpulos (8.19; 9-11;
12.38; 17.24; 19.16) ou fosse tratado de Rabi, por Judas, em duas
ocasies (26.25,49), Mateus nunca apresenta os discpulos se
dirigindo a Ele dessa forma. Contudo, fica claro que Mateus v Jesus
como Mestre, ou
31. 32 Teologia do Novo Testamento melhor, como o Mestre, em
vista do fato de que ele registra Jesus aplicando esse ttulo a si
mesmo em duas ocasies (23.10; 26.18)13e inclui em seu evan gelho
uma extensa seo dos ensinamentos deJesus. Mateus introduz o
registro do sermo do monte deJesus, por exemplo, com as palavras:
E, abrindo a boca, os ensinava (5.2). E Mateus tambm menciona, na
concluso do sermo, que "a multido se admirou da sua doutrina,
porquanto os ensinava com autorida de (7.28,29). Fica claro que
Jesus, embora no Evangelho de Mateus nenhum discpulo o chame de
Mestre, um mestre sem igual. O mesmo verdade em relao designao de
Servo.Jesus nunca chama do especificamente de Servo, porm,
aplica-se o texto de Isaas 42.1-4 (Eis aqui o meu Servo que
escolhi) a Ele em conexo ao seu ministrio de cura (Mt 12.18-21).
Alm disso, Mateus 8.17 cita Isaas 53.4 em relao a Jesus, e isso
tambm ocorre em conexo com seu ministrio de cura. E talvez Isaas 53
forme o pano de fundo para as afirmaes dEle de que o Filho do Homem
no veio para ser servido, mas para servir epara dar a suavida
emresgate de muitos (Mt 20.28). Embora se possa debater a extenso
em que esse retrato deJesus foi influenciado pelo Servo de Isaas,
fica claro que Mateus mostraJesus como aquEle que eraum servo. E
Mateus levanta o exemplo dEle como o modelo a ser seguido pelos
discpulos.16 Alguns intrpretes do Evangelho tambm acham que Mateus
apresenta Jesus como a Sabedoria de Deus, aplicando a Ele a
personificao encontra da em Provrbios 8.12-36 e desenvolvida na
literatura judaica intertestamen- tria (como em Siraque, o livro
apcrifo do Antigo Testamento).17Se a base para essa identificao no
de todo convincente, verdade, no entanto, que o estilo de vida de
Jesus ilustra os princpios de sabedoria e a aplicao da re velao de
Deus para as situaes dirias da vida, e que Ele, como a sabedoria,
convida os outros a imitarem sua forma de viver (Mt 11.28-30). O
retrato de Jesus apresentado por Mateus mostra de forma hbil que
Ele manso e humilde de corao (Mt 11.29), descrio enfatizada pela
aplicao das palavras de Isaas (42.2,3) a Ele: No contender, nem
clamar, nem al gum ouvir pelas ruas a sua voz; no esmagar a cana
quebrada e no apagar o morro que fumega, at que faa triunfar o juzo
(Mt 12.19,20). Todavia, 15Didaskalos, a palavra usual para mestre,
tambm ocorre em Mateus 23.8. Provavelmente, tambm uma referncia a
Jesus, embora o Pai seja mencionado no versculo 9, e Cristo, no
versculo 10, mas talvez possa sugerir que o mestre do versculo 8
deva ser compreendido como o Esprito Santo. O uso, no versculo 10,
da palavra katbgts para descrever Cristo como mestre ocorre apenas
nessa passagem do Novo Testamento. 16A conjuno, bem como (hsper),
que inicia a passagem 20.28, introduz um exemplo em vista da
admoestao precedente dos versculos 26 e 27. 17Jack Suggs, Wisdom,
Christology, and Law in Mathews Gospel, Cambridge, Mass.: Harvard
University, 1970; Frederick Burnett, The Testament of Jesus-Sophia,
Washington, D. C.: Catholic University, 1981; cf. Celia Deutsch,
Hidden Wisdom and the Easy Yoke, Sheffield, U. K.: Sheffield,
1987.
32. Teologia de Mateus 33 Mateus tambm mostra Jesus, mesmo em
sua humildade, como aquEle que j sxerce grande autoridade para que
a molstia (8.1-4), a enfermidade (w. 5-13), i doena (w. 14,15), os
demnios (v. 16), os poderes do mundo natural (w. 23- e a prpria
morte (9.18-26) se submetam a sua ordem. At que ponto pretendia-se
que essas obras fossem vislumbres de sua auto ridade (cuja
subseqente investidura, em sua ressurreio, apenas reconhece que,
agora, sua autoridade opera em escala mais ampla; 28.18) ou obras
reali zadas pelo poder do Esprito (12.28), talvez seja uma questo
que Mateus veria como discutvel ou irrelevante, se no pedante.
Contudo, a vinda do Esprito sobreJesus em seu batismo (3.16) e o
pronunciamento de Deus (v. 17) parecem ser um comissionamento e
autorizao com autoridade,18vistos e reconhecidos subsequentemente
como de Deus (9.8). No entanto, tentar distinguir a autori dade
divina e o ministrio do Esprito talvez seja algo que v alm do que
ne cessrio saber. Contudo, embora as referncias ao Esprito sejam
relativamente raras no Evangelho de Mateus, ele um assunto
importante a ser considerado. O E s p r it o S a n t o No Evangelho
de Mateus ocorrem apenas dez referncias ao Esprito, sen do mais de
um tero delas no captulo 12. Como se deve esperar de um evange lho
preocupado em interpretar a importncia da vida e do ministrio de
Jesus, a maioria das referncias descreve a obra do Esprito em relao
a Jesus. J foram mencionadas as referncias que falam do Esprito
como o agente concessor de vida no nascimento de Jesus (1.18,20).
Por isso, tambm se dedica alguma meditao importncia da vinda do
Esprito sobre Jesus no incio de seu ministrio pblico (3.16; 12.18).
Jesus, em seu nico comentrio especfico a respeito da relao do
Esprito com seu ministrio, atribui a execuo de sua obra de
exorcismo interveno do Esprito: [...] Eu expulso os demnios pelo
Esprito de Deus (12.28).19Se essa afirmao pode ser extrapolada para
explicar a execuo de todas suas obras milagrosas algo a ser
debatido; toda via, sob o ponto de vista teolgico, no h nada de
problemtico em fazer isso nem inconsistente com o retrato de Jesus
no contexto mais amplo do Novo Testamento.20 18O pronunciamento
fundamenta-se em duas passagens (SI 2.7; Is 42.1), relacionadas ao
incio dos papis divinamente designados. 19Essa citao tirada da
primeira parte da declarao condicional (se [...] ento), mas clara
mente uma proposio que leitores e ouvintes devem julgar como
verdade. 20Filipenses 2.7, por exemplo, menciona que Jesus
aniquilou-se a si mesmo. Tambm podemos traduzir a afirmao
aniquilou-se a si mesmo por disposio para se tornar homem. Usa-se a
palavra grega kene para descrever a deciso do Filho de renunciar ao
uso de suas prerrogativas divinas em sua encarnao. Por isso, quando
os discpulos perguntaram a Jesus quando ser o fim, isso no foi
revelado ao Filho que no se permitiu beneficiar-se de seu poder
divino e, de fato, respondeu; [...] Daquele Dia e hora ningum sabe
[...] nem o Filho (Mt 24.36).
33. 34 Teologia do Novo Testamento Em um dos anncios de Joo
Batista a respeito de Jesus, ele diz s pessoas que Jesus batizar
com o Esprito Santo e com fogo (3.11). E possvel que a associao de
fogo ao Esprito seja uma referncia obra limpadora, ou purifica-
dora, que o Esprito realizar. Entretanto, o mais provvel, em vista
do versculo seguinte (v. 12) que se refere queima de palha com fogo
inextinguvel, que dois aspectos da obra de Jesus, resumidos de
forma ampla, estejam em vista. A declarao de Joo Batista parece
reunir aspectos distintivos da primeira e da segunda vinda de
Jesus.21O batismo de fogo est associado com as bnos da salvao, e o
fogo representa o destino terrvel daqueles enviados presena de
Jesus, o Juiz (13.40-42; 25.41). Assim, as experincias alternativas
abertas para toda a humanidade so representadas pelas referncias ao
Esprito e ao fogo. Joo Batista no diz quando Jesus batizar com o
Esprito. Uma conclu so a respeito disso se relaciona, em parte, ao
debate anterior sobre a relao da autoridade de Jesus com o papel do
Esprito. Os leitores do Novo Testa mento criam que o batismo com o
Esprito predito por Joo foi cumprido inicialmente em Pentecostes
(At 2) e, depois disso, em conjuno com a expe rincia da converso (1
Co 12.13). O relato de Mateus em relao a isso ocorre no dcimo
captulo. Ele, no primeiro versculo, registra que Jesus deu-lhes
poder sobre os espritos imun dos, para os expulsarem e para curarem
toda enfermidade e todo mal (Mt 10.1; cf. v. 8). Presume-se que o
recurso por meio do qual os discpulos foram capazes de fazer essas
coisas o mesmo de Jesus o Esprito Santo (12.28) , embora, nesse
ponto da narrativa, isso no seja afirmado de forma clara.22
Todavia, depois, no discurso relativo garantia de que os discpulos
no pre cisam se preocupar sobre o que devem responder se forem
acusados diante de cortes gentias ou judaicas por causa de seu
ministrio, menciona-se a proviso do Esprito (10.17-20). Aqui, a
meno desse ministrio do Esprito pode ser mais uma indicao de que,
na verdade, o Esprito foi concedido no curso dessa primeira misso
dos discpulos. Entretanto, um fator que adverte contra adotar, com
muita facilidade, essa concluso se relaciona com o fato de que as
instrues de Jesus a respeito do empreendimento missionrio do qual
os discpulos devem se encarregar parece antecipar uma misso mais
ampla que a primeira qual foram enviados. Os dis cpulos, nessa
primeira comisso, deviam restringir seu ministrio a Israel (10.5),
21E possvel que o prprio Joo no reconhea nenhuma distino temporal
na realizao da obra de Jesus. Talvez esse fato conte para sua
pergunta sobre o messiado de Jesus (11.2,3). Joo, pre so e abatido,
pode muito bem ter se perguntado por que a vindicao do justo e o
julgamento dos indivduos maus no estavam acontecendo em um ritmo
mais rpido. 22No h indcio de que Judas foi impedido de ter esse
privilgio. Toda a aparncia indica que ele tambm era capaz de
realizar milagres. Portanto, isso poderia ser uma ilustrao da
situao prevista em 7.21-23. Se esses milagres, como parece provvel,
foram feitos por meio do Espri to, esse fato tambm esclarece
passagens como Hebreus 6.4, em que os que se fizeram partici pantes
do Esprito Santo podem, apesar disso, descobrirem-se contados entre
os perdidos.
34. Teologia de Mateus 35 mas a garantia do auxlio do Esprito
est ligada ao testemunho tambm diante de cortes gentias (v. 18).
Dessa maneira, o comentrio de Jesus parece antecipar futuras
misses, e pode ser que algumas dessas advertncias e promessas
estejam destinadas a ser interpretadas luz de Pentecostes. O papel
do Esprito central para o empreendimento missionrio e, na verdade,
para a experincia do perdo j que fica claro o papel dEle em vista
do que dito em relao blasfmia contra o Esprito: [...] todo pecado e
blasfmia se perdoar aos homens, mas a blasfmia contra o Esprito no
ser perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra
contra o Filho do Homem, ser-lhe- perdoado, mas, se algum falar
contra o Esprito Santo, no lhe ser perdoado, nem neste sculo nem no
futuro (12.31,32). E compreensvel que esses versculos, por uma srie
de motivos distintos, aflijam os leitores do Evangelho. Primeiro,
algum pode se perguntar o que blasfmia, ou falar, contra o Esprito,
j que isso no definido. Segundo, como algum, dada a falta de
definio, sabe se um ato cometido, mesmo que de for ma inadvertida,
o torna culpado de um pecado para o qual no h perdo? Ao responder s
perguntas desse tipo, diversos fatores so relevantes. A conscincia
do contexto imediato da afirmao, de modo caracterstico, essen cial
compreenso adequada de seu sentido. Nesse caso, Jesus foi acusado
de executar expulso de demnios por meio de Satans (12.24), o que
eqivale a repudiar a Ele e a sua mensagem. Um segundo fator
relevante diz respeito a que informao o contexto mais amplo da
Escritura traz tona para fundamentar a interpretao de qualquer
passagem apresentada. Um aspecto do ministrio do Esprito dar
testemunho de Cristo. O Evangelho de Mateus deixa isso claro, pois
as obras de Jesus, fei tas por intermdio do Esprito, atestam o
messiado dEle. Quando Joo Batista envia emissrios para questionar
Jesus a respeito de seu messiado, Ele responde apontando para as
coisas que j fez (11.2-6). Por essa razo, se algum negar que essas
obras foram feitas pelo Esprito e que, portanto, elas autenticam
Jesus representa a rejeio mxima dEle como emissrio de Deus, e isso
faz com a pessoa exclua a si mesma da salvao que Ele oferece. Tambm
relevante o fato de que o queJesus disse aqui representauma adver
tncia. Nesse ponto, essa fala no apresentada como um pronunciamento
de jul gamento, nem mesmo contra aqueles que fizeram essejulgamento
preliminar a res peito deJesus. E uma advertncia de que a
persistncianessejulgamento representa, por fim, rejeitar o
testemunho do Esprito no que concerne a Jesus, ato que leva perdio
dos defensores desse julgamento. Esse parece ser o foco da
passagem. Se esse for o caso, duvidoso que algum preocupado em
cometer esse pe cado tenha motivo para isso. Em relao aos outros
difcil, se no impossvel, determinar quando algum alcana o ponto de
rejeio total e final do minis trio do Esprito no que diz respeito a
Jesus. Todavia, suficiente dizer que improvvel que os que chegaram
a esse ponto estejam preocupados com isso. A ansiedade a respeito
do destino eterno no uma caracterstica tipicamente
35. 36 Teologia do Novo Testamento associada s pessoas
perdidas. Conforme Mateus relembra os leitores de seu Evangelho:
Porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilvio, comiam,
bebiam, casavam e davam-se em casamento, at ao dia em que No entrou
na arca, [...] assim ser tambm a vinda do Filho do Homem
(24.38,39). Isso no quer dizer que as pessoas no podem cruzar uma
linha da qual no h retorno. Talvez Judas seja o caso de algum que
fez isso (27.3,4), e o escritor de Hebreus (6.4-6) talvez tambm
esteja advertindo sobre isso. Mas improvvel que Mateus incluiu essa
passagem sobre rejeitar o testemunho do Esprito como uma palavra de
condenao pronunciada aps o fato. Antes, uma palavra de advertncia
de que o testemunho do Esprito sobre Jesus no deve ser rejeitado.
Duas passagens finais a respeito do papel do Esprito podem ser
mencio nadas antes de se fazer alguma observao conclusiva sobre
esse aspecto da teo logia de Mateus. A passagem 22.43 refere-se ao
papel do Esprito na inspirao da Escritura, quando afirma que Davi,
no salmo 110.1, falou em esprito. E expressa-se a personalidade do
Esprito Santo, em igualdade com Deus Pai e Deus Filho, na ordem
deJesus para que os discpulos sejam batizados em nome do Pai, e do
Filho, e do Esprito Santo (28.19). O batismo o testemunho vi sual
do incio do relacionamento de um discpulo com o Deus trino. Este um
ponto apropriado para se considerar as duas afirmaes deJesus sobre
sua presena com os discpulos, j que o Esprito parece ser o agente,
no mencionado, dessa presena. Na passagem 18.20, Mateus registra
essa afirma o de Jesus: [...] onde estiverem dois ou trs reunidos
em meu nome, a estou eu no meio deles. Essa afirmao antecipa com
clareza a ausncia fsica de Je sus, ao mesmo tempo em que afirma a
presena espiritual dEle. De modo seme lhante, a afirmao final do
Evangelho a palavra de garantia de Jesus: [...] eu estou convosco
todos os dias, at consumao dos sculos (28.20). Se algum perguntar
como ou em que sentido Jesus est presente com seus discpulos, a
resposta seria por meio do Esprito Santo. Assim, aqui est outra
ilustrao do ministrio do Esprito apontando para Cristo. Jesus,
apesar da ausncia fsica, est presente por intermdio do Esprito que
d testemunho de nosso Salvador e continua, em nome dEle, a estender
o ministrio para outros. O R e in o d o s C us/ d e D eus Antes de
mencionar o que Mateus escreve a respeito do Reino dos cus, ou
Reino de Deus, precisamos fazer algumas consideraes em relao ao
sentido dos prprios termos. Em geral, a palavra reino denota a idia
de um domnio, uma regio fsica ou espacial, incluindo o povo e a
terra sobre os quais um rei exerce autoridade. Esse sentido tambm
se aplica s palavras usadas para reino no Antigo e no Novo
Testamentos. No entanto, o termo reino tambm pode se referir ao
exerccio de go verno ou autoridade. Nesse uso do termo existe um
sentido mais dinmico, ou ativo, que se refere imposio da vontade de
um governante, ou de sua soberania, sobre seus sditos. Portanto, o
termo tem uma noo esttica ou
36. Teologia de Mateus 37 espacial associada a ele e tambm um
sentido dinmico ou espiritual. A pa lavra domnio pode ilustrar
esses sentidos j que pode ser usada tanto para o exerccio da
autoridade como para a regio, ou reino, em que se exerce essa
autoridade. Nem sempre fica claro se uma passagem especfica da
Bblia se refere a um ou outro aspecto do sentido de reino ou a
ambos. No final do Sal mos 103, por exemplo, aparece esta afirmao:
O Senhor tem estabelecido o seu trono nos cus, e o seu reino domina
sobre tudo (v. 19). Contudo, outra verso da Bblia traduz a segunda
parte do versculo desta maneira: e como rei domina sobre tudo o que
existe (NVI). Essa segunda traduo faz bastante sentido em vista dos
versculos seguintes que se referem aos anjos que obede cem voz da
sua palavra (v. 20), e aos ministros [...] que executa[m] o seu
beneplcito (v. 21). Todavia, a frase seguinte tambm sugere algum
senso do sentido espacial: [...] em todos os lugares do seu domnio
(v. 22). Assim, os dois aspectos da palavra podem ser relevantes em
uma determinada passagem, embora talvez um sentido predomine em
alguma circunstncia especfica. Tambm h dualidade temporal associada
ao uso da palavra no Antigo e no Novo Testamentos. Em geral,
fala-se no Reino de Deus como uma realidade presente. Por exemplo,
de acordo com o salmista: Todas as tuas obras te louva ro, Senhor,
e os teus santos te bendiro. Falaro da glria do teu reino e rela
taro o teu poder, para que faam saber aos filhos dos homens as tuas
proezas e a glria da magnificncia do teu reino (SI 145.10-12). Em
outras passagens se referem a um reino futuro, ou ao que seria mais
bem descrito como a futura manifestao do Reino de Deus. Isaas
aguarda aquEle que governar sobre o trono de Davi e no seu reino,
para o firmar e o fortificar emjuzo e em justia, desde agora e para
sempre (Is 9.7). E Daniel registra a viso de um como o filho do
homem; e [...] foi-lhe dado o domnio, e a honra, eo reino, paraque
todos os povos, naes e lnguas o servissem; o seu domnio um domnio
eterno, que no passar, e o seu reino, o nico que no ser destrudo
(Dn 7.13,14). Sentidos semelhantes esto associados ao que Mateus
diz sobre o Reino de Deus ou o Reino do Filho do Homem. Mas antes
de examinarmos algumas dessas afirmaes especficas, faz-se necessrio
um comentrio geral sobre uma expresso que especfica do Evangelho de
Mateus. O ponto de interesse o uso que ele faz da expresso Reino
dos cus em passagens em que Marcos ou Lucas, em seus relatos,
referem-se ao Reino de Deus (por exemplo, Mt 13.31; Mc 4.30; Lc
13.18). J mencionamos que os judeus usavam a voz passiva para
descrever atos de Deus como uma forma respeitosa de descrever o que
Ele fez sem mencionar seu nome (desde que mais fcil omitir o
sujeito com o uso do verbo na voz passi va). A substituio do nome
de Deus por cus, a moradia do Senhor, outra forma desse tratamento
respeitoso. Essa expresso ocorre apenas no Evangelho de Mateus. No
entanto, ele tambm usa quatro vezes a expresso Reino de Deus
(12.28; 19.24; 21.31,43)